domingo, 9 de agosto de 2009

Gestionarium V - Homenagem a Schulberg e a “governabilidade”

Repararam nas notícias da morte de Schulberg, o argumentista de “Há lodo no cais” (“Waterfront”, 1955)?
O senhor sofreu bastante com a perseguição da comissão das actividades anti-americanas, vulgo caça às bruxas. Tinha militado no partido comunista dos USA nos anos trinta. Interessante haver (continua a haver) um partido comunista nos USA. Possivelmente muitos intelectuais americanos interessaram-se por esse partido como consequência da depressão de 1929. Terão chegado a conclusões semelhantes às que outros chegaram agora. Mas tudo indica que a retoma chegará e sejam esquecidas as conclusões. Como citava o padre Anselmo Borges no DN de hoje, o capitalismo é amoral e a decência não é nem de perto nem de longe uma noção económica. Já dizia o senhor presidente Sarkozy: este não é o capitalismo que queríamos. Pode ser que o seja quando a retoma regressar.
Voltando a Schulberg, para além do seu trabalho, ele deverá ser homenageado e o seu exemplo seguido, por ter sido capaz de trabalhar com Elia Kazan, o realizador de “Há lodo no cais”, conhecido pelas suas posições conservadoras. Schulberg provou que é possível o trabalho conjunto de pessoas com ideologias diferentes, desde que os objectivos sejam comuns.
E aqui chegamos à actualidade de Schulberg: é fácil aceitar como objectivo comum fazer um bom filme, se bem que a definição de bom filme pudesse ser afectada pelo facto de, na altura em que o filme foi feito, a “democracia próspera”, segundo uns, tinha acabado de executar Ethel Rosenberg com provas falsas (estava-se no McCarthismo). Melhor do que eu explica Baptista Bastos na sua crónica do DN como é possível duas pessoas de ideologias diferentes como Paul Celan e Heidegger entenderem-se. Ver em:
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1320144&seccao=Baptista
Mais difícil será definir um objectivo comum nas nossas actividades profissionais.
É difícil mesmo definir um plano de expansão de redes de transportes urbanos ferroviários. Os estudos são feitos em secretismo, sem debate alargado. Falta-nos a capacidade de organização de equipas com diversidade de formação técnica e de pontos de vista. Talvez até fosse mais fácil se participassem técnicos com opiniões diferentes sobre a coisa política. Seria um bom sinal de alargamento do debate.
Será uma situação semelhante à dos nossos candidatos a cargos públicos: quando pedem maiorias para a governabilidade (engraçado, o termo "governabilidade" acabou por designar a qualidade do que é fácil de ser governável, quando o significado original da palavra era: conjunto de condições que dão legitimidade à governação; engraçado, mesmo, como a opinião "mediática" torce o significado das coisas...), quererão alterar as leis eleitorais impondo círculos uninominais e acabando com a regra de Hondt? Não estou a falar de política, estou a falar de matemática. A matemática permite exprimir a vontade dos grupos de eleitores, mas só a matemática posterior ao conceito do circulo uninominal do século XVIII. Evoluímos com Charles Borda, Condorcet, Hondt, Kenneth Arrow. Querem voltar ao século XVIII? Tanta iliteracia matemática (os nossos políticos saberão que ao propor circulos uninominais e a apregoar a “governabilidade” estão a exibir ignorância matemática?) . E revelam incapacidade de compreensão da mensagem de Schulberg, que o trabalho de grupo não precisa do monolitismo de opinião para progredir…
Considerações sobre as regras eleitorais em: http://www.petitiononline.com/tq8389xc/petition.html

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