domingo, 29 de dezembro de 2019

Do Palácio da Ajuda à Biblioteca Municipal do Porto

Para evitar complicações com a Justiça, que como se sabe é um dos esteios do progresso do nosso país, embora pareça não aplicar nenhuma das 85 medidas corretivas ventiladas numa sessão de abertura de um ano jurídico com o presidente da República, começo por declarar que os dois episódios a seguir comentados se desenrolaram no estrito cumprimento do ordenamento jurídico existente, não tendo portanto sido violada qualquer legislação.

Decorrem as obras de uma dita ampliação do palácio da Ajuda. O projeto tinha sido sujeito a concurso público há alguns anos. Passados os anos da troika e começando a cair do céu os dinheiros das taxas turisticas, foi entendido lançar a obra mas aproveitando o concurso anterior.


Mandaria a prudencia repetir o concurso atendendo ao tempo passado, seria uma forma tácita de dizer ao premiado que tinha feito um projeto demasiado datado, que a moda das fachadas à la CGD já tinha passado, e que pensando melhor, mais valia reformular o concurso que não devia ser apenas um fecho de uma fachada, passe a redundancia, mas uma ampliação a sério (repare-se na largura de cada lado dos torreões nascente, e compare-se com os novos torreões, a que possivelmente chamarão agora outro nome), implicando a remodelação a sério de toda a área, deslocalizando o que fosse necessário do quartel da GNR, da calçada da Ajuda e da rede de elétrico. Isto é, haveria que fazer um projeto integrado, incluindo a problemática da mobilidade urbana,  muito para além do dito fecho. O que justificaria um novo concurso. Mas possivelmente quem o decidisse seria acusado de perdulário, pese embora as tais taxas turisticas abundantes.
https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/lisboa-duplica-verbas-para-concluir-obras-no-palacio-da-ajuda-descobrimentos-ficam-a-zero

E como juridicamente nada há a objetar à recuperação do primitivo concurso, assim se fez, aliás de modo semelhante ao que se passou no S.Carlos, quando se perdeu a oportunidade de lançar um concurso público internacional que permitisse ao S.Carlos colaborar com os teatros, não necessariamente de primeira linha, mas que fazem produções de ópera segundo critérios mais arejados do que os tradicionais (entretanto está a correr um processo de impugnação por quem se sentiu prejudicado na avaliação, considerando as competencias desejáveis para o cargo
https://www.publico.pt/2019/12/24/culturaipsilon/noticia/musicologo-pede-tribunal-impugnacao-nomeacao-elisabete-matos-teatro-sao-carlos-1898328. )

E de Lisboa vamos para o Porto, para a biblioteca  municipal
http://www.patrimoniocultural.gov.pt/pt/patrimonio/patrimonio-imovel/pesquisa-do-patrimonio/classificado-ou-em-vias-de-classificacao/geral/view/73483
Não sei se terá havido anteriormente um concurso para a criação de uma sala infantojuvenil, há pouco menos de 30 anos, a cargo de um arquiteto de nomeada. Mas a pressão para a beneficiação e ampliação do convento onde se encontra a biblioteca, de Santo António da Cidade, devidamente estribada em douto parecer juridico, permitiu à câmara do Porto adjudicar por ajuste direto ao dito arquiteto de nomeada.
https://www.keep.pt/2018/11/07/camara-do-porto-vai-reabilitar-biblioteca-publica/
De facto, quem sou eu, ignorado admirador da ópera de Sidney e do procedimento de seleção do governador do banco de Inglaterra, ambos por concurso público internacional, para discretear sobre as questões juridicas que entregam a obra ao senhor arquiteto. Mas vem-me à memória aquela história , julgo que de Pirandello, em que o vendedor de automóveis quer que o potencial interessado no carro o compre porque premiu a sua buzina. Julgo que o que motivou a história não era uma adjudicação de uma obra pública, mas será aplicável.

Tanto no caso de Lisboa como do Porto, sem contestar a qualidade formal dos doutos pareceres juridicos, penso que é aplicável a intenção com que Pacheco Pereira escreveu o seu artigo "O tecido económico e social português":
http://publico.newspaperdirect.com/epaper/viewer.aspx


Parabens, metropolitano



São 60 anos de exploração, após uma gestação de alguns anos.
Gostei muito de ter estado contigo e com todos os que ajudaram a melhorar a mobilidade de Lisboa. Ainda conheci alguns dos que estiveram desde o princípio, com quem não aprendi tudo, por culpa minha, do que sabiam, que deixaram escritos numa biblioteca preciosa, que implantaram uma cultura de segurança que não havia na altura, testemunhei isso. Até ajudámos na prática a tecnologia francesas a desenvolver os dispositivos de travagem automática por ultrapassagem de sinais proibitivos que os conceitos de segurança só impuseram em França nos anos 70 do século XX. E nunca envergonhámos a nossa casa nos contactos com os metros estrangeiros. Assim como assim, fomos rápidos a introduzir o controle por computador da sinalização nas zonas de manobra, a introduzir as centrais telefónicas de comutação temporal, as radiocomunicações em túnel, a condução automática (há 20 anos) , o controle eletrónico da tração e a recuperação de energia por travagem...
Todos com quem trabalhei também demonstraram que é possível construir coisas úteis, por mais complexas que tecnicamente sejam, somos capazes de coordenar e planear esforços, e que podemos resistir a agressões como as dos emissários da troika, com aquela ideia da privatização da operação e da nacionalização dos prejuízos, ou outras agressões como a privação de verbas para encomendar peças de substituição, que tanto prejudicaram os passageiros, ou como a imposição de planos de expansão sem ouvir o que diz a Assembleia da República. Mas o metro vai ultrapassar isso.
Parabens, jovem metro.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

A Pascoa de 1998 no metropolitano de Lisboa

Passámos o sábado de Pascoa de 1998 em ensaios. Testaram-se todos os sinais e aparelhos de mudança de via, todos os itinerários no término de Cais do Sodré. Era urgente concluir os ensaios para termos pelo menos uma semana com os comboios a circular no troço novo e da Alameda ao Cais do Sodré, embora sem passageiros. Conseguimos acabar os ensaios no dia seguinte, domingo de Pascoa, dar luz verde à circulação dos comboios sem passageiros na segunda feira e abrir à exploração de passageiros em 18 de abril, sábado.
Conto este episódio a propósito da decisão de encerrar a exploração do metropolitano às 22:00 de dia 24 de dezembro de 2019, e retomá-la às 8:00 do dia 25, a pretexto da pouca procura. Não contesto a pouca procura, embora ela se reduza cada vez que se reduz a oferta (consequencia da lei de Say, um dos grandes economistas clássicos), mas há sempre quem precise de se deslocar e prefira o metro, ou comemorar fora de casa, ou apreciar o ambiente menos frio das estaçóes. Apenas por principio defendo o serviço todos os dias, sábados, domingos e feriados, com critérios de rotatividade do pessoal no que toca a feriados e fins de semana.
No sábado 11 de abril de 1998 acabámos tarde e algo desiludidos as circulações de ensaio com a locomotiva diesel e a carruagem de ensaio. A coisa não tinha corrido bem nos aparelhos de via do término. Combinámos ir descansar e retomar os trabalhos no domingo de manhã, domingo de Páscoa. Um de nós não terá ouvido bem e despediu-se, até segunda. Os ensaios estavam a ser acompanhados por um dos administradores do metro, que nessa altura, apesar de comissários politicos do partido no poder, se interessavam pela evolução das obras presencialmente (coisa que infelizmente não se verificou depois a partir de certa altura). E o administrador disse ao colega: se não vem amanhã não se preocupe em vir na segunda. Mas felizmente veio no domingo e correu bem, a coisa, no domingo de Páscoa, e pusemos os comboios a circular.
Penso que não devemos ser ortodoxos ou fundamentalistas no que toca aos rituais comemorativos religiosos.

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A ponte do Marujal


Depois das cheias no Mondego de 20 de dezembro de 2019, que puseram em dúvida a consistencia do aterro de um dos pilares, a ponte do Marujal continua encerrada. Não há comboios para a Figueira:



Travessia do viaduto a velocidade reduzida, antes das obras de reforço de 2017
https://www.youtube.com/watch?v=N-cwlN5J0hE

Entrada do viaduto de treliças. Notar os esticadores que percorrem toda a extensão do viaduto
vista do rio Arunca para o lado sul 
vista do Arunca para o lado norte, perto da sua foz no Mondego; uma das pontes da estrada 341
vista do viaduto a partir da referida ponte da estrada 341
vista aérea do viaduto, do rio Arunca e da estrada 341
a 500m a nascente do viaduto a linha e a estrada quase se tocam sem vedação ou proteção; exemplo das limitações orçamentais e de alguma falta de cultura da segurança que induz na população hábitos de risco no acesso á via 

o mesmo local visto da via férrea

Durante muitos anos o viaduto era atravessado a velocidade reduzida. Em 2017 foram realizadas obras de reforço do viaduto. Os comboios puderam então atravessá-lo a mais de 60 km/h.
Recordo a satisfação de duas senhoras, provavelmente professoras de Coimbra que aproveitavam as suas reformas para passarem o dia na Figueira. Riam e comentavam a felicidade de não ser preciso abrandar. Talvez essa imagem seja a mais sugestiva para tentar justificar uma rede metropolitana na área de Coimbra,, não a imagem de uma cena de deslocação para o trabalho, aliás frequente na linha Coimbra-Figueira, onde junto das estações se podem ver muitos automóveis estacionados enquanto os seus donos estão no trabalho, num exemplo de intermodalidade. Infelizmente falhou a capacidade de financiamento para desenvolver essa rede. Nem sequer se conseguiu repor a ligação ferroviária Coimbra-Lousã-Serpins, esperando pelo metrobus chegando numa manhã de nevoeiro (parece que se aguardam propostas de fornecimento dos autocarros elétricos), mas como pode desenvolver-se uma área metropolitana sem uma rede ferrovi+aria?
E assim chegámos às cheias de dezembro de 2019..A IP aguarda a descida das águas para avaliar a conveniencia de obras de reforço do aterro do pilar central, tão pouco tempo depois do reforço do viaduto treliçado.
Ligações que referem as preocupações com a necessidade de desassoreamento, de manutenção e de ampliação das infraestruturas de regularização da bacia do Mondego, que aliás já existiam no século XVIII, como se pode ver no alvará da rainha D.Maria I na Gazeta de Lisboa de 28 de março de 1791 que aprovou o plano e os procedimentos normativos para a construção faseada das estradas principais e da regularização do rio Mondego:

Contudo, alguma coisa se foi fazendo. As limitações de financiamento, as burocracias e a real carencia de meios técnicos e o desinvestimwnto na manutenção, como diz a Ordem dos Engenheiros, impedem as soluções mais corretas. Do projeto faziam parte 6 bombas no sifão de Montemor; apenas 1 funciona. Mas alguma coisa se foi fazendo: 
2018     https://www.noticiasdecoimbra.pt/coimbra-lembra-que-desassoreamento-do-rio-mondego-visa-evitar-cheias/
2019    https://www.noticiasdecoimbra.pt/rio-arunca-em-soure-e-montemor-o-velho-recebe-investimento-de-6-milhoes-de-euros/      


A submersão da linha do Norte em Alfarelos lado nascente deveu-se à subida do rio Ega, possivelmente, para além da subida do Mondego, por entupimento da sua passagem sob a linha. O rio Ega passa nas ruinas de Conimbriga:

onde se lê Egas dever´ler-se Ega

onde se lê Egas dever´ler-se Ega


Ver a descrição do aluimento na A14 em 2016 no rio Foja, afluente do Mondego na margem norte, um pouco a poente de Montemor o Velho:
https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=a14


Afluentes do Mondego na margem esquerda, da foz para Coimbra:
Pranto, Arunca, Ega e Ceira
na margem direita:
Foja, rio Velho (curso do Mondego anterior à sua canalização)/rio dos Fornos

ver (blogue de Rui Appelberg):
https://apontementos.wordpress.com/grid-page/bacia-do-rio-mondego/




https://www.publico.pt/2019/12/27/sociedade/noticia/barragem-fundamental-gerir-mondego-cancelada-2016-1898664

Correta análise da ordem dos engenheiros:
https://jornaleconomico.sapo.pt/noticias/bacia-do-mondego-ordem-dos-engenheiros-deteta-quatro-falhas-529945

Declaração do ministro do ambiente defendendo o curso livre do rio Ceira, sem especificar que métodos de engenharia natural recomenda (também a propósito da linha circular do metro disse que era ,muito boa porque a cidade abria-se para ela; do ponto de vista técnico, parece que as suas competencias estão desadequadas relativamente ao cargo que ocupa):
https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/governo-recusa-artificializar-caudais-dos-rios-para-travar-cheias-no-mondego

sábado, 21 de dezembro de 2019

Nós, portugueses

Nós, portugueses, somos assim. O cartaz está lá e diz claramente, Perigo, zona interdita.
Mas o senhor achou que podia chegar-se à beira do rio. Está lá também um jipe, na zona interdita.
Nós , portugueses, somos assim. Uma provável explicaçáo psicanalítica diria que por algum sentimento de inferioridade que temos de compensar precisamos de mostrar desprezo pelas normas de segurança. Pelas normas de segurança e quaisquer outras. Os estrangeirados não sabem desenrascar-se como nós, sem normas. Somos os melhores. Ou como dizia um estrangeiro, è muito bom saber improvisar, mas quando só se improvisa temos um problema. Estava lá o cartaz a interditar a zona. Porque não se cumpre? Porque não há campanhas contra o improviso e o desprezo pelas normas?

Com a devida vénia à SIC notícias


sexta-feira, 6 de dezembro de 2019

As jovens do taekwondo






Fotografia publicada pelo Público. Devemos ficar gratos pela beleza da fotografia e das suas personagens, mas vejamos o que diz o dicionário Houaiss sobre a palavra "indígena":

-  relativo a ou população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um processo colonizador; relativo a ou indivíduo que habitava as Américas em período anterior a sua colonização por europeus; nativo; de latim indigena,ae gerado dentro da terra que lhe é própria; primeira referencia histórica da utilização do termo: 1552

As duas raparigas estarão a participar num espetáculo para turistas, para que as finanças da Guatemala não piorem? ou pertencerão a uma classe média alta e a um clube? Porque lhe chamou o Público "índigenas"? Terá sido uma subconsciente influencia da visita às reservas dos índigenas do Admirável Mundo novo? Mas não somos todos nós indígenas, naturais da terra? Então porque não escreveu simplesmente "jovens" esquecendo o folclore e o típico? Recordo o humanismo de Giuseppe Verdi, ao mostrar na sua ópera "A força do destino" a insânia do aristocrata espanhol ao julgar-se superior ao filho da princesa inca.

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Sobre a gratuitidade dos transportes públicos


Conferencia do eng.Faustino Gomes, da TIS,  sobre "Tendencias para a gratuitidade do transporte público" em 25 de novembro de 2019 na sociedade de advogados SRS:

Citados os exemplos de Talin, Luxemburgo e Vargem Grande (Brasil/S.Paulo), a conclusão foi que a tendência será desejável, mas no atual contexto requer que se encontrem primeiro alternativas para o financiamento, para o necessário aumento da oferta sem degradação do serviço, contra eventuais efeitos no desemprego e na especulação imobiliária e que na sua implementação seja cumprida uma rigorosa monitorização dos resultados.

Comentário meu:

Foi uma agradável surpresa ouvir a análise lúcida pelo conferencista dos resultados das experiencias de gratuitidade já disponíveis e da problemática associada.
A gratuitidade pode ter sucesso em cidades não muito populosas. Mas será principalmente uma decisão politica, quiçá eleitoralista, que se sobrepõe à questão económica e financeira, e que requer as alternativas citadas pelo conferencista.

Dos resultados conhecidos para os primeiros meses no metropolitano de Lisboa, após o início do programa de redução tarifária, em que se prevê investir anualmente talvez 20 milhões de euros, e sublinhando que os números se referem a validações e não vendas de passes, estimou-se um aumento de 2% nas receitas e 8% na procura (dados posteriores indicam apenas 6%, mas é ainda cedo para ter certezas).
Vou tentar avaliar a evolução dos prejuízos no metro como consequência da redução tarifária, sabendo que em 2017 as receitas operacionais foram cerca de 155 milhões de euros , as despesas (incluindo juros e amortizações) 182 milhões de euros e o número de passageiros 162 milhões:

R1=n1.r1                 R2=n2.r2             C1=n1.c1         C2=n2.c2           P1=C1-R1         P2=C2-R2

Sendo
R1 a receita antes do programa de redução tarifária           R2 a receita depois do programa            r1   e    r2    as receitas por passageiro antes e depois do programa
C1 os custos antes do programa                                          C2 os custos depois do programa           c1   e    c2    os custos por passageiro antes e depois do programa
P1 e P2 os prejuízos antes e depois do programa

Fazendo  n2=1,08n1    e   R2=1,02R1      resulta   R2=n2.r2=1,08n1.r2       e   R2=1,02n1.r1           donde   1,08r2=1,02r1     e      r2=0,944r1

Isto é, a receita por passageiro diminuiu, sendo que se trata de um indicador de produtividade que só não pioraria se o número de km percorrido em média pelos passageiros subisse em compensação.  
É verdade que aumentando a indemnização compensatória (a contribuição do orçamento de Estado)  a nova receita poderá subir, mas o indicador de produtividade “indemnização compensatória por passageiro” também piorou.
Para os prejuízos antes e depois:

P2 = c2.n2 – r2.n2 = 1,08 n1.c2 – 1,02 n1.r1
P1 `= n1.c1 – n1.r1

Para que a redução tarifária não aumente os prejuízos terá de ser  

1,08 c2 – 1,02 r1 < c1 – r1

entrando com os valores referidos para a receita e a despesa, teremos para a receita por passageiro    r1=155/162 = 0,96 €/passageiro  ; e para os custos por passageiro   c1 = 182/162 = 1,12 €/pass.

1,08 c2 < 1,12 + 0,02.0,96
c2 < 1,055 €/pass.

ou

C2 / 1,08 n1 < 1,055
C2 < 1,08 . 1,055 . n1
C2 < 1,139 . C1 / c1

C2 < 1,017 C1

Isto é, para os valores considerados, para que os prejuízos não aumentem, é necessário que o custo por passageiro  diminua e o custo total não ultrapasse  mais de 1,7% o custo anterior ao programa. Isso será difícil, uma vez que o aumento de procura requer aumento da oferta com os consequentes aumentos de custos de operação, manutenção e energia.
Como conclusão parece legitimo dizer que se a gratuitidade parcial já pode aumentar os prejuízos e piora os indicadores de produtividade, então são de temer os efeitos da gratuitidade total.
Junto quadro de valores para vários parâmetros, indicando-se os limites a partir dos quais os custos terão de baixar para que o prejuízo não aumente.


                                    
Contra a ideia da gratuitidade total temos por exemplo a analogia com os gastos do Estado com a saúde e a educação, em que a gratuitidade é constitucionalmente definida como tendencial (art.64).
Gastos públicos com:
- saúde                                       5,5% do PIB / 12% da despesa pública
- educação                                 3,2%     «      /    7%           «
- infraestruturas e ambiente      4,8%      «      /   5%           «
- segurança social                   10%         «      /  21%           «
É razoável para um país desenvolvido ter uma despesa pública anual com  investimentos em infraestruturas da ordem de 2 a 3% do PIB. Para uma área metropolitana como a de Lisboa, contribuinte para o PIB em 40%, será  razoável contar anualmente com metade de 0,8% do PIB (cerca de 800 milhões de euros)para investimentos nas suas infraestruturas de transportes, mas tendo em conta que o peso dos fatores referidos, saúe, educação e segurança social, terá de aumentar.
Sendo um dos principais objetivos do movimento pela gratuitidade dos transportes públicos o desenvolvimento de sistemas de transporte sustentáveis, poderá imaginar-se que a transferência massiva das deslocações em transporte individual e em autocarros de combustíveis fósseis para transporte ecológico (ferrovia, modo elétrico e modos suaves) iria buscar a justificação económica no desperdício energético do TI e combustíveis fósseis do sistema dominante. O problema é que as infraestruturas que suportam esse sistema não estão amortizadas, muitos empregos e empresas dependem delas e a motorização individual, para além de ser um direito à mobilidade, é dificilmente substituível em domínios como áreas pouco povoadas, pese embora a promessa dos modos autónomos.
Sujeitos os resultados às minhas limitações, estimei há tempos que os custos de investimento num sistema ferroviário na área metropolitana de Lisboa que substituísse o sistema dominante de transporte individual (TI)  teria um custo da mesma ordem de grandeza do sistema TI, mas que as amortizações, supondo também equivalentes os custos de manutenção, seriam favoráveis ao sistema ferroviário em cerca de 200 milhões de euros por ano. Igualmente estimei que o desperdício na importação de combustíveis correspondente a 10% de deslocações em automóvel na área metropolitana de Lisboa (que poderia transferir-se para o modo ferroviário) será de cerca de 32 milhões de euros por ano.
Desses números inferi que os objetivos de sustentabilidade da gratuitidade através da transferencia do transporte privado automóvel para o transporte público também podem ser atingidos através de investimento no próprio transporte público (aliás sempre necessário para responder ao aumento da procura) e na penalização com taxas do uso, das portagens e do estacionamento para automóveis (eventualmente dos IMIs e licenças de construção nas zonas em que predomina o TI).   

Donde concluo que é dificil justificar a redução de receitas associada à gratuitidade quando é necessário fazer investimentos em infraestruturas, incluindo medidas radicais de reurbanização, e em material circulante.  E que a ideia da gratuitidade pode ser uma ilusão e um perigo para políticos desejosos de seduzir eleitores sem ponderar os custos.

Paris decidiu recusar a gratuitidade estimando um encargo de 6 mil milhões de euros por ano. Em Lisboa estimo que seriam 500 milhões (eventualmente deduzir 100 milhões de poupança dos custos de cobrança). Com 400 milhões de euros ao fim de 25 anos teriamos 10 mil milhões de euros, o que permitiria construir 125 km de rede de metro ou 500 km de LRT. Custos pesados, os da gratuitidade, ou por outras palavras, poupe-se o que for possível (por exemplo combustíveis fósseis e emissões) para pagar o que for preciso (investimento, juros e manutenção de infraestruturas e material circulante).



Nas ligações seguintes encontram-se argumentos pró e contra:





https://www.franceinter.fr/emissions/histoires-economiques/histoires-economiques-01-octobre-2019




Estes dois artigos, sobre a experiencia francesa, parecem-me os melhores:



Cálculos próprios citados: