quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Acidente de Alfarelos - comentário ao relatório preliminar

Declaração de interesses:        O comentário seguinte ao relatório preliminar do acidente de Alfarelos e as sugestões apresentadas pretendem contribuir para uma cultura de livre debate de questões de interesse público que ajude a encontrar deficiências e soluções para evitar que se repitam. Nesse sentido, pôr hipóteses por insuficiencia de informação, que possam não ter correspondência com a realidade neste caso, mas que podem ter noutros, como aconteceu no meu primeiro comentário a este acidente, não pretende transgredir a ética profissional nem lançar a confusão.
Recordo a cultura anglo saxónica, com os seus organismos dedicados a investigar os acidentes, sempre com o objetivo de evitar que se repitam, e que, combatendo o secretismo, convidam os cidadãos a  apresentar contributos.
O presente comentário, na parte relativa a sistemas automáticos de proteção da marcha de comboios,  só foi possível com o que o seu autor aprendeu ao participar no estudo e implementação do sistema ATP (automatic train protection) que no interesse da maior segurança dos utilizadores do Metropolitano de Lisboa esteve em vigor de 2000 a 2009 na sua linha vermelha, não tendo o autor conseguido opor-se à sua desativação.
Pretende-se assim com o comentário contrariar a eventual descrença que depois deste acidente se possa ter nos sistemas ATP, através das melhorias sugeridas.



Fotografia panorâmica:


O relatório preliminar do acidente de Alfarelos pode ser visto nos sites do IMTT, da CP e da REFER, por exemplo em:
http://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/Noticias/Paginas/AcidenteferroviarioAlfarelosRelatorioPreliminar.aspx



Assinalo o importante passo que representa a sua divulgação, em vez de, em secretismo, pedir que se aguardem as conclusões. O secretismo foi o caminho seguido depois do acidente de Caxias de Maio de 2012, não tendo sido divulgados os resultados.
Lamenta-se que o GISAF, órgão que de acordo com as normas europeias deveria proceder ao inquérito independente, não tenha meios para o fazer. O próprio IMTT não os terá. Deve no entanto reconhecer-se a capacidade técnica dos técnicos da CP e da REFER e nisso até concordo com o senhor ministro da Economia e Transportes, possivelmente apreciador da prática anglo-saxónica de divulgar e debater as questões relacionadas com acidentes. Seria interessante ver o senhor secretário de Estado trabalhar, por exemplo, para a rápida reativação do GISAF. Este apresentou o seu relatório do acidente do Tua e depois perdeu capacidade (não concluiu, por exemplo, o relatório dos atropelamentos mortais no Metro sul do Tejo).
No caso do acidente de Alfarelos, tudo indica estarmos perante um acidente complexo e pouco vulgar, ficando registados no relatório preliminar os dados de posição e velocidade retirados do Convel.

Dados registados pelo relatório - O relatório confirmou que os sistemas de sinalização e de controle automático da velocidade CONVEL estavam operacionais.
Falta ainda analisar os dados do autómato SIBAS de controle da locomotiva do IC, o que se pensa dever ser feito com a colaboração do fabricante Siemens, nomeadmente para eventuais esclarecimentos sobre os gradores taquimétricos e o sistema de deteção de patinagens (bloqueio das rodas ou a girar a velocidade inferior à correspondente ao avanço real)-patinhagens (rodar em vazio ou a velocidade superior à correspondente ao avanço real) (sistema anti slip-skip, o sistema que aciona o ABS quando deteta rodados com velocidades diferentes e promove a readerencia).
Os dados disponíveis necessitam de alguma confirmação com a leitura do SIBAS porque o relatório detetou  discrepancias entre as coordenadas de alguns pontos de controle, os tempos e as posições verificadas após o acidente.
No entanto, eles são suficientes para calcular as desacelerações de travagem entre os sinais luminosos e os pontos de controle, concluindo-se, embora com a reserva de posterior afinação das correspondências entre os pontos quilométricos e as velocidades registadas,  que:
-  cerca de 800 a 900 m depois do sinal 1960 A (sinal a cerca de 1800 m da estação Alfarelos) as condições de aderência não eram boas, embora geriveis.
- a cerca de 400 m antes do sinal S1 de entrada (que se encontra a cerca de 550 m da estação Alfarelos) a aderência reduziu-se extremamente, provocando deslizamentos (patinagens) :
- o primeiro comboio, o regional, registou uma desaceleração de 0,017 m/s2  ao longo dos 200 m imediatamente antes do sinal, e , já com a travagem de emergencia atuada pelo CONVEL, de 0,17 m/s2 entre o sinal e o ponto de paragem, 269 m a seguir ao sinal.
- o intercidades registou uma desaceleração de 0,076 m/s2 nos 400 m  antes do sinal S1 e, já depois da travagem de emergência acionada pelo CONVEL, de 0,7 m/s2 até colidir.

Segundo os registos, as condições de aderência antes do sinal S1 eram impossíveis de gerir sem recurso à travagem de emergencia. Mesmo que o comboio se aproximasse a 30 km/h e iniciado uma travagem de serviço máxima a 100 m tê-lo-ia ultrapassado (aliás, segundo os registos, o regional deslocava-se a 36 km/h  quando a 200 m do sinal) .

As coordenadas espaço-tempo terão ainda de ser corrigidas com recurso aos registos do SIBAS (em 72 horas não é possível analisar um acidente destes)

Condições normais de exploração e regulamentares -  De acordo com as informações publicadas, o código de sinalização luminosa é o seguinte:


Segundo o relatório preliminar, era o seguinte o estado dos sinais durante o acidente:
sinal antes do 1960 A -----  amarelo intermitente (objetivo 60km/h)
sinal 1960 A ----------------  amarelo fixo (objetivo 30 km/h)
sinal S1  ---------------------  vermelho   )




A paragem antes do sinal S1 (proibitivo, por exemplo, por  um itinerário incompatível para a linha da Figueira da Foz, ou por falhas na deteção da posição das agulhas) é perfeitamente possível em condições normais de aderencia passando pelo sinal 1960A a 130 km/h conforme registado pela taquimetria.
Para uma desaceleração de 1 m/s2 em condições normais, a distancia de travagem para essa velocidade é de 815m (considerando um declive de 2%),  ainda a 900 m do sinal S1 de entrada em Alfarelos.
No entanto, de acordo com a sinalização luminosa, o sinal 1960 A , encontrando-se amarelo fixo, isso significa que a velocidade objetivo no troço é de 30 km/h (quando no troço anterior, precedido do sinal amarelo intermitente, a velocidade objetivo tinha sido de 60 km/h.
Tanto o regional, passando pelo sinal 1960 A a 81 km/h, como o intercidades, passando por ele a 130 km/h, iniciaram o processo de travagem, a seguir ao sinal, mas  estariam ambos acima do valor regulamentar (ver correção desta informação nos comentários).
Isso pode indiciar não atendimento dos avisos do CONVEL para redução de velocidade e prática habitual para não atrasar a exploração. Este indicio não poderá ser usado para incriminar os maquinistas porque, a ser prática habitual, será do conhecimento da hierarquia da empresa e assumido por razões de otimização da capacidade da linha.
Se for assim, realçando o “se for assim”, e porque o projeto do CONVEL está correto quando prevê para estas condições a velocidade limite de 30 km/h, julgo ser de recomendar uma revisão dos regulamentos de exploração.
O próprio relatório regista a reação tardia do CONVEL (tardia porque as velocidades estiveram durante muito tempo acima dos limites, embora a diminuir, embora dentro da possibilidade atingir a velocidade  objetivo de 30km/h   antes do sinal S1) a afixar nos displays a nova velocidade objetivo de segurança (0, ou paragem): no caso do regional a 234 m do sinal S1, quando circulava a 36 km/h (segundo os registos); no caso do intercidades, a 431 m do sinal S1, quando circulava a 66 km/h (segundo os registos), portanto perfeitamente a tempo de parar os comboios antes do sinal, no caso de condições de aderência parcialmente degradadas (para uma desaceleração de 0,4 m/s2 pararia 30m antes).
Também tardia foi a atuação da travagem de emergência mesmo em cima da baliza do sinal S1. E o facto é que, de acordo com os registos, a desaceleração melhorou: no caso do regional a desaceleração passou de 0,017 (na prática sem abrandamento da velocidade) antes da travagem de emergência para 0,17 m/s2 depois; no caso do intercidades, passou de 0,076 para 0,7 m/s2.

Esta atuação tardia deverá, salvo melhor opinião, ser publicamente esclarecida com a empenhada participação do fabricante, a Bombardier, de modo a tranquilizar a opinião publica sobre a eficácia da proteção do sistema CONVEL. Deverá nomeadamente esclarecer-se a hipótese de deslocalização (perda da informação correta da posição em que o comboio de encontra) devido às patinagens (rodas bloqueadas ou a escorregar, levando o processador a utilizar pontos quilométricos  e velocidades menores do que os valores  reais, o que atua no sentido contrário da segurança).


Eventuais divergências entre os dados do CONVEL e a posição final dos comboios – Nota: os valores relativos ao posicionamento dos comboios,  às desacelerações e níveis de energia a seguir considerados constituem hipóteses para tentativa de testar a sua plausibilidade comparativamente com os valores registados pelo CONVEL, julgando-se desejável um tratamento computacional cobrindo todas as variáveis e os seus campos de variação de modo a encontrar os valores mais plausíveis.
Assumindo um valor de 170 m para o comprimento de duas UTE (unidade tripla elétrica) que compunham o comboio regional,  da análise das fotografias do acidente retiro que o ponto de imobilização da testa da locomotiva do intercidades após o embate terá sido cerca do PK 198,010 e o ponto de imobilização da testa do comboio regional no PK 198,100.
Segundo os registos que o relatório coligiu, o ponto de imobilização do regional, antes do embate, terá sido no PK 197,959.
Logo, o deslizamento da primeira UTE durante o embate terá sido 198.100 – 197.959 = 141 m.
Por outro lado, os registos dão como ponto de embate o PK 197,782.
Então o deslizamento da locomotiva terá sido, se os registos estão corretos, de 198.010 – 197.782 = 228 metros.
Este valor de 228m parecerá exagerado se se considerar o valor registado pelo CONVEL de uma desaceleração após a travagem de emergência ao sinal  S1 de 0,7 m/s2 (devido às más condições de aderência).
Esta desaceleração corresponde a uma distancia de travagem de 97 m para uma velocidade inicial de 42 km/h e de 138 m para uma velocidade inicial de 60 km/h, valores muito inferiores aos 228m.



Apresenta-se um esquema e uma tabela com desacelerações para 3 hipóteses:
- a dos valores registados pelo CONVEL, deslizamento da locomotiva de 228m (correspondendo ao arrastamento da testa da 1ª UTE desde o ponto de impacto até à imobilização de 141 m)
- a de um deslizamento da locomotiva de 140 m (correspondendo ao arrastamento da testa da 1ª UTE desde o ponto de impacto até à imobilização de 60 m)
- a de um deslizamento da locomotiva de 80 m (correspondendo a um arrastamento nulo da testa da 1ª UTE).

A desaceleração de acordo com os valores registados pelo CONVEL  (deslizamento da locomotiva de 228m) seria muito baixa, da ordem de 0,3 m/s2. Parece mais plausível a hipótese de deslizamento da locomotiva de 140m com uma desaceleração de 0,49m/s2 (impacto a 42 km/h), 0,69m/s2 (impacto a 50 km/h) ou 0,99 m/s2 (impacto a 60km/h).
Admitindo uma desaceleração de 1,1 m/s2 nos instantes imediatamente seguintes ao impacto, justificável pelos testemunhos dos passageiros do Intercidades sobre quedas a bordo, ainda aqui serão mais  plausíveis as desacelerações nos últimos metros de um deslizamento  inferior aos 228m , admitindo melhoria das condições de aderência e eficácia da travagem de emergência (0,07 m/s2 para a hipótese CONVEL;  0,14 m/2 para 42km/h no impacto, 0,46m/s2 para 50km/h no impacto,  0,93m/s2 para 60km/h no impacto, para a hipótese deslizamento da locomotiva de 140m).
Se o raciocínio está correto, o deslizamento terá sido inferior a 228m e a velocidade de impacto ligeiramente superior a 42 km/h.













  Pela análise das posições finais parecerão pouco consistentes os valores registados para os pontos quilométricos notáveis e para as respetivas velocidades, nomeadamente para o ponto e velocidade de impacto.

Estas inconsistências, que na ausência dos dados do SIBAS, apenas se podem considerar nesta fase como dúvidas  a investigar (tal como expresso no relatório) sugerem deficiente funcionamento ou deslocalização do sistema de odometria do CONVEL ou do comboio, não tendo sido suficiente o sistema anti-patinagem /patinhagem  para corrigir as informações incorretas dos pontos quilométricos e consequente deslocalização do CONVEL de bordo.
Notar que o sistema CONVEL é pontual (refrescamento da posição quilométrica apenas nas balizas dos sinais, ficando a correção do processamento a bordo dependente da localização precisa calculada pelo sistema de odometria.
Notar que o sinal 1960 A se encontra numa rampa (suscetivel de provocar patinhagens, facto referido pelo maquinista do regional, iludindo, se o sistema antagonista não conseguir detetar diferenças de velocidade entre rodados, o processador do CONVEL, admitindo em consequência que o comboio se encontra numa posição mais avançada) e o sinal S1 em declive (suscetível de produzir patinagens, iludindo o processador do CONVEL, admitindo que o comboio se encontra numa posição anterior, portanto contra a segurança).
O facto do CONVEL ter registado o inicio da travagem de serviço cerca de 400 m após o sinal 1960 A poderá indiciar a ocorrência de patinhagens antes e depois do sinal 1960 A, não sancionando a passagem pelo sinal à velocidade de 130 km/h, muito superior ao objetivo de 60 km/h do troço anterior.

Demasiados modos de exploração na mesma linha -  Embora seja possível explorar a mesma linha com tráfego de diferentes caraterísticas, isso contribui sempre para aumentar os riscos.
Misturando comboios rápidos com comboios suburbanos , regionais e de mercadorias, haverá sempre a perturbação da marcha dos mais rápidos e a pressão para a recuperação de atrasos.
Acresce que as carateristicas de travagem dos diferentes comboios condicionam a capacidade da linha e a rapidez da exploração (um intercidades tem uma desaceleração de serviço normal de 1,1 m/s2, enquanto um mercadorias poderá ter menos de 0,5 m/s2, embora com velocidades máximas diferentes).
Este facto deveria levar os decisores a, no futuro, não misturarem alta velocidade com serviço suburbano, a pretexto do chavão de aproveitamento ao máximo das infraestruturas e de fazer mais com menos.

Possíveis melhorias:

Perda de aderência - A confirmar-se a perda de aderência mostrada nos registos, dificilmente se poderá evitar um acidente quando se conjugarem outros fatores. Sugiro que especialistas de biologia vegetal estudem a possibilidade de folhas de vegetação ou sementes ou outros resíduos acumulados pelo forte temporal da véspera terem sido triturados pelos rodados até produzirem uma película oleosa.
O facto é que à beira da via, antes do sinal S1, existe abundante vegetação.
É ainda facto que acidente semelhante ocorreu em Paris, numa linha suburbana de supe crfície.  
Poderá combater-se este risco assegurando uma distancia sem vegetação ao lado das vias com cortes periódicos e uma cuidadosa inspeção de via nos comboios noturnos, eventualmente com “raspadores” e detergentes sempre que as condições climatéricas o justifiquem.

Deslocalização – O risco de deslocalização do sistema de proteção automática pode combater-se melhorando a deteção das patinagens e patinhagens, montando os geradores taquimétricos em eixos não motores ou sem travões. Em material circulante novo, especificar o sistema opto-eletrónico de leitura ótica dos carris, imune ao escorregamento das rodas sem aderencia.
Dado que a localização do CONVEL é atualizada à passagem por cada baliza de sinal, o risco de deslocalização baixa se se aumentar o numero de sinais e de balizas, tentando aproximar um sistema de controle pontual, como o CONVEL, dum sistema contínuo ou quase contínuo (de atualização do posicionamento permanente ou quase permanente)

Introdução de uma distancia de segurança (overlap) – Trata-se de um reforço da segurança dada pelo alarme e sancionamento pelo CONVEL da ultrapassagem da velocidade limite do troço anterior e da curva de travagem normal que leva à velocidade objetivo do próprio troço.
Tem o inconveniente de aumentar a distancia entre os comboios na linha, e portanto de reduzir a capacidade da linha, introduzindo uma distancia de proteção entre um sinal (por exemplo o S1) e um novo sinal antes; a distancia de segurança antes de um sinal  (por exemplo, o S1) nunca deverá ser ocupada por um comboio enquanto o comboio precedente não libertar a distancia de segurança a seguir ao sinal (por exemplo, o S1).
Essa distancia, considerando uma desaceleração de 0,4 m/s2 e uma velocidade de 72 km/h, será de 500m.
No caso de Alfarelos, esse sinal estaria 1200m depois do 1960 A e 500m  antes do S1; após a ultrapassagem do sinal S1 pelo regional, o estado dos sinais seria:
sinal antes do 1960 A -------------------  amarelo intermitente (objetivo 60km/h)
sinal 1960 A  -----------------------------  amarelo fixo (objetivo 30 km/h)
novo sinal --------------------------------  vermelho
S1  ------------------------------------------  vermelho

Disposições regulamentares – Propõe-se o fim da autorização de marcha à vista, quer em condução manual, quer protegida por ATP, quer em condições normais de exploração, quer em situação degradada, até ao obstáculo na  linha ou até ao sinal que protege o circuito de via onde se encontra o obstáculo. Isto é, propõe-se que a autorização, de comunicação registada e devidamente testemunhada por terceiro, e presencial por esse terceiro junto dos aparelhos de via se avariados, seja dada apenas até a um ponto quilométrico a uma distancia de segurança antes do sinal ou do obstáculo que abranja eventual escorregamento.

Seguimento do relatório preliminar – Para além do seguimento indicado pelo próprio relatório, convirá esclarecer as condições dos sistemas de travagem das carruagens dos dois comboios. Considero imprescindível que os fornecedores Siemens (autómato de controle SIBAS) e Bombardier (CONVEL) participem no esclarecimento das questões com a análise interpretativa dos dados registados e de eventuais anomalias ou insuficiências. Sugiro igualmente participação de universidades, com utilização de métodos computacionais para teste de hipóteses múltiplas, na análise dos pontos quilométricos, velocidades e energias, e de institutos de validação de segurança ferroviária relacionada com o acidente.



Mais informações sobre o CONVEL e sistemas ATP de proteção automática da marcha de comboios:

http://www.railway-technical.com/sigtxt3.shtml


PS em 9 de fevereiro de 2013 -       A atenção dos meios de comunicação social sobre o acidente de Alfarelos esmoreceu entretanto.
Aliás, os descarrilamentos na primeira semana de Fevereiro na Beira Alta, em Algés e em Caxias desviam a atenção pública pela diferença das circunstancias.
A memória dos riscos que se correram em Alfarelos, e em toda a linha do Norte, vai-se diluindo.
No subconsciente da comunidade ficará a desconfiança do sistema automático de proteção, ou de um comportamento de excesso de confiança do pessoal da CP, ou eventualmente de uma qualquer falha desde o projeto à  manutenção, mas que já passou, foi um caso raro, nunca tinha acontecido, será como os terramotos, tão cedo não volta a acontecer.
Alguns apelarão ao castigo exemplar, provavelmente de inocentes.
Ignoramos se uma equipa mais numerosa de operadores no centro de comando operacional, ou no posto de sinalização de Alfarelos, permitiria um atendimento mais rápido da chamada do maquinista do regional e um aviso por fonia ao maquinista do Intercidades.

Entretanto a comissão de inquérito prosseguirá os seus trabalhos, não se sabe bem se com a colaboração franca dos fornecedores dos equipamentos de segurança e do material circulante, a Bombardier e a Siemens (em elevado grau necessária para esclarecer as hipóteses de deslocalização e atuação tardia do CONVEL), provavelmente em ambiente de secretismo, até a um relatório final, que se deseja conclusivo, mas que também provavelmente não merecerá grande destaque na comunicação social, por já não ter oportunidade (melhorar as condições de segurança, saber porque acontecem acidentes, não terá oportunidade?).
Ignoramos e receamos que o inquérito não venha a esclarecer se houve ou não contribuição de medidas de otimização de quadros de pessoal na operação ou na manutenção para o acidente.
Não ficaria bem, numa altura em que o senhor secretário de Estado dos transportes se orgulha de ter atingido o equilíbrio operacional à custa da diminuição dos quadros de pessoal (os postos permanentes de uma empresa pública de transportes têm este defeito: cada posição de trabalho exige 5 profissionais; 3 para cobrir os 3 turnos, mais um para férias e folgas e mais 1 para doenças e absentismo).

Mas esquecer acidentes não é a mentalidade dos técnicos de segurança e de análise de riscos das entidades de investigação de acidentes como o NTSB - National Transportation Safety Board  (http://www.ntsb.gov/ ) nos USA (o avanço das investigações é documentado publicamente; por exemplo, em 1 de fevereiro foi divulgada a sétima atualização da investigação sobre as baterias de lítio que explodiram no Boeing 787; são emitidos avisos públicos de novas atualizações através do Twitter), ou o RAIB – Rail Accident Investigation Branch  (http://www.raib.gov.uk/home/index.cfm ) na Inglaterra (“to improve safety, not to establish blame”).
Isto sem falar na diretiva europeia 2004/49/EC  (http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ:L:2008:345:0062:0067:EN:PDF  ) que obriga à existência do GISAF.

Resta aos cidadãos irem colocando hipóteses, aventar pistas de investigação possível, sugerir melhorias no projeto ou na instalação dos sistemas de proteção, sem com isso pretenderem culpar seja quem for, seja do que for, mas apenas isso mesmo, melhorar o nível de segurança das pessoas.
 Foi o que tentei no presente”post”.
Mas convem sublinhar bem que não deve perder-se a confiança no sistema CONVEL.
 O projeto cumpre os requisitos de segurança dentro das carateristicas de um sistema pontual (em que a informação da localização é processada a bordo a partir da atualização à passagem por balizas asociadas  aos sinais luminosos ), desde que, mesmo nas condições do acidente, os comboios respeitem (o que não foi o caso, indiciando que é prática corrente, do conhecimento das direções para fins de recuperação ou cumprimento de horários) a velocidade objetivo de 60km/h no penúltimo troço antes do sinal vermelho.
O regional saiu desse troço a 81km/h e o Intercidades a 130km/h, valores do relatório preliminar a confirmar com os registos SIBAS dos comboios.
Apesar das eventuais deslocalizações e atrasos de atuação do CONVEL, a essas velocidades teria sido possível “segurar” o Intercidades, apesar da fraca aderência roda-carril de modo a ultrapassar o sinal proibitivo a 36km/h e a parar antes do regional graças à travagem de emergência tardia no sinal proibitivo (0,7m/s2 segundo os registos do CONVEL).
Como referido no “post”, o nível de segurança pode reforçar-se introduzindo o overlap ou distancia de segurança a seguir a um sinal proibitivo (isto é, uma colisão passará a implicar sempre a passagem por dois e não um sinal proibitivo) e revendo os regulamentos de exploração para melhor  cumprimento dos limites de velocidade e para não autorizar a marcha à vista até ao obstáculo (mas  até uma distancia de segurança anterior).

Acrescento agora uma sugestão para inclusão no inquérito de cálculo computacional de hipóteses de distribuição da energia cinética pelos componentes da colisão, na expetativa de obter valores plausíveis para as coordenadas do ponto de impacto e sua relação com os registos espaço-tempo do CONVEL e do SIBAS.


Considerando 260 ton para a massa do Intercidades (incluindo a locomotiva de 90 ton) , para uma velocidade no ponto de impacto de 42 km/h ter-se-ia uma energia cinética (E = mv2/2) de 18 MJ.
Essa energia cinética decompor-se-á em três termos correspondentes ao valor do deslizamento da locomotiva desde o impacto até à imobilização nos seguintes troços:
A - comprimento correspondente ao impacto com a absorção do choque, deformação e encavalitamento da 6ª carruagem do regional, mais
B - percurso de arrastamento das 5 carruagens do regional até ao descarrilamento da 5ª e 4ª carruagens, mais
C - percurso da locomotiva sem a resistência das carruagens do regional.

Para o troço A estimo grosseiramente um comprimento de 30m, correspondendo ao comprimento da carruagem, e uma resistência ao movimento da locomotiva equivalendo a uma energia (E = F.e) de (40/2) ton x 30m <> 6 MJ, sendo F correspondente a metade do peso da carruagem.
Pela análise das fotografias com a imobilização da  locomotiva, estimo que o percurso C tenha sido de 50 m (um pouco  menos do comprimento de duas carruagens); admitindo a desaceleração neste percurso C do registo do CONVEL  de 0,7 m/s2 , a velocidade a 50m antes da imobilização será de cerca de 30km/h, a que corresponde uma energia cinética de cerca de 9 MJ
A energia absorvida pelo troço B seria igual à energia cinética total menos a soma das energias absorvidas em A e C:
18 – (6 + 9) = 3 MJ
Dado que o percurso B seria de 228 – (50 + 30) = 148m , à energia cinética dissipada no troço B corresponderia uma força resistente oposta pelo comboio regional parado de 3 MJ /148m = 2 ton (o que  parecerá pouco, admitindo que o regional, de massa estimada 220 ton, estava parado, indiciando que os valores registados pelo CONVEL para o ponto de impacto de deslizamento do Intercidades de 228 m  e de velocidade de 42 km/h serão, o primeiro maior e a segunda menor do que na realidade).
                              
A sugestão é então a de testar vários valores para os comprimentos, desacelerações e resistências à deformação e ao movimento de modo a obter um conjunto de valores mais plausíveis, confirmando ou não os registos de velocidade, espaço e tempo do CONVEL.


PS em 25 de fevereiro  -  consultados os sites do IMT, REFER e CP, verifico que não há informações acrescentadas à divulgação do relatório preliminar sobre o acidente de Alfarelos. Não parece assim seguir-se o bom exemplo do NTSB ou do RAIB.
Ao reler as noticias do acidente, reparo que alguns passageiros do intercidades reportaram solavancos acentuados momentos antes do embate.
Uma hipótese que poderá explicar estes solavancos poderá ser a atuação do ABS, com sucessivos apertos e alívios dos freios em função da informação recebida dos sensores de anti-patinagem e anti-patinhagem.
Este é mais um exemplo, como sublinhado no relatório preliminar, da necessidade de levantar o registo do autómato SIBAS de bordo, no regional e no intercidades, para comparação das variáveis do espaço e velocidade ao longo do percurso do acidente, dadas pelo CONVEL e pelo SIBAS.
Igualmente é necessário confirmar os valores da desaceleração e se o esforço de travagem e a atuação do ABS foram adequados.
Mantem-se a duvida sobre o atraso de atuação do CONVEL e a hipótese de deslocalização (informação errada da posição).
É por isso indispensável para a credibilidade dos sistemas de segurança que os fornedores Bombardier e Siemens participem efetivamente no inquérito e na divulgação dos resultados.
Continuamos assim a aguardar.

PS em 27 de fevereiro de 2013 – o sindicato dos ferroviarios manifestou preocupação por não haver conhecimento de resultados do inquérito subsequente ao relatório preliminar (em que a participação dos fornecedores Bombardier e Siemens é essencial para o esclarecimento), mantendo a desconfiança sobre o efeito dos cortes na manutenção (não se afirma que a causa foi esta, mas deseja-se que o inquérito esclareça se houve ou não contribuição dos cortes na manutenção para o acidente).
Convirá manter-se a pressão sobre os decisores para o esclarecimento.
O senhor secretário de Estado dos transportes informou que brevemente será nomeada a direção do GISAF.
Ficamos à espera.
Entretanto junto o endereço de um fórum de discussão em que participam maquinistas e que contem informação útil sobre o acidente, incluindo o testemunho de alguns deslizamentos.

De lá retirei também um vídeo didático inglês sobre a problemática da travagem, incluindo uma referencia à contribuição da vegetação para diminuição das condições de aderência:

PS em 18 de março de 2013 - assinalo a publicação pelo IMT de um comunicado em 3 de março informando que prosseguem os trabalhos de investigação do acidente de Alfarelos e dos descarrilamentos da linha de Cascais. 
http://www.imtt.pt/sites/IMTT/Portugues/Noticias/Paginas/ComunicadoConjuntoInqu%C3%A9ritoaosAcidentesFerrovi%C3%A1rios.aspx

Aplaudo a correção da atitude, mas continuo descrente dos bons resultados a atingir (seria muito bom eu estar enganado) e não posso concordar com a afirmação "estão garantidos todos os requisitos de segurança" .
"Está garantido um mínimo de requisitos de segurança" estaria, salvo melhor opinião, mais correto. 

PS em 7 de junho de 2013 - mantem-se a ausencia de divulgação do relatório final; não há porém a certeza de que ele exista ou contenha o esclarecimento das questões da deslocalização do CONVEL, da eventual necessidade de rever o regulamento e da participação da Bombardier e da Siemens na investigação. Este comportamento indicia uma atitude cultural intoleráve contrastando com o respeito pela opinião pública do NTSB e do RAIB. À boa maneira portuguesa, espera-se que tudo se esqueça e se atribua ao temporal ou a causas fortuitas de rara ocorrencia.

 




 

A fotografia que não vai concorrer





Esta fotografia não vai concorrer a nenhum concurso nem vai figurar nas antologias das melhores
fotografias do ano e que depois nos encantam nos emails de lazer.
Foi tirada de noite, à pressa, com uma limitada câmara de um telemóvel.
Melhor assim, também, que não estou a violar a privacidade de ninguém.
Aquela mancha clara, abrigada à esquerda da entrada do prédio, entre o pequeno descapotável, com o seu “hard top” montado, que estamos no inverno, e a montra de cabeleireiro, não é um amontoado de pacotes de cartão, à espera da recolha por empregados de empresas inscritas nas finanças ou por “free lancer” de recolha de resíduos que os reciclam e vendem.
Aquela mancha clara é um ser humano.
Mais valia que se poupassem nas exibições televisivas a falar de que estado social querem os portugueses pagar, que vivemos acima das possibilidades, e que se limitassem a mostrar fotografias assim e a convocar técnicos para estudar o assunto , propor soluções e aplicá-las.
No terreno, como dizem os especialistas de marketing comunicacional .
Ah, é verdade, serviços existem, mas não há dinheiro para pagar aos técnicos.
Esperamos então que a riqueza se distribua segundo as regras de mercado e que de escoamento em escoamento chegue aos sem abrigo?
Não chega, pois não? Então as instituições não estão a funcionar regularmente, salvo melhor opinião. Já nem é um problema politico nem ideológico, será um problema de simples atribuição das verbas disponíveis, publicas e privadas, claro.
Pensar talvez que é preciso subir o PIB, melhorando a correspondência entre a realidade e o seu valor, aproximá-lo dos valores normais na Europa. Mas subir o PIB implica subir o emprego, e os políticos e os grupos económicos que detêm o poder financeiro não querem.
Vivemos acima das possibilidades, e claramente abaixo das potencialidades.
É como no futebol.
Chega uma altura em que não vale a pena discutir táticas ou estratégias.
Só mudando de treinador, ou de equipa de treinadores. Pode manter-se parte da equipa de treinadores.E contratar novos colaboradores com conhecimentos técnicos. A diversidade de ideias é boa conselheira.
Salvo melhor opinião, claro.

domingo, 27 de janeiro de 2013

Notícia sobre as privatizações em 27 de Janeiro de 2013


O DN publicou hoje uma entrevista com Paes do Amaral, apreciado empresário da comunicação social, portanto insuspeito de partilhar com este blogue utopias demasiado democráticas, passe a gradação do conceito.
Diz o senhor que se surpreendeu com o “adviser” do governo no processo de privatização ou concessão da RTP, que “pessoas que não sabem nada do assunto falem sem tentarem falar com o setor e informarem-se melhor.” E que ninguém iria pagar um preço razoável para depois ter de continuar a investir (50 a 100 milhões de euros).
Não admira portanto que o governo, apesar da sua obsessão ideológica (ou talvez et pour cause para não prejudicar os grupos privados que já estão no negócio), tenha desistido da privatização/concessão.
Isto faz-me lembrar o senhor secretário de Estado dos transportes Sérgio Monteiro, sempre muito animado com o seu programa de privatizações/concessões, embora remetendo para os seus consultores o conhecimento, e a incumbência de fazer os cadernos de encargos, e ignorando o setor e as pessoas que têm experiencia do negócio.
Podia aproveitar-se este exemplo para informar a opinião pública de que afinal os processos são parecidos, RTP e Metro.
Podia aproveitar-se os períodos de greve para transformar a greve em greve de zelo e em breves paragens nas estações recordar os procedimentos de segurança (não estacionar entre a faixa amarela e o bordo do cais, não forçar as portas…) e as petições de principio que estão na base das propostas de privatizações/concessões (a enorme dívida das empresas deve-se aos investimentos que deveriam ter integrado a conta do Estado e não a conta das empresas).
Até pode acontecer que os grupos internacionais concluam que neste momento, com a economia em recessão e a procura de passageiros a diminuir, não interessará meterem-se em trabalhos destes.
Ou então, podia ser que o senhor secretário de Estado analisasse melhor os cálculos e os argumentos deste humilde escriba em
e




sábado, 26 de janeiro de 2013

A semiótica do jarrão




O jarrão foi eletrificado e ocupa o lugar central da imagem.
Se bem interpreto os sinais, a luz inundou a cerimónia de entrega das conclusões do encontro à porta fechada sobre  a reforma do Estado.
O ar feliz do senhor primeiro ministro e o ar de missão cumprida da senhora encarregada da missão indiciam que mais uma vez a comunidade portuguesa mostra as grandes dificuldades que tem nos processos de análise e tomada de decisões participadas.
Mais uma vez recordo o livro “A sabedoria das multidões” de James Surowiecki, que analisa as falhas de processos como este e os métodos com as soluções.
Pena a senhora não ter lido o livro.
Leia, leia.

Contra a intolerancia



A cidadã do Barhein, Zaynab Khawaja, protesta pela liberdade de expressão, enquanto uma senhora policia parece admoestá-la.
Entretanto, em Tombuctu, Mali, a cidadã Khaira Arby, cantora que se pode ouvir no Youtube, foi ameaçada por fanáticos de que lhe cortariam a língua se voltasse a cantar.
Mas pode ser que as coisas evoluam, que as mulheres por todo o mundo venham a poder usar os cabelos soltos e cantar.
Penso que os clérigos interpretaram mal o profeta e especialmente, Aisha, a esposa dileta.
Porém, como dizia Oliver Holmes, médico no século XIX, “a mente de um fanático é como a pupila, quanto mais luz incide sobre ela, mais se fecha”.
Embora, salvo melhor opinião, com melhor conhecimento dos textos fundamentais se pudesse atenuar o mal.

Agradecimentos pelas informações, recolhidas no DN, na crónica de Ferreira Fernandes, e nos comentários do provedor Óscar Mascarenhas.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Acidentes ferroviários em janeiro de 2013


Quando estava a recolher informação sobre os recentes acidentes ferroviários na Suécia e na Áustria, tomei conhecimento da colisão em Alfarelos.
Esperando a recuperação dos feridos e que não tenha havido vítimas mortais, comento que, mais do que coincidências, estes acidentes poderão ser a expressão de uma elevada probabilidade de ocorrência quando se verificam determinadas circunstancias, desde condições atmosféricas adversas, a pouco seguros procedimentos manuais em caso de degradação dos sistemas de segurança.
Espera-se, mais uma vez, que os inquéritos não se concentrem em encontrar erros humanos onde existem condições potenciadoras de acidentes que nada têm que ver com o pessoal envolvido nos acidentes.

1 – Saltsjobaden, a 15 km de Estocolmo, 15 de janeiro de 2013– um comboio suburbano deixado num depósito sem os procedimentos corretos de desligação foi posto em movimento inadvertidamente por uma empregada de limpeza; percorreu duas inter estações a 80 km/h, descarrilou e embateu numa habitação particular ao lado da linha. A companhia pediu desculpa por ter erradamente acusado a empregada de roubo do comboio.

Há a assinalar não só o incumprimento dos procedimentos de desligação do comboio, como também a inexistência de dispositivo a bordo de deteção de ausência de maquinista, e de sistema de travagem automática do comboio. Não são admissíveis estas ausências  numa linha suburbana. O operador da linha é a Arriva, subsidiária da Deutsch Bahn, e uma das interessadas no processo de privatização ou concessão das redes metropolitanas de Lisboa.


2 – Penzing, bairro ocidental de Viena, 21 de janeiro de 2013 –  A colisão testa com testa de dois comboios suburbanos ocorreu num troço de vias complexo com várias agulhas e comum com a exploração dos comboios de longo curso para a Alemanha, Polónia e França. A linha suburbana é entre duas estações na periferia de Viena, estando uma delas na linha de longo curso.
Segundo as informações disponibilizadas pelo operador, terá ocorrido uma avaria de sinalização, na sequencia da qual foi indevidamente operada uma agulha e dada ordem errada de prosseguimento a um dos comboios. Há apenas feridos e danos materiais a lamentar. O choque deve ter ocorrido a muito baixa velocidade.

De salientar que recentemente foi inaugurada uma nova estação central em Viena, implicando a reestruturação do serviço suburbano, com evidentes prejuízos para os passageiros e protestos anteriores ao acidente, dada a utilização partilhada das vias (é um dado básico na exploração ferroviária que os gestores e os economistas não querem aceitar: cada modo de transporte tem as suas especificidades e exigências e a compatibilização entre eles retira rendimento  a cada modo e aumenta a probabilidade de acidentes em situação de degradação de equipamentos).
O operador é OBB, o operador público dos caminhos de ferro austríacos.

3 – Alfarelos, a 25 km de Coimbra, 21 de janeiro de 2013 -  Colisão de um Intercidades Lisboa-Porto com a traseira de um comboio regional Entroncamento –Coimbra.
Provavelmente terá havido uma avaria no sistema de sinalização (o que impede o Convel, ou controle automático de velocidade de funcionar); pelas fotografias do acidente, parece que ambos os comboios estariam numa via não correspondente ao sentido normal de circulação, pelo que se coloca a hipótese de manobra errada de agulhas, ou informação deficientemente transmitida ao maquinista do Intercidades (a facilidade de comunicação via rádio não deveria dispensar procedimentos de segurança envolvendo a participação de mais do que um profissional a transmitir e validar a informação ao maquinista e o registo da comunicação), ou cumprimento de marcha à vista sem fixação de um ponto de paragem com uma distancia de segurança antes da traseira do comboio, tendo o declive da chegada à estação e a pior aderência aos carris devido às condições climatéricas contribuído para a colisão (se foi assim, as circunstancias foram semelhantes ao acidente em Caxias no ano passado, a menos de deficiências no sistema de travagem dos comboios).
Temos aqui também uma semelhança com os acidentes na Áustria do mesmo dia, com o acidente na Holanda em 2012 e na Bélgica em 2010, isto é, sobrecarga das vias com exploração de longo curso/alta velocidade, serviço regional, serviço suburbano, mercadorias. Em condições normais, tudo funciona bem graças ao sistema de sinalização e aos controles automáticos (quando os há). Porém, condições climatéricas adversas e degradação de equipamentos, quer agulhas (aparelhos de mudança de via), quer circuitos  de deteção de comboios na via, quer sistemas de sinalização, sobem dramaticamente o risco de acidentes, precisamente porque raramente essas circunstancias convergem. A pressão que o elevado tráfego induz também perturba os operadores podendo levá-los a desprezar pontos essenciais dos procedimentos de segurança.
Não esquecer ainda que, devido à grande inércia dos comboios e à deformação limitada no tempo do choque (passagem rápida de um estado de movimento ao estado de repouso, induzindo desacelerações elevadas com as consequencias fisiológicas penalizadoras) mesmo a velocidade reduzida as consequencias são graves ou críticas (neste caso, a deformação da carruagem embatida absorveu grande parte da energia cinética do intercidades).
Espera-se mais uma vez que no processo de inquérito se tenham estas circunstancias em consideração e não se concentrem na “falha humana”, embora pareça desejável tornar mais restritivos os procedimentos de segurança em caso de degradação do sistema de sinalização e não sobrecarregar as vias com diversidade de modos de transporte indutora de riscos.

PS em 22 de janeiro de 2013 – Das fotografias entretanto divulgadas parece confirmar-se que a colisão ocorreu numa das vias de recurso a sul das duas vias principais. Junto esquema simplificado com o provável percurso do Intercidades (que aparentemente encontrou a agulha mal feita, quando esta deveria dar acesso às vias principais de modo a permitir a ultrapassagem do regional), o provável ponto de embate e o ponto de repouso de acordo com as fotografias.
esquema corrigido de acordo com a imagem panoramica do JN


Estimei que o Intercidades percorreu 50 metros (aproximadamente o comprimento da ultima carruagem abalroada que foi arrastada pela locomotiva, ficando atravesssada e encavalitada sobre ela, mais o comprimento das duas carruagens que descarrilaram pressionadas pela ultima carruagem). Dado que os ferimentos entre os passageiros do Intercidades foram ligeiros, é possível que a desaceleração de travagem estivesse entre 2 e 3 m/s2, o que daria uma velocidade no momento do embate entre 50 e 60 km/h aproximadamente (valores evidentemente apontados sob reserva da análise dos vestígios do acidente e do registo de velocidade da locomotiva).
A probabilidade de uma avaria nos circuitos de via de deteção do comboio regional que permitisse o sinal verde à entrada da estação e antes da agulha que dá acesso à via de recurso onde se deu o embate é, dada a tecnologia usada, extremamente baixa, classificando-se esse acontecimento como improvável. Donde se estima  que o Intercidades estivesse circulando com sinais vermelhos e em marcha à vista sob orientação dos controladores do posto de comando, tendo a manobra errada resultado de deficiência de comunicação ou simplesmente não houve tempo para mudar a agulha para acesso do Intercidades à via normal.
Se foi assim (e o que se escreveu é uma hipótese a ser confirmada ou não pelo inquérito) ou não terá sido cumprido rigorosamente o regulamento de circulação da marcha à vista, ou este regulamento, como pareceu depois do acidente de Caxias, deveria ser tornado mais restritivo.
No caso de Alfarelos, estando a agulha, feita para a direção errada, ao fim de uma curva com declive, o maquinista teria muito pouco tempo para travar e sem espaço para evitar o embate. Com a sinalização avariada, a circulação só deveria poder fazer-se com a presença física de inspetores no local (não basta um inspetor dar uma ordem por telemóvel ou via rádio, longe do local onde estão as agulhas), junto das agulhas e de pontos de paragem com distancia de segurança suficiente à frente, antes do comboio antecedente.
Mas confesso que ignoro se o regulamento em vigor é assim restritivo.
O que desejaria é que o inquérito não concluisse, como os publicanos do evangelho, pelas habituais culpas do “erro humano”, passe a redundância, não omitisse a eventual falha humana de se utilizar um regulamento pouco restritivo (repito que ignoro se é ou não, estou apenas a colocar uma hipótese), não se contente com comunicações via rádio ou via telemóvel, sempre suscetíveis de gerar confusões porque a presença física de um terceiro elemento, para alem do maquinista e do controlador, é um fator de segurança imprescindivel (evidentemente que, com os cortes nos quadros de pessoal, cada vez haverá menos gente para estes procedimentos, com a agravante de se ir perdendo a experiencia nas técnicas manuais de exploração degradada com cantonamento por comunicação telefónica).
Aguardemos pois o resultado do inquérito, sendo certo que o objetivo destas análises é o de que a opinião pública possa pressionar os operadores ferroviários a adotar os melhores procedimentos de segurança.

PS em 23 de janeiro de 2013 - Segundo novas informações, o sistema de sinalização automática estaria a funcionar, mostrando os sinais luminosos as indicações corretas de moderação da velocidade. No entanto, o Convel não funcionou por ultrapassagem da velocidade admissível. Dado que o Convel (controle automático de proteção da velocidade) é um sistema fail safe, o comboio deverá ser travado em caso de avaria e só prosseguir a marcha, com Convel desligado,  mediante as condições restritivas de marcha degradada (admitindo que a colisão ocorreu etre 50 e 60 km/h, isso indicia que a passagem pela agulha foi feita à volta de 70-80 km/h o que me parece exagerado para uma situação em que o Convel estava avariado - ver esquema acima).
(em marcha degradada consequencia de falha do Convel,  as indicações dos sinais luminosos deverão deixar de poder ser atendidas por falta de proteção em caso de incumprimento; em condições normais, a informação de cada sinal é traduzida para uma informação transmitida ao comboio que em função dela autoriza ou não  o prosseguimento; fail safe significa que em caso de avaria ou degradação do funcionamento o sistema impõe um estado mais seguro e restritivo, travando o comboio).
Se efetivamente a falha do Convel foi o que aconteceu, isso indicia provável inconformidade do regulamento em condições degradadas, uma vez que é impossível em segurança (isto é, manter a segurança quando os sinais não são respeitados) cumprir os horários e garantir a segurança de manobras de mudança de via (o que foi o caso) circular apenas com os sinais luminosos a funcionar sem proteção do Convel (fundamentalmente porque é impossível recuperar atrasos em segurança).
Já no acidente de Caxias de 2012 tinha ficado esta dúvida, que o regulamento em condições degradadas pode facilitar o acidente se as comunicações rádio telefónicas entre o maquinista  e o posto de comando não forem inequívocas.
Discutir estas coisas em público durante o inquérito pode parecer mal a muita gente bem intencionada, mas recordo que a política dos organismos de inquérito nos USA e em Inglaterra até agradecem as contribuições dos cidadãos para o debate das condições de segurança e de melhorias.
É possível que o acidente de Alfarelos revele que é prática corrente explorar com autorização de circulação só com sinalização sem Convel, ou em marcha à vista com aproximação até ao comboio precedente quando a sinalização está avariada.
Por razões de segurança, que obrigariam a que pelo menos duas pessoas distintas, estando uma delas no local dos pontos de conflito ou junto das agulhas que dão acesso aos pontos de conflito, transmitam ao maquinista a informação registada de que pode prosseguir, deverão ser cumpridos pontos de paragem obrigatória. Estes deverão sempre ter uma distancia de segurança até ao comboio precedente, pela simples razão de que é impossível  garantir que se consegue travar um comboio sempre a poucos metros de obstáculo; isto é, nunca se deve obrigar um maquinista a conduzir um comboio de passageiros em marcha à vista até se aproximar de outro, nem a passar por uma agulha com sinal vermelho sem parar antes (no caso das estações terminais, reparar que existem para choques, desejavelmente deslizantes, para evitar acidentes deste tipo, que são consequência das piores condições de aderência relativamente aos veículos rodoviários).
Continuo a pensar, pela informação disponível, que uma deficiente compreensão nas comunicações com o maquinista induziu intervenientes em erro, pensando que o Intercidades tinha o caminho livre por uma via que estava ocupada, e com o sinal proibitivo, se se confirma a informação de que a sinalização funcionava, o que por si só indicia problemas de aplicação ou insuficiência do regulamento em situação degradada (passar por um sinal vermelho, mesmo com autorização segura, é sempre uma condição de exploração degradada).
Tal como no acidente de Viena, fica demonstrado que misturar tráfegos de carateristicas diferentes agrava extremamente os riscos quando uma parte dos sistemas de proteção falha, pelo que a melhor solução será suspender o tráfego ou geri-lo pagando com lentidão o preço da garantia de segurança.
Espera-se que o inquérito em curso esclareça se há ou não necessidade de melhorar o regulamento de circulação em condições degradadas, sem prejuízo evidentemente de esclarecer outras eventuais falhas humanas e de operação e manutenção dos sistemas de segurança, e que não se pretenda arranjar bodes expiatórios para tranquilizar a opinião pública.
 
PS em24 de Janeiro de 2013 – Só há pouco vi esta imagem panorâmica com o local preciso do acidente

Verifico assim que a hipótese que coloquei com base nas imagens disponíveis (colisão nas vias de recurso da estação) estava errada.
A colisão deu-se com o regional parado ao sinal da agulha de entrada na estação, a cerca de 300m do cais, e não na estação.
Substitui o esquema de acordo com a imagem panorâmica e rasurei as hipóteses e afirmações  não confirmadas.
Peço desculpa aos leitores pela precipitação na interpretação das primeiras  imagens e pela colocação da hipótese de ter havido troca de itinerários nas comunicações maquinista-operadores do posto de comando.

Porém, as observações sobre a marcha em condições degradadas mantêm-se, assim como a desconfiança de que as condições de circulação estavam degradadas (Convel avariado ou perturbações da sinalização; os jornais reportaram avarias da sinalização em Pombal no dia seguinte ao temporal de dia 19 - o acidente ocorreu no dia 21)  e espera-se que isso fique esclarecido com o inquérito, bem como os procedimentos de segurança do regulamento em condições degradadas.
Se o sistema de sinalização estava operacional, é muito estranho, dada a sua natureza “fail-safe”,  que o Intercidades tenha passado por sinais permissivos que lhe tivessem autorizado a aproximação ao regional a uma velocidade tão elevada (admitindo que o escorregamento entre o ponto de embate e o ponto de repouso foi de 120m, de acordo com a imagem panorâmica, para uma desaceleração de 2 m/s2 a velocidade de embate terá sido de 80 km/h , e para uma desaceleração de 1,2m/s2 terá sido de 60 km/h).
Uma hipótese seria o que aconteceu no metro de Washington: circuito de via avariado dando informação errada de que estaria desocupado quando lá estava o regional. Mas a probabilidade disso é quase zero considerando a tecnologia diferente utilizada.
Outra hipótese seria uma anomalia no funcionamento do sistema de comando centralizado no posto de comando que poderia dar informações erradas aos controladores nos momentos seguintes a uma perturbação , antes de concluída reinicialização dos processadores. Mas até isso, embora tecnicamente possível, é de excluir porque da torre de comando se avista a posição do comboio embatido.
Por isso se mantêm as dúvidas sobre eventuais condições degradadas de circulação.

PS em 4 de fevereiro de 2013 - A juntar à lista de acidentes, temos também a colisão de um suburbano com a traseira de outro parado, em Saulsville, perto de Pretoria, Africa do Sul.
Alguns feridos graves, mas nenhuma morte. Segundo consta, a sinalização ferroviária estava fora de serviço devido a roubos de cobre ou sabotagem (na semana anterior tinha havido um fogo suspeito no parque de material). Será assim mais um exemplo de que na condução em marcha à vista ou por cantonamento telefónico, dadas as condições de aderencia roda-carril, é grande a probabilidade de uma falha de condução  e de não cumprimento rigoroso dos procedimentos de segurança em marcha degradada. Acresce, no caso do operador da Africa do Sul , o material circulante ser obsoleto (recente encomenda à Alstom de 3600 carruagens para todo o país).



 Conforme as fotografias, parece ter-se partido o chassis da carruagem que embateu e parece ter funcionado um dispositivo "anti-climbing" (anti encavalitamento).