quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Dedicado ao senhor ministro da Economia e Emprego, Álvaro Santos Pereira






a) “…tenciono voltar a viver em Portugal por causa dos meus filhos. Para que eles vivam num país como o nosso, com a nossa cultura e até mesmo com o nosso clima… esperemos que, dentro em breve, os meus filhos possam também viver neste país-com-futuro à beira-mar plantado.”

b) “… as alterações climáticas serão o maior desafio que o planeta e a Humanidade enfrentarão nas próximas décadas. Obviamente, o mesmo se passará em Portugal … não só podemos implementar políticas económicas e ambientais que reduzam as emissões de gases responsáveis pelo efeito de estufa, mas também devemos aumentar os depósitos de carbono, através da plantação e replantação das florestas nacionais … o que poderemos então fazer para minorar os efeitos das alterações climáticas em Portugal? 1) estudos, estudos e mais estudos … 3) politica florestal agressiva; 4) atuar.”

c) “… contrariamente ao que muitas vezes se pensa, a baixa produtividade nacional não se deve exclusivamente ao nosso Estado burocrático e ineficiente. O mau desempenho organizativo dos nossos gestores e os incentivos ao imobilismo inovativo dos nossos sindicatos são claramente penalizadores da produtividade nacional. Qual a solução? Para alem da formação e reciclagem dos nossos gestores, sindicatos e trabalhadores, é importante introduzir um conjunto de incentivos à escala empresarial que melhorem as práticas organizativas e laborais, de modo a aumentar a competitividade e a produtividade das empresas nacionais.”

d) “… economistas-curandeiros anunciam a receita mágica para o fim do males nacionais apresentando projetos megalómanos, tais como a barragem do Alqueva, que iria solucionar os problemas agrícolas do Alentejo, ou a construção de Cabora  Bassa, que iria ser a  mola impulsionadora do desenvolvimento económico moçambicano. Recentemente, os curandeiros apareceram-nos com os projetos milagrosos da Ota e do TGV, os quais iriam gerar um investimento público de tal monta que nos iria resgatar da estagnação económica.”

Em “Os mitos da economia portuguesa”, de Álvaro Santos Pereira, 2007, ed.Guerra e Paz


Citação a) - Este “post” é dedicado ao senhor ministro da Economia e Emprego (e transportes, embora já não explicitamente na designação do ministério) para contrastar com os anteriores “posts” dedicados ao senhor ministro das finanças e ao senhor secretário de Estado dos Transportes.
Porquê?
Porque a citação a) do livro de que o senhor ministro é autor me leva a pensar que o senhor ministro é diferente do senhor ministro Vítor Gaspar e do senhor secretário de Estado Sérgio Monteiro.
Diferente para melhor, embora a alergia de que o senhor ministro da Economia sofre quando exposto a sindicalistas da CGTP ou a deputados dos partidos das bancadas mais à esquerda tenha produzido maus resultados, como aquela entrada de rompante no mundo dos transportes, com taxas de ocupação mal calculadas e vociferando “vamos acabar com as regalias” (bem, ao menos não pode acusar-se o senhor ministro de hipócrata). E tambem não foi bonita aquela de acusar os deputados de que não gosta de repetirem a cassete de há 30 anos, quando o seu próprio governo repete a cassete de Hayeck e Friedman que não parece ter dado muito bons resultados com a crise de desregulação de 2007 e 2008 (refiro-me a economias com dimensão que justifiquem grandes leis macro-económicas, claro, não me refiro a pequeninas tão expostas às condições externas como os mexilhões às marés).
Para melhor porque a citação mostra um cidadão de generosidade quase adolescente e de uma aparente ingenuidade quando mergulhado no vespeiro dos seus colegas de governo.
Por outras palavras, quando um senhor primeiro ministro diz que o Estado social não está em causa  nem a revisão da Constituição (embora confesse que quer alterar as funções sociais do Estado), ou um senhor ministro das finanças diz que o povo português é o melhor povo do mundo, o humilde cidadão deste blogue não acredita que eles estejam a ser sinceros.
Mas quanto ao senhor ministro Álvaro, o cidadão  acredita, acredita que o senhor ministro está a ser sincero (o que não quer dizer que acredite nas propostas que faz), e que o futuro que espera para os seus filhos é o futuro que todos nós desejamos para os nossos filhos e netos, com o país a desenvolver-se e a crescer, e não a empobrecer, como querem os seus colegas de governo; ou, pelo menos,  pensam mais em cortar despesa pública, do que em crescer para arranjar receita para cobrir o défice público; e nem sequer acham bem renegociar os juros que engordam o défice público; nem recomprar divida beneficiando da melhoria dos juros; nem auditar a dívida privada externa e interna; e se recusam terminantemente a reconhecer que as suas medidas de austeridade sem crescimento aumentam continuamente o défice e a dívida.

Citação b) – Esta citação é interessantíssima, porque revela que o senhor ministro Álvaro compreendeu a importância da parte ambiental do problema. E que, mesmo em contexto de crise, até porque crise está ligada à produção de energia, à produção agrícola e ao ambiente, é mesmo essencial estudar toda esta problemática e avançar com ações.
Estão aqui pistas que colidem violentamente com a incapacidade de alguns colegas do governo.
Por exemplo, quanto à politica florestal, dificilmente entendível nos seus aspetos técnicos (na perspetiva da engenharia florestal) :
- por uma senhora ministra com formação jurídica (esbarrando nesta questiúncula arreliadora, de que só 3% da floresta é mata nacional);
- por um senhor ministro da administração interna tambem sem capacidade técnicia para lidar com a problemática dos fogos florestais (que se vão intensificando com as alterações climáticas) ;
- por um senhor primeiro ministro e um senhor ministro das finanças que ignoram olimpicamente a função dos fundos QREN para melhorar as infra-estruturas e estimular o crescimento económico e que crê de forma religiosa que a iniciativa privada tudo resolverá;
- por um senhor ministro que prefere diplomas jurídicos a entender a função da Marinha na proteção da orla costeira (contra acidentes naturais, inclusive)
Ou, por outras palavras, pobre senhor ministro da Economia, no meio destes governantes…

Citação c) -  É a velha conversa da produtividade e da competitividade. Que teoricamente é muito verdade. E o senhor ministro até já compreendeu na prática que tem de ser adaptada à realidade portuguesa.
- Que o Estado é ineficiente. É, mas também há muita gente que trabalha no Estado e que produz bem. Já viu como os indicadores de mortalidade infantil e de longevidade melhoraram tanto depois do 25 de Abril? Que em vez de se descredibilizarem os funcionários públicos, os professores, os médicos, os técnicos de transportes, se deviam sentar à volta de uma mesa, revendo formas de organização, de trabalho em equipa, de tomada de decisões, de fazer valer os critérios técnicos da profissão sobre os critérios burocráticos e jurídicos? (para quê perder tempo em mudar uma lei se o problema está na forma como se interpreta e aplica a lei, ou nas condições externas à empresa que impedem a sua eficácia)
- que os nossos gestores precisam de formação e reciclagem (com exceções, claro). Nada a opor, mas temos aqui mais uma oportunidade para resolver as coisas à volta de uma mesa.Talvez seja mais aquela questão lugar-comum de ser necessário mudar as mentalidades… mas já viu o paradoxo? Está o governo a querer minimizar o Estado, e depois a iniciativa privada exibe a sua incapacidade…para onde está o governo a lançar a economia? E a propósito, não seria boa ideia o ministério da economia começar a divulgar análises sobre a dívida privada, interna e externa, e compará-la com a pública?
- e que os sindicatos estão anquilosados e são imobilistas, e que os partidos mais à esquerda também. Como dizia o doutor Cunhal, olhe que não, olhe que não. Se o que diz é verdade em demasiados casos, olhe, como dizia Álvaro Cunhal, que há muita gente nos sindicatos e nos partidos de que não gosta (e na sociedade civil, claro, como na iniciativa do congresso das alternativas, na iniciativa da auditoria cidadã…) que têm ideias abertas e propostas concretas para melhorias (a propósito, seria boa ideia o miinstério da Economia estudar o manifesto dos economistas aterrados e propor medidas…) e cuja participação no estudo de medidas seria muito útil ao país (por que cargas de água só o “arco governativo” há-de poder participar? Clari que a forma de participação tem de ser muito bem discutida, mas as ideias e propostas que já por aí a circular merecem debate alargado)

Citação d) – as receitas mágicas dos investimentos públicos. Ai, aqui todos sabemos que o senhor ministro Álvaro não é keynesiano.  Ninguém deve ser obrigado a ser uma coisa que não quer. Eu também não gostava que me obrigassem a ser seguidor de Hayeck, Friedman, Reagan ou Tatcher. Ficava pior que sei lá o quê. Não quero portanto que o senhor ministro Álvaro seja keynesiano à força. Mas, já que estamos na União Europeia, isso não é só para ter de aturar a superioridade germânica. É também para aproveitar os fundos de coesão para equipamento de infra-estruturas.
E muito gostaria que o ministério da Economia desse toda a atenção à prioridade 3 dos corredores da rede ferroviária  trans-europeia : Lisboa –Europa. Uma linha de alta velocidade pode ser mista, para passageiros e mercadorias  (embora seja mais cara do que apenas para passageiros, devido ao reforço do leito de via para suportar as mercadorias), e neste momento as duas valências são essenciais (porquê? Por razões ambientais, o que vem ao encontro da citação b),  a eficiencia energética do transporte ferroviário é muito superior à do transporte aéreo, desde que a  produção de energia elétrica  por combustíveis fósseis seja inferior a 60% , e há mais de 14 aviões Lisboa-Madrid por dia…) . A União Europeia pode elevar a sua participação até 90%. Mas são necessários os projetos completos. Porem, os senhores governantes não têm a perceção das variáveis técnicas (perspetiva de engenharia) em jogo, os senhores empreiteiros é aquele problema do lucro que têm de apresentar aos acionistas, não lhes interessa poupar nos percursos, e os projetistas, ai que já no IST me fazia tanta impressão os colegas quererem despachar os projetos sem os debater com trocas de impressões ou análise de alternativas, sem fugir à cópia dos projetos de anos anteriores...
Mas como se disse e diz o lugar-comum, é preciso mudar as mentalidades, alargar a participação e o debate…
O QREN é essencial para o crescimento, e pará-lo induziu prejuízos (retomar uma obra depois de a parar traz sobrecustos); substitui-lo apenas por formação não ajuda muito. No caso do TGV, é urgente refazer o projeto, agora que se pretende uma linha mista (o projeto anterior previa no troço português duas linhas, uma para mercadorias e outra para passageiros; conviria ainda renegociar no sentido de escolher melhor e mais curto  percurso em Espanha).
Aparentemente, o senhor ministro Álvaro já compreendeu a necessidade de relançamento do QREN, mas não pode enfrentar os sacerdotes do anti-investimento seus colegas (temos aqui outro paradoxo, os sacerdotes da iniciativa corajosa, inovadora e desafiadora dos riscos, são o cúmulo da prudência ao não quererem correr riscos em investimentos de infra-estruturas de utilidade pública).
Digo aparentemente, porque o senhor ministro Álvaro já veio a público lamentar a desistência do empreendimento turístico do Alqueva.
É que o projeto “megalómano” do Alqueva, como dizia o senhor ministro em 2007, não era só o regadio que ainda hoje está por concluir, era também a produção de energia elétrica renovável que neste momento conta com cerca de 450 MW instalados, e, como complemento, o turismo.
Tanto o Alqueva, como o novo aeroporto, como o TGV, como o porto de Sines, integravam-se num conjunto de empreendimentos de interesse público planeados ainda antes do 25 de Abril de 1974.
E estava correto, o plano, não era megalomania, como se prova com o sucesso do porto e das refinarias de Sines e com a produção de energia elétrica no Alqueva.
Pena ficar a faltar o regadio para contribuir para a autonomia alimentar do país, o TGV para cortar nos desperdícios do transporte aéreo de curta distancia (dado que o percurso em velocidade e altitude de cruzeiro é curto, a eficiência do transporte aéreo neste caso também é), e o novo aeroporto, já que o da Portela está a rebentar pelas costuras em termos de numero de passageiros.



sábado, 27 de outubro de 2012

Falas de governantes - A maratona do senhor ministro das finanças Vitor Gaspar

No dia em que o senhor ministro das finanças ganhou mais um secretário de Estado, expôs uma nova teoria sobre o programa de "ajustamento orçamental": que ele é exatamente (sic) como a maratona. Que Portugal tem uma linda tradição, e que geralmente se desiste quando é mais dificil, entre os km 30 e 35, não ao vigésimo sétimo quilómetro.
(ver, ao minuto 4:50   http://www.rtp.pt/play/p564/e96992/hoje )
Não bastava as anteriores citações do senhor ministro, a do otimismo de Pangloss e a da história trágico-maritima num discurso de Londres (a capital ameaçada pela Invencível Armada) que se viram contra o senhor.
Agora obrigou-me (confesso, foi um impulso compulsivo, passe a redundancia) a pesquisar a tradição linda de Portugal na maratona. E eis o resultado da pesquisa: em 1912, Francisco Lázaro morreu ao km 29, na maratona de Estocolmo, por ter acreditado que untar o corpo com sebo e tomar mistelas com essencia de terebentina e estricnina lhe dava mais energia.
Infelizmente não chegou ao km 30.
A ameaça é a receita das mistelas do senhor ministro, que declarou que estamos a 2/3 do programa de ajustamento, "exatamente" como na maratona.
Ai que coisa, 2/3 de 42 são 28 km, não são 27 km, que foi onde o senhor ministro achou que nós estávamos.
Ah, e outra coisa, o senhor ministro falou no vigésimo sétimo quilómetro. Mais um desvio, pequeno para um não matemático, e "enorme", como o senhor ministro gosta de adjetivar, para um matemático; é que o km 27º começa ao km 26, longe do km 28, o dos 2/3.
Que coisa, não bastava ter previsto no primeiro orçamento retificativo uma quebra homóloga de 5,3% para o IRC e ela ter sido até 30 de setembro de 20,7%, nem ter previsto um crescimento de 7,5% para o ISV (para o ISV, imaginem) e ele ter diminuido 45% (ver
http://www.dgo.pt/execucaoorcamental/SintesedaExecucaoOrcamentalMensal/2012/Outubro/1012-SinteseExecucaoOrcamental.pdf   ) , ainda vem agora com confusões quilométricas.
Ah, mas tambem esclareceu por que "o ajustamento orçamental é maior do que o inicialmente previsto: porque as caracteristicas do ajustamento são diferentes do que estava previsto e envolvem uma queda maior da procura...e da massa salarial... e está associado ... ao problema... do desemprego" (ver minuto 6:40).
Deuses! Deuses!
Não lhe foi dito na altura que cortar, cortar, dava em recessão?
A minha incapacidade de aceitar isto é porque  as características da minha incapacidade são diferentes das que aceitariam isto.

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Dedicado ao senhor secretario de Estado dos transportes Sergio Monteiro

A Transdev/Veolis, um dos principais grupos interessados nas partes de empresas de transporte público a privatizar, falou no seminário da FERNAVE em 24 de Outubro:

“Não conheço nenhuma rede de transporte urbano sem prejuízos, logo é preciso compensar isto com subvenções ou compensações de serviço público. É preciso ter fontes adicionais de financiamento. Isto acontece em qualquer parte do mundo.”

Ainda bem que a Transdev diz isso, porque é o mesmo que foi dito ao senhor secretário de estado de transportes e ao senhor ministro desde que eles entraram de rompante a dizer que iam acabar com as regalias nas empresas publicas.

Estamos de acordo que se devem reduzir custos respeitando os critérios de segurança, eficiência, rapidez e conforto sob critérios razoáveis de qualidade de serviço (duvido que os senhores governantes saibam avaliar esses critérios, mas enfim).
Mas acreditar que as economias devidas a uma melhor gestão pelos privados de uma empresa (ou da parte dela dedicada à exploração) são maiores do que os seus lucros, é acreditar em histórias de fadas, digo eu, que conheci o problema de uma empresa de transportes por dentro (ver nota).

A menos que queiram comparar o não comparável (a tal história dos indicadores de qualidade de serviço, de segurança, de eficiência, de rapidez e conforto; ou a disponibilização das tais fontes adicionais de financiamento, como foi feito para  a FERTAGUS; ou a assunção pelo Estado do risco das quebras de procura e de receita; ou a transferência fiscal de contribuições perdoadas para proveitos do concessionário; ou a disponibilização de infraestruturas ou de envolventes sem custos para o concessionário…).

Enfim, aguardemos os próximos episódios da novela de “privatizar a tout prix, porque sim, porque o diretório manda”

Nota – Seja o momento 1 em que o Estado obtem o saldo efetivo  anual S1 na gestão de uma empresa:


S1 = R1 - D1 - C1 – J – Ipb1

Sendo:
R1   receita operacional
D1  despesa operacional
R1-D1   resultado operacional
C1  indemnização compensatória
J   serviço da divida acumulada anterior
Ipb1  serviço da divida do investimento no ano corrente

Suponha-se que o Estado entrega por concessão a gestão da empresa;  no instante 2 a empresa obterá os seguintes resultados anuais:

L + r + Ipv2 = R2 – D2 + C2

Sendo:
L  lucro
r  renda a pagar ao Estado
Ipv2  serviço da dívida do investimento privado ((obtenção externa)+auto-financiamento)  
         incluindo o serviço da eventual aquisição da dívida pública acumulada anterior
R2 receita operacional
D2 despesa operacional
C2 indemnização compensatória recebida do Estado

O saldo efetivo anual do Estado no momento 2 será:

S2 = r – C2 – J – Ipb2

Sendo:
Ipb2    serviço da dívida do investimento público

Do ponto de vista económico, admitindo que os indicadores de qualidade se mantêm (se não se mantivessem teria de se calcular o custo-benefício), a concessão só terá sido vantajosa para o Estado se:

S2 > S1

Isto é:

r – C2 – J – Ipb2 > R1 - D1 - C1 – J – Ipb1

ou:

r  > (R1 – D1) + (C2 – C1) + (Ipb2 – Ipb1)

O que quer dizer que a renda paga pelo concessionário deverá ser superior à soma: 

  • do resultado operacional antes da concessão, 
  • com a diferença entre as indemnizações compensatórias depois e antes da concessão, 
  • e com a diferença entre os investimentos públicos depois e antes da concessão  (claro que o concessionário vai querer limites e compensações para eventuais quebras de procura e receitas, e para os níveis de investimento privado e público).
Admitindo que o resultado operacional já era nulo antes da concessão, e que os níveis de investimento se mantinham, tem-se que a renda deverá ser superior à diferença entre a nova compensação indemnizatória e a antiga; caso contrário a concessão não tem interesse económico.

Substituindo o valor de C2 na inequação chega-se a:

(R2-D2) > (R1-D1) + L + ((Ipb2 + Ipv2) – Ipb1) – C1

Isto é, os resultados operacionais com a gestão privada deverão exceder os resultados operacionais com a anterior gestão pública no valor da soma:

  •  do lucro 
  • com a diferença entre o investimento público e privado depois e antes da concessão,
  •  descontando o valor da indemnização compensatória anterior à concessão mas incluindo o serviço da eventual aquisição da dívida pública acumulada anterior.
Recordando que C1 é um valor pequeno, interessará ao concessionário, para que economicamente o Estado tenha interesse (embora com evidente afetação da qualidade e preço do serviço):

  • reduzir a despesa operacional (reduzindo salários, o quadro de pessoal ou a manutenção, ou subcontratando pessoal ou manutenção precários, por exemplo)
  • aumentar a receita (aumento de tarifas, agravamento do custo de circulação automóvel)
  • minimizar os investimentos (adiar melhorias)

Eis por que, sem diminuir os indicadores de qualidade, não se crê que os lucros sejam menores do que o diferencial dos resultados operacionais antes e depois da concessão, devido à "melhor gestão privada".


PS em 30 de outubro de 2012 -  Amável colega que trabalhou na Transdev, e que não gosta de escrever nas caixas de comentários,  chamou-me a atenção que eu não tinha mencionado outras hipóteses do concessionário obter um resultado operacional melhor do que o de uma empresa pública, através de uma melhor gestão e da libertação de constrangimentos laborais.
Bem, a experiencia que eu tenho é que a melhor gestão dos privados não é uma regra universal, depende do profissionalismo dos técnicos.
Além disso, o privado A, com maior capacidade de gestão do que o privado B, pode perder para este um concurso devido aos critérios de adjudicação, isto é, a economia possível com uma melhor gestão de A pode ser deitada a perder por um privado B que prescinda de mais lucros e esteja disposto a pagar uma renda maior (para o mesmo nível das indemnizações compensatórias e de investimentos privado e público).
Isto para dizer que não parece dever utilizar-se um argumento para a privatização ou concessão quando ele depois perde valor entre privados.
Há ainda a considerar, na gestão privada, o risco de desinvestimento em material circulante, como foi patente à aproximação do fim da participação inglesa na concessão da Carris, e na perda de “know-how” (por exemplo, para "entender" uma problemática específica) ao economizar em estruturas de engenharia não  ligadas diretamente à produção.
Quanto aos constrangimentos laborais, há muito que nas empresas públicas se verificam despedimentos com justa causa, nos termos da lei.
Para a melhoria da produtividade laboral não era a lei que era preciso mudar (como foi feito no contexto atual,  nivelando por baixo e contra os seus interesses, entre os trabalhadores do público e do privado), mas sim corrigir nas empresas , internamente, a burocracia interna, o predomínio de critérios administrativos sobre critérios técnicos, a lentidão nas reconversões, a dificuldade de contratação de profissionais qualificados; e externamente, através do diagnóstico e correção (obviamente, nos tempos que correm, extremamente difícil) dos condicionalismos externos que limitam a produtividade interna, como sejam: limitação dos investimentos em equipamentos e sistemas para melhorias, deficiente funcionamento do mercado de subcontratação, deficientes transportes casa-emprego, custos de habitação, pressão psicológica excessiva.
Isto para dizer que, nos tempos que correm, os fatores negativos que afetam a produtividade nas empresas públicas também o são nas privadas.
Por isso, considerando:
- o pequeno volume de negócios de uma empresa publica de transportes urbanos portuguesa
- a pequenez das indemnizações compensatórias atribuídas à empresa pública
- que se estranhará que a indemnização compensatória a atribuir depois da concessão venha a ser maior do que antes,
continua a duvidar-se que a economia obtida com melhores resultados operacionais numa privada seja superior à diferença entre os lucros da privada (incluindo a indemnização compensatória depois da concessão) e a indemnização compensatória antes da concessão.

PS em 31 de outubro de 2012 - Vem o senhor secretário dos Transportes afirmar hoje que em 2013 as gestões da operação das empresas de transporte de Lisboa e do Porto serão privadas. Continua a não serem apresentados os cálculos fundamentadores desta decisão. Será mais um caso de cumprimento cego do memorando, dado que não consta existirem especialistas de transportes na troika (se existem, é direito dos cidadãos serem informados dos cálculos fundamentadores, embora já se preveja que a desculpa da troika será que privatização é uma decisão do governo português). Conviria, entretanto, que nas contas do senhor secretário de Estado estejam incluidos, para alem dos encargos de operação, os encargos de manutenção, quer interna às empresas, quer externa, e restantes encargos financeiros, para que as situações antes e depois possam ser comparáveis, e para que não se diga que foi concessionada a parte lucrativa e se manteve na posse pública a parte não rentável. 







Dedicado ao senhor ministro das finanças Vitor Gaspar

Excerto do livro "Economia para todos" , de David Moss, professor de Gestão, Administração Publica e Economia internacional na Harvard Business School, ed. Academia do livro, de onde eu tenho retirado as fórmulas do PIB e do investimento:

“Infelizmente, alguns estudantes de Macroeconomia sentem-se tão confiantes em relação àquilo que aprenderam que se recusam a ver quaisquer desvios, preferindo acreditar que as relações económicas definidas nos seus manuais são regras invioláveis. Este tipo de arrogância (ou estreiteza de pensamento) torna-se um verdadeiro perigo para a sociedade quando afeta os responsáveis pela macroeconomia. O responsável pela politica que acredita que sabe exatamente como a economia irá responder a um estímulo específico é na verdade um responsável político muito perigoso.”

Questionado sobre o falhanço da quebra de receitas do IVA, do ISP e do IRC e do aumento da despesa pública apesar da diminuição dos gastos de pessoal e do investimento (foi o serviço da divida que cresceu), o senhor ministro Vítor Gaspar teve a honestidade de se assumir como único responsável (não é verdade, mas se fosse, seria uma prova de que assunto tão complexo não pode depender de uma pessoa só, por  mais iluminada que seja) e, de forma superior e pouco urbana como já é seu timbre, afirmar o “enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ser as funções sociais do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar”.
Há uns anos , houve um senhor ministro que disse: “Quem quer saúde, paga-a”. Não parece pois ter havido grandes progressos.
Insistiu ainda que a queda do PIB em 2013 será de 1%, e que o multiplicador do impacto da austeridade sobre a  queda do PIB não estava compreendido entre 0,9 e 1,7, mas é apenas de 0,8.
Quanto ao dia do regresso aos mercados, anteriormente anunciado para 21 de Setembro de 2013, nada disse.

Não é o facto das medidas serem duras que choca.
É a falta de humildade de quem se acha detentor das soluções únicas, de quem reconhece acriticamente o erro e insiste nele, é a ausência de disponibilidade para aceitar outra forma de pensar e agir , é  recusar a renegociação dos juros, da disponibilização do BCE para empréstimos diretos, da regulação fiscal na Europa.
É deixar sem resposta as perguntas concretas, enquanto, provavelmente, vai estudando soluções, como reconheceu quanto aos limites do défice, em negociação com a troika desde julho:
1 – é verdade que estão 7.500 milhões de euros, que sobraram da recapitalização dos bancos, “aparcados” sem objetivo à vista  (que não seja uma reserva para tapar erros de estimativa)?
2 – é verdade que não quer  recomprar divida portuguesa no mercado secundário, agora que os juros estão mais favoráveis?
3 – é verdade que não sente premência em ampliar as verbas do QREN que tanto jeito davam ao seu colega da Economia? (ou está a contar com elas para limitar a recessão do PIB a 1% em 2013?)

Como diz o professor de Harvard, é perigoso.

PS - Mais um erro meu, confirmando que não é só o senhor ministro que se engana. A data marcada para o "regresso aos mercados" era 23 de setembro, e não 21, que, este,  será um sábado. Também o senhor ministro dise alguma coisa, contrariamente ao que escrevi. Disse que não faz sentido estar a marcar datas. Nalguma coisa haviamos de estar de acordo, especialmente depois daquele anuncio descabido que "já voltámos aos mercados", felicitando a senhora secretária de estado por ter transferido as obrigações de setembro de 2013 para 2015, graças à generosidade dos credores nacionais, não internacionais. Perigoso, dar poder a um senhor assim.

Investimento privado, a solução e as iniciativas da sociedade civil

Os grandes economistas que a televisão acolhe pronunciaram-se neste outono do nosso descontentamento:
- Campos Cunha cortaria na despesa pública, principalmente nas PPP (embora não tenha os números presentes);
- Medina Carreira repete compulsivamente, abrindo assim caminho ao próprio governo, apesar de desejar a sua saída: reduzir salários do funcionalismo público, reduzir quadros de pessoal, reduzir prestações sociais; e, se não há dinheiro para salários, não deveria haver dinheiro para as PPP porque o estado faliu (mas não diz que se não há dinheiro para salários não deveria haver dinheiro para juos e dividas; esquecerá que salário tambem é pagamento de dívida?)
- Augusto Mateus foi muito claro: só crescendo se conseguirá pagar a dívida e para isso a solução é o investimento privado (certo, o guizo ao pescoço do gato resolvia todos os problemas, mas como se põe o guizo ao pescoço do gato?);
- Miguel Cadilhe, voluntarioso, junta a sua voz aos que propõem a renegociação do memorando com a troika; renegociação honrada, como ele sublinhou;
- Jacinto Nunes afasta a acusação de ser keynesiano mas chama a atenção para que existem multiplicadores (se o estado põe dinheiro a circular com os seus investimentos, há-de haver encaixes por essa economia fora) e diagnostica que a proposta de orçamento para 2013 conduzirá a recessão e desemprego; que a visão do senhor ministro Vitor Gaspar é estreita para as necessidades de crescimento;
- Carlos Carvalhas recorda declarações de 1997, que o perigo da moeda unica é a submissão a um diretório de grandes potencias e multinacionais, a desvalorização dos salários e da segurança social, e que não é admissivel que os juros sejam já 60% do défice público; que as medidas de taxação do capital anunciadas são tímidas e muito fica de fora, especialmente o património mobiliário.

Não falam na necessidade de auditar a divida pública e a divida privada.
Anotam a insustentabilidade dos juros e a indispensabilidade de aumentar o PIB sem que a divida externa aumente,  e de aumentar o investimento privado.

Voltando às fórmulas de                                                                                                     http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/06/um-pouco-de-teoria-economica-o-pib-e.html     :

PIB=consumo+investimento privado+despesa e investimento publico+exportações-importações         

Estaremos todos de acordo que é bom aumentar exportações, mas que não podemos querer tudo, porque tambem queremos aumentar o crescimento através do investimento privado (queremos combater o desemprego, certo?):

investimento privado = poupanças privadas+(impostos+ fundos europeus - segurança social , despesas e investimento publicos) + importações - exportações

Temos mesmo um problema, não dá para crescer sem investimento, sem importar capital (isto é, as importações têm de ser seletivas, não devem importar-se bens depreciáveis e serviços não reprodutivos), quer sejam fundos europeus quer seja capital particular.
Será portanto uma falácia querer que a austeridade e os cortes da despesa pública resolvam tudo, apesar da recessão que trazem.
Não há uma solução unica, um só tipo de ação.
Claro que deve poupar-se na despesa, e a principal economia, numa altura em que o serviço da divida é 60% da despesa pública, seria na renegociação dos juros e prazo de amortização.
E as exportações só, não resolvem, porque atuam no sentido contrário ao do investimento antes de chegar o produto da venda.
As poupanças privadas só crescem se o poder de compra não diminuir (isto é, reduzir salários ou aumentar impostos para reduzir o poder de compra e a procura e assim baixar as importações tambem não resolve, porque elimina as poupanças).
Só haverá diminuição da divida se a soma das exportações e dos fundos europeus for superior à soma das importações e  juros e amortizações da divida externa.
Com os juros como estão não parece ser possível.
Quanto tempo levará o governo a reconhecer isso publicamente, uma vez que conhece todos os dados do problema?
Acompanhar a evolução de todas as variáveis exige o conhecimento dos negócios (energia, transportes, reabilitação urbana, agricultura) que lhes estão na base.
Duvido que os economistas e financeiros que oficialmente tratam disto consigam ter a necessária visão abrangente.
Por exemplo, para selecionar os programas para submeter aos concursos dos fundos europeus QREN. E com a crónica recusa do governo em colaborar quem não pensa como ele, é dificil.
Por outro lado, o governo serve uma ideologia, independentemente dos resultados da evolução económica e financeira: que é a de reduzir o mais possível as funções do Estado.
Numa economia fraca, dependente do exterior e em que só uma pequena percentagem da população se sente vocacionada para o investimento particular, parece dificil que esta ideologia surta efeitos.
Mas os profetas desta ideologia sem Estado, ou de Estado mínimo, acreditam sempre que no futuro será melhor, por mais que os indicadores digam o contrário.

Se ao menos dessem ouvidos às iniciativas da sociedade civil:

 http://www.congressoalternativas.org/p/peticao-oe-2013.html.
 http://www.auditoriacidada.info/

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cenas da vida quotidiana - as grelhas, no supermercado e o génio do poker




1 - As grelhas - Bruscamente, após o verão passado, comecei a reparar, nas duas freguesias do norte de Lisboa que mais se distinguem nas eleições em votar ns partidos do atual governo, que faltavam grelhas de drenagem, junto dos passeios.
Primeiro, alguns moradores colocaram ramos de árvores, para prevenir os automobilistas contra os perigos de inutilizarem jantes ou susensões.
Depois o pessoal da CML colocou aqueles módulos de polietileno para barreiras de canalização de tráfego em cima das bocas de drenagem.
É fácil parar uma carrinha e com um pé de cabra ir recolhendo as grelhas.
É um sinal do desemprego e da economia paralela a funcionar com o apoio dos sucateiros.
Quem será mais a causa? quem rouba as grelhas ou quem gere a economia de modo a ela reagir assim?
Sugiro a encomenda a fabricantes de estruturas de PVC, reforçado com nervuras, para equipamento das bocas de drenagem.
Ou então, inserir nas grelhas metálicas localizadores para fazer o "tracking" até aos sucateiros.
Mas evidentemente que a solução seria fazer o que diz a constituição da República: o governo tomar medidas de pleno emprego (utilizando fundos QREN).
2 - no supermercado - estou a comparar preços de vinhos na respetiva secção do supermercado. Um cliente de aspeto normal aproxima-se e pede delicadamente dinheiro para completar as suas compras. Respondo que deveria protestar através das organizações que lhe fossem mais próximas, sindicatos, juntas de freguesia., partidos politicos.
Mas ele responde que isso demora muito tempo e entretanto tem fome.
Que , se cada um contribuir com uma moeda, ele tem o problema resolvido.
3 - o génio do poker - reencontro este argumento, de cada um contribuir com um pouco, ao ler no DN a reportagem sobre o génio do poker, que se profissionalizou depois de concluir o curso de engenharia informática, e que ganha rentáveis torneios na internet (o governo já terá tido tempo de ler o estudo sobre a taxação do jogo pela internet?).
Segundo ele, 10% do que ganha é entregue a instituições de solidariedade social.
Claro que aplaudo, mas fico a pensar que as coisas não deviam ser pela caridade, que a sociedade devia organizar-se de modo a pôr as pessoas a produzir, mesmo que tenham limitações, e remunerá-las conforme as necessidades.
Quem dizia o mesmo? Adam Smith.
Não há dúvida; quem nos divide não são os profetas, mas sim os seus sacerdotes.

Visão de efeito de túnel

À medida que a velocidade de um automóvel aumenta, acima de um certo valor, o angulo de visão do condutor vai-se fechando.
Isto é, a atenção visual do condutor vai ficando limitada a uma espécie de túnel, ou tubo, que o impede de ver atempadamente a aproximação de um eventual obstáculo na perpendicular do movimento.
O cérebro humano é assim, e deviamos protegê-lo contra erros nessas circunstancias, já que andamos a velocidades elevadas.
É o efeito de túnel e a visão de túnel ou tubular.
Sob pressão de fatores externos de perigo, o cérebro humano elimina o que lhe parece ser menos importante e concentra-se nas poucas questões que pode processar.
Só que essa exclusão do que parece ser menos importante pode ser por si só um erro, e um erro fatal.
Isto a propósito da velha expressão que os economistas usam, "cetera paribus", ou "mantendo-se iguais todas as outras coisas".
Na verdade, as medidas de austeridade e o corte dos rendimentos seriam soluções redentoras se todas as outras variáveis se mantivessem, como seja a procura.
Infelizmente não é assim, a procura baixa.
E o aumento de impostos também seria uma solução, se todas as outras variáveis se mantivessem, como por exemplo os rendimentos ou o consumo.
Infelizmente, como diz a lei de Laffer, os rendimentos e o consumo baixam, e lá se vai o aumento da receita.
Isto para dizer que a fé cega nas medidas de austeridade, isoladamente, é um bom exemplo de visão de túnel ou visão tubular.
Tal como o é o regozijo da propaganda do regime do governo atual ao celebrar o saldo positivo da balança de pagamentos no 3º trimestre de 2012, coisa que é efetivamente de celebrar, mas sem perder a visão para fora do túnel.
Antes de mais, há que felicitar os trabalhadores e as empresas portuguesas que para isso contribuem, desde o setor metalomecanico, ao vestuário e calçado, à auto-Europa, às refinarias da GALP, e aos serviços exportados (que compensam o saldo negativo dos bens).
Como aspetos a merecer atenção, temos a exportação de ouro usado, a queda do poder de compra que induziu a diminuição das importações e as grandes dificuldades para aumentar a exportação de bens e serviços, principal meio para a redução da dívida que não para de crescer.
Isto é, não podemos concentrar-nos apenas num indicador.
Temos de ver o que se passa com a divida, por exemplo.
E não só a divida publica, tambem a privada.
Mas não há informação credivel.
Dai a insistencia na auditoria às dividas (ver o sitio da iniciativa auditoria cidadã:
 http://www.auditoriacidada.info/   ).
Até quando vamos ter de pagar aos bancos privados juros 5 vezes superiores ao juro a que eles se financiam junto do BCE?
E depois de terem sido timidamente implementadas nalguns paises, depois de anos de debate público, a taxa sobre transações bolsistas, quanto tempo teremos de esperar para ser aplicada a mesma medida que foi aplicada à Alemanha do pós-guerra: limitação do serviço da dívida a 5% dos rendimentos das exportações ?
Isto sem falar na proposta da renegociação honrada do memorando da troika, do ex-ministro Miguel Cadilhe (e depois os serviços de propaganda tubular do regime do governo dizem que não há propostas alternativas...)

domingo, 21 de outubro de 2012

A incultura de quem não vê, não ouve, não fala




Diz quem está dentro destes assuntos que o orçamento que atribuíram à RTP2 de 3 milhões de euros é uma forma de a estrangular, de impedir o seu trabalho.
Mas como os bárbaros dizem, o numero de espetadores é muito reduzido e não se pode gastar muito dinheiro.
Eu penso que se deve responder com o exercício da competência e da intervenção, pelo menos enquanto seja humanamente possível com um mínimo de dignidade.
Entretanto Jorge Wemans já se demitiu do cargo de diretor da RTP2.
Programas como as sete irmãs (as grandes companhias de petróleo) conseguiram passar, como o documentário "Os donos de Portugal":
http://www.rtp.pt/programa/tv/p28826/c81758
Mas não existe só a RTP2, existe ainda a Antena2, a quem já amputaram programas de análise e intervenção cívica (recordo “Um certo olhar”), mas que ainda produz serviço cultural de qualidade, nomeadamente no campo da chamada musica clássica.
Hoje aprendi (devemos aprender sempre) que Luigi Nono, compositor falecido em 1990, também ele era interventivo.
Graças ao programa Caleidoscópio – A idade do génio

ouvi um excerto da obra de Luigi Nono dedicada à memória de Luciano Cruz, militante chileno do MIR (movimento de esquerda revolucionaria) , morto em circunstancias não esclarecidas em 1971, antes da eleição de Salvador Allende.
O texto intitula-se “Como una ola (onda)  de fuerza y luz”, e declara a perenidade do ideal de liberdade em que Luciano Cruz acreditava, numa altura em que a generosidade e  a ingenuidade faziam crer num futuro melhor para as pessoas :

Tudo ponderado, boas razões para as pessoas crescidas, muito sérias, muito competentes e bem postas, que decidem por todos nós, acharem que os orçamentos da RTP2 e da Antena2 são alvos a abater.
É mais ou menos o argumento do filme Farenheit451: depois dos bárbaros tomarem o poder, grupos de cidadãos reuniam-se para celebrar a cultura, cada um com a incumbência de decorar um livro.

Isso esperamos da incultura e do complexo de salvador único do primeiro ministro, que cantou a Nini vestida de organdi,  mas nunca sentiu as canções de Ari, nem ultrapassou as canções estouvadas das Doce.
Da incultura e da incompreensão do ministro das finanças, que acredita que os seus modelos são mais reais do que a realidade, que cita imagens literárias que se viram contra ele como o otimismo de Pangloss ou a história trágico-maritima, e que conjuga o verbo precluir como se fosse anglo-saxónico.
Da incultura e da incapacidade do presidente da República de realizar a análise, segundo todas as perspetivas que o povo português votou, e a síntese das ações a tomar, talvez porque, como dizia Saramago, confundia Tomas More com Tomas Man.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Cinema - 7 dias em Havana

7 dias em Havana


Já se sabe que o cinema exerce um fascínio sobre os espetadores.
Uma das formas em que o faz agora é juntando várias histórias no mesmo filme, misturando personagens aparentemente sem relação.
Temos, por exemplo, Babel, de Alejandro Inarritu, 360º, de Fernando Meireles, Roma com amor, de Woody Allen.
E temos 7 dias em Havana, sete histórias em Havana, de sete realizadores, só um cubano.
É bom ver um filme assim, uma associação de pontos de vista sobre uma cidade e as pessoas que a habitam.
Não terá tido apoio do atual poder politico, que talvez não se tenha importado muito.
As imagens são mesmo de Havana, com a degradação dos edifícios coloniais e das habitações da sua parte antiga, que a despesa pública não pode ser direcionada para a manutenção dos atios habitacionais, com a degradação do seu parque automóvel, que não há divisas para importar carros de luxo alemães.
As pessoas vivem como podem, com as limitações de uma economia quase isolada.
Há raparigas que terão o seu trabalho, mal remunerado, mas que oferecem o seu carinho a jovens turistas americanos pelos seus dólares.
Há motoristas, de serviços de táxi clandestinos num Desoto de 1938, que já foram engenheiros, e outros que tocam trompete como os grandes musicos de jazz norte americanos.
Há a presença insistente do negócio sexual nos bares, quase sempre cheios de musica.
Uma psicóloga no hospital público que faz doces em casa que vende fora do circuito legal e que ainda vai à televisão fazer um programa de auto-ajuda.
A presença recorrente das imagens ou da sugestão da fuga para Miami.
A tentação da cantora negra por um contrato de ricos em Espanha e que nem emigra nem vai para a cama com o empresário espanhol apaixonado.
E uma rapariga que por ter um caso de amor lésbico é levada pelos pais para um exorcismo de ritual africano.
Aliás a presença africana é dominante nos ritmos das suas danças.
Será que a ilha, virada para si própria, com uma superfície superior à de Portugal continental, nem estará interessada na política, mas apenas na simples subsistência, na assistência social na educação e saúde, e na musica e na dança de raiz africana?
Quanto do sangue de Cuba veio de navios negreiros portugueses até ao século XIX?
Há um excerto de um discurso de Fidel de Castro.
O discurso não termina e quem espera pelo seu fim tem tempo para contemplar os destroços da cidade.
O discurso é claro: “Cuba resiste ao bloqueio e às tentativas de empobrecimento que o imperialismo americano impõe”.
E de repente vem ao meu cérebro a semelhança entre Cuba e Portugal.
Economias não auto-suficientes.
Uma, vítima de um bloqueio feroz e  fechada sobre si própria, sem que os seus dirigentes tenham a coragem de aceitar a abertura à competição entre os elementos do próprio povo, a perda do estado social de assistencia e as consequentes desigualdades a que conduzem as sociedades livres.
Outra, vítima de uma abertura à globalização e à importação desenfreada que lhe destruiu grande parte dos setores primário e secundário.
Uma, em que o nivelamento social, dada a pouca riqueza da nação, conduziu a baixos salários.
Outra, em que a adesão à união europeia e aos critérios do FMI conduziu a baixos salários.
Tão irmanados, Cuba e Portugal, para quem tem rendimentos pequenos.
A conclusão parece ser a de que são ambos filhos de um deus menor, como dizia o romance.
Mas a força da musica cubana é enorme, quando na ultima história os habitantes do prédio se reúnem à volta do altar da virgem  feito numa sala acanhada do primeiro andar da vidente, com os azulejos do edifício colonial abandonado, para cantar à virgem e à orixá Yemanjá, deusa do mar.
O filme só mostra pessoas e a cidade.
Não  demonstra nada, nem como se resolvem os problemas financeiros de Cuba e de Portugal.
Mas como seria bom, se a democracia funcionasse, em Cuba e em Portugal.
Tanto para fazer e o imobilismo que se mantem.
Fascinante, o cinema.


Medidas corretivas concretas - 4

Medida 4 a -  Elaboração rápida, com recurso complementar a trabalho de estagiários de arquitetura e de engenharia, de projetos de recuperação urbana, incluindo levantamento e diagnóstico de situação e proposta de emparcelamento de artigos de matriz. O objetivo do emparcelamento será o de, por exemplo, reduzir 10 prédios  pré-existentes a 5, de modo a permitir:
- soluções de estacionamento, saneamento básico, fornecimento ambiental de água e energia (com prioridade a técnicas de passivação, ou isolamento térmico e acustico, e de aproveitamento de energia solar) ;
- consideração dos usos para habitação, escritórios, comércio, oficinas (incluindo de manutenção dos edifícios recuperados com flexibilização da constituição das firmas de manutenção), aluguer e turismo.
Vantagens:  Inverter a tendência de desertificação do centro das principais cidades e melhorar a pegada ecológica e a eficiência da rede de transportes dos grandes aglomerados urbanos
Meios: fundos QREN e seus sucedâneos para 2014-2020

Medida 4 b – dinamizar a elaboração dos projetos da medida 4a , a sua submissão a candidaturas QREN e os concursos e execução de obras,  aplicando à recuperação da Baixa de Lisboa e da Ribeira do Porto
Vantagens: aumento de receitas do turismo devido à dinamização do aluguer de habitações de curta duração e custo controlado, e consequente aumento da atratividade das cidades para maior numero de turistas; dinamização da economia interna das cidades e redução de custos de transporte, devido ao efeito de proximidade habitação-serviços-oficinas


Ver também
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/10/medidas-corretivas-concretas-introducao.html

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Medidas corretivas concretas 3


Medida 3 a – negociação com os PIIGS (Portugal-Itália-Irlanda-Grecia-Espanha), a UE-BCE, e os pricipais parceiros europeus extra-UE, nomeadamente Noruega, Rússia e Suíça, de um plano progressivo de harmonização e convergência fiscal, de modo a igualizar os juros dos empréstimos para investimento privado e generalizar os seguros de “bom-fim” na Europa
Vantagens: contrariar o efeito de “sucção” por retroalimentação de, comparativamente, serem cada vez menores os custos de capital para as empresas de economias fortes, não por os seus trabalhadores terem mais produtividade ou competitividade, mas porque a cotação das bolsas lhes dá créditos a juros cada vez menores

Medida 3b – instituição de uma taxa de 1% sobre todas as transações do multibanco, a suportar pela banca sem repercussão nas contas de manutenção dos clientes; nas transações nos postos de combustível, essa taxa reverterá para apoio dos transportes coletivos e de energias renováveis
Vantagens: moderar os lucros da banca, transferindo rendimento do capital para o trabalho
Modo de implementação: conforme exposto pelo reitor da Universidade de Coimbra na sessão de abertura em outubro de 2012


Ver

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Falas de governantes - a senhora secretária de estado do tesouro não vê sinais de espiral recessiva

A senhora secretária de estado do Tesouro Maria Luis Albuquerque, a quem dedico este "post", afirmou em entrevista não ver sinais de uma espiral de recessão.
Pode ser uma questão de semântica, e então não há razão para se falar em espiral.
Mas talvez que o problema seja a falta de formação em ciências físicas que impede que  a senhora veja o mecanismo de realimentaçao positiva.
Que em inglês se chama "feedback".
Não falemos em espiral, que a senhora secretária acha que não vê, neste momento, apesar de todos os avisos e evidencias.
Vamos a um gráfico de retas, com base na relação entre o corte de rendimentos ou o aumento dos impostos (com a consequente redução da procura interna), e a diminuição do PIB  que a senhora diretora do FMI revelou, com base nas observações empíricas dos seus serviços e na sua larga experiencia (1 euro de cortes implica entre 0,9 e 1,7 euros - valor médio 1,3 euros - de diminuição do PIB):



O gráfico está mais ou menos à escala, pelo que se pode ver o efeito de sucessivos cortes , iguais, ao longo do tempo. Podemos admitir que um ciclo de efeitos durará um ano. Evidentemente que é um modelo de aproximação não garantida, uma vez que ao longo do tempo nada garante que as curvas de relação entre os cortes e a diminuição do PIB se manterão. Certo é que, em zonas de PIB pequeno, se poderá considerar zona perigosa, em que a partir de certa altura, por mais investimentos que se façam, dificilmente deles se retirará retorno.
Podemos também ilustrar o fenómeno neste esquema de blocos de realimentação (feedback). O efeito sentido à saida de um sistema é realimentado, influenciando novamente o sistema, e assim, sucessiva e recessivamente.
É o mesmo mecanismo na condução automóvel, em que, se o condutor insiste em virar o volante no sentido em que não deve, o efeito se vai agravando até ao despiste final.



Quem, eles?

No período final do fascismo de Salazar morria gente por causa da cegueira do primeiro ministro.
Pintores em Alcântara ou generais na fronteira alentejana.
Jovens na guerra, portugueses e dos países ocupados.
Mas nunca faltou o humor político no teatro de revista e nas conversas, até por causa disso mesmo.
Vamos continuar a usar o humor no atual momento de crise.

O padre de uma aldeia próxima da fronteira com Espanha, na Beira Alta, na região  que no tratado de Alcanices optou pela integração em Portugal, vituperava sistematicamente, nas suas homilias, os espanhóis.
Que eram eles os culpados de tudo o que de  mal acontecia na região e em Portugal.
E para o provar, chegava ao ponto de afirmar que os espanhóis tinham estado na origem do sacrifício de Jesus Cristo.
A coisa tomou tais proporções que chegaram queixas ao bispo, nomeadamente de colegas padres espanhóis que não viam com bons olhos tanta animosidade.
Já bastava o provérbio que de Espanha nem bom vento nem bom casamento.
O padre foi chamado ao bispo e teve de lhe prometer que deixava de culpar os espanhóis pelos  malefícios da vida.
Mas estava-se na Páscoa, e o padre , na sua homilia, descreveu a ultima ceia e o sofrimento pungente de Cristo ao aproximar-se a hora da morte.
“Um de vós irá trair-me”, e poisou os olhos sobre Pedro.
Pedro, com os seus modos bruscos, interrogou-se “Quem, eu?”
O olhar de Cristo demorou-se então em João, que com voz doce também se interrogou “Quem, eu?”
E deteve-se finalmente em Judas.
E também este se interrogou, pretextando surpresa:
 “Quien, yo?”.  

Lembrei-me desta anedota ao ler a notícia da senhora diretora do FMI, a lembrar que as medidas de austeridade são tomadas pelos governos, não pelo FMI, e do senhor presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, que são os governos que tomam as medidas, não a união europeia.

Quem? Eles?




7 meses depois

Em época de apresentação do orçamento para 2013 e do retificativo (mais um) para 2012, o comentador afeto ao partido no poder escreve com todas as letras que o governo é incompetente e irresponsável.
O comentador afeto ao maior partido da oposição apelida o governo de bárbaros arrivistas e tecnocratas incompetentes.
Recordo o que escrevi no princípio de  março de 2012, a propósito da suspensão dos fundos QREN:

Confirmam-se, 7 meses depois,  as previsões da incompetencia dos senhores governantes.
Mas sinto agora repugnância depois da investigação do jornal Publico sobre o provável favorecimento em 2004 e 2005 da empresa do atual primeiro ministro parecer confirmar a anterior denuncia pública do comportamento de Miguel Relvas indiciador de cronycapitalism.
Penso que seria curial a procuradoria da Republica determinar a investigação, mesmo sem denuncia particular.
Penso que deveriam iniciar-se imediatamente negociações com a UE para apoio técnico para reativar os projetos QREN, incluindo o TGV.

Medidas corretivas concretas - 2


Medida 2a -  Levantamento do sigilo bancário em Portugal e acessibilidade pública, mediante identificação prévia, às informações em “site” na internet. Inicio de negociações para o mesmo, com a UE, nomeadamente na Holanda e Reino Unido, e com os parceiros económicos, nomeadamente a Suíça. Colaboração com os USA nas medidas de limitação das ações lesivas das “off-shore”.
Vantagens: Rastreabilidade dos movimentos de dinheiro e diminuição da fraude fiscal.

Medida 2b – Taxação das transações bolsistas. Trata-se de medida amplamente conhecida desde a proposta da taxa Tobin, subscrita por políticos como Sarkozy. Aplicada em França com o valor de 0,2%. Proposta para Portugal com o valor de 0,3%.
Vantagens : estender ao capital os sacrifícios do equilíbrio orçamental; moderar, embora ligeiramente, a especulação bolsista

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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

As 3 meninas que não têm ASE

Dedicado ao senhor ministro Crato

A minha sobrinha-neta contou-me, com aquele ar compenetrado que as meninas de 12 anos sabem fazer, que na turma dela só há 3 meninas que não têm ASE (apoio social escolar) e que os outros 27 meninos e meninas da turma têm.
E que só descobriu isso porque lhe impediram, a ela e às duas coleguinhas, o acesso à cantina da escola.
Isto é, a cantina só pode ser utilizada pelos alunos que têm ASE.
Será mais uma medida de “racionalização”.
Com aspas, claro, porque será pouco racional o prejuízo que isto causa.
O prejuízo é difícil de contabilizar, mas é muito fácil de explicar: é que é uma discriminação explícita para os utilizadores da cantina; são imediatamente denunciados como beneficiários do ASE.
Antigamente, os meninos e meninas do ASE levantavam as suas senhas e todos iam, com senhas iguais, umas pagas e outras não, almoçar à cantina.
Agora não.
Como se diz quando se têm estas idades, é muito feio.
Ou como se diz em matemática, é aumentar o coeficiente de Gini.

PS - Apenas para completar a informação, esclareço que o uso da cantina por alunos sem ASE só é interditado nos dias em que o horário dos alunos não cobre a hora de almoço; isto é, se as aulas começam às 13:30 já não podem frequentar a cantina; se as aulas começarem às 9:00 e acabarem às 14:00, já podem. Será mais uma consequencia do preço da refeição ser muito inferior ao seu custo de produção. Mas não é isso que está em causa; o que está em causa é a humilhação que decorre da discriminação evidenciada.

Medidas corretivas concretas - 1 - auditoria e exportações


Medida 1a (âmbito abrangente) – realização com divulgação pública da sua evolução e da monitorização posterior a fazer pelo menos trimestralmente, de uma auditoria à dívida publica, à dívida privada e à dívida externa pública e privada.
Objetivo: conhecer, credor a credor, a origem, o montante e o destino concreto dos dinheiros de cada dívida (classificação por tipo de destino)
Avaliação da correção do montante, juros e prazo de amortização de cada dívida e eventual renegociação
Meios: sem prejuízo da coordenação pelas entidades oficiais, participação obrigatória de universidades em regime de senha de presença e abertura à participação de particulares por concurso de candidaturas em regime de voluntariado
Vantagens: para alem de identificação de possíveis hipóteses de renegociação, tem a vantagem de medidas análogas que os cidadãos tomam: saber para onde foi o dinheiro da divida que contraíram, para decidir em que deixar de gastar dinheiro

Media 1 b (implementação imediata) -  determinação, para cada empresa, de três coeficientes para expressão do peso das importações no seu volume de negócios: um coeficiente correspondendo à diferença entre o que  a empresa exporta e o que a empresa importa; o segundo  coeficiente correspondente à diferença entre a soma das partes importadas de todas as aquisições da empresa e o que a empresa exporta, incluindo nesta diferença a saída dos lucros no caso da empresa-mãe ser externa; o terceiro coeficiente corresponde à pegada ecológica de todas as aquisições importadas (por exemplo, toneladas.km de fruta ou peixe importado vezes a emissão de CO2 por km do meio de transporte utilizado).
Objetivo: aplicar os coeficientes ao cálculo de benefícios fiscais, nomeadamente redução da TSU, para as empresas com menores importações líquidas, e ao cálculo de penalizações de empresas que importem demasiado
Vantagens:  proteção da produção nacional e aplicação de taxa de CO2 e sua utilização em apoio a energias renováveis e transporte coletivo

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PS em 19 de novembro de 2012 - inclui-se nos benefícios fiscais a reduçâo do IRC em função do comportamento facilitador de exportações ou de redução de importações

Medidas corretivas concretas - Introdução

Deixem-me pôr as coisas assim:  as sociedades foram-se organizando segundo uma divisão do trabalho.
A evolução tecnológica foi provocando uma especialização cada vez maior.
Quer os remadores do Reno que combateram o vapor , os operários têxteis que combateram os primeiros teares mecânicos, ou os 62 desenhadores da sala de desenho de um fabricante automóvel que foram substituidos por 5 postos de computador, tenham tido ou não razão para as suas lutas, a verdade é que a evolução tecnológica conduziu a uma situação em que só uma pequena percentagem da população precisa de ser população ativa e só uma pequena percentagem desta  necessita de estar empregada em atividades essenciais de sobrevivência e de lazer.
Isto é,  o extraordinário aumento da capacidade de produção e de produtividade libertou a população da necessidade de produzir os meios necessários à sobrevivência e ao lazer.
O desenvolvimento da teoria económica e financeira permitiu que apenas uma pequena parte beneficiasse da maior fatia do rendimento, isto é, favoreceu a concentração da propriedade dos meios de produção e dos ativos.
Assim, na base do edifício temos a produção agrícola e depois a industrial, beneficiando da referida grande capacidade de produção e produtividade.
A seguir temos os serviços, em grande parte criando ativos virtuais sem correspondência com valores reais.
Karl Marx previu que os benefícios da evolução tecnológica seriam utilizados para o bem estar das sociedades.
As experiencias do Estado-providencia, relativamente bem sucedidas nos países escandinavos, pareceram dar alguma razão a essa previsão, e assim até se compreenderia o ataque encarniçado dos neo-liberais para redução do papel do Estado na garantia do bem estar.
Os anos recentes parecem configurar uma ameaça grave a esse conceito de bem estar e de Estado-providencia, ilustrada pelo desemprego elevado e expressa pela afirmação de que as despesas públicas são insustentáveis.
Serão ou não, mas o certo é que basta que uma parte minoritária da população produza os bens essenciais para que toda a população sobreviva.
Se se mantiver o atual modelo de propriedade dos meios de produção e de repartição dos rendimentos, uma pequeníssima parte da população concentrará a maior parte do rendimento, uma percentagem inferior a 50% terá as suas fontes de rendimento minimamente suficientes para uma vida  digna, e a maioria viverá abaixo da dignidade, apenas com a garantia de programas assistenciais que impeçam, por exemplo, o crescimento excessivo da criminalidade ou a propagação de epidemias, uma vez que o código genético do 1% que detem os 80% do rendimento é rigorosamente o mesmo dos sem-abrigo.
Esses programas assistenciais beneficiam, igualmente, dos progressos tecnológicos e subsequente elevada produtividade.
Os preços anormalmente altos dos medicamentos para as doenças graves, como  cancro e HIV, são exemplo da pressão dos grandes grupos químico-famaceuticos para reduzir o papel do Estado na assistência contribuindo para o aumento das despesas públicas, consideradas insustentáveis (assiste-se, no entanto, a curiosas experiencias em que o Estado, após o insucesso de negociações com os laboratórios, tomou a iniciativa de “violar” as patentes e produzir os medicamentos caros, a preços muito inferiores; caso do Brasil, África do Sul e  Índia).
Nos anos 30 do século XX, um dos problemas de matemática nas escolas alemãs tinha no seu enunciado quando custava a educação de uma criança com deficiência mental (1800 marcos), uma criança média (350 marcos) e uma criança de coeficiente de inteligência elevado (150 marcos), perguntando capciosamente, em função do orçamento disponível, de quantas crianças deficientes poderia o Estado cuidar.
Esta pequena história recorda a recente interpretação do relatório sobre a ética do racionamento de medicamentos caros em função das caraterísticas do doente, ou a anterior discussão sobre a justificação de tratamentos de hemodiálise a reformados idosos sem rendimentos.
Independentemente das dificuldades financeiras de um Estado, estamos perante graves ameaças à declaração universal dos direitos humanos.
Por isso, deixem-me pôr o problema assim: antes da atual crise, ficou combinado que umas pessoas faziam umas coisas e outras outras; que uns trabalhavam num setor de serviços e outras num setor primário.
Privilegiou-se o setor de serviços não transacionável (concretamente em Portugal, desde as eleições de 1989) e reduziram-se as atividades nos setores agrícola/alimentar e industrial; agora, com o desemprego, existem demasiadas pessoas que são desprezadas  e tratadas indignamente por governos que não colocam o combate ao desemprego como primeira prioridade, apenas porque não precisam de toda a população para a produção de bens e serviços, contentando-se com a pequena parte que tem emprego.
E só isso, essa ameaça de violação sistemática da declaração universal, já é suficiente para que se questione o atual modelo económico-financeiro, procurando medidas corretivas concretas.
Duvida-se que os simples procedimentos formais da democracia em vigor permitam, em países com limitada, no tempo, vivencia democrática, e com as limitações de vida cultural expressas pelos resultados do PISA, alterar no sentido positivo o referido sistema económico-financeiro, de modo a garantir à maioria da população um nível razoável de qualidade de vida.
De facto, a população desempregada tende a engrossar a abstenção sempre que há eleições, e a abstenção não é considerada na composição dos parlamentos.
Estimula-se assim a marginalidade e restringe-se a capacidade eleitoral dos cidadãos.
Poucos têm garantia de emprego, poucos votam, não há votos suficientes para mudar o sistema político, económico e financeiro.
Os cidadãos alemães dos anos trinta demonstraram grande falta de solidariedade entre os vários grupos sociais. Quem tinha rendimentos e quem acreditou nas suas mentiras, deu o poder a Hitler, primeiro por eleições, dando mais votos ao partido nazi, e depois por referendo, dando-lhe poderes absolutos.
Em escala diferente, guardando as devidas distancias, pode acontece o mesmo nas eleições em Portugal, falta de solidariedade para com os grupos marginalizados.
Que não interpretem mal a falta de confiança na democracia para a resolução da crise atual.
Os problemas que lhe estão adstritos têm soluções técnicas que não dependem da ideologia dos técnicos (ou simples cidadãos) e por isso não pode haver exclusivos de partidos ou soluções unicas ou salvadores de pátrias.
Tampouco existem receitas universais (que ideológicas, quer técnicas) para resolver a crise porque as variáveis económicas não estão relacionadas entre si por leis deterministas. Numa dada conjuntura pode ser bom aumentar os impostos, mas noutra pode ser péssimo; o crescimento é normalmente bom, mas pode resultar de ações imorais (venda de armamento, tráfico de droga, estrangulamento do mercado por grupos oligopolistas). E infelizmente são pouco eficazes as armas de que democracia dispõe para enfrentar estes perigos.
Como dizia Churchill, a democracia é o pior sistema, mas os outros ainda são piores. Mais uma razão para o melhorarmos.
E para o melhorar, defende-se a implementação de mecanismos de participação ativa de cidadãos e a apresentação nesse âmbito, de sugestões de medidas corretivas concretas (um exemplo, não necessariamente a seguir,  mas a estudar, sem duvida, para se retirar dele o que possa ser aplicado em Portugal, poderá ser o da Islândia após a crise financeira de 2008)  .
O enunciado de medidas concretas é o objetivo de próximos “posts”, pretendendo-se em cada um apresentar uma medida de grande abrangência podendo envolver o relacionamento internacional, e outra de impacto mais concreto ou de aplicação mais imediata.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Privatização e concessão da ANA, ou a gestão à maneira de Mofina Mendes

Tal como no caso da parceria público-bancária, ou o que eu penso que isso seja, no caso da transferencia dos fundos de pensões dos bancários para as finanças públicas, ver

, defronto-me agora com outra dúvida de interpretação, a propósito da contabilização das receitas de concessão e de venda da ANA.

Já nos tinham explicado, os senhores economistas-comentadores, que as receitas de uma concessão pelo Estado são abatidas ao défice público, por se tratar de uma atividade continuada.
Já as receitas decorrentes de uma privatização, por ser uma venda definitiva, só podem ser consignadas ao abate da dívida pública mas não ao défice.

Uma das minhas dúvidas é se os senhores governantes financeiros se comportaram como Mofina Mendes a fazer contas com o pote à cabeça que, de tanto entusiasmo, colocou mal o pé, pregou com o pote no chão e lá se foram as receitas para abater no défice e na dívida.
Pode não ter sido, mas um observador exterior e leigo como eu, dá razão a Gabriela Canavilhas quando pôs a hipótese deste governo ser um bando de adolescentes alunos de uma turma de contabilidade analítica com uma visão muito limitada (tal como Mofina Mendes?) do mundo real.
Não é que a ideia da concessão em vez da privatização veio dos iluminados para conseguir que o défice seja só de 5%? é que  com a privatização o Eurostat não deixa contabilizar no abate do défice… não foi nada por consideração do interesse público em conservar um setor economicamente estratégico e rentável na esfera pública.
Foi um bom esforço de imaginação, de busca de uma solução, embora ao estilo de Mofina Mendes.
Só que,o tal Eurostat manifestou reservas e pediu elementos.
Vem o senhor ministro Miguel Relvas explicar que não vale dar a notícia de que há problemas, que já falou com a senhora presidente do INE e que até dia 26 de Outubro vamos ter a aprovação.
Percebeu mal, o senhor ministro, como é natural em quem trata de muitas coisas  muito depressa: o que é até dia 26 é o envio dos elementos pedidos ao Eurostat.

Tenho de facto muitas duvidas sobre estes processos de privatização e de concessão.
Não são feitos em meu nome.
E estas coisas vão-se repetindo, lembrando a afirmação de Marx que, da primeira vez é uma tragédia, mas depois é uma farsa.
E se de facto, como qualquer análise matemática indica, não há possibilidade de cumprir os objetivos do memorando, é correto propor a renegociação dos termos, do ponto de vista de custos de financiamento e de prazos.
Como já muita gente séria vem dizendo há muito tempo.
Ou estaremos a falar para Mofina Mendes?