domingo, 30 de setembro de 2012

Metáforas maritimas


Abstive-me de comentar a metáfora de Vítor Gaspar em Londres, numa das suas incursões entre velhos conhecidos da finança internacional, em fevereiro de 2012, para fazer o seu marketing de credibilidade e confiança para ter juros baixos: que nós portugueses, com a nossa história marítima , sabíamos chegar a bom porto.
Abstive-me porque a história marítima de Portugal não foi só chegar a bom porto.
Foi também, e principalmente, a história trágico-marítima.
O rei da pimenta lucrou, alguns armadores lucraram, alguns, poucos, marinheiros também.
Mas os que morreram foram muitos.
E as viúvas nada receberam.
Claro que o patriotismo não gosta da fala do velho do Restelo, mas esta fala baseia-se na experiencia.
De modo que, quando ouvi falar novamente numa metáfora marítima, que o primeiro ministro tinha ventos favoráveis que lhe permitiam vencer a forte corrente, não gostei.
É verdade. Junto da costa podem formar-se correntes de sentido oposto ao dos ventos dominantes. Situação vulgar no canal da Mancha, por exemplo. Também sucede na costa sul-africana. Houve até o caso do Santa Maria (ou do Vera Cruz?) , que no regresso de Moçambique, para aproveitar uma corrente próxima da costa, poupando combustível, teve um sério problema com uma turbulência que provocou uma série de ondas gigantes. O caso relatado nos Lusíadas ter-se-á passado próximo de Moçambique, antes de virar ao mar alto no Índico, e terá provavelmente sido resolvido porque o piloto não afrontou diretamente a corrente , antes procurou o melhor ângulo beneficiando do tal vento favorável e afastando-se da costa. Não terá sido com um rumo cego ao exterior que conseguiu vencer a situação. E depois, no alto mar, não tem que saber, é o vento que dá o sentido da ondulação. Problema, se forem ventos fortes cruzados ou instáveis, que tem de se pôr o barco de capa (recolher a vela), lançar a ancora flutuante e deixar o barco correr com a tempestade. Senão…lá teremos mais um episódio da história trágico-marítima.
Melhor fora, quanto a mim, que num pais com tanta história trágico-marítima e em que a navegação do governo é feita à vista, sem capacidade de previsão do rumo, se utilizassem menos metáforas marítimas.




Manifestação em 29 de setembro de 2012


                                                                                       com a devida vénia à SIC; imagem já depois da manifestação

Sem querer invocar a estética neo-realista subsequente à segunda guerra mundial, e sem querer destacar quaisquer argumentos ou propostas alternativas, que já começam a ser publicamente debatidas, quero deixar registada uma entrevista que a repórter da SIC fez a uma cidadã. Esta senhora tem 40 anos e dois filhos e o marido teve de emigrar. Depois de ter explicado tudo isto à reporter, a senhora disse: “Não se faz”.

As grandes audiências gostam de se comover com telenovelas, ou de se entreter com os “reality shows”.
Parecerá que esta realidade está mais próxima.
Na verdade, depois da evolução da humanidade e dos progressos técnicos que possibilitam uma vida melhor, é um sinal de fracasso dos sistemas de organização das sociedades a separação forçada de uma mulher jovem do seu marido.
O muro de Berlim era uma aberração, estamos de acordo; mas como caiu há mais de 20 anos, estamos de acordo também que o problema é outro?
A desigualdade crescente entre as pessoas, o querer aproveitar os tais progressos técnicos para que apenas uma pequena percentagem possa ter os seus empregos ou as suas atividades rentáveis, enquanto a maioria da população vai perdendo o acesso à saúde, à educação e às prestações sociais (os três gastadores que os ultraneoliberais querem reduzir à ínfima espécie) não são a caraterística de um período de recessão a que se seguirá um período de crescimento e de melhor redistribuição dos rendimentos.
São a essência de uma ideologia: reduzir o valor do fator trabalho, para melhor o controlar e para mais facilmente desviar o rendimento para o fator capital.
Nem devia ser preciso fazer manifestações para explicar isto.
Bastava ouvir o discurso de Cristine Lagarde em Tokio, em 7 de Julho de 2012: os bancos devem limitar-se a desempenhar a sua função de bancos.
Ou as suas afirmações mais recentes, que medidas restritivas de austeridade são insuficientes para relançar a economia (coisa tão óbvia) e que o sistema financeiro ainda não está bem, que precisa de ser mais transparente e menos complexo.
Ou o que disse Ilídio Pinho, antigo patrão do atual primeiro ministro, referindo-se à orientação do governo para os portugueses trabalharem mais com menos: “Não se faz”.

sábado, 29 de setembro de 2012

Álvaro de Campos, Estou cansado da inteligencia

Ofélia Queiroz, com quem Fernando Pessoa manteve uma ligação, não gostava de Álvaro de Campos, um heterónimo, ou uma versão da personalidade de Fernando Pessoa.
Achava que a separava do seu Fernando.
Mas tem uma certa razão, Álvaro de Campos, por mais racional que seja uma coisa, prevalecem as emoções.
Também cansa, como dizia José Gomes Ferreira.




Estou cansado da inteligência.
Pensar faz mal às emoções.
Uma grande reacção aparece.
Chora-se de repente, e todas as tias mortas fazem chá de novo
Na casa antiga da quinta velha.
Pára, meu coração!
Sossega, minha esperança fictícia!
Quem me dera nunca ter sido senão o menino que fui…
Meu sono bom porque tinha simplesmente sono e não ideias que esquecer!
Meu horizonte de quintal e praia!
Meu fim antes do princípio!
Estou cansado da inteligência.
Se ao menos com ela se apercebesse qualquer coisa!
Mas só percebo um cansaço no fundo, como baixam na taça
Aquelas coisas que o vinho tem e amodorram o vinho.

                                              Álvaro de campos 1930













sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Um problema de xadrez – que fazer?


Encontrei este problema de xadrez interessante, com a devida vénia ao DN.

Que devem as brancas jogar para darem mate em 3 jogadas?
Numa situação confusa, que fazer, de modo a não empatar o jogo por afogamento (ai que problema neste país, as coisas caírem num impasse, nem para trás nem para frente) nem, muito menos, deixar o adversário, as pretas, ganhar por distração das brancas (ui, que corremos o risco de andar para trás).
Como o problema é complexo (também não o resolvi em 3 jogadas) vou comentando a solução.




Inútil converter já o peão em e8.

Ou precisávamos de mais do que 3 jogadas (a ideia é reduzir o défice em 3 anos, não é?) ou deixávamos afogar o jogo porque o adversário (a crise, a divida, o défice, a troika, o que lhe quiserem chamar) convertia o peão em h1 em bispo, não podia mexer-se.

Mas e8 é de facto a casa critica, é como se fosse a capacidade produtiva e de crescimento, de autonomia alimentar, de autonomia energética e de capacidade de exportação.

Então, com calma, sem medidas tontas como pôr os trabalhadores a pagar parte da TSU às suas empresas, chegue-se a torre para f8; é um investimento para o futuro, como já se vai ver, numa altura em que temos de saber distinguir entre a gestão das contas correntes e a balança dos investimentos (estamos na Europa para ter alguns fundos que sejam reprodutivos…mas a nossa dificuldade em fazer os projetos e organizar os processos...).

Bom, o adversário lá vai converter o peão h1 em bispo, para ver se afoga o jogo (se convertesse em dama, já não tinha tempo para evitar a dama branca em e8 e o mate em c8; é como se fosse mais fácil afogar um pais com os juros e as comissões dos empréstimos, com a proibição de medidas protecionistas contra importações supérfluas ou aniquiladoras da capacidade produtiva nacional, do que um exército invasor comandado por uma dama de ferro).

Mas as brancas têm também uma boa saída. Em vez de converterem o peão e8 em dama, convertem-no em bispo (é o que eu digo há muito tempo: mais vale não ser uma grande figura, do tipo rainha, mais vale não ter uma grande produtividade, mas ter uma capacidade honesta de produzir alguma coisa, passe o irrealismo da metáfora eclesial).

O jogo não fica afogado porque a torre está escondida pelo novo bispo (será que poderíamos chamar Torgal a este bispo, para grande desgosto do ministério da defesa? E se chamarmos ministro da defesa ao rei preto?).

Então as pretas só podem jogar o seu rei para c8, onde sofre mate quando o bispo viaja até c6, cortando a casa de recuo do rei preto (eis uma chave para a renegociação das PPP: cortar as casas de recuo dos ex-ministros para as grandes empresas; denunciar o papel dos grandes escritórios de advogados e dos políticos que participaram nas negociações e que atualmente se encontram no governo ou a trabalhar para ele, que não foram só os do governo anterior que se lembraram das PPP, veja-se o caso da ponte Vasco da Gama que já vem de muito longe).

Não é interessante, este problema de xadrez?

A ironia dos decisores poderosos



A ironia é uma arma que os mais fracos podem usar, provocando irritação, disfarçada ou não, nos mais fortes, pelo menos quando a percebem.

Os cartonistas portugueses são muito bons a fazê-lo. Por exemplo, no Cravo e Ferradura do DN, quando o senhor engravatado explica ao trabalhador rural que o governo atual e a troika estão a tomar as decisões para o bem dele e quando lhe pede um comentário ele responde “Obrigado”. Na melhor tradição portuguesa, quando o ditador dizia ao povo, “Obrigado, portugueses”, e o povo respondia “obrigado sou eu”.

Mas a ironia, se usada pelos mais fortes, parece perder o sabor, não será?

Exemplo 1 - Ângela Merkel perante o mapa: o quê, Moscovo aqui tão perto de Berlim?

Exemplo 2 - Mitt Romney: não sei porque não fazem janelas de avião que possam abrir

Exemplo 3 - David Cameron: o Rule Britannia foi composto por Elgar; sei quando foi assinada, mas não sei a tradução literal de Magna Carta



Ou talvez os decisores poderosos queiram parecer falíveis, como qualquer cidadão, para eles os sentirem mais perto.

Ou simplesmente, como escreveu Isaia Berlin a propósito de Tolstoi e da Guerra e Paz, não são os poderosos que dão o rumo aos acontecimentos; são os pequenos e os fracos, porque são mais e por isso as leis estatísticas sobrepõem-se à iniciativa individual dos poderosos.
Isto é, são ignorantes em assuntos que dizem diretamente respeito aos cidadãos.

Talvez por isso Napoleão tenha sido derrotado, apesar da superioridade evidente do código civil saído da revolução francesa.

Mas quer Cameron, antigo aluno de Eton, soubesse ou não a tradução de Magna Carta, ou se tivesse esquecido de que o que Elgar compôs foi a marcha de pompa e circunstancia, e não o Rule Britannia, compõe o quadro de que é ele que toma decisões.

Ou que ilude os cidadãos que votaram nele ao ponto de voltarem a votar, apesar do rumo apontar para escolhos de natureza económica e financeira.

Nova Magna Carta, uma carta de direitos cívicos, precisa-se.



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

O congresso das alternativas em 5 de outubro de 2012

O recente episódio da convocatória do conselho de estado para chamar à realidade o governo sobre o disparate da transferência de parte do pagamento da TSU das empresas para os seus trabalhadores (além de a aumentar) ilustrou as vantagens do debate entre sensibilidades diferentes (infelizmente o conselho de estado não representa todas as sensibilidades, mas contem alguma diversidade).


Há tempos que este blogue vem citando o livro de James Surowiecky, a sabedoria das multidões, para as boas técnicas de gestão dos assuntos de interesse público assentes na participação, em vez da restrição das decisões a grupos fechados.
No entanto, da reunião do conselho de estado não saiu uma alteração de métodos que alargasse aos cidadãos a participação na solução dos problemas atuais.

Apesar disso, existe ainda uma ténue esperança, não obstante as dificuldades muito portuguesas em nos organizarmos e de produzirmos trabalho em grupo, de pôr em prática alternativas ao empobrecimento da maioria da população, ao aumento do défice e ao aumento do endividamento em curso.
É o que um grupo de cidadãos pretende com o congresso de dia 5 de Outubro:
www.congressoalternativas.org

Conseguiremos?
A participação é livre, mediante inscrição prévia.





domingo, 23 de setembro de 2012

A reunião do Conselho de Estado

Nota prévia: a descrição seguinte é ficcional, pelo que a eventual aparencia de realidade será simples distorção da imagem da realidade ou apenas coincidência. As afirmações do foro da neurociência são simples hipóteses.


O especialista de neurociência tinha sido chamado à reunião do conselho de estado para explicar ao senhor presidente e aos senhores conselheiros por que razão a crise europeia se repercutia de forma tão grave sobre os cidadãos e cidadãs portuguesas sem que fossem tomadas medidas que já tinham sido discutidas e aplicadas nos outros países, e porque o governo não conseguia achar soluções para a crise nacional, ou pelo menos achava que as críticas que lhe faziam eram apenas consequência de incompreensão.

O especialista falou pausadamente, por motivos que se compreenderam da sua própria exposição.
Que os portugueses eram um povo periférico; que por isso tinha tendência a ignorar os progressos que mais facilmente se verificavam na Europa do norte e do centro e a alimentar a ilusão, para manter a auto-estima, de que as suas coisas são melhores do que as dos outros povos; que gosta de evitar conflitos mas tenta aproveitar as oportunidades de obter benefícios desde que possa esconder dos outros as razões do seu sucesso; que no usufruto das condições climatéricas temperadas se esquece desde pequeno de estudar e recusa o esforço de fazer cálculos matemáticos; que, por ser tendencialmente pacífico, criou ao longo da história as imagens ideais de grandes chefes, reis, santos, cabos de guerra ou comandantes de esquadras, cometendo a ingratidão de esquecer os artesãos e os técnicos que garantiam o dia a dia das pessoas e os sucessos dos chefes; que gosta de se misturar com gente de todas as variedades e de se perder de onde possa ver os horizontes de mar.
Que por tudo isso os mecanismos de produção dos sons elementares ou fones no aparelho fonador, e os mecanismos da linguagem ao nível cerebral, tinham seguido caminhos um pouco diferentes dos que os outros povos da Europa tinham trilhado.
Que os mecanismos da linguagem derivam de algumas caraterísticas de funcionamento dos neurónios cerebrais, isto é, que a ideia forma-se também em função dos sons ou caracteres existentes para a exprimir, e que por um provável fenómeno de inter-ação com os fones caraterísticos de grupos restitos de pessoas, os próprios neurónios se foram reconfigurando ao longo das gerações de acordo com a linguagem, sem excluir a hipótese duma alteração genética ao nível do aparelho fonador, que rapidamente se tivesse propagado a todo o povo.
A pesquisa recente das origens do ADN da população portuguesa parecia confirmar todas as hipóteses anteriores, considerando a grande diversidade dessas origens, desde os celtiberos a romanos, tribos germânicas e godas, magrebinos, nórdicos dos tempos das conquistas henriquinas e africanos trazidos para os mercados de escravos de Lagos.
Da evolução demográfica nos territórios do país e da sua subordinação a grupos restritos de dominação, como os senhores feudais de ascendência romana-germano-franca da primeira dinastia, ou de ascendência anglo-saxónica-normanda da segunda dinastia, resultou uma linguagem doce por oposição aos povos que se deixaram para trás, no interior da península ibérica, mas algo confusa pelas incertezas na ocupação produtiva do território e por falta de sistematização das leis.

Os conselheiros ouviam a pausada peroração num estado de torpor que os impedia sequer de interromper o especialista para lhe por questões.
Por isso o especialista prosseguia, não animado porque não era essa a sua forma de falar, mas com o seu tom entediante e adormecedor.

Que a fixação da língua portuguesa tinha ocorrido em conjunto com o esforço de garantir a independência politica no século XVII, numa altura em que a economia portuguesa estava altamente deficitária com esse esforço, mas em que os doutores de leis obrigaram o povo, para se diferenciarem definitivamente dos castelhanos, a alterar parte significativa da língua.
Por exemplo, Gil Vicente dizia “mais grande”, mas os decretos de D.João IV já diziam “maior”.
Tudo isto para explicar que a língua portuguesa não resultou, na sua essência, da evolução no dia a dia do povo, mas foi imposta pelos grupos de poder.
Contrariamente ao que se passou em Inglaterra, em que as classes dominantes falavam francês na corte e latim na igreja, mas deixavam o povo modelar a sua língua nos seus negócios.
Então, se a língua estava ao serviço da economia, lógico foi que a língua inglesa precisasse de menos sons e caracteres para dizer o mesmo que a língua portuguesa, ditada de cima para baixo a partir de sábios sem grandes preocupações pela angariação da subsistência.
Ou dito de outra forma: se considerarmos um encadeamento de ideias, ligadas entre si por elos simbólicos de modo a constituir uma relação progressiva, temos que os neurónios de um cérebro inglês precisam de menos tempo para processar uma quantidade de sons ou caracteres que traduzem a realidade da ideia, enquanto o cérebro português tem mais caracteres ou sons para processar e por isso, embora possa ter a mesma velocidade de processamento, acaba por demorar mais tempo no processamento.
O problema, porém , não está no tempo de processamento, porque bastaria falar de forma mais pausada para acompanhar o raciocínio.
O problema está em que nos neurónios do cérebro se processam reações químicas que têm o seu tempo próprio de que resulta um ciclo de teste periódico das informações adquiridas pelos periféricos (olhos, ouvidos, tato, papilas olfativas, papilas gustativas).
Ora, esse teste periódico, vê-se isso nos registos de ressonância magnética da atividade cerebral, faz-se sempre que termina cada ciclo de processamento do modelo que simula a ideia, e tem por objetivo recolher uma série de amostras da ideia ou do seu modelo. O cérebro se encarrega depois de reconstituir toda a ideia ou modelo a partir das poucas amostras de que dispôs.
Porém, a exposição da ideia em si é independente do tempo desse ciclo, que como se viu é maior numa linguagem com mais caracteres ou sons para expressão do modelo de uma ideia.
Isto é, o tempo de amostragem português é superior ao tempo de amostragem inglês.
Daqui resulta que parte da ideia ou do seu modelo pode escapar às amostragens, conduzindo assim a corrupção ou distorção da mensagem original.
Isto é mais grave se a falta da amostragem coincidir com um elo de ligação entre duas ideias.
Provavelmente neste caso o cérebro português fará uma derivação para uma associação de ideias no seu banco de memória, levando a uma distorção ainda maior, misturando experiencias anteriores, que não terão nada a ver com a sucessão de ideias em análise, ou com as amostras ou vestígios da realidade, ou do seu modelo.
O cérebro engana-nos, quer seja português ou inglês, mas podíamos tentar reduzir a taxa de erros do pensamento português.

O especialista estava deliciado, contemplando os rostos dos conselheiros, adormecidos uns, outros debatendo-se depois de esgotada a sua capacidade de concentração na exposição.

Dou-vos um exemplo: como se refere um inglês ou um americano ao seu telemóvel? Chama-lhe simplesmente “phone”. Ou, se estiver em dia de fala pausada, “cellular phone” ou “mobile phone”. Os alemães dirão “handy”, porque pensaram no aparelho primeiro como “handy-talkie”, mas também poderão chamar-lhe “mobil telephon”. Um um espanhol dirá “celular” ou “mobil”, um francês “portable”, e um italiano que não queira usar o termo anglo-saxónico dirá carinhosamente “telefonino”.
Em português alguém se lembrou de decretar uma fusão entre “telefone” (fala ou som à distancia, respeitando a origem grega) e “radiomóvel” (posto de rádio montado em viatura automóvel). E ficou “telemóvel”. Não existe em mais nenhuma língua do mundo. É um claro exemplo de uma derivação para uma associação de ideias de uma experiencia anterior, de uma fuga que omitiu a amostragem de um elo de ligação. Ainda bem que os brasileiros se libertaram do gene do processamento de uma quantidade exagerada de sons ou caracteres, e dizem simplesmente, “celular” (é de facto um telefone que funciona em células de território de influencia de um emissor).
Dou-vos outro exemplo: os blogues na internet estão cheios de propostas alternativas às medidas de austeridade anunciadas pelo governo português; há mais de 2 anos que os economistas aterrados publicaram as suas 22 medidas (ver
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2010/10/economicomio-lxii-as-22-medidas-dos.html ) que só agora, timidamente, os órgãos centrais europeus começam a operacionalizar, como a regulação dos CDS -credit swap default e a compra de obrigações pelo BCE; os jornais enchem-se de entrevistas de pessoas com alguma experiencia que sensatamente apontam medidas ou recomendam ao governo que negocie as comissões da troika e as taxas de juro diretamente com os órgãos centrais europeus; uma central sindical vai ao ponto de fazer as contas com o rendimento que se poderia retirar de, por exemplo, aplicar uma taxa de 0,25% às transações financeiras (não confundir com a taxação das mais valias, ver  http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=transa%C3%A7%C3%B5es);
o primeiro ministro italiano convida para uma reunião de estudo de medidas de defesa comum os seus homólogos da Espanha, Grécia, Irlanda e Portugal, mas este não se faz representar, e o governo português e o seu partido repetem como disco de vinil riscado que não há alternativas. É claramente um problema de omissão de dados essenciais durante as amostragens cerebrais.
A oposição generalizada ao novo acordo ortográfico, que pretende subordinar a escrita à fonética e assim diminuir o número de carateres é outro exemplo.
Como a discussão bizantina sobre a dependencia da autoridade marítima nacional, se do ministro se do almirante, porque o número 6 do artigo 275 da constituição diz que as forças armadas podem ser incumbidas de tarefas de proteção civil ou de satisfação de necessidades das populações, mas como o número 7 do mesmo artigo fala em situações de emergência, pronto, a interpretação jurídica que prevalece é que a polícia marítima, apesar de deter a maior soma de conhecimentos sobre o mar, tem de se subordinar às decisões de quem não o conhece.
Também podemos, nesta perspetiva de confusão perante a realidade, justificar a dificuldade crónica dos portugueses trabalharem em equipa: um dos membros da equipa pensa que se está a falar de uma coisa e outro membro acha que se está a falar de outra; quando ambos concordam, estão a concordar sobre coisas diferentes. Esperemos que este argumento não seja usado para acabar com a regra proporcional nas leis eleitorais.

Neste ponto, os conselheiros deram mostras, remexendo-se nas cadeiras, que tinham prestado alguma atenção à última parte da exposição do especialista, e ainda bem que estavam mais atentos, porque o Presidente deu sucessivamente a palavra a cada um.
Findas as intervenções e o período de troca de impressões que se seguiu, o Presidente ditou para a ata:
“É com muito orgulho de ser português que comunico ao povo que estamos todos de acordo na defesa dos superiores interesses da Nação, não sendo portanto necessário adotar medidas drásticas como, por exemplo, passar a utilizar o método científico na gestão da coisa pública”.







sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Mineiro artesanal de ouro, em África



Sem pretender invocar a estética neo-realista, comento a fotografia de um mineiro artesanal de ouro, na Nigéria, com a devida vénia ao DN.

Não parecem estar garantidas as condições de segurança neste túnel, ou poço.
A produtividade e a remuneração do trabalho do mineiro deve ser muito reduzida, mas a cotação atual do ouro justificá-lo-á.
Ocorre-me que todas as explicações sobre as desigualdades na distribuição da riqueza das nações, desde Adam Smith aos grandes economistas da atualidade, estão aqui concentradas, embora escondidas.
E também por isso, acontece como na peça “Está la fora um inspetor”: quando a empregada vem anunciar que está um inspetor da policia a querer entrar, cada um dos 5 convidados pensa que é a ele que o policia vem interrogar, porque sabe que há um motivo para ser interrogado.
Se o inspetor olhasse para esta fotografia, teria vontade de interrogar quem acha que a solução é baixar o rendimento dos trabalhadores? (ainda mais? Quer seja um funcionário da Lufthansa, que os funcionários da Lufthansa tambem fazem greve, um serralheiro duma empresa portuguesa ameaçada de fechar, ou um mineiro artesanal de África?) e quem acha isso pensaria que era com ele que o inspetor quereria ter uma conversa?
Os operários que fabricaram o relógio do mineiro terão as mesmas condições de trabalho? Sim? Quer dizer que a baixa dos custos de produção já chegou a esse ponto?


É uma utopia, a declaração universal dos direitos humanos e a convergência para o mínimo do coeficiente de desigualdade de Gini?

Ou, como na peça, espera-se que passe e não se sabe se passa?





A jantarada para escolher o gestor

Com a devida vénia ao DN e ao especialista de economia André Macedo, cito a sua crónica sobre as jantaradas.

O tema é, para mim, de importância extrema, porque mostra uma das razões principais de oposição ao progresso das instituições nacionais.
Trata-se do modo de nomeação dos gestores, seja do que for, mas com consequências particularmente gravosas quando a coisa é pública.
Diz o cronista que a escolha dos gestores se faz normalmente por conhecimentos, diretos ou indiretos, cultivados em jantaradas e decidida, a escolha por quem tem o poder para isso, depois de muito secretismo, em mais uma jantarada.
Isto por oposição a exemplos como os de Inglaterra. Em que chega a ser publicado um anuncio de receção de candidaturas para o preenchimento do cargo de governador do banco de Inglaterra.

Por simples aplicação da teoria das probabilidades, considerando que o universo das pessoas que dominam a problemática de um negócio, e são conhecidas direta ou indiretamente pelos decisores, é limitado, quando comparado com o universo de pessoas que dominam a problemática de um negócio, e que essa limitação se agrava quando o universo dos potenciais escolhidos por serem conhecidos, se restringe ainda mais porque têm de oferecer garantias de não se afastarem dos preceitos ideológicos dos decisores, então não há dúvida que as probabilidades de sucesso são pequenas e as probabilidades de impacto negativo em toda a comunidade são grandes.

Lembrei-me que é assim que são escolhidos ministros, dirigentes partidários, gestores de cargos-chave públicos.
Mas também reconheço que num país em que se respeita pouco a cultura científica, em que não se aplica a dúvida metódica nem se analisam e testam os dados reais, em que se criam consensos de competência técnica por “ouvir dizer” ou por coincidências temporais de sucessos, em que a maioria das pessoas escolhe por fé ou por instinto (o que até poderia ser eficaz se se respeitasse mais a cultura científica) é difícil modificar este estado de coisas.

Recordo alguns dos gestores do metropolitano nomeados por razões politicas ao longo de 36 anos.
Alguns foram exemplo da mais declarada inépcia na perceção da problemática dos transportes e das suas questões técnicas.
Houve um que teve o despudor de começar uma reunião sobre um assunto que dependia das soluções técnicas com esta frase dinâmica: “Vamos lá resolver hoje esta questão, mas não vamos perder tempo a discutir questões técnicas”.
Outros acabaram por revelar a sua incompetência noutros negócios, completamente diferentes.
Embora, duma maneira geral, tenham servido bem alguns interesses instalados das forças políticas que os tinham lá posto.

Recordo ainda um episódio que se passou comigo, no ano seguinte ao da revolução de 25 de abril. Fui chamado ao ministério dos transportes para o ministro me perguntar se podia integrar a comissão administrativa do operador único da área metropolitana de Lisboa, resultante da fusão da Carris e do Metropolitano de Lisboa. Por um pouco tinha ficado administrador. Apesar da minha pouca experiencia em transportes (tinha 30 anos de idade e um ano e meio de vida profissional no metro), o convite advinha do facto de havia pouco tempo ter encontrado uma colega do IST casada com um capitão de Abril. Estivemos à conversa sobre a problemática dos transportes e ela deve ter gostado de me ouvir dizer que uma frota de Fiats 126 ficava mais barata para transportar a população trabalhadora de Lisboa e gerava grande receita em imposto sobre produtos petrolíferos para o governo, mas que ficava mais dispendiosa em energia consumida e em tempo perdido nos engarrafamentos do que uma rede de metro (por sinal devidamente planificada na altura, graças ao trabalho do grupo alemão Deconsult, que elaborou um plano de expansão estimado em 75 milhões de euros a preços da altura). Era à mesma a teoria dos conhecimentos e da confiança ideológica a funcionar.
Mas nada aconteceu, porque o IV governo provisório caiu na semana seguinte, em Julho de 1975, e o V governo provisório, de vida efémera, teve assuntos mais urgentes a despachar.
Por isso não posso criticar a fusão da carris e do metro em curso.
Mas a forma como está a ser feita, com profunda desmotivação dos seus trabalhadores, sem canalizar a força de trabalho para a normalização segundo os padrões internacionais e para a internacionalização da sua capacidade de projeto, deixando antever sem pudor a vontade de oferecer áreas rentáveis à privatização ou concessão a privados, e com pouco declarada orientação no sentido da eficiência energética (ver a comparação entre a eficiência energética de um veículo com rodas de borracha com um veículo com rodas de ferro:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/04/comparacao-das-rodas-de-borracha-e-de.html ) ,

posso sim criticar, com o máximo de empenho.

Tudo isto a propósito da forma de seleção de gestores.
Por abertura de concurso de candidaturas e de ideias, é isso, seria a solução , de momento, embora pareça que os senhores dos partidos não concordem.

Curiosa, esta ideia.

Escolher os gestores públicos por concurso seria um fator de progresso.
Os partidos não querem escolher os gestores públicos por concurso público.
Logo, os partidos não querem o progresso que lhe estaria ligado.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Acidente com comboios de alta velocidade há um ano em Wenzhu


O distinto e apreciado meu colega do Porto, especialista de transportes, enviou-me um artigo da revista do IRSE (Institution of Railways Signalling Engineers) com as conclusões possíveis sobre as causas da colisão na China, há pouco mais de um ano, entre dois comboios de alta velocidade, com a morte de 40 pessoas.
O artigo foi elaborado com base no relatório oficial de Dezembro de 2011 e em informações não oficiais.
Confirmou-se uma das hipóteses da análise que fiz logo a seguir ao acidente.
(ver
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/07/acidente-em-linha-de-alta-velocidade-na.html)

Que as pressas definidas pelo poder político na colocação em serviço das linhas de alta velocidade conduziram ao não cumprimento das regras de segurança no desenvolvimento do software de controle e na não execução dos ensaios completos antes da entrada em serviço.
O ministro dos transportes e altos responsáveis ferroviários estão aliás a responder em tribunal por acusações de apropriação ilegítima de fundos para o investimento ferroviário.
Adicionalmente, houve pouco cuidado no estudo, concurso, homologação e instalação dos interfaces entre os equipamentos de controle de sinalização ferroviária de fornecedores independentes.
Basicamente, o acidente deveu-se ao sistema CTCS (equivalente ao ERMTS europeu) de sinalização e ATP (automatic train protection) não ser de natureza “fail-safe” como reação à avaria de um componente.
Uma descarga atmosférica provocou a fusão de um fusível do subsistema de aquisição de informação do estado de ocupação do troço de via (o subsistema de deteção da presença de comboios, por circuitos de via, não falhou, como foi o caso do acidente com o ATP do metro de Washington).
Os informáticos que desenvolveram o programa previram, nestas circunstancias, que o sistema mantinha a ultima informação confirmada (isto é, depois da avaria do subsistema, manteve-se a informação anterior, de que a via estava livre) e introduziram uma subrotina de alarme ativada pela deteção da avaria, que no caso do acidente só funcionou depois do comboio que embateu no outro ter recebido a mensagem de via livre para avançar.
Trata-se de um típico erro de software não seguro (não “fail-safe”). A falta de experiencia e o reduzido tempo para o projeto terá impedido os projetistas de realizar que o sistema de alarme não era seguro. De acordo com as normas de segurança, o sistema só deve dar ordem de avanço depois de confirmadas por duplicação de processamento em paralelo (dois processadores) ou em série (o mesmo processador testando de duas formas diferentes os subsistemas de aquisição). Igualmente falhou a previsão de alimentação a partir de fonte alternativa.
É ainda estranho as linhas do acidente estarem a funcionar desde 2007 e só agora ter ocorrido uma convergência de circunstancias que o provocou. O secretismo que rodeou a investigação (os veículos acidentados foram destruídos antes da investigação formal) e que proíbe a discussão pública do assunto e a divulgação de medidas corretivas (apenas foi baixada a velocidade máxima de exploração de 250 para 200 km/h, sendo certo que o acidente ocorreu a 99 km/h) sugere que o acidente para além do facilitismo no projeto, concurso, homologação e colocação em serviço, pode ter sido também potenciado por um clima de facilitismo na exploração e manutenção (desconheço se a empresa terá economizado nos seus quadros a inclusão de técnicos da especialidade que poderiam ter detetado a falha do projeto).
Este secretismo prejudica até os interesses económicos da China, uma vez que a sua industria pretende aumentar a exportação.
O secretismo choca, porque também é contra o respeito que se deve aos mortos no acidente (o que se estranha na China) a falta de debate público, a falta de discussão internacional com os técnicos da especialidade e a ausência de informação sobre o que foi feito para evitar a repetição deste tipo de acidente (com origem num “bug” do projeto).
Interessa também reforçar a ideia que uma instalação ferroviária não deve ser sujeita às pressas das inaugurações, que os critérios técnicos devem prevalecer sobre os critérios políticos, e que os técnicos de segurança ferroviária não são inuteis.

E não é assim com tudo, neste mundo, que deveriam ser os cálculos fundamentados a sobrepor-se às motivações políticas, aos interesses económicos e aos dogmas religiosos e ideológicos?
Extratos do artigo da revista do IRSE, de George Nikandros

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Doutor Belmiro em Setembro de 2012


Doutor, porque doutorado honoris causa, em cúmulo da sua formação de engenheiro (ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=belmiro ),

doutor Belmiro tem de facto autoridade moral para olhar para o atual governo e desdenhosamente dizer como disse para televisão: “só fazem navegação à vista”.
Dificilmente se poderá dizer coisa mais desmerecedora quando se tem alguma formação matemática e física e alguns conhecimentos náuticos.
O argumento dos senhores governantes de que é difícil acertar nas previsões perde relevância quando nos lembramos de que foram avisados de que as medidas tomadas continham elevado risco de baixar as receitas fiscais, em vez de as subir.
É de facto uma navegação à vista, uma incapacidade de traçar a rota prevendo as derivas devidas às correntes e ventos adversários.
Talvez que a formação científica dos senhores governantes seja limitada e por isso se deixam embalar pela fé nos dogmas da redução do peso do setor público e da prosperidade milagrosamente saída da iniciativa privada.
Talvez ajudasse duas observações numa perspetiva física:

1 – o efeito de escala – por exemplo as leis da aerodinâmica a que um modelo reduzido de avião telecomandado, embora análogas às leis dos aviões em tamanho normal, têm os seus coeficientes afetados em cerca de um terço; de facto, em função da dimensão do objeto, a densidade e a temperatura do ar passam a ter outra importância; este fenómeno foi ilustrado num filme interessante com Charlton Heston, em que um grupo de sobreviventes dum desastre aéreo se salva transformando o bimotor em que caíram num monomotor, seguindo os cálculos dum deles, especialista num fábrica de aeromodelos. Podemos daqui arriscar tirar a conclusão que todas as teorias económicas vertidas pelas universidades e aplicadas pelo atual governo à economia portuguesa padecem deste defeito: não consideram a pequena escala da economia portuguesa; e aquilo que poderia funcionar numa economia como a irlandesa (aliás fortemente sustentada por investidores dos USA) pode não funcionar numa economia de menor produção per capita. Idêntico raciocínio para a Islândia, com uma população cerca de 30 vezes menor do que a portuguesa, embora com um PIB apenas 12 vezes menor. Deviam estudar melhor a Física, os senhores economistas.

2 – variação da aplicabilidade das leis em função dos domínios de aplicação – existe um fenómeno muito aborrecido na Física, a histerese. A relação entre duas variáveis depende da história anterior. Este fenómeno agrava-se quando há muitas variáveis em jogo, umas ligadas por relações de funções relativamente fáceis de estabelecer, mas outras ligadas por correlações probabilísticas. Encurtando razões: para um valor significativo de um PIB, reduzir a procura ou o investimento pode permitir pouco depois um crescimento; mas se o valor do PIB já é baixo, contrair a economia apenas reduz a procura, o investimento e o próprio PIB. Não reduz a dívida (embora reduza a acumulação do défice da balança de pagamentos por redução da capacidade de importação). Chama-se a isto, em economia, a armadilha da pobreza, a zona em que os investimentos não dão retorno , uma zona de rendimentos decrescentes, no fundo também por efeito de escala; ou como também se pode dizer, só os ricos podem investir, o que os torna, precisamente por isso, cada vez mais ricos relativamente aos pobres (versão em economia da lei de Fermat-Weber, de absorção pelos cada vez mais fortes).

Conclusão: deviam os senhores governantes fazer como o doutor Belmiro: lá vai raconalizando as suas gestões, mas sempre antecipando a evolução dos indicadores (a divida publica aumenta? Quais os setores em que aumenta mais? E a privada? Que medidas protecionistas se poderia negociar com a troika já que os próprios reconhecem que as medidas de austeridade têm de ser complementadas com as de crescimento? Que parcerias com investidores estrangeiros se poderiam fazer como sempre se fizeram, como no século XVIII com a concessão à Holanda do sal do Sado e das carreiras para a América do Sul e respetivo seguro marítimo) e tomando medidas antes do rochedo submerso; fazendo navegação programada com leitura correta das cartas e da força dos ventos e das correntes, não à vista.
Querem um exemplo do doutor Belmiro, que manda pôr sinais rodoviários nos parques de estacionamento dos seus hipermercados com alimentação fotovoltaica, coisa que eu nunca consegui pôr nos parques do metropolitano ?
Passando a publicidade, conheço apenas duas águas tónicas de qualidade à venda em Portugal: a Schweps e a Nordic; existem umas espanholas que são honestas mas sabem a remédio (também não é grave, a ideia da água tónica é ter quinino para combater a gripe); existem algumas portuguesas que são imitações infelizes; e existe agora uma água tónica Continente que também sabe a remédio mas é bebível como as espanholas; esperemos que vá melhorando com o tempo, que o grande problema é, para mim, produzir, que a melhoria da produtividade pode ficar para depois. Informação nutricional da água tónica do senhor doutor Belmiro, por 100 ml (entre parenteses a percentagem relativamente ao valor diário de referencia): valor energético 38 kcal (1,9%)– açucares 9,2 g (1%) – vestígios de proteínas, lipidos, fibras e sal.
É por isso que não podemos sair do euro, para continuarmos a ter rótulos com a informação nutricional.

Mas os senhores governantes vão ter de abrir mais as suas mentes, de serem menos dogmáticos e deixarem-se de dizer, como muito bem observou o senhor empresário Ilídio Pinho, que os trabalhadores devem trabalhar mais (“Dizer aos trabalhadores do norte para irem trabalhar mais, isso não se faz” - ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=il%C3%ADdio )

Manifestações de 15 de setembro de 2012


Já há mais de um ano que foi publicado em Portugal o livrinho “Indignez-vous”, de Stephan Hessel, contra o ataque ao estado social  ( ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=indignez-vous  ).

A manifestação de 12 de Março de 2011, pela sua associação à internet e à capacidade de mobilização fora das estruturas partidárias, já tinha sido muito interessante  ( ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/03/o-discurso-do-presidente-e-manif.html  ).
As manifestações de dia 15 de Setembro de 2012 continuaram este movimento de massas.
Seria bom demais se ganhasse consistência e se da sabedoria das multidões saíssem formas de organização que convivessem com os partidos políticos e que pudessem influenciar a tomada de decisões.
Mas seria uma forma de democracia popular, de participação no estudo e decisão de medidas políticas e económicas que, embora prevista na constituição da republica portuguesa, (art.48º.1 : todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direção dos assuntos públicos do país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos”), a grande maioria dos senhores engravatados que desempenha cargos políticos neste país recusaria.
Duvido que os partidos tenham percebido bem a manifestação de dia 15 de Setembro e queiram alterar a sua perspetiva de monopolização da ação politica.
Que queiram apenas colaborar com a sabedoria das multidões, com a revolução sem lideres (cito nomes de livros já citados neste blogue).





É uma sensação agradável poder entrar numa manifestação sem estar à procura de um grupo ou de uma associação que o represente, tudo muito bem organizado e integrado num programa único; entrar simplesmente, como manifestante.
Não é o elogio da espontaneidade.
A ciência da gestão já evoluiu o suficiente para se ver que a gestão da coisa pública, e das coisas de qualquer empresa não devem depender de estruturas hierárquicas rígidas.
Graças à teleinformática, a descentralização é agora possível.
Manuel Alegre exprimiu bem a situação: os manifestantes perderam a confiança nos partidos políticos, mas não sei se para alem da auto-crítica terá coragem para reconhecer que os partidos não devem ter o monopólio da ação politica.
Mas talvez a pressão popular se mantenha.
E que o INE passe a trabalhar para dar cumprimento ao nº2 do artigo 48º da constituição da república portuguesa: “todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objetivamente sobre atos do estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos."
Para que se pudesse partir de dados concretos, não diluídos na retórica sofista do senhor primeiro ministro ou na retórica de fé em receitas independentemente dos resultados reais, do senhor ministro das finanças.
Porque é da análise de dados reais e do seu tratamento e debate que podem sair medidas suscetíveis de serem sentidas pela maioria. Por exemplo: a manifestação protestava contra o deslocamento dos rendimentos do trabalho para os rendimentos do capital. As contas são relativamente fáceis de fazer para a triste proposta de aumentar a contribuição para TSU de 7% para o trabalho e de reduzir 5,75% para o capital.
Mas interessava saber como está a situação em todo o país, que percentagem do rendimento vai para o trabalho e que percentagem vai para o capital, que destino por tipo de consumo têm tido os dinheiros do empréstimo da troika? que medidas protecionistas contra as importações se poderiam negociar com a troika em função dos valores reais das importações, das exportações e da sua evolução? (não ao sofisma do senhor primeiro ministro, que se está a anular o défice externo; não, graças à falta de dinheiro para importar, e ao aumento das exportações de automóveis da auto-europa, de gasolina refinada da GALP e de ouro vendido ao exterior, a taxa de crescimento do endividamento externo está a diminuir, se não contabilizarmos os juros dos empréstimos e as comissões).
Qual a composição por tipo de atividade da dívida privada (e também da pública, claro)?
E afinal as PPP e os desperdícios da despesa do estado, que dados concretos existem, que só se fala mas não se dão valores concretos ? (na verdade, que preparação científica tem quem diz que resolve um problema de equilíbrio orçamental com 1/3 de aumento de receita pública, enganando-se rotundamente - e não foram os 700 milhões de euros de automóveis importados a menos que justifica o falanço; considerar a lei de Laffer, por exemplo, muito falada antes do disparate da subida o IVA – e com 2/3 de redução da despesa pública, sem ter dados concretos para basear a repartição?).
É que a expressão da indignação popular deve ser complementada rapidamente com informação concreta, para se seguir a fase de tomada de decisão (que será feito daquel grupo ligado à universidade de Coimbra que se propunha auditar de forma completa as dívidas pública e privada?).
É assim que fazem os acionistas para controlar as suas empresas. Analisam os indicadores característicos e a sua evolução, como será o caso, na coisa pública, do coeficiente das desigualdades de Gini, dos indicadores da saúde, da educação e da proteção social (ah, sim, as principais despesas; mas não o deviam ser?) para além das taxas de evolução do endividamento, do défice, do PIB, claro, claro.
Podia ser que, num país em que o montante de deósitos é de 132 mil milhões de euros (comprometidos evidentemente em contratos de depósito ou obrigações, mas tudo é negociável) se arranjasse maneira de reunir 66 mil milhões de euros para agradecer à troika e fiquem lá com o vosso dinheiro e digam aos vossos diletos amigos germânicos que nao se preocupem connosco que não será por nossa cusa que a sua própria dívida começa a subir com força.
Mas será difícil que os partidos, os senhores conselheiros de estado, os senhores provedores, os senhores juízes conselheiros, os senhores comentadores, os senhores doutores constitucionalistas, concordem comigo.
Era um perigo, se, como respondeu Lenine a um opositor bem pensante, se estivesse a trabalhar para que a senhora da limpeza pudesse participar diretamente numa tomada de decisão com o mesmo peso do senhor bem pensante, em lugar de se limitar a votar num representante distante. E quando Lenine disse isso, ainda não havia o suporte científico de que as técnicas de gestão de hoje dispõem para fundamentarem a descentralização dos processos de tomada de decisão.

Mas pode ser que a pressão popular se mantenha e não apareçam líderes a quererem salvar o país..

50 anos da orquestra Gulbenkian



enquanto a orquestra não entra

Sábado, 15 de setembro de 2012, a fundação Gulbenkian ofereceu concertos gratuitos aos cidadãos, comemorando os seus 50 anos.
É grande o contraste com a pobreza das iniciativas culturais da respetiva secretaria de Estado.
E é uma pena os apressados e incultos auditores terem posto a fundação na lista dos desperdícios dos dinheiros dos contribuintes.
Os nibelungos trabalham afanosamente para imporem o estado geral da selvajaria e da incultura, mas ainda não ganharam.
Ainda não chegámos ao Farenheit 451.

Parabens à orquestra.

Feira alternativa

Curiosa a feira alternativa, no estádio do Inatel.
Alternativa ou indi, de independente, mas esta designação já sou eu a acrescentar.
Feiras sempre foi a forma das comunidades organizarem as suas trocas.
De encontrarem formas de ganhar algum dinheiro fora dos circuitos oficiais da grande economia.
Desde as massagens esotéricas, com pressão de pedras mágicas nos pontos onde os tecidos ganham energias, à medicina chinesa, aos hamburgers vegetarianos, aos fornos solares, aquecimento por peletes de biomassa paineis fotovoltaicos para carregar telemóveis.
Sapatos artesanais, brinquedos de madeira, lanternas de chapa furada, lipoaspiração não invasiva, osteopatis e meditação zen e reiki.
Água imantada, garrafas termo-magnéticas para melhorar o funcionamento do sistema circulatório e o aparelho urinário.
Doceiras caseiras e requintadas, conferencias para promover a harmonia entre o corpo, a mente e o espírito.
Crendices misturadas com sabedoria dos povos e com técnicas fundamentadas.
Manifestação de uma vitalidade talvez proporcional às dificuldades da economia oficial.
Mas fiquei com complexos de culpa.
Não  pedi fatura pela limonada que bebi nem pela boneca de trapos que comprei.
Será que as luminárias fiscais deste país se contentaram com o pagamento da taxa de inscrição pelos feirantes?
Esperemos que sim.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Falas de governantes - Entrevista do senhor primeiro ministro PPC em 13 de setembro de 2012:


Medida: aumento de 7% da TSU paga pelo trabalhador (equivale a diinuição do salário) e diminuição de 7% da TSU paga pela empresa (equivale a diminuição dos custos do trabalho)
Argumento de PPC: a empresa pode vender mais barato e assim aumentar a procura; o trabalhador recupera a perda de salário com o abaixamento dos preços.
(Argumento de Honório Novo, deputado do PC: o senhor primeiro ministro acredita no pai Natal, que as empresas vão baixar os preços?)
Consideremos um caso concreto: X trabalha numa empresa de camionagem; graças à diminuição das importações, o volume de negócios baixou e a empresa tem falhado pagamentos de salários.
Segundo PPC, a medida é boa para a empresa porque alivia os gastos com o trabalho.
Mas, onde vão os trabalhadores buscar o dinheiro para pagar o aumento de 7% quando não recebem salário todos os meses?
Isto é, não é sério despejar estas medidas sem debate prévio.
Mas anota-se o espírito polémico da melhor tradição sofista do senhor primeiro ministro. E com o seu ar de vitimização e de boas intenções de salvar o país, é provável que continue a enganar muitos concidadãos.
Como disse o senhor deputado Galamba, governantes assim “são perigosos”.



Notícias da Islandia em setembro de 2012

Olafur Grimsson, presidente da Islândia: “ninguém morrerá de fome num país onde há mais ovelhas do que gente e mais canas de pesca do que telemóveis; não será encerrada nenhuma escola, nenhum infantário, nenhum hospital para pagar as aventuras e cowboiadas da banca e da bolsa”.

É verdade que na economia como na física, as leis são de aplicabilidade diferente em função da dimensão do sistema (a Islândia tem 320.000 habitantes), e que a Islândia é auto-suficiente em alimentação (ninguém estimulou o enfraquecimento da frota pesqueira) e em energia (as fontes hídricas e geo-térmicas não estão na mão de empresas fora do controle público), e que a preparação política do povo islandês é superior.
Mas também é verdade que a principal razão do atual crescimento económico da Islândia está na mudança de métodos de debate das questões públicas e de tomada de decisão e na subordinação do poder dos bancos ao interesse público.
Houve uma maior abertura à participação cívica.
Penso que em Portugal o que se poderia fazer era tentar através das assembleias de freguesia (mesmo as que o governo quer extinguir) reunir os pareceres dos cidadãos sobre as questões públicas, e sintetizados ao nível das câmaras em assembleias municipais sob supervisão de cidadãos inscritos livremente, com obrigatoriedade de registo de todas as participações e com carater vinculativo para cumprimento pelos orgãos politicos.
Fora do controle partidário, claro, como na Islandia.

Como quem manda não deixa fazer-se assim, resta-nos ler livros como A sabedoria das multidões de James Surowiecki, Portugal, dívida pública e défice democrático de Paulo Trigo Pereira, e Revolução sem líder de Carne Ross, onde se descreve o método.
Nunca inventei nada, mas sempre gostei de tentar compreender o que outros descobriram; coisa que muitos não podem dizer.
A democracia precisa de adotar as conquistas das ciencias de gestão considerando os cidadãos como acionistas segundo a regra: uma voz, uma ação, um voto.

Mais informação sobre a Islândia em:
http://forum.antinovaordemmundial.com/Topico-isl%C3%A2ndia-triplicar%C3%A1-seu-crescimento-em-2012-ap%C3%B3s-a-pris%C3%A3o-de-pol%C3%ADticos-e-banqueiros


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Ana,moldava


Ana, moldava, era uma das duas senhoras que tratavam da senhora doente minha vizinha.
A minha vizinha faleceu e Ana, moldava, ficou a tomar conta do meu vizinho, um senhor idoso que já não pode cuidar sozinho de si próprio.
Ana, moldava, ficou a olhar para os cachos das duas videiras que tenho no meu quintal.
Ficou encantada com os bagos a arredondarem e a tintarem.
Com o seu português cantado e distorcido no acentuar das vogais perguntou se podia apanhar um ou dois cachos, que lhe faziam lembrar as vinhas da sua terra.
Sim, sim, dissemos, a minha muher e eu, e leve, quando quiser, para o senhor doutor (o senhor doutor é o meu vizinho idoso).
As videiras têm este mistério.
Têm uma produtividade enorme.
Num pedacinho de terreno geram quilos e quilos de uvas.
Nem era nenhum favor que lhe fazíamos.
Ana, moldava, veio para Portugal com o marido, veterinário na Moldávia, depois de 10 anos na Turquia.
Ana, moldava, era enfermeira na sua terra.
Na Turquia fazia limpezas, e o marido trabalhou na construção civil.
Depois de 10 anos em Portugal, o marido teve de regressar à Moldávia por falta de trabalho.
Ana, moldava, cuida de idosos e doentes.
Conseguiram ganhar dinheiro na Turquia e em Portugal para construir uma moradia na sua terra.
Lá são olhados com respeito e inveja por terem uma moradia.
Mas o preço mais alto da moradia foi estarem separados da filha, que se casou há pouco tempo.
Ana moldava pensa continuar em Portugal.
Encontra com facildade roupa barata.
Vivendo em casa das pessoas de que cuida só tem de ter cuidado com as suas próprias despesas e assim continua a poupar.
Beneficia da obsessão europeia de conter o custo de vida, com o medo da inflação.
Ana moldava fala com uma voz cantada e alegre, mas o seu rosto está cansado e o seu corpo perdeu o viço da juventude.
Tem apenas 42 anos.
E numa pequena frase define a economia da Moldávia, integrada na antiga União Soviética: “Tínhamos muito dinheiro, mas não havia nada nas lojas para comprar.Agora há muito para comprar, mas não temos dinheiro.”
É verdade, recordo-me de ler um artigo de um economista que tinha visitado a União Soviética em 1981: "o sistema não é sustentável, porque nos grandes armazéns não há relógios japoneses (digitais) à venda."
E foi verdade, o sistema implodiu, apesar de sucessivos congressos do PCUS (partido comunista da união soviética) terem decretado sucessivas afetações de meios ao desenvolvimento da eletrónica e do software, e da industria soviética fabricar doses maciças de cópias do microprocessador 8085, que esteve na base da explosão dos circuitos integrados de microprocessamento nos anos oitenta.
Pena os economistas e financeiros que do alto dos BCE,  FMI e  Goldman Sachs, nos governam a todos, não quererem pôr as pessoas à frente dos números, para que não houvesse nem dinheiro e carência demais, nem pobreza e abundância de produtos.
Analogamente ao que diz o anuncio do sistema Íris da Zon, da linha que separa um mundo do outro, há uma linha que separa o rendimento do capital do rendimento do trabalho, há uma linha que separa a economia pública da economia privada.
Mas há ideologias cegas que põem os seus dogmas à frente, que acham que a realidade se deve adaptar a elas, em vez de gerir essas linhas, movendo-as para um lado ou para o outro, ao serviço das cidadãs e cidadãos como Ana, moldava, e o marido.



terça-feira, 11 de setembro de 2012

Carta a Crato

Parabéns, senhor ministro.
Conseguiu reduzir os custos do ministério conforme as orientações de cortes na saúde, na educação e na proteção social, que são as 3 áreas de maior despesa pública (claro que são e que até devem ser).
Graças à sua experiencia destes assuntos e à politica de concentração e de dispensa.
A tal de produtividade, de fazer mais com menos.
Só que a curva da produtividade não é uma função linear.
Tem um ponto de derivada nula, e nunca se sabe para que lado se está, se na curva ascendente, se na curva descendente.
Ou, como matutava o escocês que reduziu progressivamente a ração de palha do cavalo, nunca se sabe quando a produtividade do cavalo começa a baixar, se antes ou depois de morto.
Por isso lhe escrevo esta carta.
Quando se queixa que tem falta de alunos e por isso tem de dispensar professores, eu respondo que há muitos miúdos por aí sem ir à escola, desde crianças ciganas a filhos de imigrantes.
Aí tem uma boa quantidade de alunos para compor o quadro de professores.
Por outro lado, com os números de insucesso escolar, parecerá que são necessários professores para o reduzir. Não direi só para dar aulas com menos alunos, mas para estudar os dados do insucesso e analisar a evolução do insucesso (e abandono) ao longo do ano. Como em qualquer profissão, professor não é só para dar aulas.
Quanto à concentração das escolas, sabe muito bem que o que está a poupar é desperdiçado no transporte dos alunos para as grandes escolas.
Pelo menos enquanto o numero de alunos for maior do que o dos professores: é mais barato deslocar poucos professores para muitas escolas do que muitos alunos para poucas escolas (teorema de Fermat-Weber, certo?).
Isto sem falar nos custos, ou prejuízos, da desertificação do interior (idem).
Bem, mas dirá que os índices da Finlândia mostram que há mais alunos por professor do que em Portugal.
Haverá, mas também é verdade que o índice da relação entre o comprimento do peróneo e o perímetro do peito das mulheres finlandesas é superior ao das mulheres portuguesas e nós gostamos destas assim (gostamos não gostamos?).
E dirá também que não há dinheiro no orçamento de Estado.
Será uma discussão desigual, porque não temos todos os números da realidade, embora vejamos por aí que os rendimentos do capital não são tão maltratados como os do trabalho.
O senhor ministro estará mais perto do senhor ministro das finanças que lhe mostrará os meandros do orçamento (mostrará?) e que lhe deveria arranjar dinheiro em vez de se repetir a dizer que não há.
Experimente mostrar-lhe que os prejuízos das suas medidas são superiores aos benefícios.
São coisas que não entram nos orçamentos mas se pagam quando o insucesso, o abandono escolar e os maus resultados no PISA destes anos de penúria se refletirem no vandalismo e ignorância (e falta de produtividade e de competitividade, claro, claro) da maioria dos jovens adultos que hoje são crianças.
E esse vandalismo e ignorância custam muito, muito mais dinheiro.

Melhores cumprimentos.



PS - Já me esquecia.
A propósito de haver poucos alunos como fundamento para a dispensa de professores.
A minha neta, que  mora para os lados da Estrela, não teve vaga na escolinha para onde pensava iniciar o 1º ciclo.
Houve muitos meninos que sairam das escolinhas privadas e esgotaram as vagas.
A minha sobrinha que mora em Odivelas e que tem a menina dela no 1º ciclo de uma escolinha privada, disse-me que só da turma da filha sairam este ano para o público 16 meninos.
E diz o senhor ministro que há poucos alunos.
Ai é tão feio dizer coisas ao contrário da realidade... será o problema do PISA, a dificuldade dos portugueses que tomam decisões recolherem e analisarem corretamente os dados e depois aplicar as medidas corretivas?
Podia ser um tema para os conselhos de ministros; certamente que os senhores ministros também são vítimas da síndroma do PISA, também terão dificuldades de interpretação.
Achar que a iniciativa privada resolve as coisas no atual contexto, com o endividamento enorme das empresas, pode ser um sintoma de dificuldades interpretativas da realidade.
E pôr o PISA no centro das atenções podia ser um primeiro passo para sairem da vossa redoma de iluminados convencidos de um caminho unico.
Alargar o debate e aceitar as ideias dos outros é um grande passo para vencer as dificuldades de compreensão diagnosticadas pelo PISA, para compreender a linha flexível que separa os rendimentos do trabalho dos rendimentos do capital, para compreender a linha flexível que separa a economia privada da economia pública.
Era uma boa estratégia, para um ministério da Educação...não acha?


segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Festa do Avante 2012


festa do Avante 2012



Escrito no pavilhão de comes e bebes de Leiria: “Desenvolver o setor produtivo”.

Estaremos todos de acordo. Como se costuma dizer agora, o crescimento é indispensável.

No pavilhão de Braga o preço de uma ração de entrecosto com 4 meias costelas e os respetivos pedaços de carne a elas agarrados, era de 2,50€. Contando com bebidas e o pequeno almoço teremos uma expetativa de 12€ por dia para a reposição do poder de trabalho de um profissional que requeira esforço físico.

Os grandes economistas que atualmente governam o país e teorizam sobre a obsessão da redução dos custos da produção através da redução dos custos do fator trabalho poderiam deduzir que bastaria pagar a um trabalhador 360€ por mês para o ter apto para o trabalho.

Mas a ideia deste post não é essa, porque o empregador, como a carne é fraca, poderia embolsar a economia com o fator trabalho e manter os preços de venda.

A ideia era antes chamar a atenção para a diversidade de formas de estrutura das empresas de produção: sociedade por ações, por quotas, cooperativas, parcerias, mutualidades… e que unidades coletivas de produção, eventualmente de capitais públicos, poderiam talvez baixar custos de produção, investindo o diferencial em benefícios para a comunidade.

Mas o pensamento dominante não autoriza essas experiencias, embora fosse expetável que o setor produtivo se desenvolveria, por exemplo, navios-patrulha para vigilância da costa e missões de salvamento, que faltam entre Aveiro e Caminha, e para fabrico de componentes para plataformas petrolíferas.

E não autoriza porque ainda existe este conceito de democracia que é calar as minorias.

De nada serviram os progressos da teoria das técnicas de gestão.

A participação de todas as sensibilidades, mesmo as minoritárias, valoriza o trabalho comum e essa participação proporcional, por definição, é a democracia.

Agora, só porque em dado momento, uma maioria de 29,7% de eleitores, relativamente ao universo dos eleitores inscritos, forneceu apoio parlamentar a um governo subordinado a dogmas criados nas academias longe da realidade e que rejeita a participação das minorias, é, salvo melhor opinião, estrangular a democracia.

Esperemos que a ideia da reforma da lei eleitoral no sentido “quem tiver mais votos leva tudo”, sem oposição (e sem participação), não vá para a frente.

Senão, teremos de nos contentar em assistir nas festas do Avante às atuações dos gaiteiros de Lisboa.

Sobre a reforma das leis eleitorais ver:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=eleitorais

Pequeno conto kafkiano

O presidente do conselho de administração dirigiu-se para a estante dos discursos e agradeceu ao presidente da mesa da assembleia geral, que lhe dera a palavra.


A altura era má para a empresa e o presidente do conselho de administração trazia aquele semblante de preocupação mas, simultaneamente, de determinação e de crença mais nas convicções próprias do que nos dados da realidade.

Era acusado, nas conversas dos funcionários e dos acionistas da empresa, de apressar-se a negar o aumento do défice e do endividamento quando apenas tinha havido uma diminuição da despesa.

Aliás, o seu percurso académico nunca tinha denotado grande respeito pela análise dos dados reais fosse do que fosse, antes se tinha desenrolado na consolidação de dogmas ideológicos e no seguidismo de grandes homens de negócios.


Falou com voz solene.

- O importador germânico de referencia da nossa empresa, não o nosso maior importador, mas o de referencia, chamou-nos recentemente a atenção para um problema de falta de competitividade dos nossos copos.
Tenho um aqui à minha frente, na posição em que o importador referiu.
Reparem que não tem boca e, se o virarmos, verificamos que não tem fundo.
Não é possível assim competir com os produtores mundiais neste universo de globalização em que vivemos, com copos sem boca e sem fundo.

Um dos presentes, não acionista da empresa, mas apenas técnico de produção, ainda tentou justificar que a nota do importador germânico se referia à discrepância encontrada nas embalagens entre a seta do sentido vertical e a posição dos copos embalados, mas o presidente do conselho de administração imediatamente o mandou calar dizendo que estava ali com o voto dos acionistas para salvar a empresa.

Um pequeno acionista, sem direito a voto, apenas com o estatuto de observador, sugeriu que se desse mais atenção aos trabalhadores para que eles se sentissem mais envolvidos no destino da empresa e para que o sentido da embalagem dos copos coincidisse com o sentido da seta na caixa exterior, mas mais uma vez foi mandado calar.

A medida proposta pelo presidente do conselho de administração foi então , para castigar os trabalhadores que trocaram o sentido da seta, o de convidá-los a participar, com um aumento de 7%, nas despesas da empresa.

Ignoro o destino da empresa, mas consta que, apesar de tudo, continua a produzir copos independentemente do sentido das setas das embalagens.

Produz menos copos, mas produz.
Contra tudo…



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Emanuel Nunes


Emanuel Nunes não era um compositor popular.

Fez a ponte entre Fernando Lopes Graça e compositores atuais como Pedro Amaral e Pinho Vargas, que o homenagearam ao seu desaparecimento.

A sua musica não era atrativa e os intelectuais já a consideravam ultrapassada.

Mas tem um lugar na história da musica internacional.

Num ano em que 100.000 licenciados portugueses já saíram do país, recordo a musica de Emanuel Nunes, também emigrado, como a maravilha do som. A arte abstrata que toca a sensibilidade humana e que serve as ideias.



Escrevi o texto seguinte em Janeiro de 2008, depois de assistir no S.Carlos à sua ópera Das Marchen.

Os intelectuais da nossa praça e o senhor secretário de estado da cultura de então não gostaram.

Em musica, até os intelectuais mais conhecidos são, com honrosas exceções como Eduardo Lourenço, muito limitados na sua sensibilidade musical.
E não, não é possível corrigir a trajetória de um país sem cultura musical.
Como diz a inscrição na estação do metropolitano do Parque, foi pela musica que começou a indisciplina, a indisciplina necessária para o  progresso seguir o seu processo.

Mas também, em questões musicais, os senhores secretários de estado da cultura fazem sempre o papel de Estaline no confronto com Prokofiev (Estaline para Prokofiev: a sua musica é politicamente fraca; Prokofiev para Estaline: a sua politica é musicalmente fraca).

O senhor diretor do S.Carlos queixou-se que o compositor falhou prazos de entega (sim, sim, eu também falhei prazos de entrega, para não me acusarem de falhar conteúdos).

A gravação ficou escondida, desperdiçando as vantagens das sua disseminação internacional.

A obra não é atrativa, não seduz pela facilidade, é fácil ser olhada com incompreensão.

Mas é boa, muito boa, e serve a mensagem de Goethe: o diálogo acima de tudo.









A incompreensão é diretamente proporcional ao volume do conjunto das palavras.

A linguagem formou-se a partir dos mecanismos cerebrais.

Se estes têm problemas de comunicação (podem os neurónios espelho não terem todos os neurotransmissores de que precisam, ficam a faltar hipóteses de interpretação para escolher comparativamente), a linguagem reflectirá todos esses problemas de comunicação.

Logo, quanto mais se comunicar, mais distorção se introduz e mais dificil é o interlocutor compreender o que o emissor pretende dizer. Isto é, não só são recebidos sinais incorrectamente codificados, como o receptor dispõe de insuficientes chaves de código e hipóteses de descodificação para interpretar a vontade ou o desejo do emissor.

Daí a utilidade dos sinais por gestos ou atitudes.

A linguagem é um fenómeno que pretende interpretar os outros fenómenos.

Coitada da linguagem nos seus objectivos. Se os fenómenos fossem interpretáveis já tinham sido interpretados antes de haver linguagem.

Reduzamo-nos à nossa humildade.

Linguagem são grunhidos, urros, gemidos, combinações de sons que emanam realmente do cérebro, em sucessivas demonstrações de associações de ideias, mas do cérebro dos nossos antepassados Cromagnon. Por isso a linguagem não é muito racional e estimula mais a incompreensão do que a compreensão.

Valha-nos portanto os sinais (a semiótica, não é?).

Só que vêm depois os desajeitados que não só não interpretam os sinais como não sabem emitir os sinais que interessam.

E tudo isto também a propósito da ópera Das Marchen.

Reparar, no argumento, na citação de Goethe sobre as insufuciências da linguagem, apesar dele escrever bem.

E tem os ingredientes de que as pessoas costumam gostar numa ópera: um rio, uma bela Lilia, um Velho, uma serpente verde que se transforma em ponte para a felicidade dos povos, todos enfeitiçados à espera dum acontecimento que trará a paz e a harmonia.

Tudo com muita música contemporanea, de que até gostei, mais bailado contemporâneo (de que também gostei) e muita encenação espalhafatosa (de que muito pouco gostei).

Valeu a pena.

Como o conto é hermético, deixem-me comover com a minha interpretação de que apela à comunicação e à compreensão entre as pessoas.

O conto de Goethe integra-se num conjunto de novelas e contos saídos das conversações entre exilados alemães, expulsos pelo exército francês da margem esquerda do Reno. Podia ser hoje no Kosovo, em Pristina, ou no Iraque, ou em Gaza, ou no Afeganistão, ou no Paquistão ou no Quénia (na Síria, hoje), e no meio disto, apela à compreensão...

Aplausos.

Incompetentes

A 9 de agosto de 2012 este blogue chamou incompetentes ao governo atual. listando entre outros projetos abandonados, o turismo do Alqueva.
Soube hoje que o governo desviou para outros fins 500 milhões de euros que estavam reservados no QREN para o regadio da região do Alentejo (só tem 8 deputados) e que se corre o risco de no próximo programa comunitário não haver verbas para o regadio em geral.
O impacto negativo na economia é de tal ordem que só posso reforçar a acusação: incompetentes.
A produção agrícola e alimentar do país conheceu um defice em 2011 de 3800 milhões de euros.
Importaram-se 1320 milhões de euros de peixes e mariscos, e 842 milhões de euros de cereais.
Paralisar o regadio é incompetencia.
Como diz George Soros, "contrair a economia não reduz a dívida", só reduz o PIB.
Os senhores governantes não quererão ou não sabem ver.
Por exemplo, lembraram-se, só agora, de pedir ajuda de 4 aviões Canadair para combater os incendios de Ourem e Tomar.
Estavam avisados há muito que este tipo de incendios só se resolve com rapidez com aviões pesados, não os meios aéreos ligeiros que têm sido utilizados ou as estratégias terrestres (sem prejuízo do profissionalismo de quem tem combatido os incendios). Ver
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/08/sobre-incendios.html

Mas não sabem o que fazem, como no caso da paragem do programa das renováveis.
Um país não pode ser autónomo se tiver de importar alimentos e energia com os valores com que Portugal importa, nem se o seu nivel de endividamento continuar a subir, como está a acontecer.
Mas os senhores governantes não entendem.
Um país assim não pode ter um governo de 2 partidos com a representatividade que eles têm.
Todas as forças politicas deveriam estar a participar.
Mas os senhores governantes não querem, ou não sabem.