terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Um conto tenebroso, a sinistralidade rodoviária

resumo: 
a campanha publicitária para redução da sinistralidade rodoviária seria provavelmente mais eficaz se apresentasse comportamentos corretos a imitar, em vez de apresentar imagens chocantes que "só acontecem aos outros"



Passa um anuncio na TV promovido pela autoridade da  segurança rodoviária que choca pela crueza das imagens.
A ideia é mostrar as consequências de uma condução imprudente, nomeadamente a não adaptação da velocidade ás condições ambientais, na esperança de levar as pessoas a evitar os comportamentos de risco.
Pessoalmente, chocou-me o que me parece uma abordagem errada.
A reação da  maioria das pessoas poderá ser a de que coisas tão horrorosas só acontecem aos outros; comover-se-ão com a desgraça dos outros e por razões de auto-estima e auto-confiança, manterão os seus comportamentos.
Isto é, se analiso bem, o anúncio é inútil.
Penso que uma publicidade televisiva com o objetivo de promover um comportamento mais correto só poderá funcionar pela positiva, apresentando exemplos desse comportamento e esperando que por imitação ele seja seguido.
Recordo um exemplo da televisão espanhola focando a condução em autoestrada á aproximação da zona de portagens. Ao ver o sinal de portagem próxima, vê-se o condutor a levantar o pé do acelerador e a aconchegar o pedal de travão.
Por cá, o que me acontece é, à aproximação do canal da via verde, normalmente colocado à esquerda, ao reduzir a velocidade de acordo com a sinalização lateral, ser ultrapassado por um condutor sem via verde que depois se atravessa á minha frente para passar pelo canal normal.
Recordo ainda uma campanha que passou na televisão portuguesa, em que se via a paragem do automobilista para deixar passar os peões na passadeira. O aspeto cortês do anuncio induzia a reprodução desse comportamento na vida real.

Reapresento o post de abril de 2013 neste blogue sobre a sinistralidade rodoviária: 

Retomo os números da operação da GNR no período de 23 a 28, inclusivé, de dezembro de 2014, em comparação com 2013 em igual período:

                 nº de mortos        nºde feridos   nºde acidentes      nºestimado de
                                              graves                                      mortos a 30 dias

2013                  5                        20                   1308                       7

2014                 14                       18                     935                      19


As hipóteses que podem colocar-se não serão conclusivas porque não se fazem inquéritos exaustivos aos acidentes (ou pelo menos não são divulgados os resultados, com a análise das causas e circunstancias dos acidentes e com recomendações para reduzir a probabilidade da sua ocorrencia), mas talvez possa dizer-se que a redução do preço dos combustíveis estimulou o tráfego, que embora tenha havido menos acidentes o número de mortos mais elevado poderá estar ligado á velocidade excessiva, e que velocidade excessiva existe sempre que a condução não se adequa às condições ambientais ou de clima (chuva, nevoeiro, fumos, poeiras) e do estado do pavimento e condições de aderência.
Mas é gritante a ausência de relatórios conclusivos sobre os acidentes que se vão verificando.
Seria muito mais eficaz do que a passagem de anúncios de imagens chocantes. E a insistência no conceito de velocidade excessiva e na correlação entre velocidade e sinistralidade. Segundo os dados da ANSR, autoridade nacional de segurança rodoviária, essa correlação traduz-se por uma redução de 5% na velocidade média de circulação corresponde a uma diminuição estatística de 30% no número de acidentes mortais.

Considerando os dados da ANSR relativos aos mortos a 30 dias em janeiro e fevereiro de 2014 (contabilizando as mortes no local do acidente e as que se verificam como consequência nos 30 dias seguintes), ver em:

temos:

nº total de mortos em acidentes
em janeiro e fevereiro de 2014:                           90   (em 2013: 106)

sendo:

1)     25 por atropelamento
27 por colisão
38 por despiste

2)     54 condutores
10 passageiros
26 peões

3)    15 em autoestradas                          (em 2013:    3)
30 em estradas fora de localidades  (em 2013:  49)
45 em arruamentos e estradas
     dentro de localidades                  (em 2013:   54)    

Notar a gravidade dos acidentes mortais nas povoações e o peso dos peões e atropelamentos
O número de despistes evidencia o fator velocidade excessiva (45 km/h pode ser excessivo se as condições de visibilidade ou de aderência forem más). A sinistralidade nas autoestradas, aparentemente menor do que nas estradas, deve ser reduzida porque a gravidade dos acidentes, quando se verificam, parece ser maior.

Conclusão: apesar das melhorias que se vêm verificando, ainda há muito a fazer para reduzir a sinistralidade, e as campanhas publicitárias para isso deverão insistir na redução da velocidade (o automóvel não deve servir de compensação freudiana nem de manifestação de superioridade ou perícia de condução), na prevalência de comportamentos corteses e na prudencia na condução. É essencial a realização de inquéritos aos acidentes e divulgação das recomendações.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                 

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

55 anos de metropolitano

29 de dezembro, aniversário do metropolitano de Lisboa.
55 anos de circulação.
Votos de felicidades para os seus atuais trabalhadores, e para os antigos, que não sejam ofendidos por quem não quer reconhecer o seu trabalho e os acusa de serem uns privilegiados.
Recordo o filme de Artur Agostinho, em que ele explica para que servem os metropolitanos, para poupar no consumo e importação de combustíveis fósseis:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2011/03/o-filme-do-metropolitano-com-artur.html

Pena os hierarcas do nosso país não compreenderem as palavras simples de Artur Agostinho, que é uma questão de eficiência energética, simplesmente.
Que justificaria a candidatura aos fundos comunitários, cujo prazo de apresentação termina em 26 de fevereiro próximo futuro.
Pena, os contabilistas que tomam decisões não perceberem isso.


O share da TV - Don Giovanni

Reparo que na secção de espetáculos e TV do jornal a notícia é que no dia anterior, 27 de dezembro, sábado, a audiencia da RTP2 foi de cerca de 1,1% , a pior do ano.
Reparei porque nesse dia tinha assistido à retransmissão do Don Giovanni, gravado em 2006 na inauguração do teatro das figuras de Faro. Cantores portugueses, à exceção do protagonista, Nicola Bau.
E tinha-me parecido um espetáculo de qualidade elevada, digno de figurar na programação do canal Mezzo, por exemplo.
Pois terá sido o dia de pior audiencia do canal RTP2.
Não vou culpar o público. Há anos, quando o São Carlos levava a ópera ao Coliseu, ele enchia-se. E hoje também se voltasse a haver ópera no Coliseu.
Também me recordo, sempre que se fala de cultura, da resposta de uma senhora, do povo, como se costuma dizer, que assistia à gravação de um "reality show" e dizia alegremente para a entrevistadora: "Sei muito bem que isto não é cultura, mas é disto que gostamos e estou muito contente por estar aqui a assistir".
É a diferença entre as senhoras do povo e os hierarcas que no governo ou nas instituições tomam decisões ou as boicotam.
As senhoras do povo sabem o que é cultura, os hierarcas terão aprendido a não saber o que é a cultura.
Ou simplesmente, a avaliar pelo comportamento dos senhores presidente da República, primeiro ministro e ministra das finanças, serão culturalmente extremamente limitados.
Por isso imagino Mozart e o seu libretista da Ponte a projetar na sua personagem D.João as psicopatologias dos detentores do poder. D.João diz claramente que não suporta oposição e não admite réplicas. Ilude o povo que se arma para o castigar.Subordina todos à sua vontade.
Ora é sabido, depois de Freud, que a necessidade de D.João se afirmar como conquistador (do governo se afirmar como triunfador na sua estratégia política) deriva da sua impotência de se realizar humanamente (do governo conseguir investimento e emprego).
Por isso o vejo como uma metáfora do imobilismo e da incapacidade do atual governo de investir nas coisas certas, recuando quando se trata de concretizar, como no caso da ligação ferroviária a Madrid ou de candidatar, aos fundos comunitários, investimentos em infraestruturas produtivas até 26 de fevereiro de 2015.
Se o dia da transmissão de Don Giovanni foi o da pior audiencia da RTP2, foi porque o governo é impotente para conduzir uma política eficaz de cultura.
Por isso se desculpará, como qualquer afetado por uma doença psicológica, com causas externas a si próprio, como não haver dinheiro (num país em que a gestão do pavilhão atlantico não parece ter problemas, em que os espetadores acorrem em massa aos festivais de verão, em que se vendem mais de 10.000 automóveis por  mês?) nem procura de bens deste tipo de cultura. E que o melhor será fugir à ira popular como D.João, extinguir o canal RTP2 e privatizar a RTP.
Isto é, deixar que a programação seja decidida e aprovada numa assembleia de acionistas de acesso restrito e em que não é respeitada a regra "uma voz, um voto".
Já no tempo dos antigos atenienses se sabia que isso não era democracia.

Ver também:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/12/citacao-de-pedro-burmester.html

quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

uma complicadissima trindade, a inovação, a produtividade e a competitividade

Nota prévia - não caia o leitor numa sinédoque (tomar a parte pelo todo) e não conclua que o escriba é contra  a inovação, a produtividade e a competitividade. Apenas pensa que qualquer medida para as promover deve ser acompanhada de uma análise de custos-benefícios, de uma análise de riscos e precedida por testes. E perdoe-se a imodéstia do escriba ao recordar ter participado no caderno de encargos da aquisição em Portugal da segunda central telefónica privativa de comutação temporal e do primeiro encravamento de sinalização ferroviária (interlocking) computorizado. Pelo que não está seguro de que os economistas que enchem a boca com as três palavras possam acusá-lo de inimigo desta trindade complicadíssima de entender, de insondável dificuldade de aplicar.

Inovação -  durante 1 ano, o dirigível Hidenburg exibiu a sua superioridade sobre os outros dirigíveis. Beneficiava de uma cobertura sintética que oferecia menos atrito à deslocação do ar e era mais leve do que as lonas dos outros. Por isso, graças à inovação, consumia menos combustível e era mais rápido. Porém, a natureza sintética do material, por razões da mecânica quantica e da física dos dielétricos (isolantes) propiciava a acumulação de cargas eletroestáticas. Que originaram o incêndio fatal na manobra de atracagem à torre metálica em New Jersey em 1937. São exemplo também de inovação não testada nem sujeita a análise de riscos os dois acidentes fatais com os primeiros aviões que utilizaram software nos seus comandos. A base de dados com a altitude da rota não tinha sido refrescada. Felizmente sem consequências fatais, outro exemplo é o da substituição do uso das cartas náuticas de papel por mapas eletrónicos. Por não ter feito zoom in, um dos veleiros da corrida oceanica colidiu com um recife. Se tivessem traçado a rota na carta náutica, como fazem os marinheiros normais, teriam evitado o recife.

Produtividade - dificil de entender o que é produtividade se não se aceitar o conceito de quociente. Quociente entre a medida de uma produção e a medida de um fator de produção. Infinita se se anular o fator de produção, como a anedota do cavalo do inglês. Aumenta-se a produtividade se se reduzir o fator de produção mais do que a produção. É a preferencia dos senhores economistas. Sofrerão de um complexo de Edipo perante a produção. Preferem cortar. Pode sair o tiro da culatra por efeito de multiplicação, Como dizia Christine Lagarde, por cada euro cortado de austeridade a economia pode baixar 2 euros. Mais vale aumentar a produtividade aumentando mais a produção do que o fator de produção.
Por outro lado, há um fator específico. Mais vale não nos preocuparmos muito em querer imitar a produtividade maior dos outros. Isso só se consegue com um plano a médio  ou longo prazo. Os senhores economistas que querem mandar em quem trabalha deviam ponderar o que dizia o empresário de componente para máquinas de café. Tinha montado uma fábrica na Alemanah com 90 funcionários. Quando regressou a Portugal montou uma fábrica com a mesma produção mas 120 funcionários. Se tivese insistido em 90 funcionários teria liquidado a fábrica. Mudar bruscamente, sem um plano de transição e sem considerar as condições reais, é umas das maneiras de destruir uma empresa (ou um país), conforme explica o livro "Como destruir uma empresa em 12 meses... ou antes).
Eis porque é pouco prudente tentar aplicar receitas teóricas como as da troika.
Um bom exemplo de aumento da produtividade numa atividade rentável bem documentada na nossa história trágico-marítima é o da querena italiana. As naus da carreira da Índia necessitavam de calafetagem periódica. Pô-las a seco demorava muito tempo. Adotou-se o método genovês de esvaziar a nau, deitá-la na água puxando o topo dos mastros e calafetando meia nau ao longo da quilha (querena). Poupava-se tempo e recursos humanos e materiais, Aumentava-se portanto a produtividade. Só que as mais das vezes o trabalho era feito de forma apressada, as tábuas não secavam bem e daí a uns meses, sujeitas à sobrecarga das mercadorias para além do razoável  e às tempestades do Índico, o casco abria e a nau naufragava.
Outra tragédia associada ao aumento da produtividade é a gestão hospitalar das operações. O tempo necessário para a desinfeção antes e depois das operações pode ser superior à duração da própria operação, limitando o número de operações possíveis de realizar. Recentemente isso foi demonstrado com o surto de legionela. Uma das medidas para evitar a doença é a desinfeção dos doentes antes e depois das operações. O que piora o indicador de produtividade tão caro aos senhores econonistas que nunca operaram um doente. Como explicar-lhes que a declaração dos direitos humanos deve prevalecer sobre o formalismo matemático do cálculo de um indicador e sobre o critério da definição do valor e do montante monetário?

Competitividade - A história trágico-marítima, desta vez inglesa, dá outro exemplo para a competitividade. O Titanic deveria estar parado na noite do acidente, em consequenciado aviso de icebergs. Como o Carpatia, que o socorreu. Porém, a administração da empresa deu instruções ao comandante para avançar de modo a bater o recorde de ligação a Nova Iorque, e assim poder propagandear a maior competitividade da empresa. O exemplo da Rover, fabricante inglês de excelencia de automóveis, introduziu melhoramentos na gestão da fábrica que lhes permitiu baixar o preço e aumentar as vendas: concursos para fornecimento externo de peças, controle de qualidade partilhado com os clientes, bloco de alumínio em 3 fatias aparafusadas sem pernos, válvulas hidráulicas, otimização da injeção e da forma da câmara de combustão (o que lhe permitiu ser o primeiro fabricante a conseguir um motor de 1400 cm3 com mais de 100 cavalos, muito antes da Volkswagen o conseguir). Sabe-se o que aconteceu como reação a este notável aumento de competitividade. A BMW comprou a Rover num processo deselegante para o outro interessado, a Honda, absorveu o seu "know how" , desinvestiu na engenharia própria da Rover e depois, quando já não era competitiva, vendeu-a a um fabricante chinês que não tem negócios na Europa. Dir-se-ia que é como na selva,  quando um animal  mais fraco dá nas vistas, arrisca-se a ser comido pelo predador.








quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Gárgulas da Torre do Tombo

o guarda das ondas hertzianas

o bem e o mal


As gárgulas da Torre do Tombo, do escultor José Aurélio, para além de escoarem a água das coberturas, são símbolos.

Para mais informação, ver
 

e



terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Edifício triste



Parece agora triste e cinzento, abandonado, à venda, como o prédio do lado, cada vez mais distantes do brilho, um e outro, da  alta burguesia, um, e da discricionaridade executiva dos hierarcas do metropolitano de Lisboa, o outro. 
Não serei eu a atirar nenhuma pedra por esta venda, que já não concordei com a compra do prédio, quando a empresa disfrutava do rating de não sei quantos AA. Mas estas coisas são subjetivas, embora quantificáveis e integráveis nas vicissitudes e flutuações do mercado de arrendamento.



                                   O edificio visto atrás das grades do palácio Galveias

Afinal não é preciso ir a correr mudar de fornecedor de eletricidade

Há uns meses, fui abordado em casa por um senhor ao serviço de uma empresa fornecedora de eletricidade.
Como um propagandista religioso, anunciou-me o apocalipse do fim das tarifas reguladas (que nome, senhores, tarifas reguladas, para designar as tarifas de quem não quer ser incomodado com burocracias de mudanças de fornecedor). Que seria o caos quando todos quisessem mudar.
Contestei que as empresas e o governo deviam pensar por que tantos consumidores se mantinham nas tarifas reguladas (cerca de 50%, 2,5 milhões).
A resposta do senhor foi ofensiva, perto de chamar estúpidos a quem não queria pagar menos, com a liberalização e os descontos que os novos fornecedores ofereciam.
Pacientemente expliquei ao senhor que estávamos perante um caso semelhante ao da anedota do escuteiro que queria ajudar a velhinha a atravessar a avenida; só que a velhinha não queria atravessar a avenida.
As vantagens da liberalização e da concorrência existem nos manuais dos economistas (supostamente para estimular a economia, embora se possa perguntar: então porque não se estimula?) sem as contrariedades que a cruel realidade lhes opõe. Os decisores burocratas da Europa impõem a liberalização para que haja muitas empresas com lugares de direção em quantidade suficiente para albergar quem os suporte, aos decisores europeus. Qualquer mudança num sistema de abastecimento público deveria ter sido objeto de uma análise de riscos com a previsão de todas as vantagens e inconvenientes, de todos os custos e benefícios. Por exemplo, os riscos de apagões por descoordenação entre salas de despacho (gestão das redes nacionais), os riscos de incumprimento das normas de segurança por facilitação de pequenas empresas ou funcionários sem formação adequada, os riscos de abaixamento da qualidade dos serviços de fornecimento de eletricidade e de manutenção das infraestruturas graças a politicas de economia de custos com cortes em recursos materiais e humanos, os riscos de ineficácia da regulação devido a inexperiencia dos reguladores ou ao poder financeiro do fornecedor.
Sem a discussão efetivamente pública (não com prazos formais ineficazes) com a participação real dos consumidores não será aceitável a tal "liberalização".
Confesso que é possível que pense assim por me recordar das aulas de Aplicações de Eletricidade I e II, do professor Domingos Moura, em que nos deixávamos prender pelos mistérios da eletricidade e das suas utilizações para o bem comum. E porque os grupinhos de economistas que ocuparam os postos decisores da burocracia europeia e nacional , muito crentes como apóstolos em leis universais que podem ser aplicadas a qualquer dominio, ignoram na realidade como funcionam as redes elétricas e os equipamentos que elas alimentam.
E sabe-se o que acontece quando a ignorância preside às decisões.
Como desenhou Goya, o sono da razão gera monstros.
Por isso tudo, concordo com a decisão do senhor economista secretário de Estado da Energia, Artur Trindade: "Já não há uma data de fim da tarifa transitória regulada... não vai haver nenhum corte (era o que mais faltava, comento eu) se ainda não tiverem mudado. Podem fazê-lo sem pressas".
Mas, como eu disse ao senhor agente que me incomodou com a sua propaganda,que me candidatava a ser o último a mudar, o novo regulamento (que de forma civilizada termina com essa ideia peregrina das "fidelizações") prevê que só haverá prazo de mudança quando houver apenas 1000 clientes das tarifas reguladas com contratos de 6,9 kVA (30 A em monofásica ou 3x10A em trifásica).
O que a religião da liberalização leva as pessoas sérias a fazer...



Berlim, dezembro de 2014

Este blogue não resiste a deixar registado o fim do mandato do burgomestre de Berlim, ou presidente de câmara, Klaus Wowereit.
A dívida da cidade, depois de 13 anos do mandato, é de 60 mil milhões de euros. Existe ainda um plano de 500 mil milhões para recuperação de palácios prussianos (penso que na avenida Unter der Linen, um repositório de obras primas de arquitetura do classicismo do século XVIII). A isto se junta o descalabro da execução da obra do novo aeroporto, para substituição do Tempelhof,  de que o senhor ex-presidente foi supervisor (ou regulador, como os senhores economistas gostam de dizer). Não só se verificou uma ultrapassagem excessiva do orçamento inicial, como a data de inauguração saltou de 2012 para 2017.
Isto é, os nossos concidadãos alemães da capital alemã viveram claramente acima das suas possibilidades, têm dificuldade em conservar o seu património e são incapazes de executar um plaenamento de um investimento público de acordo com o seu cronograma financeiro e de execução de obra.
Mas viveram alegremente em crescendo turístico para compensar o fim dos subsídios às empresas da antiga Berlim ocidental, por ter caído o muro de Berlim.
Não é para nos regozijarmos, é apenas para a comunicação social não vir com a conversa do costume que os países do sul são uns desorganizados.
Isto também para não falar muito do acidente nas obras do metro de Colónia, há uns anos, em que abateu o edificio do arquivo municipal, perdendo-se documentos do século X.
Mais valia que em cada setor de atividade os concidadãos alemães se sentassem com os outros colegas e todos colaborassem sem complexos de superioridade ou inferioridade na resolução dos problemas comuns.
Que a mim me parece, neste momento, que são a união fiscal e bancária que se impõe, com emissão de moeda para combater a deflação e apoiar o investimento nos paises com défice comercial.
Salvo melhor opinião, claro.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Os acidentes com os apanhadores de ameijoas

Lamento as mortes dos apanhadores de ameijoas e solidarizo-me com os seus familiares. Gostaria de não ser mal interpretado no que escrevo a seguir, com base nos princípios da análise de riscos e também por, embora esporadicamente e numa embarcação de vela, frequentar o rio Tejo.
Não são os primeiros acidentes no rio. A Marinha tem sempre cumprido a sua função educativa e de alerta contra os perigos.
Mas seria bom que a comunicação social desse mais importância às medidas preventivas de segurança que poderão reduzir as probabilidades de ocorrência deste tipo de acidentes, do que a outros pormenores.
Para isso seria desejável que a tutela da Marinha e as instituições oficiais de proteção civil atuassem com vontade executando ações de formação.
Quem passa na ponte Vasco da Gama à hora da maré baixa vê muita gente a apanhar ameijoa. O facto das vítimas serem pescadores ludicos não é relevante para o que escrevo, uma vez que muitos dos que ganham a vida nesta apanha serão emigrantes ou desempregados sem formação marítima (vendem por 3,80 euros o kilo a intermediários que vendem as ameijoas em Espanha a pouco menos de 7 euros o kilo).
Daí a necessidade de ações de formação pela Marinha.
As marés junto da lua nova e do solstício de inverno têm maior amplitude. A maré baixa do dia dos acidentes, sábado 20, às 7:30, foi 50 cm mais baixa do que a do sábado anterior, e a maré cheia 40 cm mais alta. Acresce que em consequência das chuvas ou vento poderá ter havido agravamento das condições  nas zonas de baixios durante a enchente.
Sobrevindo nevoeiro (há anos esteve iminente um acidente com um veleiro na albufeira do Alqueva, em dia de nevoeiro), sem referencias de iluminação ou sinais sonoros em terra, sem vestuário isotérmico, sem coletes de flutuação, sem bússola, sem telemóvel ou rádio para apoio em terra, a probabilidade de desorientação e de inanição por hipotermia é muito grande. O tipo de roupa e calçado é importante, o uso de botas com cano alto soldado às calças com alças é extremamente perigoso porque se a pessoa é derrubada pela corrente e a água ocupa as calças pode afogar-se mesmo em pouca profundidade de água (aconteceu há anos no estuário do Mondego). Conviria que  a investigação deste acidente esclarecesse se o tipo de roupa usado contribuiu para ele.
Existem ainda meios empíricos de orientação em situação de nevoeiro, mas exigem experiência, como a cor das águas, a presença em suspensão de sedimentos ou resíduos vegetais ou animais, o voo de gaivotas, a deslocação de manchas à superfície que indiciem a orientação das correntes e por conseguinte a orientação da frente de água.
Mas insisto, tudo isto exige ações de formação através de recursos para que a Marinha o possa fazer e, naturalmente, apoios aos apanhadores para vestuário isotérmico, coletes de flutuação, bússolas e material de comunicações.


domingo, 21 de dezembro de 2014

Desprezo e ignorancia

http://visao.sapo.pt/jordi-savall-renuncia-ao-premio-nacional-de-musica-de-espanha-num-protesto-ao-governo=f799992
A noticia já foi dada há cerca de 2 meses, mas só recentemente, através da Antena 2, tive conhecimento.
Jordi Savall, musico catalão especialista em musica antiga, recusou o prémio musical de Espanha como manifestação da indignação dos artistas pela ignorancia e desprezo dos governos pelo património musical.
Ao menos neste campo, pode dizer-se de Espanha, lá como cá.
Recordo o ar contrafeito com que os ministros do atual governo compareceram num concerto para assinalar uma das poucas iniciativas culturais, ligada ao maestro Vitorino de Almeida.
E a ofensiva ausencia sistemática do presidente da Republica nos concertos e óperas nos teatros nacionais.
Desprezo pela Cultura e ignorancia, como diz Jordi Savall.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Cirandando pela rua Ivens no dia 3 de dezembro, dia internacional das pessoas com deficiência, meditando na mobilidade reduzida e daí formulando uma sugestão ao metropolitano

Cirandando mais uma vez pela rua Ivens, no dia 3 de dezembro, dia internacional das pessoas com deficiencia, de novo me atardei a olhar para o edificio do número 34, fronteiro aos restos de uma dependência da secretaria de Estado da cultura, que lá deixou, decrépita como a sua alma, sua da secretaria de Estado, uma tabuleta identificadora.
antiga secretaria de Estado da Cultura

placa abandonada, metáfora do abandono da Cultura 

E também fronteiro ao palácio negreiro que agora abriga o refinado Grémio Literário.
O edifício do número 34 é ainda propriedade, ao que julgo, que o secretismo é a tragédia do negócio, permito-me assim contestar o aforismo do segredo do negócio, do metropolitano de Lisboa.
Nos idos dos anos 90, quando o rating da empresa era de vários AA, incluiu-se no projeto da estação Baixa Chiado uma ligação por elevadores da rua Ivens para o mezanino da estação, precisamente no interior do edificio do número 34.
Assim se cumpriria a diretiva europeia que obriga, melhor dizendo, obrigaria,  os edifícios públicos a estarem adaptados a pessoas com mobilidade reduzida.
Porém, as atribulações e a complexidade da construção da estação e da linha fatigaram os decisores do metro, não por serem eles a resolver os problemas, mas porque sofriam a pressão dos prazos que os senhores ministros queriam ver cumpridos para poderem vangloriar-se junto dos eleitores, e ainda a pressão dos sobrecustos sucessivos.
Por isso, já no fim da obra, como que naufragando a ideia à vista da praia, e porque o arquiteto contratado sem concurso publico (porque o brilho do seu nome era para quem o convidava, isto é, os representantes na administração da empresa do partido ganhador das eleições, incompatível com o concurso) apresentou uma solução de um milhão de contos, dir-se-á agora de cinco milhões de euros, foi decidido economizar e não se fizeram os elevadores no prédio do número 34.

Soluções alternativas mais económicas foram-se estudando, que sempre foi havendo no metropolitano técnicos capazes de as estudar e sempre foram mantidos contactos com o INR e associações como a ACAPO e a APD. Desde instalar o elevador na rua da Vitória, ou ocupando o espaço do restaurante Vitaminas, ou da antiga agência da casa da sorte na rua Garrett, ou até junto do largo do S.Carlos.
possiveis localizações dos elevadores (a azul os corredores ao nível do mezanino):
A - antiga casa da sorte na rua Garrett, com a vantagem de dispensar canais de controle por aceder a zona não paga
     B - esplanada de restaurante na rua Capelo, frente ao antigo Governo Civil                                                                      
C - largo de São Carlos                                                                                                                                                      
D - restaurante Vitaminas                                                                                                                                                    
E - rua da Vitória, junto à igreja                                                                                                                                          
F - escadarias de São Francisco                                                                                                                                          
G - localização originalmente prevista no nº34 da Rua Ivens                                                                                              


A - antiga agência da casa da sorte

 
 




B - esplanada na rua Capelo




C - largo de São Carlos








D - restaurante Vitaminas e zona de ligação ao mezanino, ao fundo das escadas




E - rua da Vitória


F - escadinhas de São Francisco



G - localização originalmente prevista na rua Ivens 34 e zona de ligação ao mezanino



Mas os sucessivos decisores, isto é, como se disse atrás, os representantes na administração da empresa do partido ganhador das eleições, foram-se opondo, sempre com a desculpa da falta de dinheiro, não obstante a existencia da diretiva europeia sobre as acessibilidades dos edificios de utilização publica, não obstante a existencia de fundos comunitários suscetíveis de aplicação neste campo. Aliás, a intenção dos próprios governantes é transigir no recurso a esses fundos, mas nunca para aplicação em infraestruturas. Dizem eles que lhes interessa mais a inovação e a competitividade sob novas formas de apoio às pessoas com deficiencia através da prestação de cuidados. São pontos de vista...
Ainda se conseguiu instalar, nas escadas do lado da rua do Crucifixo, uma plataforma elevatória. Não seria a solução ideal porque a sua utilização requereria o apoio de um agente da estação e,portanto, não garantiria a autonomia que se deseja à pessoa com mobilidade reduzida. Mas nem isso funcionou, ao que consta  por dificuldades de software detetados na altura dos ensaios de colocação em serviço...




Agora, que tão contentes andam os senhores governantes e os economistas que os sustentam com as estatísticas do turismo e do fluxo de entrada de dinheiros com os vistos gold por compra de imobiliário, ocorre-me à passagem pelo número 34 da rua Ivens esta sugestão ao metropolitano: que a venda do prédio seja feita a um preço mais favorável, mas com a condição imperativa da construção pelo comprador de 2 elevadores para ligação ao mezanino da estação. Por informação do segurança que costuma estar na porta do número 32, um antigo restaurante chinês, todo o prédio, até à esquina da rua Capelo, pertence ao banco de Portugal. Também podia ser um potencial interessado...o conjunto daria um grande hostel para turistas, ou gabinetes de start ups...
Seria mais uma parceria, uma espécie de negócio win-win.
Mas tenho pouca esperança, com a fama das parcerias...

PS em 24 de dezembro de 2014 - a referência ao palácio negreiro da rua Ivens onde se encontra o Grémio Literário fundamenta-se no livro Escravos e traficantes no império português, de Arlindo Manuel Caldeira, ed. esfera dos livros. O palacete foi mandado construir por Angelo Francisco Carneiro, primeiro visconde de Loures, cujo título foi outorgado por D.Maria II, e que ganhara fortuna no tráfico de escravos de Angola para o Brasil. Este complemento fica para mais uma vez se verificar a promiscuidade entre o poder político, que concede títulos, e o financeiro, em ações de branqueamento de dinheiro subsidiando partidos políticos.

PS em abril de 2017 - o prédio da rua Ivens já foi vendido pelo metropolitano. A plataforma elevatória foi inaugurada, ignorando a sua taxa de utilização. Está em construção um prédio na rua do Crucifixo, mesmo ao lado das escadinhas de S.Francisco sem considerar a ligação á estação para cadeiras de rodas, perdendo-se assim mais uma oportunidade e dando muito jeito a que continue a utilizar-se o argumento "não há dinheiro" 

Dia internacional dos direitos humanos

10 de dezembro , dia internacional dos direitos humanos.
Dia em que morreu um ministro palestiniano em consequencia da atuação da policia israelita, durante uma manifestação contra a ocupação de território palestiniano segundo a resolução da ONU que definiu 2 estados, um israelita e outro palestiniano.
Recordo o número 1 do artigo 23 da declaração universal dos direitos humanos:

"Todas as pessoas têm direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego";

e o número 1 do artigo 24:

"Todas as pessoas têm direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle"

É assim evidente o desrespeito pelos direitos humanos de governos como o de Israel e os da União Europeia.
Um porque não reconhece o direito do estado palestiniano, os outros porque a pretexto da concorrência não controlada, das regras cegas dos defices públicos orçamentais, da incapacidade de reconhecer que o valor e o preço das coisas deviam ser definidos pelas necessidades das pessoas e não pelos mercados férteis em falhas, deixam por cumprir os direitos sociais.

Fica assim o registo do dia internacional neste ano de 2014.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A rota da seda e a cegueira do governo português

O colega Mario Ribeiro teve a amabilidade de me enviar esta ligação do Washington Post


http://www.washingtonpost.com/blogs/worldviews/wp/2014/11/21/map-the-worlds-longest-train-journey-now-begins-in-china/

Trata-se da inauguração da maior ligação ferroviária de mercadorias do mundo, entre Yiwu no leste da China, e Madrid.
Trata-se da nova rota da seda, e já se estudam alternativas.
A cegueira do atual governo, ao inviabilizar a ligação da plataforma logística do Poceirão ao Caia (com ligação a Lisboa e a Sines), impede assim que estivessemos a comemorar a ligação entre Yiwu e Lisboa.
Isto é, Portugal já é uma ilha ferroviária ao largo da Europa, e assim vai continuar porque até fevereiro de 2015 não vão ser apresentados programas base credíveis para projetos de infraestruturas ferroviárias que caibam no programa de 21 mil milhões de euros dos fundos comunitários 2014-2020.
Nem para investimento em redes de produção de energia por concentradores solares e sais térmicos, nem por  outras energias renováveis (aproveitamentos hídricos com bombagem, fotovoltaicas) a exportar por linha de muito alta tensão contínua para a Europa (eu sei que o nuclear francês não gosta, mas estas coisas não devem ser por gostos) com reforço das interligações com Espanha, e também utilização do excedente produzido em produção distribuida de hidrogénio para abastecimento de frotas de veículos de mercadorias e de serviço elétricos com pilha de combustível, nem para o aproveitamento dessa rede de produção de hidrogénio para aquecimento doméstico (já se fabricam pilhas de combustível sem platina), nem para investir em aquacultura para reduzir a importação de peixe, nem uito menos adaptar as estruturas públicas `s pessoas com mobilidade reduzida.
E assim, sem investimento reprodutivo, e sob a tirania ignorante do mantra do que o que é bom é desviar os fundos comunitários para a "competitividade das pequenas e médias empresas" com a comunicação social a ecoar, esquece-se o alerta do economista Jacinto Nunes logo a seguir á chegada da troika: isto só tem uma saída, que é o investimento.
Mas andam muito sorridentes, os senhores politicos que nos governam.
Pelo menos quando aparecem na televisão mostram-se sorridentes...

PS em 17 de dezembro - a viagem Yiwu-Madrid é de cerca de 13.000 km, demora 3 semanas, movimenta 1400 toneladas de mercadorias em 30 contentores que são transferidos 3 vezes por causa das diferenças de bitola, a locomotiva é mudada todos os 800 km, os opsradores são a Inter  Rail Services, a DB Schenker e a Transfesa, emissões de CO2 : 44 toneladas (a mesma carga por camião emitiria 144 toneladas); bens importados : brinquedos e materiais de escritório; bens exportados: vinho, azeite e enchidos. Existem ligações regulares entre Hamburgo e Yiwu.

domingo, 30 de novembro de 2014

Dívidas

Para registo e manifestação de protesto por não ver debatido publicamente pelos senhores comentadores economistas, em termos comparativos, as seguintes dívidas e as suas razões de existencia:
- divida do metropolitano de Lisboa: 4.000 milhões de euros (sabe-se que inclui o financiamento da construção dos túneis e estações)
- divida da PT: 7.500 milhões de euros
- dívida da EDP : 17.500 milhões de euros
- dívida da E.ON, energética alemã: 32.000 milhões de euros
- dívida pública portuguesa: 130% do PIB (ca 220.000 milhões de euros)
- dívida privada das empresas não financeiras (60%) e dos particulares (40%) portugueses : 250% do PIB (ca 420.000 milhões de euros)

Dir-se-ia que os senhores comentadores omitem a gravidade de umas para se concentrarem nas dividas pública e do metropolitano.
Dir-se-ia que só uma visão integrada poderá fazer o diagnóstico, como aliás proposto pela iniciativa cidadã para a auditoria da dívida, sendo certo que só com um bom diagnóstico se poderá fazer a cura, que naturalmente passa pelo apoio externo ao investimento e ao crescimento (fundos comunitários, harmonização fiscal e financeira, aplicação de excedentes, apoio técnico em programas de reindustrialização nomeadamente na produção agro-alimentar).
Dir-se-ia que os senhores economistas deveriam explicar porque a E-ON, uma empresa privada alemã, que tem a procura garantida e que oferece um bem essencial (vende tudo o que produz), tem aquela dívida. Calculo que darão como justificação os elevados investimentos necessários. Mas essa é também a justificação da dívida do metropolitano de Lisboa. Em vez disso, provavelmente a definição do valor e do preço das coisas deveria ser outra. Mas evidentemente que os economistas que nos dirigem ou os que os apoiam não concordam comigo.


sábado, 29 de novembro de 2014

Algo vai bem no reino da Dinamarca

Por oposição ao nosso reino, algo vai bem no reino da Dinamarca.
Conviria aprender alguma coisa com os paises escandinavos, ler Karen Blixen, por exemplo (Out of Africa, La fete de Babette...), analisar os métodos participativos dos cidadãos e cidadãs islandeses na reação à crise, o respeito pelo Estado social de qualquer partido de direita ou de esquerda no poder em qualquer dos paises escandinavos, o igualitarismo no sistema de educação finlandês...
Se falo na Dinamarca foi porque encontrei o meu amigo Silva Nunes a contemplar um gatinho na montra de uma loja de animais. Por mais do que uma vez ele me devolveu processos de concurso.Alguma coisa não cumpria os requisitos jurídicos ou técnico-económicos do procedimento do concurso e a sua preocupação com o rigor não perdoava. Um chato, como se poderia dizer, no melhor sentido, claro. Mas desta vez tinha outras preocupações, talvez comprar o gatinho para lhe fazer companhia, agora que o filho foi trabalhar para um hospital na Dinamarca.
E eu não me lembraria de contar este pequeno encontro se à noite, para assistirmos à ópera de Gluck, Paris e Helena, estreada em Portugal no centro cultural de Belem após quase 300 anos depois de escrita, um verdadeiro sucesso de interpretação dos músicos e cantores portugueses (principalmente cantoras), não me sentasse ao lado de uma colega de curso da minha mulher. Que nos contou que o filho tinha sido contratado por uma universidade na Dinamarca.
Bom, não vou prolongar a história, porque tenho de mandar uns emails para a minha filha que trabalha em Macau e para a minha sobrinha que trabalha em Luanda.
Pobre Relvas, que achava isto muito bom, esquecendo que se a percentagem de jovens a trabalhar no estrangeiro ultrapassar o limite que foi ultrapassado, isso significa que se está a violar aquele artigo da declaração universal dos direitos humanos, que diz que ninguem deve ser obrigado a ir para onde não quer.

Angola, Angola


No fim deste comentário, transcrevo uma notícia recente sobre a intenção do governo angolano de expandir a rede ferroviária nacional.
Compreende-se, considerando o peso na economia do transporte de mercadorias, a mobilidade das pessoas e a maior eficiência energética do transporte ferroviário relativamente aos outros modos.
Penso que a expansão da rede ferroviária angolana poderá ter a cooperação portuguesa, não apenas das empresas de construção civil, mas também ao nível da engenharia de planeamento, projeto e fiscalização, beneficiando do “saber como” ainda existente em empresas públicas como  REFER, CP, Ferbritas, Ferconsult e Metro de Lisboa.
Esta atividade, sendo de venda de serviços e sujeita à concorrência internacional, pode assim classificar-se como transacionável, aumentando as exportações e portanto o PIB.
Junto ainda uma ligação para alguns textos deste blogue sobre as hipóteses de colaboração no desenvolvimento do metro de Luanda.
Admitindo 4 milhões de pessoas na área metropolitana, teremos cerca de 7 milhões de deslocações diárias. Se 15% forme asseguradas pelo novo metro, será cerca de um milhão de viagens por dia ou 50.000 passageiros por hora de ponta. Considerando duas linhas e um fator de sobrecarga de 30% para concentração da afluência de passageiros, teríamos o dimensionamento da cada linha para uma capacidade horária por sentido de 32.000 passageiros, exigindo 30 comboios por hora, sentido e linha, de 8 carruagens de 130 passageiros.
Como já afirmado neste blogue, vozes de burro não chegam ao céu, pelo que naturalmente as sugestões que deixo não chegarão nem ao governo nem às altas direções das empresas referidas.
Mas fica o registo.





Em causa está um programa de longo prazo para expansão da rede, anunciado pelo diretor geral do Instituto Nacional dos Caminhos de Ferro de Angola (INCFA), Júlio Bango Joaquim, que se segue à reabilitação das três linhas existentes - Luanda, Benguela e Moçâmedes -, concretizada nos últimos anos.
"Desta forma, teremos o país totalmente atravessado por rede ferroviária, o que vai permitir que todas a capitais de província sejam abrangidas", disse o responsável.
Citado hoje pela rádio pública angolana, sublinhou tratar-se de um projeto com uma estimativa de investimento "à volta" de 50 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros), a desenvolver "no longo prazo".
Júlio Bango Joaquim referiu que contempla ainda as ligações às redes ferroviárias da República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia.
O objetivo, além de alargar o transporte de passageiros até ao interior do país, interligando as linhas que hoje partem das cidades de Luanda, Lobito e Namibe - reabilitadas e prolongadas após o fim da guerra civil, em 2012 -, passa por articular, no transporte de mercadorias, as redes ferroviárias e rodoviárias, os portos e as plataformas logísticas junto às fronteiras com os países vizinhos.
No âmbito desta estratégia, segundo o diretor do INCFA, está já concluído o estudo de viabilidade para alargar a rede ferroviária no norte, envolvendo as províncias do Uíge, Zaire e Cabinda.
PVJ // DM


http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=luanda

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Os metropolitanos na literatura - "Underground", de Haruki Murakami

Fiz uma pequena recensão com as referências a metropolitanos na literatura ou no cinema.
Citei crónicas de Lobo Antunes, histórias do metro de Madrid, referências de Julio Cortazar, o filme Zazie dans le metro,  o sequestro do metro Pelham 1,2,3 de Nova York .
Mas uma amiga desfez o meu pretensiosismo indicando-me o livro de Haruki Murakami que eu ignorava, "Underground, o atentado de Toquio e a mentalidade japonesa" (edição Tinta da China).

Murakami é um romancista muito apreciado. Tem uma grande sensibilidade e atenção à humanidade das suas personagens.
Por isso mesmo decidiu entrevistar vítimas do atentado de 1995 com gás sarin no metropolitano de Toquio, executado por uma seita religiosa apocalítica, para tentar perceber as reações das pessoas. Estendeu depois as entrevistas a alguns dos executantes do atentado, e chegou a conclusões que me parecem as mais lúcidas sobre o fenómeno da marginalização, do auto-convencimento, do poder das religiões, das utopias e dos fundamentalismos como comportamento desviante, ou como dizem os jornalistas, do terrorismo.

Não me parece que a mentalidade japonesa seja assim tão diferente da europeia ou da portuguesa. O código genético é o mesmo. Houve pessoas disciplinadas que não reagiram aos primeiros sinais, houve outras que o fizeram, umas que ajudaram espontaneamente e outras não. Houve hospitais preparados que rapidamente aplicaram o antídoto, a atropina, e outros não, que demoraram a compreender que as pessoas se queixavam dos olhos porque é o sintoma mais evidente, a contração das pupilas, do gás sarin.
Dois funcionários do metro morreram porque pegaram nos recipientes do gás, quando as autoridades já deveriam ter divulgado os cuidados a ter com o gás sarin, que tinha sido usado há poucos meses noutro atentado num bairro, e porque foi tardia a chegada das ambulancias. Noutras estações as ambulancias chegaram rapidamente.

Em Lisboa, tivemos pouco depois uma pequena réplica de imitação, apenas com feridos ligeiros, na estação Saldanha. Alguém tinha comprado num posto de combustíveis em Espanha um bastão defensivo de gás pimenta (derivado de sementes de piri-piri) que libertou no cais. Muitas pessoas tossiram, tiveram os olhos a chorar. Houve algumas entidades que rapidamente ajudaram a resolver, com o antídoto, óleo de amendoas doces. E houve quem não soubesse o que fazer. É normal, quando não se antevêem as coisas (que é a função dos orgãos de segurança e de análise de riscos).

Transcrevo do livro de Murakami parte do seu posfácio, que deveria ser leitura obrigatória dos jornalistas e comentadores que escrevem sobre o terrorismo, o "Estado Islâmico" e os jovens europeus que a ele aderem:

"... ... cada um dos membros de elite da secção de ciencia e tecnologia da seita religiosa Aum que cometeu o atentado tinha razões pessoais para renunciar ao mundo e aderir à seita. O que eles tinham em comum era um desejo de colocar a sua capacidade técnica e o seu conhecimento ao serviço de um objetivo relevante. Não podiam evitar ter sérias dúvidas sobre o engenho utilitarista e desumano do capitalismo e sobre o sistema social em que a sua própria razão de ser iria ser esmagada infrutiferamente.
Ikuo Hayashi, o ex-cirurgião que libertou o gas sarin na linha Chiyoda, causando a morte de dois trabalhadores do metropolitano, era uma pessoa deste tipo. Tinha a reputação de ser um magnífico cirurgião dedicado aos seus pacientes. Mas é provável que por isso mesmo tenha começado a não confiar no sistema médico atual, atingido que está por contradições e defeitos. Em resultado disso, foi atraido pelo ativo mundo espiritual que a Aum oferecia, com a sua visão de uma utopia perfeita e intensa, em que os cuidados médicos  e a educação seriam dispensados de uma forma ideal... ...
... ... Teria sido inutil tentar explicar ao doutor Hayashi a distancia entre a realidade e as palavras bonitas do seu sonho.  A realidade, e também a sua perceção, é criada através de confusão e contradição, e se se excluir estes elementos, já não se está a falar de realidade. Pode pensar-se que, seguindo uma linguagem e uma lógica aparentemente consistentes, é possível excluir este aspeto da realidade, mas ele estará sempre à nossa espera, pronto para se vingar.
O triste facto é que a linguagem e a lógica, separadas da realidade, têm um poder muito maior do que a linguagem e a lógica da realidade - com todo aquele material supérfluo que pesa como uma rocha sobre as ações que cometemos  ... ...
... ... Porque teve Hayash de acabar como acabou? Somos possuidos por uma sensação de impotencia sabendo que nada poderiamos ter feito para o parar. Sentimo-nos estranhamente tristes. O que nos faz sentir ainda mais vazios, é saber que os que deveriam ser mais críticos em relação à nossa sociedade utilitarista, são aqueles que usam a utilidade da lógica como arma e acabam por chamar multidões de pessoas (nota minha: a linguagem e lógica dos burocratas decisores europeus, dos primeiro ministros, dos ministros das finanças, dos economistas do FMI e do BCE, dos comentadores televisivos que representam os diferentes interesses dos grupos económicos e financeiros serão um exemplo típico de separação da linguagem e da lógica relativamente à realidade precisamente por causa da fé cega nas próprias convicções utilitaristas, isto é, de privilégio do lucro relativamente ao interesse social).
Mas, ao mesmo tempo, quem é que alguma vez pensaria, eu sou uma pessoa insignificante e sem importancia, e se acabar como uma peça de engrenagem no sistema da sociedade, gastando-me lentamente até morrer, bem, está bem.
Todos nós, em maior ou menor grau, queremos respostas para as razões por que estamos a viver neste mundo, e porque morremos e desaparecemos.
Não deveriamos criticar uma tentativa sincera para encontrar essas respostas.
Mas este é precisamente o ponto onde um erro fatal pode aparecer. As camadas da realidade começam a ser distorcidas, o lugar que nos foi prometido, descobrimos subitamente, transformou-se em algo diferente daquilo de que estavamos à procura.
Como Mark Strand escreveu no seu poema - As montanhas já não são montanhas, o sol já não é o sol.
Para que não surja um segundo e um terceiro Ikuo Hayashi, é imperioso que a nossa sociedade pare e considere, em todas as suas ramificações, as questões tão tragicamente trazidas à superficie pelo atentado de Tóquio.
A maioria das pessoas colocou este incidente para trás das costas - Está morto e enterrado - dizem - Foi um incidente gravissimo, mas com todos os culpados na prisão já está resolvido e não tem mais nada a ver connosco.
Contudo, precisamos de compreender que quase todas as pessoas que aderem a seitas não são anormais, não são deficientes, não são excentricas. São pessoas que vivem vidas vulgares (e talvez, vistas do exterior, as suas vidas sejam mais do que vulgares) e que vivem na nossa vizinhança. 
E na vossa.
Talvez eles pensem sobre as coisas um pouco seriamente demais. Talvez haja alguma dor que carreguem consigo.
Talvez não sejam lá muito bons a dar a conhecer aos outros os seus sentimentos e estejam um tanto ou quanto perturbados.
Talvez não consigam encontrar um meio adequado de se exprimir e hesitem entre sentimentos de orgulho e de desadaptação.
Essas pessoas podiam muito bem ser eu.
Podiam ser vocês.  

A separação das empresas

Transcrevo uma notícia lida no MSN:

Parlamento Europeu quer dividir a Google em duas empresas?


De acordo com uma notícia do Financial Times, o Parlamento Europeu pode estar a planear propor a separação do motor de pesquisa da Google dos restantes serviços. O Financial Times refere ainda que a proposta que está a ser preparada, que não menciona directamente o nome da empresa de Mountain View, tem em vista facilitar a concorrência nos vários segmentos de negócio que operam na Internet.

De salientar que só a Comissão Europeia é que detém o poder necessário para requisitar a separação dos negócios de uma empresa. De acordo com a mesma notícia, a proposta deve ir a votação dentro de poucos dias.

Via Ars Technica.

Comento:

Posso estar enganado, mas penso que esta é mais uma manifestação da doença fundamentalista que afeta gravemente os decisores burocratas da UE e que os levou a separar as empresas de produção das empresas de distribuição de eletricidade, as empresas de exploração das empresas de infraestruturas de transportes, sempre com o pretexto de estarem a defender a concorrencia (por onde anda agora o património em infraestruturas dos CTT de 1975?). 
No fundo, através do desmembramento das empresas e de permitirem a sobre-exploração em termos de numero de empresas, garantem "emprego" aos seus apoiantes e mais lugares nos conselhos de administração e alta direção. 
Podiam aprender com os seus colegas do USA, com leis anti-trust que não impedem grandes empresas mas que as podem controlar. 
E também me parece que a experiencia desses senhores na vida real das empresas, trabalhando diretamente nas frentes de trabalho, foi muito pequena, coisa que não poderei dizer de mim próprio sem faltar à verdade.
Se o Parlamento europeu quer mesmo , tem um instrumento muito simples ao seu dispor de natureza essencialmente democrática: pergunte por referendo aos cidadãos e cidadãs interessados nestes assuntos se concordam. 
Porque o voto dos eleitores não é um cheque em branco nem as eleições conferem o poder divino que Bossuet atribuia ao rei absoluto. 
Quanto mais não seja, o referendo serviria, caso a maioria concordasse, para eu já não poder incomodar com esta crítica.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Os metropolitanos na literatura - Rio de Janeiro

Um metropolitano é um  local de encontro de pessoas.
Por momentos há uma proximidade de histórias reais de gente diversa.
Também poderemos dizer o mesmo dos elevadores, por exemplo, mas nos metros há um talvez mais forte sentimento de partilha entre os que ocupam momentaneamente o espaço e uma maior facilidade em meditar na vida, em ter "um minuto de sossego".
Do outro lado do Atlântico chega uma crónica de Hugo Gonçalves, de que transcrevo do DN uma parte, mostrando que os metropolitanos têm vida, e que por isso também vivem na literatura, no caso da crónica, a observação da associação entre o metro e os telemóveis.


Retrato de rapariga

Está sentada ao meu lado, bonita, jovem, um piercing no nariz.
Passam as estações de metro e ela não tira os olhos do reflexo do seu rosto no telemóvel - não se trata de um espelho, mas da câmara que serve para ensaiar a sua beleza.
O comboio lasca a escuridão das entranhas do Rio, e ela prossegue, agora fazendo dezenas de selfies - beicinho e olhos de eyeliner. No resto do vagão, mais pessoas olham para os seus insetos eletrónicos, mantendo contacto com o mundo exterior, teclando para prosseguirem sempre presentes, para existirem continuamente diante de uma audiência que não vêem.
Ninguém quer estar sozinho, o cérebro liberto, um minuto de sossego. A promoção permanente do eu tornou-se compulsiva. Tudo o que fazemos, pensamos ou fotografamos é suscetível de nos engrandecer se ampliado no éter do ciberespaço - uma patética ilusão de eternidade e de autoimportancia. Esse egocentrismo e essa alienação impedem, por exemplo, o entendimento do que deveria ser tão óbvio: usar o telefone enquanto conduzimos implica o risco da própria morte ou de matar alguém. No entanto, nem a possibilidade de morrermos impede a burrice de teclar ao volante...
... ... "precisamos da habilidade de estar sozinhos, apenas estar, sem fazer outra coisa ao mesmo tempo. Foi isso que os telemóveis nos roubaram, porque agora queremos saber o que se passa a todo o momento"... ... ... as benesses da tecnologia são uma dádiva, mas estão aqui para nos servir e não para nos escravizar... ...