domingo, 30 de novembro de 2014

Dívidas

Para registo e manifestação de protesto por não ver debatido publicamente pelos senhores comentadores economistas, em termos comparativos, as seguintes dívidas e as suas razões de existencia:
- divida do metropolitano de Lisboa: 4.000 milhões de euros (sabe-se que inclui o financiamento da construção dos túneis e estações)
- divida da PT: 7.500 milhões de euros
- dívida da EDP : 17.500 milhões de euros
- dívida da E.ON, energética alemã: 32.000 milhões de euros
- dívida pública portuguesa: 130% do PIB (ca 220.000 milhões de euros)
- dívida privada das empresas não financeiras (60%) e dos particulares (40%) portugueses : 250% do PIB (ca 420.000 milhões de euros)

Dir-se-ia que os senhores comentadores omitem a gravidade de umas para se concentrarem nas dividas pública e do metropolitano.
Dir-se-ia que só uma visão integrada poderá fazer o diagnóstico, como aliás proposto pela iniciativa cidadã para a auditoria da dívida, sendo certo que só com um bom diagnóstico se poderá fazer a cura, que naturalmente passa pelo apoio externo ao investimento e ao crescimento (fundos comunitários, harmonização fiscal e financeira, aplicação de excedentes, apoio técnico em programas de reindustrialização nomeadamente na produção agro-alimentar).
Dir-se-ia que os senhores economistas deveriam explicar porque a E-ON, uma empresa privada alemã, que tem a procura garantida e que oferece um bem essencial (vende tudo o que produz), tem aquela dívida. Calculo que darão como justificação os elevados investimentos necessários. Mas essa é também a justificação da dívida do metropolitano de Lisboa. Em vez disso, provavelmente a definição do valor e do preço das coisas deveria ser outra. Mas evidentemente que os economistas que nos dirigem ou os que os apoiam não concordam comigo.


sábado, 29 de novembro de 2014

Algo vai bem no reino da Dinamarca

Por oposição ao nosso reino, algo vai bem no reino da Dinamarca.
Conviria aprender alguma coisa com os paises escandinavos, ler Karen Blixen, por exemplo (Out of Africa, La fete de Babette...), analisar os métodos participativos dos cidadãos e cidadãs islandeses na reação à crise, o respeito pelo Estado social de qualquer partido de direita ou de esquerda no poder em qualquer dos paises escandinavos, o igualitarismo no sistema de educação finlandês...
Se falo na Dinamarca foi porque encontrei o meu amigo Silva Nunes a contemplar um gatinho na montra de uma loja de animais. Por mais do que uma vez ele me devolveu processos de concurso.Alguma coisa não cumpria os requisitos jurídicos ou técnico-económicos do procedimento do concurso e a sua preocupação com o rigor não perdoava. Um chato, como se poderia dizer, no melhor sentido, claro. Mas desta vez tinha outras preocupações, talvez comprar o gatinho para lhe fazer companhia, agora que o filho foi trabalhar para um hospital na Dinamarca.
E eu não me lembraria de contar este pequeno encontro se à noite, para assistirmos à ópera de Gluck, Paris e Helena, estreada em Portugal no centro cultural de Belem após quase 300 anos depois de escrita, um verdadeiro sucesso de interpretação dos músicos e cantores portugueses (principalmente cantoras), não me sentasse ao lado de uma colega de curso da minha mulher. Que nos contou que o filho tinha sido contratado por uma universidade na Dinamarca.
Bom, não vou prolongar a história, porque tenho de mandar uns emails para a minha filha que trabalha em Macau e para a minha sobrinha que trabalha em Luanda.
Pobre Relvas, que achava isto muito bom, esquecendo que se a percentagem de jovens a trabalhar no estrangeiro ultrapassar o limite que foi ultrapassado, isso significa que se está a violar aquele artigo da declaração universal dos direitos humanos, que diz que ninguem deve ser obrigado a ir para onde não quer.

Angola, Angola


No fim deste comentário, transcrevo uma notícia recente sobre a intenção do governo angolano de expandir a rede ferroviária nacional.
Compreende-se, considerando o peso na economia do transporte de mercadorias, a mobilidade das pessoas e a maior eficiência energética do transporte ferroviário relativamente aos outros modos.
Penso que a expansão da rede ferroviária angolana poderá ter a cooperação portuguesa, não apenas das empresas de construção civil, mas também ao nível da engenharia de planeamento, projeto e fiscalização, beneficiando do “saber como” ainda existente em empresas públicas como  REFER, CP, Ferbritas, Ferconsult e Metro de Lisboa.
Esta atividade, sendo de venda de serviços e sujeita à concorrência internacional, pode assim classificar-se como transacionável, aumentando as exportações e portanto o PIB.
Junto ainda uma ligação para alguns textos deste blogue sobre as hipóteses de colaboração no desenvolvimento do metro de Luanda.
Admitindo 4 milhões de pessoas na área metropolitana, teremos cerca de 7 milhões de deslocações diárias. Se 15% forme asseguradas pelo novo metro, será cerca de um milhão de viagens por dia ou 50.000 passageiros por hora de ponta. Considerando duas linhas e um fator de sobrecarga de 30% para concentração da afluência de passageiros, teríamos o dimensionamento da cada linha para uma capacidade horária por sentido de 32.000 passageiros, exigindo 30 comboios por hora, sentido e linha, de 8 carruagens de 130 passageiros.
Como já afirmado neste blogue, vozes de burro não chegam ao céu, pelo que naturalmente as sugestões que deixo não chegarão nem ao governo nem às altas direções das empresas referidas.
Mas fica o registo.





Em causa está um programa de longo prazo para expansão da rede, anunciado pelo diretor geral do Instituto Nacional dos Caminhos de Ferro de Angola (INCFA), Júlio Bango Joaquim, que se segue à reabilitação das três linhas existentes - Luanda, Benguela e Moçâmedes -, concretizada nos últimos anos.
"Desta forma, teremos o país totalmente atravessado por rede ferroviária, o que vai permitir que todas a capitais de província sejam abrangidas", disse o responsável.
Citado hoje pela rádio pública angolana, sublinhou tratar-se de um projeto com uma estimativa de investimento "à volta" de 50 mil milhões de dólares (cerca de 40 mil milhões de euros), a desenvolver "no longo prazo".
Júlio Bango Joaquim referiu que contempla ainda as ligações às redes ferroviárias da República Democrática do Congo, Zâmbia e Namíbia.
O objetivo, além de alargar o transporte de passageiros até ao interior do país, interligando as linhas que hoje partem das cidades de Luanda, Lobito e Namibe - reabilitadas e prolongadas após o fim da guerra civil, em 2012 -, passa por articular, no transporte de mercadorias, as redes ferroviárias e rodoviárias, os portos e as plataformas logísticas junto às fronteiras com os países vizinhos.
No âmbito desta estratégia, segundo o diretor do INCFA, está já concluído o estudo de viabilidade para alargar a rede ferroviária no norte, envolvendo as províncias do Uíge, Zaire e Cabinda.
PVJ // DM


http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=luanda

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Os metropolitanos na literatura - "Underground", de Haruki Murakami

Fiz uma pequena recensão com as referências a metropolitanos na literatura ou no cinema.
Citei crónicas de Lobo Antunes, histórias do metro de Madrid, referências de Julio Cortazar, o filme Zazie dans le metro,  o sequestro do metro Pelham 1,2,3 de Nova York .
Mas uma amiga desfez o meu pretensiosismo indicando-me o livro de Haruki Murakami que eu ignorava, "Underground, o atentado de Toquio e a mentalidade japonesa" (edição Tinta da China).

Murakami é um romancista muito apreciado. Tem uma grande sensibilidade e atenção à humanidade das suas personagens.
Por isso mesmo decidiu entrevistar vítimas do atentado de 1995 com gás sarin no metropolitano de Toquio, executado por uma seita religiosa apocalítica, para tentar perceber as reações das pessoas. Estendeu depois as entrevistas a alguns dos executantes do atentado, e chegou a conclusões que me parecem as mais lúcidas sobre o fenómeno da marginalização, do auto-convencimento, do poder das religiões, das utopias e dos fundamentalismos como comportamento desviante, ou como dizem os jornalistas, do terrorismo.

Não me parece que a mentalidade japonesa seja assim tão diferente da europeia ou da portuguesa. O código genético é o mesmo. Houve pessoas disciplinadas que não reagiram aos primeiros sinais, houve outras que o fizeram, umas que ajudaram espontaneamente e outras não. Houve hospitais preparados que rapidamente aplicaram o antídoto, a atropina, e outros não, que demoraram a compreender que as pessoas se queixavam dos olhos porque é o sintoma mais evidente, a contração das pupilas, do gás sarin.
Dois funcionários do metro morreram porque pegaram nos recipientes do gás, quando as autoridades já deveriam ter divulgado os cuidados a ter com o gás sarin, que tinha sido usado há poucos meses noutro atentado num bairro, e porque foi tardia a chegada das ambulancias. Noutras estações as ambulancias chegaram rapidamente.

Em Lisboa, tivemos pouco depois uma pequena réplica de imitação, apenas com feridos ligeiros, na estação Saldanha. Alguém tinha comprado num posto de combustíveis em Espanha um bastão defensivo de gás pimenta (derivado de sementes de piri-piri) que libertou no cais. Muitas pessoas tossiram, tiveram os olhos a chorar. Houve algumas entidades que rapidamente ajudaram a resolver, com o antídoto, óleo de amendoas doces. E houve quem não soubesse o que fazer. É normal, quando não se antevêem as coisas (que é a função dos orgãos de segurança e de análise de riscos).

Transcrevo do livro de Murakami parte do seu posfácio, que deveria ser leitura obrigatória dos jornalistas e comentadores que escrevem sobre o terrorismo, o "Estado Islâmico" e os jovens europeus que a ele aderem:

"... ... cada um dos membros de elite da secção de ciencia e tecnologia da seita religiosa Aum que cometeu o atentado tinha razões pessoais para renunciar ao mundo e aderir à seita. O que eles tinham em comum era um desejo de colocar a sua capacidade técnica e o seu conhecimento ao serviço de um objetivo relevante. Não podiam evitar ter sérias dúvidas sobre o engenho utilitarista e desumano do capitalismo e sobre o sistema social em que a sua própria razão de ser iria ser esmagada infrutiferamente.
Ikuo Hayashi, o ex-cirurgião que libertou o gas sarin na linha Chiyoda, causando a morte de dois trabalhadores do metropolitano, era uma pessoa deste tipo. Tinha a reputação de ser um magnífico cirurgião dedicado aos seus pacientes. Mas é provável que por isso mesmo tenha começado a não confiar no sistema médico atual, atingido que está por contradições e defeitos. Em resultado disso, foi atraido pelo ativo mundo espiritual que a Aum oferecia, com a sua visão de uma utopia perfeita e intensa, em que os cuidados médicos  e a educação seriam dispensados de uma forma ideal... ...
... ... Teria sido inutil tentar explicar ao doutor Hayashi a distancia entre a realidade e as palavras bonitas do seu sonho.  A realidade, e também a sua perceção, é criada através de confusão e contradição, e se se excluir estes elementos, já não se está a falar de realidade. Pode pensar-se que, seguindo uma linguagem e uma lógica aparentemente consistentes, é possível excluir este aspeto da realidade, mas ele estará sempre à nossa espera, pronto para se vingar.
O triste facto é que a linguagem e a lógica, separadas da realidade, têm um poder muito maior do que a linguagem e a lógica da realidade - com todo aquele material supérfluo que pesa como uma rocha sobre as ações que cometemos  ... ...
... ... Porque teve Hayash de acabar como acabou? Somos possuidos por uma sensação de impotencia sabendo que nada poderiamos ter feito para o parar. Sentimo-nos estranhamente tristes. O que nos faz sentir ainda mais vazios, é saber que os que deveriam ser mais críticos em relação à nossa sociedade utilitarista, são aqueles que usam a utilidade da lógica como arma e acabam por chamar multidões de pessoas (nota minha: a linguagem e lógica dos burocratas decisores europeus, dos primeiro ministros, dos ministros das finanças, dos economistas do FMI e do BCE, dos comentadores televisivos que representam os diferentes interesses dos grupos económicos e financeiros serão um exemplo típico de separação da linguagem e da lógica relativamente à realidade precisamente por causa da fé cega nas próprias convicções utilitaristas, isto é, de privilégio do lucro relativamente ao interesse social).
Mas, ao mesmo tempo, quem é que alguma vez pensaria, eu sou uma pessoa insignificante e sem importancia, e se acabar como uma peça de engrenagem no sistema da sociedade, gastando-me lentamente até morrer, bem, está bem.
Todos nós, em maior ou menor grau, queremos respostas para as razões por que estamos a viver neste mundo, e porque morremos e desaparecemos.
Não deveriamos criticar uma tentativa sincera para encontrar essas respostas.
Mas este é precisamente o ponto onde um erro fatal pode aparecer. As camadas da realidade começam a ser distorcidas, o lugar que nos foi prometido, descobrimos subitamente, transformou-se em algo diferente daquilo de que estavamos à procura.
Como Mark Strand escreveu no seu poema - As montanhas já não são montanhas, o sol já não é o sol.
Para que não surja um segundo e um terceiro Ikuo Hayashi, é imperioso que a nossa sociedade pare e considere, em todas as suas ramificações, as questões tão tragicamente trazidas à superficie pelo atentado de Tóquio.
A maioria das pessoas colocou este incidente para trás das costas - Está morto e enterrado - dizem - Foi um incidente gravissimo, mas com todos os culpados na prisão já está resolvido e não tem mais nada a ver connosco.
Contudo, precisamos de compreender que quase todas as pessoas que aderem a seitas não são anormais, não são deficientes, não são excentricas. São pessoas que vivem vidas vulgares (e talvez, vistas do exterior, as suas vidas sejam mais do que vulgares) e que vivem na nossa vizinhança. 
E na vossa.
Talvez eles pensem sobre as coisas um pouco seriamente demais. Talvez haja alguma dor que carreguem consigo.
Talvez não sejam lá muito bons a dar a conhecer aos outros os seus sentimentos e estejam um tanto ou quanto perturbados.
Talvez não consigam encontrar um meio adequado de se exprimir e hesitem entre sentimentos de orgulho e de desadaptação.
Essas pessoas podiam muito bem ser eu.
Podiam ser vocês.  

A separação das empresas

Transcrevo uma notícia lida no MSN:

Parlamento Europeu quer dividir a Google em duas empresas?


De acordo com uma notícia do Financial Times, o Parlamento Europeu pode estar a planear propor a separação do motor de pesquisa da Google dos restantes serviços. O Financial Times refere ainda que a proposta que está a ser preparada, que não menciona directamente o nome da empresa de Mountain View, tem em vista facilitar a concorrência nos vários segmentos de negócio que operam na Internet.

De salientar que só a Comissão Europeia é que detém o poder necessário para requisitar a separação dos negócios de uma empresa. De acordo com a mesma notícia, a proposta deve ir a votação dentro de poucos dias.

Via Ars Technica.

Comento:

Posso estar enganado, mas penso que esta é mais uma manifestação da doença fundamentalista que afeta gravemente os decisores burocratas da UE e que os levou a separar as empresas de produção das empresas de distribuição de eletricidade, as empresas de exploração das empresas de infraestruturas de transportes, sempre com o pretexto de estarem a defender a concorrencia (por onde anda agora o património em infraestruturas dos CTT de 1975?). 
No fundo, através do desmembramento das empresas e de permitirem a sobre-exploração em termos de numero de empresas, garantem "emprego" aos seus apoiantes e mais lugares nos conselhos de administração e alta direção. 
Podiam aprender com os seus colegas do USA, com leis anti-trust que não impedem grandes empresas mas que as podem controlar. 
E também me parece que a experiencia desses senhores na vida real das empresas, trabalhando diretamente nas frentes de trabalho, foi muito pequena, coisa que não poderei dizer de mim próprio sem faltar à verdade.
Se o Parlamento europeu quer mesmo , tem um instrumento muito simples ao seu dispor de natureza essencialmente democrática: pergunte por referendo aos cidadãos e cidadãs interessados nestes assuntos se concordam. 
Porque o voto dos eleitores não é um cheque em branco nem as eleições conferem o poder divino que Bossuet atribuia ao rei absoluto. 
Quanto mais não seja, o referendo serviria, caso a maioria concordasse, para eu já não poder incomodar com esta crítica.


terça-feira, 25 de novembro de 2014

Os metropolitanos na literatura - Rio de Janeiro

Um metropolitano é um  local de encontro de pessoas.
Por momentos há uma proximidade de histórias reais de gente diversa.
Também poderemos dizer o mesmo dos elevadores, por exemplo, mas nos metros há um talvez mais forte sentimento de partilha entre os que ocupam momentaneamente o espaço e uma maior facilidade em meditar na vida, em ter "um minuto de sossego".
Do outro lado do Atlântico chega uma crónica de Hugo Gonçalves, de que transcrevo do DN uma parte, mostrando que os metropolitanos têm vida, e que por isso também vivem na literatura, no caso da crónica, a observação da associação entre o metro e os telemóveis.


Retrato de rapariga

Está sentada ao meu lado, bonita, jovem, um piercing no nariz.
Passam as estações de metro e ela não tira os olhos do reflexo do seu rosto no telemóvel - não se trata de um espelho, mas da câmara que serve para ensaiar a sua beleza.
O comboio lasca a escuridão das entranhas do Rio, e ela prossegue, agora fazendo dezenas de selfies - beicinho e olhos de eyeliner. No resto do vagão, mais pessoas olham para os seus insetos eletrónicos, mantendo contacto com o mundo exterior, teclando para prosseguirem sempre presentes, para existirem continuamente diante de uma audiência que não vêem.
Ninguém quer estar sozinho, o cérebro liberto, um minuto de sossego. A promoção permanente do eu tornou-se compulsiva. Tudo o que fazemos, pensamos ou fotografamos é suscetível de nos engrandecer se ampliado no éter do ciberespaço - uma patética ilusão de eternidade e de autoimportancia. Esse egocentrismo e essa alienação impedem, por exemplo, o entendimento do que deveria ser tão óbvio: usar o telefone enquanto conduzimos implica o risco da própria morte ou de matar alguém. No entanto, nem a possibilidade de morrermos impede a burrice de teclar ao volante...
... ... "precisamos da habilidade de estar sozinhos, apenas estar, sem fazer outra coisa ao mesmo tempo. Foi isso que os telemóveis nos roubaram, porque agora queremos saber o que se passa a todo o momento"... ... ... as benesses da tecnologia são uma dádiva, mas estão aqui para nos servir e não para nos escravizar... ...




segunda-feira, 24 de novembro de 2014

ciclo de conferencias Portugal 2020

Ao dinheiro vivo, suplemento económico do Diário de Notícias, organizador de um ciclo de conferencias sobre a utilização dos 21 mil milhões de euros de fundos europeus até 2020.



A propósito do anuncio da vossa iniciativa "Conferencias Portugal 2020", a  qual merece aplauso pela oportunidade e pela utilidade, venho sugerir uma correção ao texto do anuncio.

Referem V.Exas no anuncio que "A prioridade é a deslocação do investimento das infraestruturas, onde estamos acima da média europeia, para a competitividade e internacionalização das empresas".

Ora, sendo certo que os índices de auto-estradas nacionais estão acima da média europeia, já não se poderá dizer o mesmo de setores essenciais para a economia como as infraestruturas ferroviárias, de águas e saneamento, portuárias ou aero-portuárias.

Nestas condições, os termos referidos do anuncio podem induzir em erro a opinião pública, fazendo-a crer que também nos setores em que Portugal ostenta um atraso enorme relativamente à Europa o investimento deveria deslocar-se das infraestruturas para o apoio às empresas.

Deve ainda referir-se que o atraso nas comunicações ferroviárias, quer de passageiros, quer de mercadorias, se traduz em grave desperdício energético considerando a menor eficiencia energética dos modos aéreo ou rodoviário e a grave dependencia do setor de transportes relativamente à importação de combustíveis fosseis.
  
Acresce que o investimento no setor ferroviário é suscetível de contribuição a 85% de fundos comunitários, o que contribuirá para a redução do defice orçamental. Chama-se a atenção para que o seu aproveitamento exige a apresentaçãoà comissão europeia  de programas-base de empreendimentos credíveis até ao mês de fevereiro de 2015, o que, pela proximidade, exigiria que já se estivesse vivendo um período de amplo debate público sobre as escolhas a fazer.

Pelas razões expostas me parece que seria útil alterar o texto do anuncio.

Melhores cumprimentos e votos de sessões produtivas.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Sugestão para uma greve

“Para propósitos sociológicos, uma cidade pode ser definida como um estabelecimento relativamente grande, denso e permanente de indivíduos socialmente heterogéneos”.
                                       Louis Wirth, “Urbanism as a way of life”,1938, citado por  
                                       cartaestrategica.cm-lisboa.pt

Lisboa, “um lugar de muitas e variegadas gentes”
                                      Fernão Lopes, Crónica de D.João I


São 16:30 de um dia normal de segunda feira.
Se normal poderemos chamar a um dia em que grande parte da população ativa, como definem os manuais de estatística, não precisou de viajar de metropolitano porque está desempregada.
Mas a cidade pulsa, apesar de tudo, apenas a um ritmo mais modesto, dir-se-ia que abaixo das suas potencialidades, e o comboio de 3 carruagens na linha verde do metro segue quase cheio.
Indiferente à polémica que os comentadores bem falantes e os comentadores dos comentadores nas suas caixas de comentários da internet vão alimentando sobre os problemas da empresa, rasgando as vestes sempre que, perante a ameaça da subconcessão a privados, são decretadas greves.
Serão fechados os rostos de quem entra na carruagem, atormentados pelos parcos ganhos de um dia de trabalho, compensada a tristeza pelo bulício dos jovens estudantes.
Mas repare-se melhor.
Os sons eslavos da senhora loura com o cabelo apanhado atrás que não se cansa de falar no telemóvel batalhando os seus com os sons que se cruzam com ela da conversa entre dois indianos que a ladeiam. Mais atrás, um turbante sik, mesmo ao lado de um cidadão talvez angolano que poderia ser um basquetebolista da NBA com os seus dois metros de altura. O rapazinho negro que está sentado ao lado não deixa o jogo do seu telemóvel.
Entram de rompante em Martim Moniz duas chinesinhas e um senhor chinês mais velho.
E há tambem a italiana de brinco na narina que responde ao seu acompanhante com a sua voz musical.
E a mulatinha brasileira, as duas turistas inglesas, a suave cabo-verdiana e a senhora de traços de uma qualquer ilha do Pacífico.
O senhor já de idade, japonês, que ar tão sereno, sentado entre dois caucasianos, comigo são três, ao todo, que a italiana e o acompanhante já saíram,   neste bocado da carruagem.
Que eu não tenho a certeza de ser caucasiano, a avaliar pelo cabelo frisado, de caracóis de período curto, da minha tia e do meu tio. Dizia-se que um africano do norte de África tinha vindo dos campos do Alentejo até à aldeia da Beira da minha bisavó e nela deixara os seus genes.
Da diversidade pode ser que retiremos a recuperação futura, deste “melting pot”.
Chegamos a Arroios e é aqui que deixo a sugestão.
Arroios é a única estação em cujos cais não cabem comboios de 6 carruagens.
A sugestão é simples, a de chamar a atenção para a necessidade da obra de ampliação.
Eu sei que o colega arquiteto já tem o projeto pronto, mas faltará vontade dos decisores da empresa de submetê-lo a candidatura dos fundos comunitários de coesão.
Se a linha verde é uma linha da globalização, do paquistanês das lojas de telemóveis do Intendente, da chinesinha bonita da loja chinesa de frutas da praça do Chile, aos turistas dos hotéis da Almirante Reis, há que disponibilizar alguns excedentes dos países ditos desenvolvidos da União Europeia para  reduzir o défice nacional.
É que a fórmula do saldo orçamental é dada pelo investimento privado mais investimento com fundos comunitários, mais exportações, menos importações e menos poupanças.
Eu sei que os portugueses não gostam de matemática, mas esta é uma fórmula simples.
Voltando à sugestão, vamos tentar juntar o útil ao agradável, aproveitando as características paradoxais, ou a dualidade, do que quer que seja.
A próxima greve poderá ser declarada como parcial, com o fecho da estação Arroios. Como serviços mínimos poderemos definir 4/5 dos comboios do serviço normal. Só que os comboios do dia da greve serão de 6 carruagens.
Isto é, a capacidade horária da linha, em dia de greve, porque está fechada a estação Arroios, subirá 60% apesar de haver menos comboios e menos maquinistas, por ser dia de greve. Assim se conquistaria a simpatia dos passageiros para com os objetivos da greve.
Poderá até pensar-se numa navette com dois autocarros elétricos cedidos pela EFACEC (um deles de reserva) para circulação entre as estações de Anjos, Arroios e Alameda.

E passada a greve, poderá pensar-se em fazer a obra, dando prioridade ao acréscimo dos cais, para o serviço da estação não estar interrompido muito tempo.

PS em 20 de novembro - poderá parecer ligeiro o modo de abordagem, possivelmente para quem possa levar-se a si próprio a sério demais. Mas há um assunto que parece estar a transformar-se num pesadelo para o país. Termina em fevereiro de 2015 o prazo de apresentação de candidaturas á comissão europeia para fundos comunitários. Grassa entre os decisores a ideia de que as verbas devem ser transferidas das infraestruturas para os apoios às empresas. Não vão ser apresentados projetos de infraestruturas, apesar do trabalho do grupo dos IEVA e apesar da orientação europeia de melhorar a eficiencia energética dos transportes. O periodo de aplicação dos fundos vai ser mais um tempo de imobilismo, que nos tempos que correm equivale a uma regressão. É doloroso.


domingo, 16 de novembro de 2014

O autocarro de Mangualde – mininovela surrealista em que dois universos diferentes partilham breves momentos, em mais uma manifestação de reformados do metropolitano



Os factos reais ocorreram em 11 de novembro, e foram mais uma manifestação dos reformados do metropolitano de Lisboa a quem o governo eleito em 2011 com promessas de não reduzir os salários fez isso mesmo, cortando a 1400 reformados, em média, 50% dos seus rendimentos  (640 euros por mês).
O primeiro facto surrealista desta história será isso mesmo.
Como pode o governante achar que 1300 euros de pensão de segurança social mais complemento de reforma é um prémio imerecido para alguém, por ter sido um privilegiado na sua vida profissional, apesar de lhe ter sido requerido ser um profissional qualificado dadas as exigências de segurança de um metropolitano?
Surrealismo de insensibilidade de quem nem repara no que está a destruir... hipocritamente se desculpando com a miséria da maioria das pensões .
Mas nós abraçamo-nos e fazemos graça com a nossa persistência no prazer do reencontro e da recuperação das nossas maleitas.
Embora com tristeza troquemos a informação, Maria e Idalina já não vão aparecer mais, que o cancro do seio não perdoou, nem Pedro, que o cancro do pâncreas foi fulminante.
Surrealismo de obsessão psico-patológica ou de simples ignorância por inexperiência juvenil… visão tubular, que impede a perceção do que está ao lado… afeção hipomaníaca de quem se sente predestinado para a salvação de um povo…
Ninguém exigiu que não lhe tocassem nos rendimentos, numa altura em que a maior parte da população sofre restrições, mas cortar 50% ? Sem negociar? Sem sequer colocar a hipótese de passar um papelinho a dizer, nós, governo, ficamos-vos a dever um tanto que vos pagaremos quando pudermos, ou vamos isentar-vos de impostos no montante do que vos cortamos.
Não é assim que fazem os bancos e respetivos fundos de pensões?
Surrealismo de tratamentos diferenciados…
- Acha que é eficaz, continuarmos a fazer estas manifestações? Eu telefonei a 4 ou 5 colegas que nem sabiam, e até estão aí – isto me perguntava o mestre serralheiro, que me habituei a ver resolver problemas para que os comboios pudessem circular em segurança em cima dos aparelhos de mudança de via, as agulhas, como lhes chamamos.  
- Bem – respondi -  isto só se resolve quando este governo se for embora. Estão obcecados, não vão mudar. Mas devemos continuar a vir. A liberdade de expressão é sagrada e é bom que mostremos que estamos vivos. Nós, portugueses, somos assim, fechamo-nos quando somos vítimas de um ataque, como este vírus austeritário. Recusamos o convite de Julio Cesar para descer das montanhas, que a produtividade da exploração agrícola na planície é mais elevada, mas aos poucos reequilibramo-nos. Descemos das citânias para a planície. Havemos de recuperar.
Eis que o segurança da secretaria de Estado nos chama para uma entrevista com dois assessores do senhor secretário de Estado, mas também só duas pessoas.
Sobe a comissão por entre os doze polícias de choque que guardam a entrada ao gabinete do assessor que é conterrâneo do senhor secretário de Estado.
Tem a pronúncia doce das terras de Mangualde, expressão corrente da solidariedade entre as pessoas, contrastando com a insensibilidade perante o sofrimento alheio, como se fosse a expiação de um novo pecado por de mais ou por de menos original ou crónico.
Não aceita o argumento de que em nenhuma parte do mundo a exploração de um metropolitano gera receitas suficientes para cobrir as despesas.
Repete o mantra do senhor secretário de Estado que quer inovar, quer reduzir custos e chegar ao EBITDA positivo.
Um dos nossos lhe diz que não precisa de invocar a inovação porque tecnologicamente , enquanto pôde investir, o metropolitano inovou ao nível dos metropolitanos dos países desenvolvidos.
Que são os técnicos, não os economistas, que estão licenciados para analisarem a consistência, para utilizar um conceito anglo-saxónico, das propostas de inovação.
E não resistiu a contar ao assessor o caso da inovação da tela do contentor de hidrogénio do zepelin Hindenburg, recém inventada pela industria química alemã dos anos 30. A superfície era tão lisa que o atrito era muito menor do que nos outros zepelins e por isso consumia menos combustível e navegava mais depressa. Porém, as suas características dielétricas levavam a que se acumulassem cargas elétricas que provocaram o incendio fatal quando o cabo tocou a torre de amarração.
Ou a inovação da querena italiana, que permitiu ganhos extraordinários no transporte da pimenta e da seda da Índia no século XVI. Ganhos extraordinários e um aumento exponencial nos naufrágios por debilitação das estruturas indevidamente reparadas por falta de vistoria e calafetagem a seco dos cascos. A calafetagem era mais rápida deitando a nau no próprio rio, sem a pôr a seco. Os armadores poupavam, mas morriam mais marinheiros.
Insensível ao argumento, o assessor encerrou a reunião mostrando-se muito menos preocupado com a questão dos complementos de reforma do metropolitano ou com a concessão do metropolitano do que com a concessão da rede de autocarros da sua terra.

Saiu do edifício da secretaria de Estado para uma rua deserta dos manifestantes. Dos que até aqui se falou.
Estranhou, quando se voltou, já não ver o segurança, como se ele tivesse desaparecido assim que passara por ele.
As pessoas vestiam-se de forma esquisita e quase todas falavam uma língua estrangeira.
O café em frente tinha mudado, era agora uma loja-oficina de artesanato sofisticado. O restaurante da esquina transformara-se num escritório envidraçado onde se programavam jogos de computador e de vídeo. Ao lado uma loja de venda de imobiliário a estrangeiros com benefícios fiscais e ao fundo da rua, no largo, uma assembleia de turistas em animação promovida pela agència de turismo de Lisboa. Saem do próprio edifício que abandonara torrentes de jovens de pele e olhos claros, em idade fértil e de pujança intelectual - não haverá empregos em que se ocupem, na sua terra? – clientes constantes de apartamentos de alojamento local.
Arrancou com o carro que era da secretaria de Estado, queria ir a Mangualde, a uma sessão com o secretário de Estado e as autarquias da região, para analisar projetos industriais a beneficiar dos fundos comunitários e, naturalmente,  discutir a concessão da rede de autocarros urbanos e a sua vertente porta a porta com táxis, mas não os queria elétricos, que não era esse o interesse do setor importador automóvel.
Mais uma vez estranhou, subindo  a rua da Misericórdia, as pessoas e os objetos desapareciam rapidamente no retrovisor, à medida que o carro avançava, como se o mundo se fechasse atrás dele, ou se saísse de um tempo e de um espaço e entrasse noutros muito diferentes.
Estaria a assistir à destruição de um mundo? Recordou desagradado o que um velho professor lhe tinha dito, “vocês destroem o que outros construíram, transformam em ruina o que tocam”.
Como um autómato sem cognição chegou a Mangualde. Não encontrou o edifício que lhe tinham indicado para a sessão.
Vagueou desorientado. Sentou-se num banco de pedra do largo do doutor Couto, olhando a boca rotunda da avenida.
Surpreendeu-se ao perceber que esperava o autocarro do princípio da noite.
Toda a noite arrostou o frio, esperando agora o autocarro da madrugada.
Mas nenhum autocarro chegou, ninguém viajou no autocarro.
Ninguém vem a Mangualde.
Tudo é diferente agora, fábricas fechadas depois que ele e o seu secretário de Estado passaram pelo governo, a promessa incumprida de uma outra linha de caminho de ferro, construída segundo a tecnologia dos novos dias e de bitola europeia, o projeto afogado nas discussões estéreis dos conceitos de transporte de passageiros e de mercadorias enquanto se perdia a oportunidade dos fundos comunitários, a população fechada sobre si própria em economia de subsistência nas terras a que tinham retornado.
Ninguém vem agora a Mangualde, nem descendo na antiga gare, do comboio de via ibérica.
Não chega nenhum autocarro vindo da antiga gare.
E ele lá continua, surrealmente imune às intempéries, de metabolismo suspenso como um país paralisado por um veneno e desintegrado no tempo, no banco de pedra do largo do doutor Couto, olhando para a avenida, esperando o autocarro que não vem.
E contudo, a esperança renasce e move-se, contrariando os surrealismos desta narração, desceremos das montanhas, pelo nosso pé.


domingo, 9 de novembro de 2014

Senhor secretário de Estado

Exmo Senhor Secretário de Estado

Sou um reformado do metropolitano de Lisboa e, como tal, do seu ponto de vista, um co-responsável pela dívida da empresa superior a 4.000 milhões de euros e EBIDTAs sucessivamente negativos, que usufruiu de privilégios comparativamente com a população que a empresa serviu.
Mereci portanto, ainda segundo os seus critérios, o corte do complemento de reforma acumulado com uma redução da pensão da segurança social da ordem de 20%, com outros pretextos.
Assim como eu, cerca de 1400 colegas.
Como diz o professor João Cesar das Neves, a discussão sobre o incumprimento do contrato que vinculava a empresa ao pagamento dos complementos de reforma será estéril, por mais que eu recorde que os vencimentos no metropolitano quando a maioria de nós foi admitida era de cerca de 70% do que se ganhava nas empresas privadas para igual qualificação.
Não vale portanto a pena recordar isso, nem que a dívida foi engrossando através da assunção pela empresa do que deveria desde o início estar inscrito nas contas do Estado, como sistematicamente rezavam os relatórios e contas do metropolitano.
Nem vale a pena recordar que a dívida privada portuguesa, apesar das transferências habilidosas de um ou outro governo, para a parte pública, ultrapassa a dívida pública, nem que a dívida da PT é quase dupla da do metropolitano, nem que a da EDP é quase quintúpla.
Muito menos vale a pena recordar os bons indicadores de performance do metropolitano, apesar dos cortes sofridos na manutenção e nos quadros de pessoal, quando comparados com os dos homólogos.
Nem tão pouco as experiencias negativas tidas em Londres com as privatizações, nem destacar as fontes de financiamento dos operadores públicos franceses.
Falei nisto apenas porque tive alguns contactos com outros metropolitanos enquanto fazia a minha vida profissional no de Lisboa, desde um tempo em que V.Exa era criança, acompanhando a evolução tecnológica que fomos aplicando ao nosso metro à medida que ele crescia, não tanto como desejaríamos, mas duma forma que está à vista de todos nos tempos que correm, apesar das ameaças.
E é afinal por isso, por termos um metropolitano, e por termos um secretário de Estado que não retira dele o que ele pode dar, preferindo restringir a sua atividade até caber no conceito da concessão que tão caro é a V.Exa, que lhe escrevo desta forma. Porque o metropolitano de Lisboa, tal como como grande parte da população portuguesa, vive claramente abaixo das suas potencialidades.
É que os metropolitanos servem para transportar pessoas em áreas metropolitanas segundo critérios de eficiência energética.
O seu colega de governo, da pasta da Energia e Ambiente terá certamente grande prazer em explicar-lhe como o país perde dinheiro todos os dias porque 60% das deslocações diárias são feitas de automóvel, cuja eficiência é de 250 Wh/passageiro.km, quando no metropolitano é de 140 Wh/passageiro.km, todos os componentes incluídos, do poço de petróleo à roda num caso e do parque eólico e do poço de gás no outro .
Claro que V.Exa, sorridente, dirá que é para isso que vai concessionar. Para que os privados sirvam os interesses da população graças ao seu saber como.
Já reparou, quando diz isso,  que está a chamar incompetentes a mim e aos meus colegas que permanecem no ativo? Que contas simples e a análise dos indicadores mostram que o diferencial de uma eventual maior eficiência é inferior ao lucro exigido pelo acionista? Que é o interesse do acionista que está na primeira linha e não o interesse da população que paga 7.000 milhões de euros de juros e 7.000 milhões de euros de importação de combustíveis fósseis? E que o critério de votação nas assembleias gerais dos acionistas não respeita o princípio básico da democracia, uma voz, um voto?
Eu , que vivi uns anos nesta problemática, lhe digo que não, que a concessão não será boa para a população e para as contas públicas.
Que o problema está, e afinal por isso lhe escrevo, que temos um secretário de Estado que não faz ideia da problemática dos transportes urbanos.
Estou a citá-lo, não estranhe.
É que também o ouvi na sessão promovida pela ordem dos engenheiros sobre a localização do terminal de contentores (como V.Exa sabe explorar tão bem, para chegar aonde quer, a dificuldade de trabalho em equipa dos portugueses, engenheiros ou não, a dificuldade em sintetizar as variáveis técnicas e todos os componentes das análises de custos-benefícios de um problema complexo, de modo à decisão resultar da comparação de pelo menos 3 hipóteses de solução, a dificuldade de apresentação antes de fevereiro de 2015 de projetos credíveis para ligar Portugal à Europa…)
 Mas para o ouvir esperei 45 minutos depois da hora marcada.
É verdade que V.Exa pediu desculpa, como qualquer pessoa bem educada, mas distraidamente porque deixou escapar “não fazia ideia que ia levar 45 minutos da Horta Seca até à ordem dos engenheiros com  o transito que estava”.
Se tivesse utilizado o metropolitano, em termos médios teria gasto sem pressas 25 minutos e poupado o tal diferencial de 100 Wh vezes 3 km.
Está a ver, 20 minutos a multiplicar por 400 assistentes, temos de contabilizar o valor da hora.homem, mais os 300 Wh do diferencial e a poluição correspondente, da ordem de 500 gramas de CO2.
Ora este é o meu ponto, os governantes (não me refiro aos ciclistas holandeses e aos dinamarqueses) estão habituados a andar de motorista (valha que o seu colega da Energia e Ambiente ameaça  pô-los a andar de automóvel elétrico), não parece terem a noção do que é um transporte ferroviário urbano.
Por isso lhe escrevi, para o ajudar a ter essa noção, que penso deveria sobrepor-se à obsessão concessionária.
Com os melhores cumprimentos

Fernando Santos e Silva, reformado do ML   R-3071

sábado, 8 de novembro de 2014

Monsieur Juncker

Non, M. Juncker .
Vous êtes très sympatique pour moi,    vous comprennez le
portugais, pour le bien ou pour le mal .
Certes vous êtes une personne sérieuse et bien intentionné .
Mais non, non et non .
Ce n’est  ce que vous dites.
Qui comme moi vous observe de l’exterieur, voit bien que,
oui, vous étes devant une bande de bureaucrates .
C’est pas une offense, c’est une constatation .
Les bureaucrates n’ont pas l'humilité de comprendre le faible .
Ils se détendent dans les bureaux qui sont loin des faibles et ils veulent imposer des solutions sans analyser les conditions réelles .
Ou, comme ils diraient, sans confirmer que les réductions prévues ne causeront pas une récession presque double,ou que le point de la courbe pour l'investissement recommandé est loinde la zone piège de la pauvreté et assure leur retour.
Je regrette de dire ça d'une bonne personne, mais vous avez présidé le gouvernement d'un pays qui est un vrai "off-shore" qui aspire les richesses des pays les plus faibles,comme les puits puisent les eaux souterraines.
Votre pays n'est plus industrielle,il est presque entièrement financière.
Et n'appelez menteurs aux premiers ministres qui sont en désaccord avec vous.

Merci.




Não, senhor Juncker.
O senhor é-me muito simpático, até porque compreende o português, para o bem ou para o mal.
É certamente uma pessoa séria e bem intencionada.
Mas não, não e não.
Não é o que o senhor diz.
Quem como eu o observa do exterior tem a visão de que sim, o senhor está à frente de um bando de burocratas.
Não é uma ofensa, é uma constatação.
Os burocratas não têm a humildade de compreender os mais fracos.
Reclinam-se em gabinetes que estão longe deles e querem impor-lhes soluções sem analisar as condições reais.
Ou como eles diriam, sem confirmar que os cortes que receitaram não vão provocar uma recessão próxima do dobro do que cortam, ou que o ponto da curva em que recomendam o investimento está longe da armadilha da pobreza e assegura o seu retorno.
Lamento dizer isto de uma pessoa simpática, mas o senhor presidiu ao governo de um país que é um verdadeiro "off-shore" que suga as riquezas dos países mais fracos, como os poços atraem a água subterrânea.
O seu país já não é industrial, é quase só financeiro.
E não chame mentirosos aos primeiros ministros que não concordam consigo.
Obrigado.


PS em 6 de novembro - Coincidência, nem de propósito, esta notícia de hoje:

Honra à investigação do Monde, Guardian e Zeitung. E reparem que a PriceandWaters Coopers é aquela financeira para onde foram os diretores de supervisão que sairam do banco de Portugal.
Um grande defeito das pessoas consideradas espertas é pensar que os outros são burros.

As informações em que me baseei para escrever o texto foram tiradas de Gabriel Zucman, "A riqueza oculta das nações", ed.Temas e Debates, círculo leitores.

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Os trabalhos da mão

Graças à Antena 2, conheço este poema de Eugénio de Andrade, "Os trabalhos da mão":

Começo a dar-me conta: a mão
que escreve os versos
envelheceu. Deixou de amar as areias
das dunas, as tardes de chuva
miúda, o orvalho matinal
dos cardos. Prefere agora as sílabas
da sua aflição.
Sempre trabalhou mais que sua irmã,
um pouco mimada, um pouco
preguiçosa, mais bonita. 
A si coube sempre
a tarefa mais dura: semear, colher,
coser, esfregar. Mas também
acariciar, é certo. A exigência,
o rigor, acabaram por fatigá-la.
O fim não pode tardar: oxalá
tenha em conta a sua nobreza.

sábado, 1 de novembro de 2014

Agora, trabalhos forçados e corrupção






Agora, que vivemos sob o ímpeto desmantelador do conceito do metropolitano como serviço público prestado por um operador público, e menosprezador dos seus ativos humanos, físicos e intangíveis, faço esta reflexão a propósito da reportagem do DN/Magazine de 26 de outubro de 2014, sobre os trabalhos forçados a que alguns idosos estão sujeitos pela falencia da politica de proteção aos mais desfavorecidos.
A foto é retirada da reportagem.



No longínquo ano de 1972, quando cumpri o serviço militar no Porto, havia duas tarefas que os oficiais do quadro, alguns dos quais futuros capitães de abril, mas que nessa altura ainda nos diziam que não podiamos falar sobre o problema de Angola sem lá ir (felizmente eles foram e compreenderam), de bom grado deixavam para os milicianos executarem.
Uma era o acompanhamento dos funerais dos soldados mortos nas colónias nas suas terras. Tive a sorte de nunca ter sido escalado.
A outra, que por várias vezes executei, era o chamado processo de amparo, que encerrava alguns riscos. 
Tratava-se de entrevistar a família de soldados que se reclamavam de ser o unico sustento ou amparo da familia e que portanto solicitavam a isenção da mobilização para as colónias. 
Os riscos eram os de poder vir a ser acusado, em eventual recurso do exército, de excesso de generosidade, a que hipocritamente se poderia acrescentar a injustiça de um tratamento diferenciado relativamente aos que partiam para a guerra (como tudo neste mundo, realça-se um aspeto acessório quando não se quer enfrentar o problema principal, a indignidade da guerra colonial em si mesma).
Recordei isto ao deparar-se-me esta foto, de uma senhora de 81 anos, doente, que ainda trabalha quando pode e não pode a lavar escadas e que recebe a pensão mínima (lá está, eu e os privilegiados reformados do metropolitano, que protestamos porque nos cortaram um complemento de reforma superior à pensão mínima, e disso somos acusados napraça pública, por quem acha que não deve antes criticar a magreza da pensão mínima).
Recordei-me porque a imagem se sobrepôs à registada na minha memória quando visitei outra senhora numa habitação semelhante, nas realidade uma arrecadação num pátio de uma vila nas Fontaínhas.
O mesmo teto de tábuas imbricadas, numa tentativa de isolamento térmico, as cortinas, a pobreza.
À saída, depois da entrevista, a senhora (que cronologicamente poderia ser a senhora da foto), convencida talvez de que o aspirante ia propor a aprovação do pedido de isenção, meteu-me na mão uma nota de vinte escudos dobrada em quatro, desculpando-se por não poder dar mais.
Seriam hoje 5 euros, uma forma elementar de corrupção popular. 
Não inclui o episódio no relatório.
Espero ter convencido a senhora que se devolvia a nota não era por a achar uma oferta indigna, e não esperava que 42 anos depois se incumprisse assim a Declaração Universal dos Direitos Humanos (lá está, porque durante esse tempo, como dizem os comentadores afetos ao paradigma dominante, eu e os meus colegas do metropolitano vivemos acima das nossas possibilidades...).


Agora, o Mein Kampf dos financeiros

Agora, que vivemos sob o ímpeto desmantelador do conceito do metropolitano como serviço público prestado por um operador público, e menosprezador dos seus ativos humanos, físicos e intangíveis, faço esta reflexão a propósito da saída de dois diretores/supervisores/reguladores do Banco de Portugal para a Price Waterhouse Coopers.

Este blogue, correndo o risco de dizer disparates mas no uso do direito de expressão, tem defendido sistematicamente que a regulação só poderá ser exercida com eficácia, isto é, garantindo que as forças do mercado atuem no interesse coletivo, se a entidade pública detiver "know-how", experiencia e conhecimento rigoroso do negócio. E que isso só se consegue se exercer a mesma atividade que os regulados.
Que o mesmo é dizer, só se pode regular aquilo que se conhece (não é aceitável que um governador de um banco central de um país se pronuncie sobre um grupo económico que está a afetar toda a economia desse país com base no relatório desse grupo do trimestre anterior, nem que sejam prestadas informações a Bruxelas quando já estava decidido fechar o banco desse grupo 4 dias depois mantendo as ações em bolsa) e se se tiver informação sobre os off-shores envolvidos (o que se consegue com legislação internacional sobre transmissões automáticas de informação, vulgo fim do sigilo bancário).
Nem tão pouco é aceitável que um banco central nacional se demita das suas funções, por perda de informação, a pretexto do BCE assumir a supervisão dos bancos de primeira linha.
Assim, ao que se assiste é apenas a uma transferencia de funções da esfera pública para a esfera privada (neste caso a PriceWC).
As declarações desta, disfarçando tratar-se de uma promiscuidade inaceitável entre o setor público e o setor privado, sem o mais pequeno período de nojo, constituem assim um verdadeiro Mein Kampf, anunciando o que se pretende, o controle da supervisão pelos supervisionados.
Como diria António Aleixo a propósito desta enorme inovação, calai-vos, que pode o povo querer um mundo novo a sério.

PS em 8 de novembro de 2014 -  A propósito das declarações do senhor primeiro ministro também sobre a prosmicuidade entre o poder politico e o poder financeiro e empresarial (esquecendo a promiscuidade do anterior secretário de Estado do seu partido Oliveira e Costa e do seu banco BPN/Sociedade Lusa de Negócios com a esfera politica, e as suas ligações ao que seria presidente da República para obtenção de mais valias, e esquecendo as tentativas de angariação pelo secretário de Estado Relvas de contratos de formação de operadores de aeródromos com fundos comunitários para a sua própria empresa), eu sei que as técnicas de marketing partidário são assim, atirar poeira para os olhos dos eleitores lançando as acusações que se recebem dos adversários politicos sobre esses mesmos adversários. Ouve-se assim o senhor primeiro ministro assegurar virginalmente que é contra a prosmicuidade entre o poder politico e o poder empresarial e financeiro. Ouve-se, e pensa-se na resposta torta de Millor Fernandes, já sei o que é e o que faz, só quero discutir o preço.

Adonis, poeta árabe sírio

Este blogue saúda o triunfo do partido laico Nida Tunis (chamamento da Tunisia) nas eleições da Tunisia.
Espera-se agora que consiga formar governo com a maior parte das forças politicas.
Não se deseja uma maioria absoluta que imediatamente provoca a rejeição das outras forças, deseja-se a compreensão e a cooperação entre as diferentes sensibilidades, coisa aplicável em qualquer latitude ou longitude.
Transcrevo a propósito partes de uma entrevista de Adonis, poeta sirio árabe, numa altura em que na Europa ainda existe um partido religioso a dirigir a principal economia (partido democrata-cristão da Alemanha), o chefe do Estado inglês é o chefe da igreja anglicana e nenhum comentador recorda as palavras do primeiro chefe de Estado paquistanês, que primeiro se é cidadão e só depois muçulmano:

"Desgraçadamente os politicos não escutam os poetas"
"A primavera árabe não foi uma revolução porque não tinha um discurso. As oposições jamais falaram de laicidade, da libertação da mulher, da mudança da lei corânica.
Que revolução era essa? Só queriam mudar o regime, e mudar de regime de nada serve quando permanece a mesma mentalidade.
Os árabes têm de fazer a sua revolução interior, quer dizer, repensar a religião à luz da modernidade e separar o religioso do cultural, do politico e do social para que se converta apenas numa crença individual.
Na Europa fez-se essa revolução e separou-se o Estado da Igreja, que na Idade Média era pior do que entre muçulmanos de hoje.
Nada tenho contra a religião como fé individual, mas estou contra uma religião institucionalizada e imposta a toda uma sociedade.
Há que anular as diferenças entre as confissões. O correto é, por exemplo, que no Egito os cristãos coptas tenham os mesmos direitos dos muçulmanos."