sexta-feira, 30 de julho de 2010

Déjà vu

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Segundo o noticiário, os CTT vão alugar como arrendatário à Mota-Engil a sua nova sede, por cerca de 3,4 milhões de euros por ano, depois de terem vendido os seus edifícios emblemáticos, de que o mais importante será o dos Restauradores, ficando a pagar renda aos novos proprietários.
Não há volta a dar aos economistas que se lembram destas coisas.
Está um cidadão na sua casa, de que é proprietário, e um senhor economista vem explicar-lhe que é um bom negócio vender a casa e ficar a pagar renda ao novo proprietário.
É possível que o negócio seja bom, mas o cidadão tem todo o direito a dizer que só vende se lhe derem o triplo do valor comercial da sua casa, para poder comprar outra equivalente e cobrir as perdas das transferencias, impostos incluidos.
Também pode o cidadão raciocinar que, estando os juros a 1%, que o valor dos prédios, para o negócio lhe ser vantajoso, deveria ser pelo menos 200 vezes o valor da renda anual.
Como não foi nada disto o que aconteceu com os CTT, parecerá que o negócio não foi bom.
Assim, de facto, para quê manter os CTT no setor público?
Talvez comentar que isto não acontece nos USA, em que ninguém pensa em privatizar os correios nacionais (claro que há concorrência), nem em fazer disparates destes (disparates do ponto de vista do perdedor no negócio, claro).
Ignoro se haverá algum mecanismo jurídico que permita neste caso recolocar a Mota-Engil no seu lugar, como aconteceu com o disparate do nó de Alcantara, devidamente comentado, do ponto de vista técnico, neste blogue.
Mas como cidadão contribuinte nacional devo registar a esperança de que, tal como no caso de Alcantara, a Assembleia da Republica garanta a justiça, e, como cidadão contribuinte de Lisboa, exprimir a minha total oposição à saída da estação de correios dos Restauradores.
É mais um passo na desertificação da Baixa.
Não está bem.
Os CTT não têm o direito, como qualquer instituição o não tem, de contribuir para a desertificação da Baixa.
A Expo não precisa de tanto novo-riquismo provinciano.
E se pus o título déjà vu a esta pequena crónica dos financiamentos pouco esclarecidos, foi porque, a avaliar pelos gastos com consultores que as administrações dos CTT têm vindo a dispender (por exemplo, a Accenture recebeu encomendas de cerca de um milhão de euros entre 2006 e 2009; no mesmo período os contratos com consultores ascenderam a 11 milhões de euros), todo o negócio com a Mota-Engil terá resultado do esforço dos consultores.
O mal não é haver consultores; o mal é que eles são normalmente intermediários que podem subverter o relacionamento entre a empresa cliente e os verdadeiros especialistas externos de cujo "know-how" a empresa cliente necessita.
Curioso ainda, a reforçar a sensação de déjà vu, é que a ultima reestruturação dos CTT resultou de um contrato com a Deloitte, sendo que o responsável desta pelo trabalho tinha sido membro do CA dos CTT de 2005 a 2007.
Não fui eu que descobri, foi a auditoria da Inspeção geral de Finanças, que achou estranho o contrato com a Deloitte ser de 200 mil euros e, com os adicionais, ter atingido 1,1 milhões de euros.
Déjà vu, esta intromissão de consultores a prejudicar empresas públicas, através de estudos de reestruturações com a participação de colaboradores umas vezes na consultora, outras vezes na empresa pública.
Aguardemos para ver como a Assembleia da Republica vai tratar este caso.
Quanto mais não seja para ver como se comportam o poder do voto e o poder económico.

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Wikileaks

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Os conceitos militares evoluem. Não é caso para ficarem tão escandalizados com as fugas de informação sobre segredos militares de acontecimentos passados.
Terem morrido 195 civis em ataques de drones não é a revelação de um segredo militar. É um triste facto de que os cidadãos devem ter conhecimento para ajudar a compreender a guerra e tomar posição perante ela.
Houve tempo em que o conceito militar era: se um civil morresse, o militar sentia-se desonrado porque, armado, tinha morto um não contendor desarmado.
Valha a verdade que este era um conceito anterior ao bombardeamento de Dresden, no final da segunda guerra mundial. É natural que os “aliados” não gostem de ouvir falar nisto.
Convirá também recordar que muitos dos mortos dos “aliados” na primeira guerra do golfo o foram por “fogo amigo” (como é possível inventar uma expressão assim?), porque a tecnologia da referenciação topográfica estava ainda imprecisa. Ficaram então os “aliados” muito zangados com esta fuga de informação.
Houve tempo em que um soldado honrado não mandava os seus homens para a frente da batalha sem lhe explicar todos os riscos que corriam.
É isso, os conceitos militares evoluem, como explicava o major Dax ao seu general, na primeira guerra mundial, antes da entrada em cena do fator decisivo para acabar com a guerra das trincheiras: os tanques.
Também foi revelado que os ataques talibans provocaram a morte de 2.000 civis.
Se os tanques e as armas já não conseguem acabar com isto, têm os cidadãos direito a exigir soluções políticas.
Não estive enganado na guerra colonial portuguesa, nem na guerra do Vietnam, nem na guerra do Iraque. Estarei enganado agora na guerra do Afeganistão, quando Eça de Queirós já dizia o mesmo, há 140 anos atrás?
Entretanto, sem que isso tenha sido revelado pelo Wikileaks, são já 75 os militares dos USA mortos no Afeganistão em Julho de 2010.
Impõe-se uma solução política com todos os países da região, mas os mentores da NATO não parece estarem de acordo.
Depois queixem-se de que lhes chamem cruzados.

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quarta-feira, 28 de julho de 2010

A Frustralândia

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A Frustralândia é um país de grandes poetas.


O grande poeta Luís Vaz deixou escrito que não só morria na pátria, que longe tinha vivido, como também morria com ela.

Seria talvez um exagero, a pátria morrer, o que faria jus ao nome, mas era verdade que o rei Filipe não era uma pessoa intelectualmente muito bem dotada. Não seria a má pessoa que os ingleses pintaram, também não admira com os tristes episódios das invencíveis armadas, mas terá desempenhado o papel de principal acionista, ou delegado do principal acionista, numa empresa de agora, rodeado de consultores e de conselheiros inovadores mas enganosos. Não admira que o balanço dos Filipes fosse negativo.

Outro grande poeta, Fernando Pessoa, cometeu o rebuscado êxito de ser um dos principais poetas de língua inglesa do princípio do século XX, como tal estudado nas grandes universidades anglo-saxónicas e deixou escrito, em inglês no original:

“À beira-mar deixemos ao menos que a nossa ânsia por uma proeza
Se torne uma dor absurda, uma cobiça desolada e inerte…
Pertençamos assim ao propósito que se extraviou para não sonharmos nem desejarmos nada
senão isso…”

Convenhamos que assim se define o espírito da Frustralândia.

Mas como não somos todos poetas, e mesmo que fossemos, até Fernando Pessoa contribuiu para o PIB do seu país com trabalho esforçado de correspondente de línguas e especialista de economia, tentemos contradizer o nome da pátria.

Podemos sempre votar, apesar da desilusão do poder do voto não ter a força do poder económico, como diz Saramago, votar em quem vai fazendo investimentos, apesar dos economistas ex-ministros da economia que ralham com quem trabalha sempre que vão à televisão,  porque sem investimentos a Frustralândia frustra-se mesmo.

Podemos indignar-nos por os nossos ministérios da Educação terem dado mais ouvidos aos Pink Flloyd (we don’t need your education) do que aos Beatles (all you need is Love). Explico: os Pink Floyd achavam que era preciso inovar na educação de modo a que  não fosse uma lavagem ao cérebro. Não era preciso inovar, e a prova está no aumento da iliteracia, da criminalidade, cá dentro, na Frustralândia. E lá fora, no aumento das guerras, do negócio das armas e do tal fosso que separa os beneficiários do rendimento dos que não beneficiam. Isto é, não caminhámos para o triunfo da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tempo agora de desmontar os Pink Floyd e os especuladores financeiros e dos off-shores, embora o voto continue a não ter a força do poder económico, como no tempo dos Filipes.

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terça-feira, 27 de julho de 2010

Números da crise

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Com a devida vénia ao DN e ao seu cronista Pedro Tadeu, cito os seguintes números da nossa crise, neste caso a crise da dificuldade de avaliação da problemática  laboral.
- desempregados registados: 650.000  (12% da população ativa)
- trabalhadores despedidos nos últimos 3 anos: 210.000
- empresas que fecharam ou iniciaram o processo de falência nos últimos 6 meses: 7.112
- empresas que se constituiram nos últimos 6 meses: 16.528!!!
Isto é, a obsessão de facilitar os despedimentos  não parece poder ser suportada pelos números e, tal como dizia Keynes no auge da depressão, a economia tem capacidade para funcionar. Estando a inflação em valores baixos, não haverá argumento económico para não fazer investimentos. Mas com estes políticos, com estes dirigentes empresariais, com estes fazedores de opinião, com estes formalistas jurídicos, tão entretidos com a religião do mercado, com a isenção de taxas sobre os bancos, com as dificuldades burocráticas de vender as empresas aos trabalhadores despedidos, é difícil.
Aqui no Algarve, por exemplo, a propriedade de parte da rede de supermercados Alisuper vai ser reconvertida: os acionistas serão os bancos e os trabalhadores. Efeito Obama, a la GM?

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Mensagem de José Saramago para o Forum Social Mundial

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Apesar da linha editorial do DN ser demasiado dogmática para meu gosto (também não gosto que me chamem dogmático; mas apetece-me pôr este rótulo na linha editorial do DN), continuo leitor do DN porque tem alguma diversidade.
E hoje, precisamente no caderno sobre a biodiversidade, vem a mensagem de José Saramago ao Forum Social Mundial, contando a história do camponês de Florença no séc.XVI que tocou os sinos a finados pela justiça, porque a justiça tinha sido morta pelo senhor feudal. Ver em Envolverde/Outras palavras: "Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões de tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. .. mas falta à democracia que o voto possa impor-se ao poder económico ... que é a real força que governa o mundo".
Aí está o programa estratégico para a democracia: que o voto tenha poder sobre o poder económico. Podiamos ir a votos: sim ou não à taxação dos bancos, das transações em bolsa, da nominalização dos rendimentos e taxação progressiva em conformidade... enquanto não for assim, democracia é uma palavra incompleta, por mais sábios que sejam os economistas ex-ministros das Finanças.

PS - Por falar em nominalização de rendimentos, cumpre-me informar da notificação que recebi para
pagamento do IRS em meu nome e de minha mulher (não temos ligações a IRC): 4.567,29 euros. O que me dá algum direito a falar. Não pelo montante , mas porque costuma ser pago. Uma voz, um voto.
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Very fast post in blog - 24 - Ainda o subdimensionamento

Continuam os exemplos de subdimensionamento nas províncias do sul da Frustralândia. Os vidrões estão cheios, os parques de estacionamento não chegam, as tampas das condutas de águas residuais saltam. Vá que a recoha de lixo se faz, mesmo ao fim de semana. As contribuições IMI estão em dia. As licenças de construção passadas excederam em muito a capacidade das infra-estruturas. As infra-estruturas são um problema na Frustralândia, nao só nas províncias do sul.

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domingo, 25 de julho de 2010

Oprah

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O programa de Oprah Winfrey está a atravessar um período de menor audiência (ah! a ditadura das audiencias).
Não por ter perdido interesse ou atualidade.
Um dos últimos programas debateu as medidas para o cidadão comum combater a crise.
Uma equipa de economistas, ligeiramente diferente da equipa de economistas que costuma ir à televisão ralhar com quem trabalha, montou um esquema de observação em proximidade de um grupo de cidadãos, foi com eles às compras nos supermercados e nos centros comerciais e elaborou um programa de medidas corretivas.
Primeira medida: rasgar os cartões de crédito.
De facto, se eles são economistas e se na origem da crise estão as especulações financeiras, nomeadamente os abusos do crédito, então é lógica esta recomendação.
Mas, será válida a conjetura de que existe uma relação (ou correlação) entre os dois factos, a diminuição das audiencias e a recomendação da destruição dos cartões de crédito, como quem quem diz que os bancos e as instituições financeiras continuam a explorar os cidadãos?
Difícil, como dizia um fazedor de opiniões, este mundo da economia.
Aplausos para Oprah, entretanto.

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Almoço na esplanada da Gulbenkian, 5 – o país nu

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Desta vez o meu amigo estava bem disposto. Não sei se seria por já ter entregue os papeis da reforma, mas a verdade é que comia com gosto a sua salada de alface temperada com azeite com aroma natural de estragão, os espargos verdes cortados curtos com molho de cocktail e as beterrabas em vinagrette.
- Há dias estava a arrumar os papeis quando dei com um texto que mandei à comissão sindical, aqui há uns 3 anos. Tinha havido um partido na Polónia que concorreu às eleições apresentando os candidatos e as candidatas nus. A ideia era partir de um país nu para se ir vestindo aos poucos. 
(ver em:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/01/ladies-godiva-no-metropolitano.html ).

Não ganharam as eleições, mas deram-me a ideia de fazer umas manifestações por cá, especialmente em empresas em que os trabalhadores estão melhor colocados do que os seus próprios clientes, ou a maioria da população. O facto é que na Ucrânia a ideia pegou e há um grupo de raparigas que se revezam em manifestações numa das praças principais de Kiev.
- E que respondeu a comissão sindical?
- Nada, como seria de esperar em Portugal. Por um lado, era retomar o espírito e a nudez de Lady Godiva. Protestar por serem os trabalhadores que têm de pagar as crises (e isto foi antes do Lehman Bros no Outono de 2008, antes dos especuladores financeiros e as “off-shores” terem ficado com a calvície à mostra). Por outro, chamar a atenção para que as reivindicações dos trabalhadores não devem limitar-se à questão salarial, devendo alargar-se aos aspetos organizacionais da comunidade e, especialmente, à integração dos assuntos sindicais das empresas com os problemas dos clientes das empresas, que são os cidadãos da comunidade onde funcionam as empresas.
- E tens aí o texto?
- Não , mas posso mandar-to por e-mail.

E aqui está o email que recebi:

Por aqueles anos, os economistas mais inspiradores das políticas restritivas dos governos já tinham coragem para, nos meios de comunicação social, explicar que os melhores indicadores de funcionamento da economia e a contenção dos preços só são possíveis com uma taxa de desemprego elevada.

Havendo desemprego, há o estímulo para que as pessoas trabalhem por própria conta, inventando sempre que possível novas necessidades de consumo para os outros cidadãos. E aqueles que não tiverem sucesso nessa competição pela inventiva, conter-se-ão na procura e aquisição de bens, especialmente importados.
E reduzindo a procura, podem manter-se os preços.

Ao mesmo tempo apela-se ao consumo porque importa manter a produção elevada e satisfazer os parceiros do exterior, importando os seus produtos, para a que a oferta seja superior à procura e assim continuarem a manter-se os preços e as taxas de juro baixas.
Objectivo supremo: manter as prateleiras das lojas sempre cheias (no fundo, a definição mais simples de crise, oposta à de inflação), sem que a procura, embora estimulada e elevada, alcance a oferta, de modo a conter os preços.

Continham-se por outro lado as tendencias para a inflação subindo as taxas de juro (mas se a estabilidade é ter taxas de juro baixas, porque subimos as taxas para alcançar a estabilidade?).
E apregoavam-se as vantagens de uma economia cujos indicadores eram tanto melhores quanto pior vivessem os beneficiários dessa economia (é como aquelas empresas em que os indicadores são tanto melhores quanto menos satisfeitos andam os seus trabalhadores).

As pessoas comuns, vivendo do seu trabalho, tinham dificuldade em aceitar tão santos princípios, e ingenuamente insistiam que a prioridade devia ser o emprego.

Pregavam os políticos que os portugueses deviam aumentar a sua produtividade e a sua competitividade…apelavam à desistência dos sistemas de protecção social, ao aumento da idade de reforma.

Nas empresas eram distribuídos gratuitamente jornais com artigos e crónicas de doutrinação naquele sentido, para que todos se habituassem à ideia de que os empregos certos, para toda a vida, iam desaparecer.

Foi assim que, no metropolitano de Lisboa, ao aproximar-se o termo da vigência dos acordos colectivos de trabalho, começaram a aparecer entrevistas em que as gerências das principais empresas de transporte justificavam a política de redução dos quadros de pessoal, a prática de contratação com vínculo precário (com os célebres recibos verdes), o recurso sistemático a empresas de prestação de serviços e de fornecimento de mão de obra, as mais das vezes não qualificada para as tarefas técnicas antigamente desempenhadas por profissionais do quadro de efectivos.

Em qualquer intervenção dos gestores ou dos ministros ressaltava sempre a injustiça dos empregados do Metropolitano terem um acordo colectivo, e os passageiros, que eram por eles transportados, terem empregos precários, sofrerem a incerteza na continuação do seu trabalho, sentirem a inutilidade dos protestos quando milhares de desempregados estariam prontos a aceitar um salário modesto e inseguro para os substituírem.

A doutora assessora da direcção de recursos humanos, que participava nas negociações com os sindicatos, via com preocupação crescente os maus caminhos tomados. Vinha-lhe essa preocupação também por ser casada com um dos sindicalistas.

Foi quando, do outro lado da Europa unida, na fria Polónia, ao aproximarem-se mais umas eleições, no meio dos mesmos problemas da nova economia que atormentavam os portugueses, uma escritora polaca teve a ideia de fundar um partido para concorrer ao Parlamento.
Um partido principalmente de mulheres, em que a metáfora de uma Polónia nua, porque despida do que as pessoas precisam para se sentirem bem consigo próprias e com a sociedade, apelava ao esforço nacional para que fosse vestida condignamente.
A doutora contemplou longamente a fotografia de propaganda do novo partido polaco. Aquela moça da frente fazia-lhe lembrar vagamente uma colega, de verbo fácil e riso espontâneo.

E das duas surgiu a ideia.

Iam defender os seus maridos e defender-se a elas próprias. Iam defender as cidadãs e cidadãos que todos os dias caminhavam para os seus empregos precários, ganhando menos que os empregados do metropolitano, sem a mesma segurança laboral e sem as mesmas regalias. Ninguém seria prejudicado por não ter comboios para o seu transporte diário.

Foram escolhidas as palavras de ordem: “Pela contratação colectiva”, “Acordos colectivos para quem trabalha, no Metro ou onde fôr”, “Trabalhadores do Metro podem ter menos regalias, mas os passageiros do Metro não podem ter menos”, “Queremos transportar passageiros com emprego, assistência na saúde e filhos na escola”, “Aplicação dos lucros dos bancos e das grandes empresas na criação de empregos”, “Criação de empregos em áreas competitivas para o País”, "Sim à Declaração Universal dos Direitos do Homem".

As empregadas de todos os departamentos do Metropolitano que se inscreveram na acção de protesto, e foram muitas, compareceram numa manhã de outono, bem cedo, na estação terminal de onde partia um dos comboios de inspecção (o comboio que no início do dia faz o percurso de toda a linha, ainda sem passageiros, para confirmara que nada ameaça a segurança da circulação). Tinham combinado com os seus colegas operacionais todos os pormenores. A colega da comunicação interna faria a cobertura fotográfica e de vídeo.
Primeiro tiraram uma fotografia de conjunto, à frente do comboio, com os seus vestidos coloridos. Outro grupo de colegas recolheu as roupas enquanto as manifestantes entravam nas carruagens da frente.
De alguma distancia, a colega da comunicação interna recolheu algumas imagens de vídeo, de modo que os corpos que se vislumbravam, alguns na verdade de uma elegância extrema, não pudessem ser identificados.
O grupo de fieis depositárias fez-se fotografar com as roupas dobradas, bem à vista, com a data e a hora da fotografia bem impressas. E entraram para as carruagens de trás.
Quando o comboio chegou à outra estação terminal, no fim da linha, repetiu-se o cerimonial por ordem inversa. Já havia passageiros na estação à espera. Conforme combinado, havia reporteres da imprensa e da televisão, a uma distancia respeitável e com interpostas colegas e alguns maridos para evitar a indiscrição das tele-objectivas.
Nos telejornais desse dia e na imprensa do dia seguinte a viagem das Ladies Godiva ocupou os lugares principais. Foi um exito de audiencia.

Um “Peeping Tom” [1], reporter de uma estação de TV que, disfarçado de empregado da limpeza, tinha conseguido umas imagens mais explícitas na estação de embarque, foi alvo de boicote, ao tentar passar as imagens na sua estação de televisão, pelas colegas entretanto avisadas.

O Ministério da Educação recebeu pouco depois o anúncio de que uma manifestação de professoras iria, por breves momentos numa determinada madrugada, usar a força do nu feminino para protestar contra a ignorancia dos decisores e a ineficácia das medidas do Ministério contra as deficiências em Português e em Matemática dos alunos.

Numa empresa do Rio Ave, as empregadas opuseram a sua força desnudada à retirada das máquinas que alguns accionistas queriam ver na Roménia.

Numa estação de televisão do norte, os trabalhadores a recibo verde (havia anos...) fizeram um protesto de nu, gravado com todos os cuidados para não identificar os donos dos corpos e para não chocar as almas piedosas.

Numa empresa do Alto Alentejo que pagava muito mal o esforço das suas funcionárias...
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[1] Peeping Tom é o nome do unico habitante de Coventry que, na lenda do século XI, violou o pacto de pudor de toda a população, que propositadamente se fechou em casa enquanto Lady Godiva fazia a sua travessia, nua e a cavalo, como forma de obter do senhor feudal, seu marido, o abaixamento de impostos que a todos beneficiaria

Ruinas 7 - junto da Avenida de Roma

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Insidiosa, a desertificação, insinua-se sem que demos por isso. Esconde-se atrás dos lódãos crescidos, nas avenidas discretas, perto das avenidas das lojas elegantes e que ainda têm movimento.
Falo da Avenida Sacadura Cabral, do percurso da Av de Roma para o Campo Pequeno.
O desastre da desertificação chegou a esta avenida, que pensávamos protegida pelo brilho da Avenida de Roma.
O processo foi simples. Os edifícios são dos anos 50 do século XX e a geração que por lá passou já desapareceu sem que tivesse sido substituída.
Malhas que a cidade tece, em auto-necrosização progressiva.
Dizem-nos os políticos que o mercado devia funcionar, mas já se sabe que no processo de reabilitação urbana o mercado não funciona. Têm de ser estruturadas empresas com custos controlados e os preços das rendas têm de ser indexados aos custos. Já foi feito, cá e lá fora, mas é preciso querer.
Nem os políticos parecem compreender que as soluções têm de ser analisadas em debates abertos, com a participação de especialistas que não sejam os ”reconhecidos”, porque o critério do reconhecimento não é objetivo e é estabelecido por quem não conhece as questões...
Porque será que os políticos não lêem o “Sabedoria das multidões”.
Era só seguir a metodologia exposta...

sábado, 24 de julho de 2010

Deep water Horizon

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A busca da energia é sempre um negócio temerário
Acreditem. Não pode haver energia barata.
Tem de se pagar, às vezes com desastres (Tchernobil, a barragem de Frejus, o acidente na central de gás nos USA, os naufrágios do Amoco Cadiz e do Exon Valdez)

No entanto, a gravidade destes acidentes justifica a investigação cuidadosa das causas e circunstancias.
No caso de Tchernobyl, alguém de espírito inovador (vivia-se a perestroika) resolveu fazer uns ensaios para tentar resolver a instabilidade congénita dos reatores quando em baixa carga.
Foram sucessivamente desligando os alarmes até a reação entrar francamente em cadeia.

No caso da “Deep water Hoizon” do golfo do México foi agora divulgado o que já se suspeitava: estavam desligados os alarmes de explosividade e de libertação de gases perigosos. Segundo uns, para não incomodar a tripulação com alarmes falsos às 3 da madrugada.
Dito assim, a indignação das multidões já tem quem colocar no pelourinho - os trabalhadores negligentes.

Mas não devemos ficar pelas primeiras análises.
Passemos às secundárias:
1 – a BP e outras petrolíferas são financiadoras de partidos representados no congresso dos USA
2 – a plataforma que explodiu destinava-se à perfuração e não à extração normal, e estava arrendada em “outsourcing” pela BP a uma companhia que tinha adquirido em bolsa a primitiva proprietária (isto para dizer que muitas das decisões são tomadas por quem está longe de conhecer o negócio na frente de trabalho)
3 – o sistema de monitorização principal da perfuração é designado por e-drill e centraliza em Houston, num centro de comando e controle, todas as informações e alarmes da perfuração (isto para dizer que, lá como em muitas mentalidades em Portugal, os decisores acham que tudo se resolve à distancia num centro de comando e controle; porque assim não é preciso –não? – investir na segurança local; porque se pode poupar na dimensão e na qualificação do pessoal nas plataformas; e porque a fé na informática casada com as telecomunicações é infinita).
Não culpemos pois os trabalhadores, onze dos quais morreram, por terem os alarmes desligados.

Reavaliemos antes os conceitos de economia e de centralização da segurança.
Reavalie-se o conceito de comando e controle centralizados.
A tecnologia atual, graças aos microprocessadores e à informática, permite descentralizar a inteligência da construção, da exploração e da manutenção.
Descentralizemos, pois, e atentemos mais nas questões técnicas e menos nas financeiras .


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sexta-feira, 23 de julho de 2010

As traineiras das conquilhas

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A fotografia mostra uma pequena traineira, com cerca de 6,5 metros de comprimento, arrastando as redes a menos de 50 metros da linha de água da praia da Manta Rota, na baía de Monte Gordo.
Trata-se de uma violação da lei, que interdita a navegação a menos de 200 metros das praias e este tipo de pesca a menos de 300 metros da linha de água.
Questionado o senhor polícia marítimo que se deslocava na praia num moto-quad, fui informado que as traineiras são avisadas via rádio de cada vez que a patrulha sai a barra do Guadiana e recolhem as redes a tempo de evitar a multa.
Possivelmente haverá interesse em evitar incidentes diplomáticos porque as traineiras são andaluzas, mas a verdade é que as conquilhas estão ameaçadas porque precisam de 2 anos para atingirem a idade adulta.
Mais informou o senhor polícia que o esforço da polícia marítima está de momento centrado na aplicação de multas por estacionamento automóvel indevido junto das praias.
Que é isto, comparado com as desgraças por esse mundo fora? Mas faz pena ver as conquilhas a desaparecer. Também faz pena ver que os pescadores não terão alternativa. Difícil, organizar as sociedades humanas.

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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Ir às aulas

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A propósito da oferta do salto do 8º para o 10º ano, cito a frase, com a devida vénia à professora que a disse ao jornalista : "Um aluno que não sabe, não sabe mesmo. Tem é de ir às aulas".
É o ponto de vista da realidade vivida na frente de trabalho (na qual não se encontram nem os meninos faltosos nem os burocratas do ministério da Educação) em oposição à virtualidade das decisões do ministério. Por acaso até me lembro das vantagens de se ir às aulas. Claro que eu era um privilegiado por poder ir às aulas. Mais uma razão para ir, não será?
Semelhanças demasiado fortes com os restantes domínios do país, essa oposição entre real e virtual, entre as avarias resolvidas no local da instalação ou na oficina, e as estatísticas saídas dos programas (software) de manutenção.

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'Foi você que encomendou um Panamera?




A pergunta vem a propósito da estatística de vendas de carros desportivos em Portugal no primeiro semestre de 2010.

Contas por alto, mais 50% de vendas do que no primeiro semestre de 2009.

Não vou sugerir aumento da taxação, que já é razoável. Nem talvez sugerir que seria interessante converter em registos nominais os registos que eventualmente estejam em nome de empresas. Assim como assim, por que não poderia uma empresa, através de decisão da sua assembleia geral de acionistas, determinar que os membros do conselho de administração tenham ao seu dispor Porsches Panamera? (Panamera é o nome do novo modelo da Porsche, com 4 lugares, dedicado à corrida ao longo da América do Sul; potencias de 300 a 500 CV).

Imaginemos que a assembleia da República definia a marca dos veículos de serviço da mesa da assembleia.

E imaginemos ainda mais que a marca definida era um desses elétricos que fica a carregar durante a noite.

E que a decisão se estendia a todas as empresas públicas.

Agora que 30% da energia da rede nacional é de origem eólica, fartávamo-nos de poupar em emissões de CO2 e baixávamos os custos por km (enquanto o kWh tiver os seus custos comprimidos, é muito mais barata a tração elétrica do que por combustível fóssil).

Durante a noite, as eólicas carregavam os carrinhos e carrinhas de serviço.

O que contrasta com os Panamera das administrações das empresas privadas e me leva a sugerir, em vez de aumentar a taxação, a reconsiderar , em termos mais democráticos, o funcionamento das assembleias de acionistas. Por exemplo, como se faz nas democracias, cada votante tem direito a um voto, independentemente dos rendimentos ou da sua contribuição para o VAB (valor acrescentado bruto cujo integral é o PIB).

Podia fazer-se o mesmo nas empresas privadas, cada voz, um voto, independentemente do número de ações. Sócio é sócio.

E, nas empresas públicas, também. O que suscitaria um debate interessante sobre o endividamento da empresa. Por exemplo, seja uma empresa que se dedica à manutenção e exploração de uma ponte. Será justo que tenha de pedir empréstimos ou subir as portagens para pagar os juros do empréstimo para a sua construção? (pareceria mais justo que a amortização se fizesse a prazo muito longo, em conta separada). Se já estivesse em prática este sistema, de uma voz - um voto, nas assembleias gerais, a dívida era devolvida à procedência, para a tal amortização a longo prazo, não seria? Bom, fica por resolver a questão de quem é que é sócio. Em princípio o cidadão contribuinte, o cidadão que trabalha nessa empresa (faz lembrar aquela da terra a quem a trabalha e a quem trabalha).

Neste aspeto, convergem as perspetivas supostamente divergentes: o poder das comissões de trabalhadores deve ser diminuído, certo, até aqui convergem, mas esse poder deve ser transferido para as assembleias de acionistas. Aqui nem todos estarão de acordo. Temerão que os investidores fujam. E para onde? Para países em que pagarão taxas mais elevadas?

Bom, com tudo isto, afastei-me do tema, mas é fácil de concluir: estimam-se 120 milhões de euros de vendas de carros desportivos em 2010 em Portugal. Os carros ligeiros de outras marcas atingirão provavelmente 2.200 milhões de euros  (cerca de 20 km de tuneis e estações de metropolitano equipados).

Os carros são como as pessoas: 400 automóveis geraram faturas de 120 milhões de euros, e 150.000 automóveis geraram faturas de 2.200 milhões de euros. Isto é, 0,27% dos automóveis absorveram 5,17% do rendimento total das vendas.

Pena os 120 milhões de euros não parecerem um investimento com retorno. Nem a maior parte dos 2.200 milhões de euros. Mas que é a vontade livremente expressa de comprar o carro que se pode, é.

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Ruinas 6 - Ameixoeira

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Entremos no coração da Ameixoeira, onde se encontra a sua junta de freguesia.
Temos aqui uns números de telefone que poderão informar sobre os preços do mercado de habitação da zona, integrada na Alta de Lisboa. O cartaz assenta num edificio em ruinas que não deveria estar em ruinas se atendermos à importancia da urbanização.

Viremos à esquerda e desçamos até ao largo da junta de freguesia. Sabiam fazer arranjos exteriores, os nossos antepassados:

Mas continuemos até à Calçada da Ameixoeira; e que fazer? deixar as ruelas e as casa de "fin de siècle" (XIX) ruir? ou explorar o potencial turístico? os nossos pensadores que comentam na televisão poderiam instalar aqui o quartel-general da cobertura das próximas eleições (ou dizendo de outro modo: pode discutir-se a estratégia para a cidade de Lisboa sem conhecer Lisboa?):


Lá ao fundo é a estrada do desvio; estamos perto de uma saída de ventilação do metropolitano, periodicamente vítima de assaltos vândalos. Mas podia fazer-se aqui um piquenique de burguesas:

No meio de um jardim grande e abandonado, vende-se, com projeto aprovado:



Felix ameixoeirensis catus:


Onde vai dar esta azinhaga? Não pergunto no espaço, mas no tempo:


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terça-feira, 20 de julho de 2010

Almoço na esplanada da Gulbenkian 4 – no meu tempo não era assim

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O meu amigo estava com a expressão dura do costume. Mas isso não o impedia de fitar meditativo cada uma das alcaparras frescas que levava à boca, retirando-a da salada mediterrânica e segurando-a pelo pedúnculo.
- Repara como a forma das alcaparras frescas se parece com a duma gota de água ou com uma semi-ampulheta. Isto vem a propósito. O tempo da ampulheta chegou ao fim. A areia escoou-se como o tempo e a paciência.
- Lá estás tu – obtemperei eu, mais fixado na maionese com cubos de queijo e fiambre e cerejas cristalizadas – que foi agora?
- Foi que está tomada a decisão, vou meter os papeis da reforma. Não quero saber dos discursos balofos dos políticos. Estou farto de os ouvir dizer que cada vez se morre mais tarde e ver 10% dos colegas do meu curso a já não existirem. Estou farto de ouvir os políticos e os economistas a dizer que cada vez há menos ativos a sustentar os reformados. Parece que não quiseram investir os descontos que me retiveram em coisas que dessem rendimento agora, para não estar a depender dos tais ativos. Mas não é por isso.
- É então por…?
- … porque no meu tempo não era assim. No meu tempo havia conceitos estruturantes da nossa empresa, livre de vícios de outras empresas.
Agora sou apodado de antiquado, avesso à inovação e perdulário porque não adiro à prevalência do “marketing” sobre o serviço efetivamente prestado.
O que me choca é a distancia ao terreno estar a conviver com a ligeireza dos conceitos.
Não me interessa saber que os clientes, antigamente chamavam-se passageiros…
- … era, antigamente tinham esse nome.
… andem com um índice de satisfação muito bom, quando o que me interessava era atrair os que não se servem destge modo de transporte e preferem o carrinho.
- Já vi que continuas mal disposto
- E depois é a institucionalização deste conceito de decidir com dados insuficientes que me põe neste estado (em Portugal, é raro quando se apresentam estatísticas para fundamentar uma decisão a quantidade de dados dessas estatísticas ser suficiente para fundamentar uma decisão, como se viu recentemente no debate sobre o estado da nação com os indicadores de pobreza, de recolha tão pouco confiável no terreno da realidade).
A nossa empresa vai ser mais um caso do provérbio chinês que define a utilidade de uma coisa.
A nossa empresa é como os eucaliptos.
São úteis a terceiros.
No caso dos eucaliptos pequenos, para fazer poleiros.
No caso dos eucaliptos médios, para fazer peças de mobília.
No caso dos eucaliptos grandes, para fazer mastros e postes.
Em todos os casos, para fazer pasta de papel.
Nunca poderemos então ver florestas de grandes eucaliptos.
É como as lulas, não as deixam crescer porque as pescam.
Assim não poderemos ver o nosso sistema de transportes de Lisboa crescer, porque vai tornar-se útil aos vendedores do outsourcing. (quiçá das privatizações parciais a pretexto da liberalização, da venda da dívida, etc, etc.). E isto só é possível porque conseguimos, no nosso tempo, algum sucesso, graças à correção dos projetos, à fiabilidade dos equipamentos e ao esforço do pessoal da manutenção, ter o serviço a funcionar com uma boa disponibilidade, o que criou a ideia de facilidade nos decisores, de que podem ir cortando no pessoal e espaçando as encomendas de peças sobresselentes e as intervenções, que tudo continuará a funcionar bem.
Abocanharam a nossa empresa e eu, se for abocanhado, comporto-me da mesma maneira, perante um adversário mais forte.
Digo mais forte porque não consigo moderar-lhe a sede de outsourcing, a sede de centralização (ignoram que os microprocessadores apareceram para descentralizar, para acabar com soluções à Estaline?), a sede dos cortes no pessoal, a sede dos indicadores saidos automaticamente de software redutor da realidade no terreno, a sede de experimentar soluções como quem testa um brinquedo. Tudo isto é fundamentado com as dificuldades financeiras do momento, para as quais não me lembro de ter contribuido com qualquer atividade especulativa.
- Não sei que te diga para te animar.
- Não digas nada. A decisão da reforma é irreversível.
Imagina que a última que fizeram foi decidir (possivelmente era a única decisão em função do prazo politico) que tudo quanto era equipamentos elétricos e eletromecânicos das novas estações fariam parte da empreitada de acabamentos de construção civil. Para ser mais rápido e para ser mais cómodo. Assim transfere-se para o empreiteiro a maçada de selecionar os fabricantes dos equipamentos.
No meu tempo não era assim.
- Isso também é porque a burocracia dos contratos públicos complicou tudo.
- Complicou umas coisas e descomplicou outras, mas vamos sempre pelo pior caminho das pedras. A lei da contratação pública também obriga a concursos públicos e assim os equipamentos passam a ser escolhidos pelo empreiteiro sem concurso público.
No meu tempo não era assim. Sempre defendi (por vezes com assinalável insucesso, mas não dei para tudo) a possibilidade de escolhermos os fornecedores sem que o critério económico ou o critério político dos prazos para as inaugurações nos impusessem fornecedores não desejados “pela manutenção”.
Agora, é o mesmo que o mestre de obras escolher a iluminação da casa do cliente, o tampo da cozinha e a marca dos eletrodomésticos. Sempre de acordo com o interesse económico do empreiteiro .
Pode ser que seja legítimo, mas deslustra o dono da obra.
Posso sair da empresa com algum orgulho dizendo: não , eu não fazia assim, eu selecionava entre fornedores da especialidade.
Retiro-me portanto, vendo os conceitos de outsourcing condicionarem as decisões.
A experiencia de congéneres nossos no estrangeiro, que nos precederam nessa fé, irracional como todas as fés (não estou a ofender ninguém, pois se até António Damásio acha que as decisões devem ser mais emocionais que racionais…), já demonstrou que, nos casos em que o outsourcing de projeto, ou de manutenção , ou de exploração, não era tecnicamente aconselhável, as coisas deram para o torto, mesmo do ponto de vista económico, com falências de companhias sempre que a câmara municipal ou o governo lhes falhavam os subsídios.
Mas não vale a pena tentar conter esta onda que enfraquece as nossas empresas de transporte. Ela é mesmo mais forte.
- E a nós só nos resta, para já, saborear os pasteis de nata e os cafés.


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domingo, 18 de julho de 2010

Very fast post in blog.23- Indicador de subdimensionamento

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A fotografia anexa constitui um indicador de que o dimensionamento do sistema de recolha do lixo não foi feito para os dias de ponta (neste caso, os dias de férias no Algarve). Com tudo o que isso signifia, que os projetos das habitações e do urbanismo da zona não previram espaços nem mecanisnos de  seleção e reconversão dos lixos. É um exemplo para os técnicos de transportes: os modos de transporte dimensionam-se em função das pontas de afluência, como os diâmetros dos cabos elétricos, aliás. Mas  é difícil de ser aceite.


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sexta-feira, 16 de julho de 2010

O IPO

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Dos jornais: "O Instituto de Oncologia" já não sai de Palhavã"

Provavelmente aconteceu o mesmo que com o novo aeroporto. Triunfou uma análise mais cuidadosa, considerando todos os dados do problema.
Embora as condições de mercado no nosso país, graças à falta de controle de custos das empreitadas de construção civil, privilegiem a destruição e a construção de novo (vejam-se as asneiras da construção dos estádios do Euro 2004), a verdade é que era gritante a falta de espaço no terreno da Bela Vista quando comparado com as instalações atuais (como é possivel ter a coragem de propor um terreno daqueles?).
E se mesmo assim, acharem pequeno o terreno de Palhavã, os terrenos das antigas oficinas do metro, de Sete Rios, estão mesmo ali ao lado.
Enfim, foi anunciada a primeira fase de remodelações: 45 milhões de euros.
Aplausos.
Entretanto, este facto deixa muitos de nós (assinaram a petição?) com a esperança de que venha a acontecer o mesmo com o hospital pediátrico da Estefânia. Não sou eu que digo, são os técnicos de pediatria. deslocar o hospital da Estefania para o Todos os Santos na Bela Vista (de repente, o provincianismo de Lisboa ter terrenos na Bela Vista) é um disparate.
Os casos da falta de ambulancias, da falta de médicos nas urgencias dos hospitais principais, da falta de psicólogos no Julio de Matos, já são suficientes para provar que os anteriores decisores não estavam a entrar com todos os dados na equação e que as soluções  que propusseram nem sequer eram as mais económicas. A falta de ambulancias em Silves obrigou à intervenção de um helicoptero do INEM, ficou mais caro. Contratar médicos tarefeiros fica mais caro, etc, etc.
Logo, vamos esperar que a Estefania e o Julio de Matos se mantenham. Fechá-los fica mais caro. Já há experiencia de que os anteriores decisores se enganaram (como é que se dizia dantes? falsos profetas, não era?).


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quinta-feira, 15 de julho de 2010

Pequena incursão no domínio da fiscalidade, como homenagem a Rogério Fernandes Ferreira

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Com a devida vénia ao DN, transcrevo, da notícia necrológica dedicada a este emérito fiscalista, o seu parecer de que a reforma fiscal deveria atenuar o peso fiscal sobre as camadas da população mais castigadas e que tudo estava por fazer no controle aos “off shores”. Que “os carros de luxo e as casas não estão em nome de pessoas singulares mas de sociedades, e muitas delas sediadas em “off-shores””.

Isto deveria ser divulgado amplamente até que os governos ponham em prática essas reformas.

Já vi, recomendado nos jornais e proposto em manifestações de rua, taxar as transações em bolsa e não as mais valias, porque seria mais fácil e renderia mais receita fiscal.
Já vi proposto taxar os depósitos dos “off-shores” em 20%, como fizeram os governos holandês e espanhol.
Já vi um partido político propor a curto prazo medidas nesse sentido, estimando uma receita fiscal de 3 mil milhões de euros.

Proponhamos então um cruzamento entre a lista de rendimentos em nome de pessoas singulares e a lista de rendimentos em nome de sociedades. As sociedades têm acionistas e os acionistas têm nome. Logo, é possível fazer esse cruzamento e elaborar uma lista única de rendimentos, exclusivamente em nome de pessoas singulares, declarando desde já que a privacidade seja de quem for não é para aqui chamada, o que é chamada é a tributação personalizada, naturalmente progressiva (deixemo-nos dos disparates regressivos de Milton Friedman). Acabemos com a burka do sigilo económico. O sigilo não é o segredo do negócio. É uma forma de economia subterrânea.

Aplausos, portanto, para a vida de Rogério Fernandes Ferreira.


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terça-feira, 13 de julho de 2010

Micro-ensaio sobre os insetos altruístas

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Micro-ensaio é isso mesmo. Pequeno demais para ser um ensaio, mas mesmo assim como se pudesse vir a ser um ensaio.

Tal como a minha professora de ciências naturais do liceu nos ensinava, não deveremos estudar os grupos de animais segundo os padrões da sociedade humana.

Mas podemos analisar o comportamento dos bichos para fazer metáforas.

As formigas são um exemplo de predomínio do coletivo sobre o individuo.

Por exemplo, uma formiga pode desenvolver uma espécie de vacina quando todo o grupo é ameaçado por uma epidemia; a pobre formiga desfaz-se a si própria na vacina que impede a propagação da epidemia; é como se o indíviduo se sacrificasse para redimir ou salvar todos os seus semelhantes.

Claro que este comportamento não resulta de nenhuma decisão; é apenas um mecanismo de proteção da espécie. E como qualquer mecanismo biológico, a capacidade humana para estabelecer relações entre supostas causas e supostas consequências terá, por exemplo, transformado o mecanismo em fenómeno religioso. Veja-se o caso do deus indu Aravan, escolhido pelos deuses para se sacrificar para os salvar. O que Aravan aceitou, com a condição de se casar na véspera da batalha em que ia morrer. Nenhuma noiva o quis, pelo que Krishna, um avatar do deus supremo Visnu, tomou a forma de Mohini, que deu a Aravan a noite de núpcias merecida. E assim Aravan é considerado o progenitor das hijras, os transexuais homem-mulher na Índia. Não inventei nada. Tudo isto faz parte da religião indu. O cérebro humano, em grupo, consegue criar relacionamentos entre comportamentos, como a formiga consegue criar vacinas. Provavelmente o efeito protetor sobre a espécie será o mesmo, se podemos dizer que a religião protege de alguma coisa, do medo, talvez.

Mas talvez seja mais fácil analisar o comportamento dos insetos altruistas entre os pirilampos.

Verificou-se que os grupos de pirilampos macho sincronizam os seus

flashs em vez de emitir as luzes aleatoriamente.

Se o fizessem, algumas, apenas algumas pirilampos fêmea reagiriam aos flashs.

Essa seria a proposta de Adam Smith, que os mais capazes emitissem os seus apelos, sendo certo que só muito poucos receberiam o retorno (é a velha historia de 10 % de indivíduos terem 90% do rendimento).

Porém, os pirilampos são também insetos altruístas e sincronizando os seus flashs permitem às fêmeas escolher calmamente os seus acasalamentos. Essa seria a proposta de Marx, distribuir os benefícios pelo maior número possível de indivíduos. Como dizia John  Nash (teoria da conciliação e da negociação), não devem todos os pretendentes concentrar-se simultaneamente na loura de olhos verdes.

E não esqueçamos que os insetos estão razoavelmente preparados para resistir às radiações nucleares e às mudanças climáticas.

Mais uma vez regeito qualquer racionalidade entre as formigas ou entre os pirilampos. Mas também é capaz de não haver muita racionalidade nos comportamentos humanos. Pode ser apenas uma reação de grupo, de movimentos moleculares, de mecanismos protetores de uma espécie. Ninguém desejaria alterar o código genético do indivíduo de modo a que ele se sacrificasse pelo coletivo, nem tão pouco de modo a que limitasse a sua liberdade individual contentando-se com um benefício igual ao do coletivo, quando tinha uma oportunidade de o ter maior.

Porém, não devemos propor a mudança do código genético, mas podemos pedir a utilização do cérebro para melhorarmos o bem estar do coletivo. É por isso que existe o código da estrada. Todos vão sincronizados, na autoestrada, a 120 km/h, de acordo com as regras de circulação pela direita, em nome do bem estar coletivo. Altruísmos.


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terça-feira, 6 de julho de 2010

A última reunião

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A ampliação da gare do Oriente far-se-á numa faixa adjacente do lado Poente (para a esquerda, na foto da esquerda, para a direita, na foto da direita), com 3 novas vias e dois cais, para a alta velocidade








A reunião de hoje, terceiro dia do calor de Julho, da comissão de normalização de que ainda faço parte, é no Entroncamento, na EMEF.
É uma sensação engraçada, estar a poucos dias da reforma, pegar no computador portátil e partir para uma reunião, com ar de executivo atarefado, com o ar concentrado de quem se detem nos pormenores de uma decisão complexa.
Como já disse, sou ferroviário e por isso deixo o carro no parque de estacionamento da gare do Oriente.
Está cheio, o parque.
Não sou só eu que apanho o comboio aqui.
De manhã mais cedo, muitos destes automóveis deixaram aqui os seus condutores para a viagem ao Porto.
Pobres dos adeptos dos raciocínios primários, que acham dispensável o investimento no TGV para o Porto.
Digo pobres porque não é bonito ficarmo-nos pelo primarismo do raciocínio.
Devemos passar ao secundário.
E o raciocínio secundário diz que a linha do norte está saturada.
Sigo no comboio das 11:39 e vai quase cheio.

Antes, tenho tempo para ler o jornal e tomar o pequeno almoço na gare do Oriente.
Está muito calor e o calor provoca em mim o efeito que provoca nos africanos e nos brasileiros, o que é natural porque o código genético é o mesmo.
Os mecanismos de inibição atenuam-se com o calor e dou por mim a meter conversa com o vizinho da mesa da esplanada e com a rapariga que traz o seu pequeno almoço na bandeja e procura lugar.
Os mecanismos de predação e, consequentemente, os de alerta contra predadores, estarão também atenuados, e não parece haver reservas nas conversas inocentes, nem mal em espreitar as toiletes descuidadas das raparigas, de saias curtas e chinelos de praia, nem elas se sentirão constrangidas por serem observadas.

Mas não havia só raparigas bonitas.
Ao fundo da esplanada, um sem abrigo sentado na cadeira, todo dobrado sobre si próprio, com um copo de cerveja meio vazio na mesa.
A mulher, pobremente vestida, com um lenço à volta da testa, expressando-se em voz guinchada, tenta e consegue convencê-lo a levantar-se.
Reúnem as suas coisas, um carrinho e embrulhos, e dirigem-se para o seu trabalho de recolha de papeis.
Ao lado, quatro arrumadores jogam às cartas.
Estão no intervalo do seu trabalho, arrumados que estão os funcionários do complexo do Parque das Nações.
É a economia paralela a funcionar, com o desprezo que pessoalmente considero escandaloso das instituições regulares pelos artigos da declaração universal dos direitos humanos que falam do direito ao emprego e do direito à segurança social.
Os nossos decisores desprezam estas pessoas, pronto.

Preferem as obras de fachada, como esta infeliz ideia de ampliar a gare do Oriente por ajuste direto ao projetista, autor da gare tão exposta à intempérie. Para albergar a estação central de alta velocidade de Lisboa, que infelizmente não vai ficar na posição mais central no vale de Chelas. A confusão que se vai estabelecer aqui nesta gare do Oriente, durante as obras, com o pó a sujar as toiletes das senhoras e das raparigas que por aqui passam tão elegantes.

Enfim, mais uma reunião, talvez a última, desta comissão de normalização, em que participei.

PS - Durante a reunião debatemos a problemática do TGV em Portugal. Alguns de nós chamaram a atenção para que o principal problema do TGV em Portugal será o da manutenção de via. Porque terá de ser rigorosa e cara para garantir a segurança em alta velocidade.
Curiosamente, depois da reunião, tive uma pequena demonstração sobre o conceito de manutenção de via. Enquanto aguardava o alfa pendular, na estação do Entroncamento, os funcionários da estação informaram que o tráfego estava demorado porque em Vale de Figueira todos os comboios circulavam em via unica. Vale de Figueira é a poucos quilómetros ao norte de Santarem. Com o calor, um dos carris dilatou para além do tolerável e provocou um garrote (um bico). Consequencia: atrasos nos regionais, nos intercidades, nos pendulares, em ambos os sentidos, até no Sud-Expresso. Deveria ter chegado ao Oriente às 20:30, cheguei às 22:30. Coisas que acontecem quando uma infra-estrutura serve para todos os modos e que não interessa muito a quem decide as coisas sem estar dentro dos problemas reais. E se chegámos às 22:30 foi porque o nosso colega maquinista exagerou um pouco entre Azambuja e Vila Franca; viémos a 220 km/h quando a via não estava em estado para isso; a carruagem tremia por tudo que era sítio.
Não vou discutir a teoria dos aparelhos de dilatação nem os métodos de fixação de via e das travessas. Mas vou:
1 - recordar a afirmação de um antigo trabalhador de via na linha do Tua, no filme Pare, escute e olhe: "antigamente, no meu tempo, eramos 24 a tratar da via; agora não chegavam a meia dúzia..." (muitas vezes os gestores não tiveram conhecimento direto dos problemas reais da manutenção; por isso devem ser prevenidos contra os riscos de acreditarem na diminuição cega dos quadros de pessoal e na ilusão do "outsourcing" resolver todas as situações; embora eu não esteja seguro de ser ouvido)
2 - juntar duas fotografias que tirei à via na estação do Entroncamento. Por lá passam os alfa pendular (a velocidade reduzida, é certo, e com impecável acompanhamento do pessoal da estação para evitar atropelamentos, uma vez que não há passagens aéreas nem subterrâneas!). As travessas afundam no balastro descompactado à passagem dos bogies e podem ver como a madeira está rachada. Na outra fotografia pode também ver-se a deformação dos carris à aproximação da estação
  



Como referido na reunião, manter a via férrea custa muito dinheiro. Como aliás, qualquer infra-estrutura de transporte, como foi agora divulgado com as contas das estradas de Portugal. Isto é, não venham fazer como de costume, querer resolver o problema dos transportes com auto-estradas.




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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Economicómio LVI – 4 vozes

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Quatro citações:
1 – Paul Krugman, prémio Nobel de Economia: "A mania dos governos europeus de fazer aprovar planos de austeridade é masoquismo e a contração orçamental pode prejudicar a economia global"
2 – Joseph Stieglitz, prémio Nobel de Economia: “Numa economia nacional não se pode fazer como numa economia familiar, cortando despesas para pagar dívidas. Numa economia nacional o corte de despesas provoca a diminuição da atividade económica, do investimento e dos impostos e o aumento dos subsídios do desemprego. Não chegará portanto o dinheiro para pagar as dívidas.” E ainda: Não há nenhuma razão para não taxar os ganhos especulativos”. E: “Em vez de cortes, o dinheiro deve ser redirecionado para investimentos com retorno”.
3 – Jean Claude Trichet, presidente do Banco central europeu: “As medidas de austeridade são uma boa gestão orçamental. A redução dos défices vai promover o crescimento económico”
4 – José Sócrates, primeiro ministro de Portugal: “As posições da Comissão europeia derivam de posições ideológicas ultraliberais”

Salvo melhor opinião, digo assim porque não pode haver certezas em nada deste mundo, quer-me parecer que, considerando a gravidade de todas estas questões, o peso intelectual que têm as citações de 1 e de 2, o curioso da afirmação de 4, vinda como vem de quem pratica ações liberais, e a contra-corrente da afirmação de 3, as decisões só deveriam poder ser tomadas por decisores eleitos, por uma questão de partilha de responsabilidade.
Isto é, o cargo de presidente do banco central não tem que ser desempenhado por um senhor que não foi eleito para o seu cargo pelos cidadãos e cidadãs.
A economia é política (salvo melhor opinião, também; porém não se consegue descortinar exemplos em que a economia não seja política; pelo contrário, todos os dias surgem indícios de que o poder político convive promiscuamente com o poder económico, como foi agora noticiado o caso do administrador da SIEV, a empresa dos chips das portagens, que há dois anos era assessor do senhor secretário de estado dos transportes; não tem nada de ilegal, só tem de promíscuo, coisa que, como se sabe, não está regulada pela legislação, nem terá de estar, para que não se diga que a justiça popular andava em jacqueries a perseguir o poder económico).
Logo, um cargo destes, como o de governador do banco central europeu, deveria ser de eleição alargada.
Salvo melhor opinião.


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domingo, 4 de julho de 2010

Depressão de fim de semana

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A depressão de fim de semana começou logo na sexta feira de manhã.
Um email inesperado anunciava o fim da colaboração com uma jovem colega, da empresa subsidiária.
O seu vínculo contratual era a termo certo e não lhe renovaram o contrato.
Coordenava, e bem, o trabalho de auditoria energética a que a nossa empresa é obrigada por força das disposições comunitárias (escrevo assim propositadamente, uma vez que a legislação nacional ainda aguarda uma regulamentação duma regulamentação), por ser uma empresa de transportes consumidora intensiva de energia.

Os decisores aplicaram os critérios dos economistas que nos governam, e cortaram na despesa.
Bem pôde Keynes pregar que se se corta na despesa os outros fatores da equação diminuem e também, perigosamente, diminui o PIB.
Sem investimento não há produção.
É´ isto que os defensores da gestão escocesa (a do cavalo e da redução da despesa com a palha) não querem aceitar.
Não querem, pronto, e a nossa colega está a procurar governar a sua vida por outro lado.

Continuação da depressão de fim de semana recordando os queixumes do senhor presidente da República e a sua recomendação: que os portugueses procurem emprego nas empresas privadas.
Cito de cor, mas foi a ideia com que eu fiquei. Depois de lancinantes apelos aos senhores empresários, para que aplicassem o seu (deles) empreendedorismo para melhorar a economia, os apelos são agora aos portugueses para que encontrem emprego em empresas privadas.
A minha jovem colega encontrará emprego numa empresa privada?
Ou criará uma empresa privada?
Mais uma para a selva de Adam Smith?

Sem querer ressuscitar Keynes, não seria melhor seguir a proposta de Melo Antunes, que não era professor de economia nem de finanças, mas já sabia que o setor empresarial do estado (aquele que resolve as externalidades de interesse público) devia conviver e colaborar com o setor privado (aquele que acha que o interesse egoísta se repercute no benefício coletivo).
Como é que Melo Antunes sabia isso, como é que se consegue traçar a linha de demarcação dos dois setores? Por que razão não aceita isso o representante de todos os portugueses, criminosos ou não, com a missão específica de supervisionar o regular funcionamento das instituições? (vêem? É a depressão de fim de semana, a achar que a probabilidade das instituições publicas não estarem a funcionar regularmente sobe a taxas mais elevadas do que a das cotações das empresas de sucesso na bolsa).

Talvez Melo Antunes conhecesse o teorema de Gudel.
Que diz simplesmente que não há um teorema universal que seja válido em todos os domínios da Matemática (dispensem-me de justificar este teorema como universal; essa questão já tinha sido tratada com êxito por Bertrand Russel).
Há uns teoremas que são impecáveis num domínio. Mas noutros não.
É como as empresas públicas e as privadas.
E como os seus empregos.
É como a legislação nacional.
Não pode ser universal (no seu campo de aplicação, não no universo dos cidadãos e cidadãs, claro).
É muito louvável proibir ajustes diretos para combater a corrupção.
Mas o legislador não quis saber se o domínio concreto onde trabalhava a minha jovem colega era de aplicação universal. Não era. A empresa subsidiária não tinha que ser considerada como uma empresa independente no mercado. Os mecanismos para garantir a gestão correta da empresa subsidiária são outros, mas têm de me perguntar .
Em resumo, o cumprimento da obrigação comunita´ria de realizar a auditoria energética sempre que a empresa consome mais de 500 toneladas equivalentes de petróleo ficou mais, muito mais longe.
São responsáveis pelo não cumprimento dessa obrigação o legislador que acreditou ingenuamente que podia haver leis aplicáveis em todos os domínios, sem conhecer os meandros da vida real nem perguntar a quem os conhece, e os decisores que não renovaram o contrato à minha jovem colega.
Mas podem estar tranquilos. Isto só se passa no meu tribunal interior. Que, como se sabe, não é de aplicação aos domínios exteriores.


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sábado, 3 de julho de 2010

Seja um metro, um metropolitano

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Seja um metro, um metropolitano, da capital de uma região autónoma.

Seja uma comissão sindical, não, duas, que embirram com a arrogância, a petulância, a empáfia e a ignorância dos políticos em questões de transportes, e cito o antigo diretor desse dito metro , ou melhor das políticas e dos políticos que governam a região autónoma e, por inerência, o referido metro.

Então, as condições económicas difíceis determinaram a redução pelo governo nacional dos salários das empresas em cujo capital está a parte pública, como é o caso do referido metro.

Sabe-se que esse governo, para combater a desigualdade de rendimentos , até aplicou uma boa taxa aos depósitos “off-shore” dos cidadãos e cidadãs desse país, dissemelhantemente do que se passou no nosso país, e por isso não deve ser acusado de protetor dos privilegiados.

Porém as comissões sindicais embirram mesmo com as tais políticas e políticos dirigentes , e cometeram o pecado de prejudicar as cidadãs e cidadãos trabalhadores da região autónoma ao fazer greve.

Prejudicaram mesmo, até porque trabalhar no metro é sem termo, e a maior parte dos passageiros que são transportados trabalha a termo certo, o que não quer dizer que nas próximas eleições esta maior parte vote em programas que defendem o sem termo (pareceria a melhor maneira para cumprir a declaração universal dos direitos do homem, mas se calhar não vai acontecer), isto é, quem fica prejudicado com as greves também sofre do pecado da falta de solidariedade, porque acha que mesmo a termo certo não tem que defender programas de pleno emprego (ou pleno subemprego, mas não consigo acreditar que o desemprego seja melhor).

Eu também acho mal, porque as comissões sindicais aplicaram, em vez do princípio da solidariedade que está nos textos fundamentais que as enformam, o princípio do interesse egoista de Adam Smith, que diz que quando eu satisfaço os meus interesses estou a contribuir para a satisfação dos interesses dos outros (lá está, falaciosamente se poderia dizer que graças a estas greves, os trabalhadores do metro vão ter algumas reivindicações satisfeitas e, portatno, a população da região autónoma vai ter um metro a funcionar com melhor ambiente de trabalho, mais eficiente e seguro; é uma falácia, mas é também uma dedução adam smithista, a qual não subscrevo, obviamente).

Mas não são as motivações nem as avaliações morais que quero discutir.
Quero discutir as estimativas de perdas nesse metro por cada dia de greve.
E queria interrogar-me: quais serão as estimativas no nosso metro de Lisboa?

Segundo a comunicação social dominante as perdas por dia de greve foram:
- perda diária de receitas no metro da região autónoma: 3,2 milhões de euros
- perda diária de receitas dos comerciantes da área metropolitana: 25%
- perda diária de quantidade de trabalho: 12 milhões de homem.hora

Admitindo que o referido metro transporta diariamente 2,5 milhões de passageiros, isto é, cerca de 4 vezes mais do que o nosso metro de Lisboa, talvez se pudesse estimar que as perdas em Lisboa seriam cerca de um quarto, o que daria 800 mil euros de perda de receitas. Mas não, admitindo 600 mil passageiros por dia e que cada passageiro tem uma receita virtual de 60 centimos, digo virtual por causa da existência do passe social e cito de cor, então a perda diária de receitas no nosso metro de Lisboa seria de cerca de 360 mil euros. O que é bastante menos de um quarto e indicia que a estrutura de custos do metro de Lisboa necessita de reparação ou, também, que o valor dos salários em Lisboa é menos de metade do valor dos salários na região autónoma em questão.

A existência do dito passe social atenua as perdas porque a receita já foi recebida.
A definição dos serviços mínimos que condiciona a avaliação das receitas também será subjetiva.
Dir-se-ia que serviços mínimos seria a oferta suficiente para transportar as pessoas que têm atividade remunerada, liberal ou por conta de outrem, sem termo ou a termo certo, e que não podem deslocar-se por outro meio de transporte. Confesso que não tenho dados para estimar.

A conclusão que eu tiro é a de que os dados relativos ao metro da região autónoma não parecem ser de muita confiança. Mas os cálculos para as estimativas de perdas numa eventual greve em Lisboa também não parecem ser de confiança. Isto é, discutimos as coisas, mas em termos virtuais

Vêem por que razão eu não queria discutir as motivações e as avaliações da greve do metro da região autónoma?
Eu centro-me na declaração universal dos direitos do homem: direito ao trabalho, não ao desemprego.
Se não tenho números, é só o que me interessa dizer, e muito gostaria que não se enganassem os cidadãos e as cidadãs com números.

PS - Tenho de corrigir a informação: a receita média por passageiro do Metropolitano de Lisboa não é 60 centimos. É 34 centimos!! por causa do passe social. O que daria uma perda diária virtual de 200 mil euros. Que número tão pequeno para o efeito (deixo a escolha do efeito ao leitor).




 
 
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O conceito estatístico de 3 vezes por semana

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Tenho muita consideração pelo senhor ministro da justiça.
Quando jovem, na capela da universidade de Coimbra, levantou-se e dirigiu-se ao presidente da república Américo Tomás, pedindo-lhe a palavra.
O homem não lha deu, mas Alberto Martins tomou calmamente o seu lugar na história da resistência.

Porém, tenho conceitos estatísticos diferentes dos dele.

Também tenho alguma consideração pelo senhor secretário geral da segurança interna.

Mas também tenho conceitos diferentes de estatística.

Sobre o conceito de estatística do senhor ministro da administração interna não vale a pena argumentar, desde que preferiu os indicadores favoráveis das estatísticas de que dispunha, na cimeira de Viana do Castelo, enquanto no quarteirão ao lado o museu do ouro era assaltado com uma morte.

E desde que manda para o Eurostat o número de vítimas da sinistralidade rodoviária sem contabilizar as mortes dos feridos graves nos hospitais.

Não vale a pena também discutir o erro da duplicação da estatística dos crimes com armas de fogo (dependência do ministério da Justiça).

As discrepâncias são tão grandes que não vale a pena. Porém dou alguma credibilidade às estatísticas da PJ, cujo diretor contrariou a desculpa dada pelo senhor ministro da Justiça, garantindo que nas estatísticas da PJ não tinha havido duplicações.

O problema de evitar duplicações também se põe em qualquer empresa de transportes quando serviços diferentes fazem o registo das ocorrências. Qualquer colega que trabalhe nisso poderá explicar aos senhores ministros como se faz (se quiserem aplicar o art.48 da Constituição, relativo ao diálogo entre as entidades oficiais e os cidadãos, claro).

Mas repito, não vale a pena discutir estes números. Todos sabemos que a criminalidade está acima do tolerável, configurando um funcionamento irregular das instituições públicas.

Que descende diretamente, a criminalidade, do insucesso escolar, do desemprego e da desigualdade de rendimentos, e que continua a perder-se esta guerra, porque o insucesso escolar não pode resolver-se apenas nas escolas.

Para um funcionário, como eu, de uma empresa de transportes, a estatística que mais rigorosamente reflete o estado das coisas é muito simples, e é esta que os colegas da linha de Sintra de comboios suburbanos sentem na pele:

3 revisores agredidos por semana.

Não vale a pena virem com desculpas de “marketing”, ou de perceção da realidade, ou de aleatoriedade estatística.
Todas as semanas há 3 colegas agredidos. Sabe-se porquê: insucesso escolar, desemprego, desigualdade de rendimentos.

Se se quer melhorar a eficiência energética, aumentando a quota de transporte coletivo relativamente ao transporte individual, tem de se atacar as causas, não será? Por mais “carjacking” que ameace o transporte individual.

 
PS - Segundo informação pública da CP, de 5 de Julho de 2010, as 3 agressões por semana referem-se ao conjunto das linhas de Sintra e de Cascais, cujo tráfego diário é de cerca de 300 mil passageiros.
Peço desculpa pela imprecisão, cuja correção não me parece contrariar o diagnóstico: pode reprimir-se a criminalidade, mas as suas causas são claras: insucesso escolar (cerca do dobro do resto da Europa), desemprego, desigualdade de rendimentos. 
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