Arrastamento de inertes
Os aluimentos dos pavimentos de estradas ocorrem normalmente como consequência do fenómeno do arrastamento de inertes.
Isto é, forma-se mais ou menos lentamente um caminho subterrâneo para as águas irem arrastando as terras que suportam os pavimentos.
Há muitos anos aconteceu isso na própria galeria do metro, em Entrecampos. O coletor central, colocado sob as vias partiu-se sem que isso fosse detetado. As terras que suportavam o balastro sob o leito de via foram lentamente sendo drenadas pelo interior do coletor até que a altimetria das vias se alterou sensivelmente. Nestas coisas a sensibilidade dos maquinistas é superior à deteção automática.
Também há muitos anos, durante um inverno chuvoso, houve estradas recentemente construidas na região de Lisboa e no Alentejo que se fenderam longitudinalmente ou simplesmente foram arrastadas
por arrastamento de inertes depois da liquefação ou solução de solos.
Porém, uma coisa é os fenómenos ocorrerem em contexto de difícil deteção.
Outra é a gravidade de um ambiente de facilitismo e de aceitação de procedimentos incorretos, ou em linguagem mais terra a terra, de desculpabilização.
Os aluimentos na A41 e na A14 entristecem-me. Não por serem erros de engenharia cometidos por colegas. Porque também os cometi e que podiam ter consequências graves (gelei quando a cabeça de um carril foi arrancada perto da Praça de Espanha, por não ter antecipado que a soldadura que o empreiteiro de sinalização ferroviária estava a fazer deficientemente ia fragilizar o carril; fotografei tudo e apresentei o relatório no comité de metropolitanos, não escondi o erro nem o risco que se correu de descarrilamento). Mas porque o que interessa é estudar os erros para evitar a sua repetição. Não interessa culpabilizar (e por isso é inútil a desculpabilização como criancinhas apanhadas pelo professor), interessa evitar a repetição do desastre.
Tanto no caso da A41 como no da A14 houve, como normalmente tem de acontecer, ocupação de solos com uma barreira que se opõe ao escoamento natural. O efeito barreira só é evitado com túneis ou com construção em viaduto. Por este facto, considerações ambientais deveriam reter as hipóteses de construção em viaduto e o seu embaratecimento através de métodos de construção em série. Existe tecnologia amplamente experimentada.
Caso da A41, no acesso para Alfena, Valongo
No caso da A41, menos grave, o aterro da autoestrada não deu suficiente espaço para o escoamento de um pequeno riacho em situação de caudal de cheia. Terá havido subavaliação dos riscos de cheia perante a reduzida expressão do riacho (ver imagem). O arrastamento de inertes terá "descalçado" o apvimento. A Avaliar pelas imagens, não existia betão armado nem camada de brita entre o riacho e o pavimento da autoestrada (o que no primeiro caso encareceria a construção).
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o aluimento ocorreu sensivelmente no local onde se vê um camião, por cima do riacho, definido pela correnteza da vegetação |
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continuação para poente do percurso do riacho ( a autoestrada está para a esquerda, ou nascente; é visível a deficiente organização dos solos, independentemente da autoestrada) |
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continuação para poente do riacho |
Dado que aquilo que o cliente pagou e está a pagar pela autoestrada (rentabilidade entre 8 e 16% para a entidade financeira que financiou a construção - ver "Parcerias público-privadas" de Joaquim Miranda Sarmento, ed.Fundação Francisco Manuel dos Santos), parecerá razoável que a ocasião seja aproveitada para reduzir essa rentabilidade, por caso de force majeure, a 3%. deixando à entidade financeira e ao construtor a tarefa de acertar os detalhes da operação. Relativamente ao concessionário, considerando que lhe era possível por simples observação a deteção de uma situação potencial de risco, por má ocupação do solo, parece também razoável imputar-lhe o custo integral da construção de um aqueduto inferior de betão armado de dimensões suficientes para o caudal de cheia da bacia hidrográfica envolvida e o pagamento de uma renda por cada mês em que o tráfego não estiver reposto após a construção desse aqueduto, igual ou superior aos seus lucros atuais. Igualmente deverá ser imputada ao concessionário uma parte dos custos de uma inspeção a todo o troço de autoestrada concessionado para deteção de riscos semelhantes, partindo da análise das deficiências da ocupação dos solos (efeito barreira).
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vista da zona do aluimento, já durante as obras de reparação |
Caso da A14, no troço entre Montemor o Velho e a ligação à A17
Este caso é mais grave, por se tratar da ocupação por efeito barreira de uma bacia hidrográfica composta por campos de arrozais e por canais e ribeiros, sendo possível compara as soluções de engenharia recentes adotadas na A14 com as da estrada antiga Maiorca-Montemor o Velho.
Esta, construida também em aterro, tem 7 pequenas pontes ou viadutos de betão armado que resistem há décadas, não só por serem de betão armado, mas também porque a barreira tem de ser interrompida a espaços curtos para as cheias não provocarem pressão excessiva sobre a barreira e as secções de escoamento. Ver imagens.
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imagem de uma das pontes da estrada antiga |
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outra das pontes da estrada antiga |
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vista da mesma ponte |
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aparentemente, a terra que se vê em primeiro plano veio também do substrato sob o pavimento (arrastamento de inertes) |
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não parece haver betão armado nem brita sob o betuminoso; os inertes foram arrastados |
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embora os tubos Armco tenham boa resistencia devido ao aço rebitado e á ondulação, o espaço entre eles pode ser caminho de arrastamento de inertes, além de que a resistencia dos tubos diminui por efeito da fadiga (submissão a esforços variáveis como seja a passagem de camiões com 10 toneladas por eixo, podendo levar à ovalização ou à rotura, favorecendo o arrastamento de inertes) |
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inexistência de betão armado ou brita compactada |
Terá interesse comparar os dois métodos de construção para passagem das águas, na estrada antiga e na A14. Ver o desenho:
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No desenho de cima a solução adotada na A14, com 4 tubos Armco. No desenho de baixo a solução tradicional.
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esta é uma solução proposta pelo fabricante dos tubos Armco; é ainda uma solução precária, mas tem a vantagem dos sacos de areia ou brita dificultarem o arrastamento de inertes |
Provavelmente ter-se-á escolhido a solução mais barata, embora exigindo a substituição periódica dos tubos, o que não parece ser aceitável, considerando o custo elevado pago pelos contribuintes.
Por esse motivo, parece ser razoável também aqui se passar para uma rentabilidade da PPP de 3%, competindo ao concessionário o custo da reparação mediante a construção de uma ponte de dimensão adequada e de mais duas pontes idênticas, uma na localização indicada na passagem já existente com 3 tubos, a 1800 metros, e outra nova a meio, a 900,
Com introdução de renda enquanto não concluidas e operacionais. Idêntica obrigação para inspeção do aterro da toda a autoestrada.
PS em 8 de abril - amáveis comentadores recordaram-me que há outro fator que contribui para a má execução das obras: os prazos curtos e apertados para as inaugurações poderem ser usadas como propaganda eleitoral. Porém, um bom planeamento integrado reduz a diferença dos prazos de execução entre uma solução precária e uma solução consistente.
Há ainda outra questão a considerar, prevista nos normativos para construção de autoestradas - deverão ser previdtas com frequência passagens inferiores para animais, reduzindo assim os riscos de colisão com os veículos à superfície.
PS em 10 de abril - ver episódio de aluimento do balastro da linha de Cascais em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/02/no-melhor-pano-cai-nodoa-reflexoes.html
Há ainda outra questão a considerar, prevista nos normativos para construção de autoestradas - deverão ser previdtas com frequência passagens inferiores para animais, reduzindo assim os riscos de colisão com os veículos à superfície.
PS em 10 de abril - ver episódio de aluimento do balastro da linha de Cascais em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/02/no-melhor-pano-cai-nodoa-reflexoes.html
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