quinta-feira, 7 de abril de 2016

Os aluimentos da A41 e da A14



Arrastamento de inertes

Os aluimentos dos pavimentos de estradas ocorrem normalmente como consequência do fenómeno do arrastamento de inertes.
Isto é, forma-se mais ou menos lentamente um caminho subterrâneo para as águas irem arrastando as terras que suportam os pavimentos.
Há muitos anos aconteceu isso na própria galeria do metro, em Entrecampos. O coletor central, colocado sob as vias partiu-se sem que isso fosse detetado. As terras que suportavam o balastro sob o leito de via foram lentamente sendo drenadas pelo interior do coletor até que a altimetria das vias se alterou sensivelmente. Nestas coisas a sensibilidade dos maquinistas é superior à deteção automática.
Também há muitos anos, durante um inverno chuvoso, houve estradas recentemente construidas na região de Lisboa e no Alentejo que se fenderam longitudinalmente ou simplesmente foram arrastadas
por arrastamento de inertes depois da liquefação ou solução de solos.

Porém, uma coisa é os fenómenos ocorrerem em contexto de difícil deteção.
Outra é a gravidade de um ambiente de facilitismo e de aceitação de procedimentos incorretos, ou em linguagem mais terra a terra, de desculpabilização.

Os aluimentos na A41 e na A14 entristecem-me. Não por serem erros de engenharia cometidos por colegas. Porque também os cometi e que podiam ter consequências graves (gelei quando a cabeça de um carril foi arrancada perto da Praça de Espanha, por não ter antecipado que a soldadura que o empreiteiro de sinalização ferroviária estava a fazer deficientemente ia fragilizar o carril; fotografei tudo e apresentei o relatório no comité de metropolitanos, não escondi o erro nem o risco que se correu de descarrilamento). Mas porque o que interessa é estudar os erros para evitar a sua repetição. Não interessa culpabilizar (e por isso é inútil a desculpabilização como criancinhas apanhadas pelo professor), interessa evitar a repetição do desastre.

Tanto no caso da A41 como no da A14 houve, como normalmente tem de acontecer, ocupação de solos com uma barreira que se opõe ao escoamento natural. O efeito barreira só é evitado com túneis ou com construção em viaduto. Por este facto, considerações ambientais deveriam reter as hipóteses de construção em viaduto e o seu embaratecimento através de métodos de construção em série. Existe tecnologia amplamente experimentada.

Caso da A41, no acesso para Alfena, Valongo

No caso da A41, menos grave, o aterro da autoestrada não deu suficiente espaço para o escoamento de um pequeno riacho em situação de caudal de cheia. Terá havido subavaliação dos riscos de cheia perante a reduzida expressão do riacho (ver imagem). O arrastamento de inertes terá "descalçado" o apvimento. A Avaliar pelas imagens, não existia betão armado nem camada de brita entre o riacho e o pavimento da autoestrada (o que no primeiro caso encareceria a construção).

o aluimento ocorreu sensivelmente no local onde se vê um camião, por cima do riacho, definido pela correnteza da vegetação

continuação para poente do percurso do riacho ( a autoestrada está para a esquerda, ou nascente; é visível a deficiente organização dos solos, independentemente da autoestrada)

continuação para poente do riacho
Devia pois ter-se construido sob a autoestrada um aqueduto de betão armado de maiores dimensões.

Dado que aquilo que o cliente pagou e está a pagar pela autoestrada (rentabilidade entre 8 e 16% para a entidade financeira que financiou a construção - ver  "Parcerias público-privadas" de Joaquim Miranda Sarmento, ed.Fundação Francisco Manuel dos Santos), parecerá razoável que a ocasião seja aproveitada para reduzir essa rentabilidade, por caso de force majeure, a 3%. deixando à entidade financeira e ao construtor a tarefa de acertar os detalhes da operação. Relativamente ao concessionário, considerando que lhe era possível por simples observação a deteção de uma situação potencial de risco, por má ocupação do solo, parece também razoável imputar-lhe o custo integral da construção de um aqueduto inferior de betão armado de dimensões suficientes para o caudal de cheia da bacia hidrográfica envolvida e o pagamento de uma renda por cada mês em que o tráfego não estiver reposto após a construção desse aqueduto, igual ou superior aos seus lucros atuais. Igualmente deverá ser imputada ao concessionário uma parte dos custos de uma inspeção a todo o troço de autoestrada concessionado para deteção de riscos semelhantes, partindo da análise das deficiências da ocupação dos solos (efeito barreira).

vista da zona do aluimento, já durante as obras de reparação





Caso da A14, no troço entre Montemor o Velho e a ligação à A17

Este caso é mais grave, por se tratar da ocupação por efeito barreira de uma bacia hidrográfica composta por campos de arrozais e por canais e ribeiros, sendo possível compara as soluções de engenharia recentes adotadas na A14 com as da estrada antiga Maiorca-Montemor o Velho.
Esta, construida também em aterro, tem 7 pequenas pontes ou viadutos de betão armado que resistem há décadas, não só por serem de betão armado, mas também porque a barreira tem de ser interrompida a espaços curtos para as cheias não provocarem pressão excessiva sobre a barreira e as secções de escoamento. Ver imagens.
zona do aluimento na A14, na zona do camião, na outra via; veem-se os 4 tubos Armco que constituem a passagem de água




bacia hidrográfica atravessada pela A14; o aluimento deu-se sobre a ribeira de Foja; onde se lê Mondego, deverá ler-se canal do Mondego









imagem de uma das pontes da estrada antiga
outra das pontes da estrada antiga
vista da mesma ponte
aparentemente, a terra que se vê em primeiro plano veio também do substrato sob o pavimento  (arrastamento de inertes)
não parece haver betão armado nem brita sob o betuminoso; os inertes foram arrastados
embora os tubos Armco tenham boa resistencia devido ao aço rebitado e á ondulação, o espaço entre eles pode ser caminho de arrastamento de inertes, além de que a resistencia dos tubos diminui por efeito da fadiga (submissão a esforços variáveis como seja a passagem de camiões com 10 toneladas por eixo, podendo levar à ovalização ou à rotura, favorecendo o arrastamento de inertes)
inexistência de betão armado ou brita compactada




Terá interesse comparar os dois métodos de construção para passagem das águas, na estrada antiga e na A14. Ver o desenho:



No desenho de cima a solução adotada na A14, com 4 tubos Armco. No desenho de baixo a solução tradicional.



esta é uma solução proposta pelo fabricante dos tubos Armco; é ainda uma solução precária, mas tem a vantagem dos sacos de areia ou brita dificultarem o arrastamento de inertes





Provavelmente ter-se-á escolhido a solução mais barata, embora exigindo a substituição periódica dos tubos, o que não parece ser aceitável, considerando o custo elevado pago pelos contribuintes.
Por esse motivo, parece ser razoável também aqui se passar para uma rentabilidade da PPP de 3%, competindo ao concessionário o custo da reparação mediante a construção de uma ponte de dimensão adequada e de mais duas pontes idênticas, uma na localização indicada na passagem já existente com 3 tubos, a 1800 metros, e outra nova  a meio, a 900,
Com introdução de renda enquanto não concluidas e operacionais. Idêntica obrigação para inspeção do aterro da toda a autoestrada.


PS em 8 de abril - amáveis comentadores recordaram-me que há outro fator que contribui para a má execução das obras: os prazos curtos e apertados para as inaugurações poderem ser usadas como propaganda eleitoral. Porém, um bom planeamento integrado reduz a diferença dos prazos de execução entre uma solução precária e uma solução consistente.
Há ainda outra questão a considerar, prevista nos normativos para construção de autoestradas - deverão ser previdtas com frequência passagens inferiores para animais, reduzindo assim os riscos de colisão com os veículos à superfície.

PS em 10 de abril - ver episódio de aluimento do balastro da linha de Cascais em
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2013/02/no-melhor-pano-cai-nodoa-reflexoes.html







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