A POLÍTICA FERROVIÁRIA
NACIONAL
E AS REDES TEN-T
Comunicação apresentada no 11ºcongresso do CRP em maio de 2025
Fernando de
Carvalho Santos e Silva
Ex técnico do
Metropolitano de Lisboa na Direção de Engenharia e Desenvolvimento das
Instalações Fixas
Lisboa, Portugal
santos.silva45@hotmail.com
RESUMO: Sugere-se aos decisores institucionais uma mudança urgente
da política ferroviária nacional para ligação à rede única ferroviária
europeia, e para informação pública das vantagens económicas e ambientais duma
política alinhada com os objetivos da União Europeia. Três motivos são
determinantes: i) obrigação jurídica de cumprimento do
regulamento 2024/1679
das redes interoperáveis TEN-T, em 3 estádios, 2030, 2040 e 2050, conforme os
objetivos de coesão do TFUE; ii)
ultrapassagem em valor das
exportações de bens para a Europa além Pireneus relativamente a Espanha, induzindo
a necessidade da transferência do tráfego rodoviário para a ferrovia; iii) cumprimento
dos objetivos do Green Deal com aumento
da quota modal do transporte ferroviário e transferência das ligações aéreas de
Lisboa para Porto e Madrid para ferrovia AV (Alta Velocidade). Estes objetivos exigem
a construção das novas linhas de interoperabilidade plena do regulamento 1679, sugerindo-se
a criação na IP de, além da área para gestão da infraestrutura existente, uma
nova área para gestão da infraestrutura de AV e de transporte de mercadorias no estrito respeito do regulamento. A essa
nova entidade competiria, no AEIE (Agrupamento Europeu de Interesse Económico)
com ADIF/AV e SNCF, o planeamento integrado das novas redes em toda a Península
Ibérica.
PALAVRAS-CHAVE: política ferroviária, redes
interoperáveis TEN-T, regulamento 2024/1679, exportações de bens, UE, Alta
Velocidade
1 – Situação atual
A política
nacional ferroviária pode caracterizar-se por, num contexto na IP de carência
de recursos humanos e redução de investimentos e de apertado controle de
despesas operacionais e de manutenção, privilegiar a manutenção ou a
beneficiação das linhas existentes em detrimento da construção de uma rede
independente com os parâmetros de interoperabilidade plena para integração na
rede única ferroviária europeia nos termos do regulamento 2024/1679 das redes interoperáveis
TEN-T (Trans European Networks – Transport).
Esta orientação,
que se julga de alterar, está expressa no PFN (Plano Ferroviário Nacional): i) quando
dá prioridade à interligação entre as novas linhas de AV (Alta Velocidade) e a
rede existente, eternizando assim a bitola ibérica e o CONVEL através do STM ;
ii) quando a põe de parte, apesar de reconhecer as vantagens “inegáveis” da bitola
europeia para o futuro das exportações de bens ;
iii) ao reorganizar a rede de transportes da AML (Área Metropolitana de Lisboa)
ignorando os procedimentos jurídicos de ordenamento do território.
No planeamento e
gestão da operação do corredor atlântico, a IP participa nos agrupamentos
europeus de interesse económico (AEIE) juntamente com a ADIF, a SNCF e a DB. Para a AV passageiros é o agrupamento
AVEP (Alta Velocidade Espanha Portugal) e para mercadorias o RFC4 (antigo
corredor 4).
A política oficial do governo português
reproduz a estratégia da IP e dos AEIE.
O corredor
atlântico está definido no mapa das redes TEN-T (redes trans europeias –
transporte) na figura 1. Na figura 2 mostram-se os mapas das linhas integrantes
na península ibérica do corredor atlântico
para passageiros e para mercadorias com os objetivos 2030, 2040 e 2050.

Figura 1 – mapa dos corredores internacionais das
redes TEN-T, corredor
atlântico a amarelo em:
(Regulation (EU) 2024/1679, primeiro mapa do Anexo III).

Figura 2 – mapas das linhas de passageiros (à
esquerda) e de mercadorias (à direita) do corredor
atlântico na península ibérica em:
(Regulation (EU) 2024/1679, mapas 7 do Anexo I).
2 – Investimentos
em AV em outros países
É desejável que os
técnicos de transportes e as revistas da especialidade divulguem junto dos
cidadãos o que se vai passando no domínio da Alta Velocidade em outros países,
eis uma pequena relação:
- Polónia –
projetada a construção do túnel de Lodz, essencial para a estrutura em Y da
rede de Alta Velocidade da Polónia
- Marrocos
– iniciada a construção da linha Casablanca-Marraquexe, de 430km. A juntar à rede
existente de 200km
- Vietnam –
aprovada pelo Parlamento a construção da linha Hanoi-Ho Chi Minh, de 1541km e
estimativa de 67.000 milhões de euros, a pagar em 18 anos, para um tráfego anual de 60 milhões de passageiros
- Países
Bálticos – Decorre a construção, com o objetivo 2030, da linha de AV de 870km
Rail Baltica que unirá os 3 países à Polónia
- República Checa
- Lançados os primeiros concursos
para o projeto da linha de AV de 276km Praga-Brno-Ostrava para início da
construção em 2030 e entrada em serviço em 2035
- Tailândia e
Abu-Dhabi, Canadá – Anunciados planos para linhas de AV
e
- UK –
Apesar do aumento excessivo dos custos, prossegue a construção da linha de AV (HS2)
Londres-Birmingham porque
a resistência ao rolamento da roda sobre
o carril é inferior à do pneu sobre o asfalto, determinando (em igualdade de desenvolvimento
tecnológico e de especificações de segurança a colisões) a compensação do maior
peso do ferroviário, menor consumo específico de energia e economia de emissões
de gases poluentes. Identificadas as principais causas do aumento de custos: projetos
deficientes, má gestão, interferências dos poderes central e local, burocracias,
constrangimentos por ambientalistas.
- México – Prevê-se a construção sob concessão à Canadian
Pacific Kansas City de uma linha de AV de 210km entre Cidade do Mexico e Queretaro . Em
curso estudos de viabilidade para uma ligação de AV de 400km de Monterey a San
Antonio (Texas, USA). A rede ferroviária convencional do Mexico tem cerca de
27.000 km, incluindo os primeiros troços do Tren Maya (velocidade máxima
160km/h) já em serviço com investimento de 1.300 milhões de euros em 1480km de
que 60% são modernização de linhas
pré-existentes.
- Espanha – Aprovado o traçado Madrid-Talavera em bitola europeia
exclusivo passageiros da linha AV Madrid-Lisboa (Talavera-Oropesa para tráfego misto passageiros e mercadorias) . De acordo com a sua declaração
anual, a rede da ADIF Alta Velocidad dispõe de 2.606km de vias de bitola europeia,
694km de bitola ibérica, 102km de bitola
mista (europeia e ibérica), estando 2008 km equipados com ERTMS .
Por razões de economia
de investimento, operação e manutenção decorrentes das caraterísticas da
Normalização, deverão ser cumpridas nestes projetos as especificações da Alta
Velocidade conforme o regulamento 1679 da UE.
No caso português
os objetivos principais com o cumprimento das especificações do regulamento,
incluindo bitola europeia e ERTMS e prescindindo de pedidos de isenções, serão a transferência para a ferrovia de
passageiros das ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e de carga
rodoviária nas exportações para mais de 300km por modos terrestres.
A insistência na
bitola ibérica poderá ser um fator de limitação do crescimento económico a
médio prazo. No caso do tráfego de passageiros, porque não é crível que os
operadores europeus não espanhóis queiram explorar Lisboa-Porto-Vigo e Lisboa-Madrid, o que lhes exigiria aquisição de material não standard de eixos
variáveis e intercambiador.
No caso das
mercadorias, porque a simples operação de transbordo de contentores ou mudança
de eixos ou bogies aumenta o custo do frete e desincentiva a transferência da
carga rodoviária para a ferrovia, a solução de eixos variáveis em mercadorias
tem a contraindicação das dificuldades de manutenção longe da base.
3 - Razões para
uma nova política ferroviária económica e ambientalmente sustentável a
médio/longo prazo
3.1 – A obrigação jurídica de cumprimento do
regulamento 2024/1679 das redes interoperáveis trans europeias TEN-T, consagrada em 3 estádios, rede “core” 2030, rede “extended
core” 2040 e rede “comprehensive” 2050, e nos objetivos de coesão do TFUE (Tratado
de Funcionamento da União Europeia
destacando-se:
Artigo
170: … a União contribuirá para a
criação e o desenvolvimento de redes transeuropeias nos setores das
infraestruturas dos transportes, das telecomunicações e da energia.
Artigo
171: … a União realizará todas as ações que possam revelar-se necessárias para
assegurar a interoperabilidade das redes, em especial no domínio da
harmonização das normas técnicas
Artigo 288 : - Os regulamentos
comunitários têm caráter geral, são obrigatórios em todos os seus elementos, devem
ser integralmente respeitados e são diretamente aplicáveis por todos os
Estados-Membros
3.2 – A realidade
das exportações de bens para a Europa além Pireneus ultrapassarem em valor as
exportações para Espanha, determinando a
necessidade de coordenação com Espanha e França do desenvolvimento das ligações
ferroviárias para a transferência do tráfego rodoviário para a ferrovia.
De acordo com os
dados do INE, as exportações de bens por todos os modos em 2024 foram :
para a UE: 26,2 milhões de
toneladas
no
valor de 56.277 milhões de euros,
incluindo para Espanha: 14,6 milhões de toneladas (55,7% do total
para a UE)
no
valor de 20.610 milhões de euros (36,6%) .
Comparando
as exportações por modos terrestres para Espanha e para o resto da Europa
(tabela 1) justifica-se o arranque imediato da coordenação com Espanha e França
para a médio/longo prazo se ter a interoperabilidade plena para satisfação do
crescimento das exportações além Pireneus com transferencia da rodovia para a
ferrovia (5,9 Mton anuais são cerca de 17.000 toneladas por dia em 500 camiões,
equivalendo a 13 comboios diários).
Tabela
1 -
exportações de
bens por modos ferro e rodoviário em 2024
|
|
soma
dos 2 modos
|
Ferro
|
Rodo
|
soma
dos 2 modos
|
ferro
|
Rodo
|
|
|
em Mton
|
em M€
|
|
UE
|
16,96
|
0,124
|
16,834
|
44186
|
422
|
43764
|
|
Espanha
|
11,01
|
0,100
|
10,910
|
17295
|
132
|
17163
|
|
UE-Espanha
|
5,95
|
0,024
|
5,924
|
26891
|
290
|
26601
|
INE (2024), exportações de bens
para UE por modo de transporte (NC6), Lisboa
Em 2023 a
distribuição modal em peso foi :
modo marítimo 20,7%
modo ferroviário 0,5%
modo rodoviário
68,3%
modo aéreo
0,03%
instalações fixas
3,5%
Confirma-se assim
o que o PFN referiu sobre as inegáveis vantagens para o futuro das exportações
de bens nacionais através das ligações ferroviárias à Europa além Pireneus. Não
só o valor das exportações para o resto da UE além Pireneus ultrapassa o valor
exportado para Espanha, como o tráfego rodoviário para Espanha (10,91 milhões
de toneladas) e de travessia dos Pireneus (5,92 milhões de toneladas): i) é um desperdício de energia (devido à
maior resistência ao rolamento do pneu sobre o asfalto relativamente à roda
sobre o carril e ao efeito de escala na equivalência de 1 comboio a n camiões);
ii) produz mais emissões de CO2; iii) é
fator de congestionamento rodoviário.
Evidentemente que
a curto prazo será mais cómodo e económico manter o modo de proceder atual, mas
a médio e longo prazo rejeitar a bitola europeia e o ERTMS prejudicará
gravemente o crescimento das exportações com
consequências negativas para a economia nacional.
3.3 - o cumprimento dos objetivos do Green Deal através do aumento da quota modal do transporte
ferroviário e da transferência dos passageiros de via aérea nas ligações
Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid para a ferrovia de Alta Velocidade.
Estimativa de
gastos adicionais de energia e de emissões do avião relativamente à Alta
Velocidade:
Lisboa-Porto
– Tomando a estimativa da IP para a linha de AV
Lisboa-Porto de 10,5 milhões de passageiros por ano (apresentação IP de
19jan2024), ou cerca de 3000 milhões de passageiros-km por ano e admitindo um
diferencial de consumo específico de 180 Wh/pass-km entre o avião e o comboio
de AV para uma taxa de ocupação de 90%, obteem-se os valores adicionais pelo avião de 550 milhões
de kWh por ano e 140.000 toneladas de
emissões de CO2.
Lisboa-Madrid
- Considerando
40 voos diários nos dois sentidos ou 7000 passageiros por dia, teremos 200 milhões de kWh por ano para o consumo
adicional de energia por avião relativamente ao comboio de AV e estimativa de
50.000 toneladas de CO2.
4 – Possibilidades de financiamento no período
2021-2027
Dados os elevados
investimentos necessários para a construção, em cada Estado membro, das linhas
ferroviárias a integrar na redes TEN-T, é indispensável recorrer ao
financiamento comunitário, incluindo a fundo perdido, em mecanismos como o CEF
(Connecting Europe Facility) , NextGenerationEU
(inclui o RRF Recovery and Resilience Facility) ou empréstimos do BEI (Banco Europeu de
Investimentos).
Para estes últimos reclama-se a possibilidade de prestação de garantias
(grants) por toda a UE ou por grupos de Estados membros, o que seria aplicável aos
grandes investimentos nas ligações ferroviárias em bitola europeia ligando os
portos nacionais à rede francesa. Desconhece-se se os atuais detentores dos
cargos decisórios principais na UE, com a provável exceção do Tribunal de
Contas ECA (European Court of Auditores) estiverem disponíveis para o pôr em prática. A
considerar ainda a possibilidade de alívio dos critérios de défice e dívida
pública, por exemplo retirando do seu cálculo os custos dos juros do capital
investido em infraestruturas e saúde.
É importante fator
de ponderação nos processos de
candidatura aos fundos ou aos empréstimos um bem elaborado estudo prévio ou
anteprojeto e uma análise de custos benefícios (ACB) abrangendo também a contabilização das externalidades negativas e
positivas.
A Comissão
Europeia editou um guia para a elaboração de ACB e
um manual para o cálculo dos custos externos do transporte .
Em 2022 foi
apresentada no 10º congresso do CRP
uma ACB comparando o procedimento atual (business as usual) com o expetável
crescimento das exportações com ligações sem demoras adicionais na fronteira
com Espanha (eixos variáveis com intercambiador, mudança de bogies ou de eixos,
transbordos).
Resultados obtidos mostram-se na figura 3, para um investimento
de 12000 milhões de euros (a totalidade das linhas TEN-T “core” em
Portugal) com cofinanciamento comunitário de 40%, crescimento 3% ao ano
e transferência até 2030 de 30% da carga rodo para a ferrovia: valor atual
líquido VAL (NPV) 486 milhões de
euros; taxa interna de rentabilidade TIR (ERR) 2,23%; relação benefícios/custos
1,11.
Figura 3 – resultados da ACB apresentada
no 10º congresso do CRP, Lopes, M et al. (2022). As linhas da rede
TEN-T e os desafios para o transporte ferroviário de mercadorias além Pirenéus.
Lisboa.
A considerar na definição das prioridades para a
construção dos diferentes troços da rede TEN-T:
·
as
quotas de exportações terrestres por região de origem (estimativa em 2021: região
norte e centro 55%, AML e região sul 45%), o que deveria sugerir aos
sucessivos governos e à IP mais atenção á linha nova Aveiro-Salamanca que
integra o mapa das redes TEN-T em vez da ineficiente remodelação da linha
existente (seria desejável para esta uma avaliação ex post)
·
a
existência desde 2009 do projeto de execução AV Poceirão-Caia, cuja
renegociação e aplicação parcial permitiria evitar o pagamento da indemnização
ao consórcio e acelerar a ligação a Évora
·
segundo
uma estimativa de crescimento de 3%/ano das exportações terrestres para
2030: 10 comboios de mercadorias para Espanha + 5 comboios de mercadorias para
resto da Europa + 4 comboios de AV para Madrid
·
os
ganhos de eficiência energética por substituição de viagens aéreas de
passageiros Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto, do transporte rodoviário de
mercadorias para mais de 300km com construção de novos troços de ferrovia com
menores gradientes e curvaturas.
O Tribunal de
Contas Europeu (ECA) tem sido crítico da política ferroviária laxista da Comissão Europeia que não pressiona
suficientemente os Estados membros para o cumprimento dos objetivos da UE
expressos na regulamentação obrigatória, especialmente nas redes de mercadorias.
Em 2018 o ECA apresentou
o relatório “Rede ferroviária de Alta Velocidade na Europa: longe de ser realidade,
não passa de uma manta de retalhos ineficaz”.
Em 2023 o ECA divulgou o relatório “Intermodal
freight transport: EU still far from getting freight off the road”
A Comissão
Europeia e a Ombudswoman desculpam-se com a soberania dos Estados membros que
assim, por inércia ou para não prejudicar os lobies aeronáuticos e rodoviários,
se vêem isentos de processos de infração por incumprimento dos regulamentos.
5 - Proposta de
programa coordenado com Espanha e de faseamento da aproximação progressiva
da bitola europeia e do ERTMS dos portos portugueses
Disseram-nos a IP e os sucessivos governos
que o uso exclusivo da bitola ibérica é imposto por Espanha, cuja rede interna
de mercadorias é maioritariamente em bitola ibérica. Sendo verdade, o comissário espanhol para o corredor
atlântico tem contudo, apesar de limitado, um orçamento para investir no seu
corredor, esperando-se a curto prazo a ligação em via de 3 carris entre a
fronteira francesa e a plataforma logística de Vitoria. Também no corredor
mediterrânico se espera antes de 2030 a ligação em bitola europeia entre
Barcelona e Valencia.
Apesar das limitações da rede de
mercadorias espanhola reconhecida pelo próprio ministério com uma quota modal
de 9% ,
a natureza vinculativa da regulamentação comunitária impõe a um Estado membro a
obrigatoriedade de coordenar com o
Estado vizinho as ligações transfronteiriças e nunca a possibilidade de
constituir um obstáculo às exportações desse Estado vizinho. É uma obrigação
comunitária , extensível a França que
tem adiado unilateralmente o aumento da capacidade do seu corredor atlântico, em
oposição ao coordenador da DG MOVE
e ao comissário do governo espanhol para o corredor atlântico .
Por outro lado, o comissário do governo
espanhol para o corredor mediterrânico destacou
em dezembro de 2024 no Forum Económico de Valencia a importancia da bitola
europeia para as exportações para a Europa, nomeadamente das fábricas de
baterias de Sagunto e Zaragoza, e referiu a informação do ministro de que o
investimento no corredor mediterrânico em 2024 tinha sido perto de 1300 milhões
de euros .
Saúda-se a referência pelo secretário de
Estado do MITMA após a reunião de 16 de janeiro de 2025 com o seu homólogo
português , à implementing
decision (decisão de execução) 4886 de 2023-07-25 que trata do
financiamento das travessias fronteiriças (cross border) . Destaque
igualmente para o respeito da parte espanhola pela regulamentação comunitária,
tendo o secretário de estado Santano “reiterado el compromiso de España de
cumplir con el Reglamento de la Red Transeuropea, clave para el impulso del
transporte europeo sostenible y la cohesión social y territorial de la Unión
Europea” e a necessidade de coordenação com França. A parte portuguesa não
parece cumprir de momento a regulamentação, preferindo reivindicar isenções.
Exemplo disso é a insistência em manter o CONVEL, donde o pedido a Espanha de
facilidades para os ensaios do STM (Specific Transmission Module, indispensável
para que os comboios equipados com o ERTMS possam circular na rede existente
portuguesa com o sistema CONVEL) quando o regulamento determina a desativação
dos sistemas de classe B até 2040.
Considerando a demora na construção das
novas linhas para mercadorias em Portugal e Espanha com as caraterísticas de
interoperabilidade com o resto da
Europa, os respetivos governos deveriam coordenar um plano com o faseamento de
aproximação da bitola europeia dos portos atlânticos (sugestão na figura 4).
Julga-se que isso só poderá ser feito, na parte
portuguesa, com um comissário nomeado pelo Governo e uma estrutura de gestão de
infraestruturas corretamente dimensionada em termos de recursos humanos para
gestão do desenvolvimento de uma nova rede, separada da gestão corrente da rede
existente, sem prejuízo do recurso a concursos públicos internacionais para
seleção de consultores com experiência internacional em projeto, manutenção e
operação de redes de alta velocidade/mercadorias.

Figura
4 – sugestão de faseamento da aproximação da bitola europeia dos portos portugueses
Da parte espanhola, destaca-se o compromisso do
ministro das infraestruturas, Oscar Puente, na cimeira de Faro de outubro de
2024, em concluir a parte espanhola da
linha de AV Madrid-Lisboa até 2030 .
Pela negativa, assinala-se ter sido escolhida a
variante por Toledo, aumentando o percurso, limitando a capacidade por partilha
à chegada a Madrid com as linhas de AV para Sevilha e Valencia, e limitando a
utilização por mercadorias (apenas Talavera-Oropesa-Plasencia-Badajoz estão
previstas para uso misto). Também, por pressão dos sucessivos governos
portugueses, haverá bitola ibérica de Badajoz a Oropesa. Só haverá bitola
europeia entre Madrid e Oropesa onde existirá um intercambiador, mas de Madrid
a Badajoz os comboios terão ERTMS.
Não é fácil a implementação da nova rede de AV com os
requisitos da interoperabilidade plena, incluindo o projeto para tráfego misto,
bitola europeia e ERTMS. A complexidade envolvida acentua-se com a necessidade
de, em linhas novas, integrar o serviço de mercadorias nas mesmas linhas de
passageiros, isto é, concretizar a integração dos corredores de mercadorias no
European Transport Corridor para otimização do uso das infraestruturas e
benefício das regiões periféricas,
conforme os considerandos 31, 100 e 101 e os artigos 13.a e 44 do regulamento 1679.
Tal requer uma coordenação ativa entre os AEIE, o
coordenador da DG MOVE e o comissário do governo espanhol para o corredor
atlântico.
São à volta de 900km em Portugal e 1200km em Espanha, preferentemente em
construção nova, sem insistir para além das necessidades de manutenção e de
segurança em linhas pré-existentes, nomeadamente para evitar pendentes elevadas
e curvas apertadas, como o exemplo da linha da Beira Alta ilustra.
Dados os custos envolvidos, sugere-se um faseamento ao
longo de alguns anos sem ultrapassar os valores anuais numa percentagem do PIB
razoável e contando com o cofinanciamento da Comissão Europeia em estrita
conformidade com as disposições de apoio às regiões periféricas e isoladas do
art.171 do TFUE.
6 -
Proposta de prosseguimento
Considerando a
natureza vinculativa da regulamentação europeia das redes interoperáveis TEN-T,
o apoio expresso do novo comissário dos transportes da CE e
do governo espanhol, e as inegáveis vantagens (citando o próprio Plano
Ferroviário Nacional) para a economia portuguesa através:
i)
do estímulo a
médio/longo prazo das exportações de bens além Pireneus,
ii)
da atratividade de
investimento estrangeiro no setor secundário desde que exista uma boa ligação
ferroviária à Europa,
iii)
da maior
eficiência energética e menores emissões de gases de efeitos de estufa dos
comboios de alta velocidade relativamente ao avião e à rodovia mesmo elétrica,
é imperativo que os decisores políticos, com o apoio
do CSOP, respeitando a legislação dos instrumentos jurídicos de gestão do
território e as garantias constitucionais relativas à informação e à
participação dos cidadãos, desenvolvam:
i)
a alteração da estratégia da
IP e agrupamentos AEIE para cumprimento dos regulamentos comunitários, nomeação
pelo ministério das Infraestruturas de um coordenador do corredor atlântico a
exemplo de Espanha e seguindo o modelo desta de dois órgãos de gestão de
infraestruturas independentes, rede existente ibérica e nova rede europeia/ERTMS;
ii)
uma política de
coordenação com Espanha e França definida e acompanhada por uma estrutura criada
em moldes semelhantes aos da CTI para o NAL ou em alternativa por gabinete
internacional com referências, selecionado por concurso público, e em ambos os
casos com apoio técnico e financeiro da DG MOVE e UE, nomeadamente na
preparação dos anteprojetos para candidaturas ganhadoras ao financiamento;
iii)
o processo de
construção das novas linhas de AV e de mercadorias com os parâmetros da
interoperabilidade plena e conforme o plano das redes TEN-T do regulamento 1679,
mais uma vez com o apoio técnico e financeiro da DG MOVE e da UE;
iv)
a organização de
sessões públicas periódicas para acompanhamento do progresso.
Certamente que
terão o apoio da sociedade civil, nomeadamente dos próprios operadores de
transporte, empresários, técnicos, imprensa especializada, academia,
associações profissionais e de cidadãos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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de bens para UE kg e € por modo de transporte (NC6), Lisboa
https://1drv.ms/x/c/1ebc954ed8ae7f5f/EWJ82MARzwJOoYPs325XGa0B_dCqVDeIMKStwpIXmAJzuQ?e=Fmzwqo
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(2022). As linhas da rede TEN-T e os desafios para o transporte
ferroviário de mercadorias
além Pirenéus. Apresentação no
10º Congresso CRP. Lisboa.
https://1drv.ms/p/c/1ebc954ed8ae7f5f/EV9_rthOlbwggB4NIAAAAAABbhP27n7Qh3pXxTbeH7bb4g?e=5QROiK
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guidelines for the
development of the trans-European transport network.
The European
Parliament and the Council. Brussels.
ELI: http://data.europa.eu/eli/reg/2024/1679/oj
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TEN-T Core Network Corridor Fifth Work Plan of the European Coordinator. DG
MOVE. Brussels.
https://transport.ec.europa.eu/system/files/2022-10/atlworkplanvweb.pdf
Siemens (1969), Electrical Engineering Handbook”. Capitulo
10. Electric Traction. Erlangen.
Silva, F (2017). Manual condensado de transportes metropolitanos. Capítulo 3. Comparação da eficiência
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ferroviário; cálculos em Anexos. Lisboa. Sítio do Livro, https://1drv.ms/f/s!Al9_rthOlbwehWEdmBJ_Q06Wk7XH
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Funcionamento da União Europeia de 7 de junho de 2016. Jornal Oficial da
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https://eur-lex.europa.eu/resource.html?uri=cellar:9e8d52e1-2c70-11e6-b497-01aa75ed71a1.0019.01/DOC_3&format=PDF
Tribunal de Contas Europeu (ECA European Court of Auditors, 2018), Relatório
Especial 19/2018: Rede
ferroviária de alta velocidade na Europa: longe de ser realidade, não
passa de uma manta de
retalhos ineficaz, Luxemburgo
White Paper The European Green Deal, Communication
from the Commission, 11.12.2019, Brussels
https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/?uri=COM%3A2019%3A640%3AFIN
O mesmo reconhecimento é feito pelo presidente da Medway quando numa
entrevista à Railway Gazette (outubro 2021) afirmou: "evidentemente que
ter a bitola única europeia seria o ideal".
Volume de tráfego em Mton em Espanha (2021): nacional
rodovia 1541, ferrovia 20; internacional
rodovia 119, ferrovia 4,7.
(OTLE, https://cdn.mitma.gob.es/portal-web-
drupal/OTLE/elementos_otle/Informe_anual_2021.pdf ).
Volume de tráfego em Mton em Portugal (2021): nacional
rodovia 120,5, ferrovia 6,6; internacional
rodovia 22,9, ferrovia 2,7.
(INE, https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_publicacoes&PUBLICACOESpub_boui=16909661&PUBLICACOEStema=55488&PUBLICACOESmodo=2&xlang=pt) .