terça-feira, 24 de maio de 2016

Com muito respeito pela dignidade das pessoas que escreveram a carta aberta ao primeiro ministro sobre a crise no porto de Lisboa


Transcrevo, com a devida vénia e respeito, do blogue  https://hafloresnocais.wordpress.com/2016/05/15/carta-aberta-das-mulheres-dos-estivadores-a-antonio-costa/

a carta aberta das mulheres dos estivadores.

É incorreto a comunicação social dar mais enfase à posição dos operadores, atirando a culpa para os estivadores.

Eu também não concordo com greves que prejudicam a economia (aliás, se se ler a lei da greve, vê-se que estão previstos mecanismos para evitar esses prejuízos, pese embora a dificuldade de entendimento jurídico para os aplicar) , mas não posso concordar com o dumping social que os operadores querem, nem com a falta de concorrência entre empresas existente, uma vez que as potencialidades dos portos portugueses estão limitadas pelo interesse privado de algumas operadoras que se opõe ao aparecimento de novas empresas ou a novos investimentos de empresas já presentes ou que estiveram presentes, nem com o anterior favorecimento por ajuste direto da concessão do terminal de Alcantara à Mota Engil (agora empresa turca), nem com o verdadeiro boicote que estão fazendo, para justificar despedimentos coletivos.



cropped-hfnc_fbprofile-011.jpg
Senhor primeiro-ministro António Costa:

O senhor foi eleito para nos representar. Os nossos maridos estão a lutar contra o dumping social, que se deixássemos nos ia colocar na miséria, a estender a mão ao Estado e à segurança social a pedir comida para os nossos filhos. Queremos viver do trabalho e não de mão estendida a pedir esmolas ao Estado que o senhor diz ser solidário. Solidariedade é o que gostaríamos de ter aqui do seu Governo e da maioria que o apoia, revogando a lei que permite que o Porto de Lisboa seja um negócio para intermediários, chicos espertos que todos os dias nos dizem que há um problema nos mercados, nas bolsas. A única bolsa que temos é a nossa carteira e queremos lá dentro o nosso salário. Não o vimos aqui no porto, porto público, que o senhor autoriza que seja concessionado a privados. Não compreendemos por que é que o porto, uma faixa de terra de todos nós, é concessionado a empresas privadas que todos os anos dão milhões de euros de lucro. Convidamo-lo a vir ao porto, a nossas casas, conhecer as nossas famílias, ouvir-nos para que lhe possamos contar pessoalmente as nossas vidas.
Os nossos maridos trabalham não raras vezes 80 horas semanais. Nunca, em momento algum, ganharam mais do que 12.20 euros à hora brutos. O salário normal é 8 euros à hora brutos. O senhor vive com isso? Há sete homens no porto que estão no escalão máximo de 12 euros, todos os outros ganham menos. Quando abrimos a televisão e ouvimos dizer que ganham 5 mil euros pensamos que estamos num talk show de baixa qualidade.
Somos nós que assumimos todo o trabalho doméstico.
Somos casadas e “mães solteiras”. Porque os nossos filhos não veem os pais. Os pais quando vêm a casa estão exaustos, sem força para nada. Ao fim de semana, sozinhas sempre – porque os turnos não param – não temos força para nos levantar e levar as crianças a passear. O tempo que nos sobra é para limpar e arrumar a casa sozinhas – claro, se eles estão 80 horas no porto quem o faz?
Diga-nos para onde vai o dinheiro destas 80 horas de trabalho? É que para as nossas casas não é. Muitas de nós estão desempregadas, nem conseguem encontrar trabalho porque os horários não o permitem; outras ganhamos o ordenado mínimo – uma vergonha de ordenado. Queremos que ouça os nossos relatos de como gerimos uma família assim e reiteramos o convite para vir ao porto, a nossas casas, conhecer as nossas famílias, e ouvir-nos para que lhe possamos contar pessoalmente as nossas vidas.
Não queremos sobreviver, queremos viver!
Grupo Há Flores no Cais!
Mulheres de estivadores em apoio à greve

Sem comentários:

Enviar um comentário