quarta-feira, 15 de junho de 2016

Acidente ferroviário em Saint Georges sur Meuse, Bélgica, em 5 de junho de 2016

Os caminhos de ferro belgas têm um mau registo de acidentes. Na sequencia do acidente de janeiro de 2010 decidiram a instalação de um sistema de controle de velocidade do tipo do CONVEL, que transmite para a cabina do comboio, através de balizas, o estado dos sinais laterais. É o TBL1+, correspondente ao primeiro estágio do ETCS (european train control system).
No entanto, consta que apenas 70% dos sinais estão integrados no sistema. E as informações são contraditórias sobre se estaria operacional na linha em que ocorreu o acidente em 5 de junho.

Mais uma vez se põe a questão se se deve esperar pelos resultados do inquérito ou se se devem colocar hipóteses que contribuam para evitar a repetição deste tipo de acidentes.
A posição anglo-saxónica e a francesa, conforme se viu no caso do acidente do TGV em ensaios, é a de promover conferencias de imprensa imediatamente a seguir aos acidentes para informar sobre a evolução da investigação e para recolha de informações e sugestões, e fornecer rapidamente um relatório preliminar.
A posição portuguesa e, pelos vistos, belga, é a de pedir reserva durante o inquérito. O problema é que a divulgação dos inquéritos é normalmente muito tardia e não convincente (por exemplo, muito tempo depois do acidente de Alfareloa a conclusão foi de que a causa tinha sido o mau tempo. Igualmente foram insuficientes as conclusões do relatório sobre os dois descarrilamentos em agulhas na linha de Cascais.

Não me parece defensável o secretismo nos inquéritos. Um debate alargado permite encontrar mais hipoteses e possibilidades de adoção de medidas que evitem os acidentes.

Por isso insisto em considerar hipóteses para o acidente de 5 de junho.

Factos sobre o acidente:
- ocorreu numa zona de agulhas, com acesso a outras linhas que servem uma pedreira
- um comboio de passageiros bateu num comboio de mercadorias com vagões carregados nessa pedreira com brita
- no momento do acidente o sistema de sinalização não estava a funcionar normalmente; por isso o comboio de mercadorias tinha sido retido e o seu maquinista tinha cumprido os procedimentos para ultrapassar o sinal junto do qual tinha parado
- segundo informações publicadas na imprensa belga e não desmentidas, o registador da cabina do comboio de passageiros indica que o sinal anterior ao comboio de mercadorias estava duplamente amarelo e o maquinista do comboio de passageiros, que faleceu no acidente, acionou o "acknowledge", isto é, o botão que permite a ultrapassagem dum sinal restritivo sem a travagem automática atuar
- a ser assim, existe uma inconformidade grave, o sinal não devia estar duplamente amarelo (significa que o próximo sinal está vermelho) mas deveria estar vermelho, porque o cantão queprotege estava ocupado
- segundo confirmado pela Infrabel, a empresa de manutenção, durante a tarde anterior houve uma trovoada que provocou avarias no sistema de sinalização (falha no processamento lógico das condições da linha, de alimentação dos sinais, ou de operação dos circuitos de via que dão informação aos circuitos de processamento); embora a Infrabel tenha informado que a avaria tinha sido resolvida, conforme referido no momento do acidente o sistema de sinalização nãoestava operacional; em caso de descargas atmosféricas, é possível a sensibilidade dos circuitos de vias alterar-se, podendo dar indicação de desocupado quando na realidade está ocupado, mas colocando-se o sistema numa situação restritiva dada a incompatibilidade com outros circuitos; notar que se tratava de um domingo à noite, com eventuais limitações no campo da assistencia  a avarias; note-se que durante a reparação de avarias os sinais podem ser postos artificialmente permissivos, pelo que os procedimentos que dão a avaria por reparada são críticos
- desconhece-se a intervenção de postos centrais de comando, sendo certo que as informações de que estes dispõem não são de segurança, isto é, podem por motivo de falha de transmissão ou de falha dos equipamentos locais, não atualizar a informação real, havendo divergencia entre a realidade e as informações no posto central; daí a necessidade de, em caso de avaria do sistema de sinalização, ter um agente local que garanta ao maquinista que pode prosseguir.

Ainda duas notas: - a partilha de uma linha por modos diferentes (mercadorias, suburbanos, regionais, intercidades, alta velocdade) tem riscos devido às caraterísticas diferentes do material circulante, o que implica naturalmente equipar a linha e o material circulante com sistemas de controle automático de velocidade ATP para garantir a segurança
- mesmo um sistema como o TBL1+ depende, para controlar a velocidade e a posição dos comboios, de informações dos circuitos de via, cuja tecnologia mais antiga não garante segurança intrínseca, a menos que sejam objeto de manutenção rigorosa, Por isso se deverá recorrer a níveis mais elevados de ETCS, utilizando mensagens rádiopara a localização dos comboios.

Entretanto, aguardemos os resultados do inquérito, com muita desconfiança sobre as condições de segurança na rede belga, pelo menos em parte significativa dela.

PS em 15 de junho de 2016 - A Infrabel publicou um comunicado em que afirma não ter sido autorizada pelo procurador do rei a divulgar informações relativas ao inquérito. 
HTTP://WWW.INFRABEL.BE/FR/PRESSE/PRECISIONS-SYSTEME-AIDE-A-CONDUITE-TBL1
Acrescenta alguns esclarecimentos sobre o TBL1+ e o ETCS e considera que a rede belga está na vanguarda da segurança ferroviária. Registo o comportamento diferente em comparação com os organismos de investigação de acidentes ingleses, americanos e franceses e a prevalencia , quanto a mim intolerável, de critérios jurídicos sobre técnicos. O senhor procurador do rei (título já de si meio medieval) não tem de saber, por não ser técnico ferroviário, se o debate das hipóteses perturba ou não o inquérito. E teria obrigação de defender o direito à informação em assunto de interesse público. E de considerar o princípio básico do método científico, qualquer coisa que se analise e descubra deve ser posto imediatamente à consideração da comunidade. Desde o século XVII que é assim, ainda não havia comboios, com a Academia das Ciencias inglesa.
Não me parece correta a declaração da Infarbel de que o TBL1+ é um sistema de ajuda à condução e não um sistema de segurança. De facto, a segurança da informação está no sistema de sinalização, mas o sistema TBL1+, enquanto função de controle de velocidade que provoca uma travagem automática em caso de incumprimento dos sinais laterais pelo maquinista, é também um sistema de segurança. Salvo melhor opinião, claro. O que não é obrigatoriamente um sistema de segurança é o sistema de comando centralizado de tráfego.


Fotos google e le soir e la libre






PS em 25 de junho de 2016 - Segundo declarações do administrador delegado da Infrabel, a linha de acidente não está equipada com o sistema TBL1+ de controle da marcha em função dos sinais através de transmissão baliza-comboio. Mais informou que o sinal anterior ao comboio de  mercadorias embatido estava vermelho. Isto contradiz a anterior divulgação da leitura dos dados do registador do comboio que referia que o sinal estava duplo amarelo. 
Se é assim, seria o segundo sinal anterior ao comboio embatido que estaria duplo amarelo e isso só poderá ser confirmado pela comissão de inquérito. Lamentavelmente, o presidente da SNCB já afirmou que a maioria dos acidentes se deve  a desatenção dos maquinistas, ignorando o verdadeiro objetivo dos sistemas de segurança: garantir a segurança através do equipamento, e não através do maquinista (segundo a SNCB, os sistemas de controle de velocidade e de ultrapassagem de sinais são sistemas de ajuda à condução, não de segurança).
Se não é assim, a Infrabel está a distorcer as provas. Aguardemos o resultado do inquérito. Entretanto, junto descrição do funcionamento do sistema Memor-crocodile que parece estar instalado nesta linha (não provoca a travagem automática à passagem por um sinal vermelho, apenas trava se o maquinista não fez o "acknowledge" à passagem pelo sinal anterior, duplo amarelo):

https://vimeo.com/9641192 
https://fr.wikipedia.org/wiki/Crocodile_(signalisation_ferroviaire) https://fr.wikipedia.org/wiki/Memor_(signalisation_ferroviaire)

Consultado o site do organismo belga responsável pelos inquéritos a acidentes, SPF mobilit,
http://mobilit.belgium.be/fr/traficferroviaire/organisme_denquete/les_enquetes/collisions

verifica-se que a única informação é a de que o inquérito prossegue. Discordo deste secretismo que considero contribuir para a insegurança de exploração.
Verifico ainda que o site Vimeo nao autoriza agora o acesso aos descritivos do sistema memor-crocodile. Lamentável.

Experimentemos novamente:
https://vimeo.com/9641192


PS em 14 de setembro de 2016 - Cumpridos os 3 meses anunciados pelos principais dirigentes para elaboração e divulgação do relatório, a consulta do site do gabinete de investigação de acidentes, dá como resposta que o inquérito está em curso.
Aguardemos as recomendações sobre os sistemas de controle automático de velocidade.












1 comentário:

  1. Como sempre os teus comentários primam pelo rigor, só que, agora, são mais objetivos que há uns anos atrás. Estou a gostar.

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