segunda-feira, 5 de março de 2018

Hoje, às nove e meia da manhã

Hoje, às nove e meia da manhã o metro de Odivelas vinha cheio,ao chegar ao Campo Grande. Nove minutos de espera, tivemos nós de aguardar. Possivelmente por causa daquelas manobras dos comboios que ficam no Campo Grande e não vão a Odivelas, para tentar adaptar a oferta à procura.
Foi boa, a espera, para o pequeno quiosque no cais central. Calmamente se tomaram pequenos almoços e se satisfizeram encomendas para levar para o local de trabalho. Na instalação sonora, a poesia de Sofia de Melo Breyner (perdoem-me escrever assim, sem ph e sem duplo l), "esta é a madrugada que eu esperava, o dia inicial inteiro e limpo..."
Gosto de ver o metro cheio, sinal de que é útil o trabalho dos seus funcionários e de que os passageiros têm também, trabalho, pese a dúvida sobre os montantes das remunerações e sobre o reconhecimento do valor de quem produz mais valias. Embora neste caso o excesso de afluência se relacione com o atraso. Se o maquinista era novo, teve oportunidade de aperfeiçoar a técnica do fecho de portas em situação de sobrecarga.
Não acho que as caras dos passageiros revelem descontentamento ou aborrecimento. Apesar de apertadas, as pessoas são gentis ao facilitar as entradas e as saídas, são raros os conflitos. Reparo nos olhos de uma jovem passageira, rasgados como os baixos-relevo do antigo Egito, o branco muito vivo em angulo agudo em contraste com o negro dos olhos e da pele.  Desvia os olhos de mim mas  deve ter percebido a alusão à sua antiga antepassada. Mais perto de mim uma também jovem mulher de cabeleira loura escorrida, de ar sério, talvez para conter eventuais inconveniências, com uma toilete casual, de blusa, jeans e botas de cano alto. Esforço-me que da proximidade nada possa levá-la a pensar que a importuno. Mas os botões superiores da blusa, desabotoados, deixam ver parte de uns seios magníficos. Não serão agora os baixos-relevos egípcios, em postura de perfil, mas uma estátua de deusa grega, talvez como a pequena Vénus de Rodes, que a senhora não era muito alta.
Reparo que atrás estou encostado a uma mochila às costas de um jovem, e que dois passageiros à frente outro passageiro enverga uma mochila. Estamos todos muito juntos e verifico que as mochilas roubam espaço, mas são confortáveis para nos encostarmos. Questiono-me se não deveríamos estudar bem o assunto. O próprio  metro talvez deva recomendar o transporte das mochilas pela mão, porque são um fator de risco à saída, no caso de fecho atabalhoado de portas, e porque roubam espaço, mas a verdade é que acabam por ser cómodas em apertos. Talvez se justificasse uma tese de mestrado.
Saem e entram passageiros na Cidade Universitária, em Entrecampos e no Campo Pequeno.
Vem-me à memória as palavras de Carlos Oliveira "gente que desperta no rumor das casas, forças surgindo da terra inesgotável,... Como um rio lento e irrevogável, a humanidade está na rua. E a harmonia, que se desprende dos seus olhos densos ao encontro da luz, parece de repente uma 
ave de fogo."
Continuamos apertados. Saíram as raparigas dos olhos rasgados e dos botões desabotoados, os moços das mochilas, mas as carruagens continuam cheias. É verdade, o que dizem a câmara, os agentes de turismo e as imobiliárias, de escritórios e de habitação, a avenida da República é o centro da cidade. Para mim uma razão para dar mais atenção a outras zonas. Saio do comboio no Saldanha,  e como Fernando Pessoa, "tive pena de sair do comboio, de o deixar, ... nós, no comboio a que chamamos vida somos todos casuais uns para os outros".
Consigo evitar ser atropelado por uma bicicleta no passeio, graças ao quiosque do Campo Grande desprezo a esplanada de uma cafetaria recém inaugurada,  desvio-me da senhora que dedilha o seu smartphone, e como todas e todos, continuo ...

Sem comentários:

Enviar um comentário