sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Os terrenos do metropolitano em Sete Rios

O comentário que faço neste texto sobre a anunciada intenção de venda dos terrenos de metropolitano em Sete Rios tem três pressupostos:

1 - a passagem do metropolitano em 1975 para o estatuto de empresa pública encontra-se saldada, não sendo devido nenhum pagamento ou indemnização à CML. Este procedimento encontra analogia com boas práticas internacionais, como os metropolitanos de Paris, Londres ou Bruxelas e é compatível com a estratégia duma área metropolitana que contribui com cerca de 40% para o PIB nacional, não devendo portanto uma rede de metro estar vinculada apenas a um município;
2 - no início do metropolitano, anos 50, foi expropriado a particulares, para fins de instalação de equipamentos de interesse público, o terreno de cerca de 6 hectares onde se instalou o Parque de Material e Oficinas I do metro, desativado em 2004 depois de protocolo e acordo com a  CML (ver:
                      https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwenyPEr1QrJ2_nPcnx                                   )

3 - Na altura da assinatura do protocolo com a CML (dezembro de 2003) julgo que não foram divulgados pela comunidade de trabalho os seus termos . Digo julgo porque não me recordo dos detalhes, embora tenha participado nalgumas reuniões com um senhor arquiteto de uma empresa que na altura trabalhava muito em sintonia com a CML (por exemplo no projeto do tunel do Marquês), alguns colaboradores meus tenham participado na elaboração de um dos planos de pormenor do terreno referido no protocolo (embora julgue que tenha sido alterado pela CML/empresa colaboradora) e porque o meu computador de serviço teve um apagão em 2005 que os informáticos não conseguiram recuperar.

Dadas as minhas limitações de entendimento da linguagem jurídica em que estão impecavelmente redigidos o protocolo e o acordo, não estou seguro de ter interpretado bem. Mas penso que o que ficou acordado foi:

O metropolitano, como dono do terreno de 6 hectares, obteve o direito de fazer um loteamento, construir e comercializar os seus lotes: um hotel e edificios habitacionais, de comercio e de serviços, numa parcela de terreno de cerca de 3 hectares (ou 4 hectares, no caso da central definitiva de camionagem e do parque de estacionamento de ligeiros ocuparem apenas 2 hectares). Nessa parcela de terreno poderá construir um edificio que integra uma nova central de tráfego e instalações para um hipotético metro ligeiro de superfície.
Como pagamento ou indemnização à CML para obtenção desse direito, o metro pagará 92.000 euros para a elaboração de um projeto para a central provisória de camionagem e construirá a seus custos a central definitiva de camionagem e parque de estacionamento de ligeiros, cuja propriedade transferirá para a CML, servindo as receitas do parque de estacionamento para as despesas de exploração da central definitiva pela CML. A central provisória será gerida pela RNE que pagará de renda anual à CML 50.950 euros, descontando-se as despesas que a RNE fizer em obras. A central provisória está integrada na referida parcela de terreno de 3 (ou 4) hectares.

Parecendo tratar-se de um contrato leonino desfavorável ao metro, sendo arriscado contar que se obterão mais valias significativas com o referido loteamento considerando as despesas comprometidas, a área disponível e a perda de propriedade sobre a central de camionagem definitiva e o parque de estacionamento, parecerá também de executar a cláusula de não renovação de 3 em 3 anos  e reivindicar uma renda a pagar pela RNE ao metro e não à CML (o estacionamento de 100 autocarros e a partida de 200 autocarros diariamente poderiam gerar uma renda anual de 1 milhão de euros).

Lamento a desilusão dos meus amigos e colegas que, de acordo com o protocolo e acordo com a CML, esperavam que as mais valias financiassem o fundo de pensões para os reformados do metro, incluindo cobertura parcial dos complementos de reforma. Não tenho fé  na viabilidade dessas mais valias nas condições do protocolo e acordo.
Além disso, dada a anunciada intenção do metro de venda do terreno para financiar a infeliz expansão de Rato ao Cais do Sodré, lá iremos para a discussão pública em que os comentadores bem pensantes criticarão os trabalhadores do metro por serem uns privilegiados com complementos de reforma. Poderiam preocupar-se antes em propor o aumento das reformas mínimas maioritárias, mas teriam de fazer um esforço para fazer as contas ao diferencial durante muitos anos entre os salários mais elevados do setor privado relativamente aos salários no metropolitano e ao rendimento que poderia ter sido obtido com esse diferencial ( ver página 300    de:
                          https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehVnZ5h4rLNtDAkv3                  ).

A existencia de fundos de pensões de empresas tem este efeito perverso de evidenciar desigualdades. Embora se justifiquem com a exigencia de qualificação profissional e portanto beneficiando  de melhores salários , num país em que as distorções culturais e educacionais são gritantes (notar que o fundamento dos complementos de reforma era porém que os salários do metro, nessa época, eram inferiores aos do setor privado).
No caso dos terrenos do metro, levantar-se-á tambem a dúvida se os herdeiros dos expropriados terão direito a parte dessas mais  valias (ou à devolução das parcelas de terreno não afetas a equipamentos com interesse público). Talvez fosse preferível reivindicar os 26 milhões de euros que ficaram por pagar aos reformados do metro (admitidos antes de 2004, altura em que saiu do acordo coletivo o pagamento dos complementos de reforma) durante os 2 anos de cortes impostos pelo XIX governo em 2014 e 2015 e constituir com eles o fundo. Estabelecer depois um plano de gestão rentável desse fundo e uma integração faseada num fundo de pensões mais abrangente de acordo com uma reforma da segurança social. São casos de sucesso fundos de pensões noruegueses e sul-coreanos (este último é por exemplo acionista da Ascendi).

Gostaria ainda de referir uma inverdade no anuncio da intenção de venda. O terreno de 6 hectares não é, como descrito, desprovido de valor estratégico para o metropolitano e por isso poderia ser alienado. O valor estratégico consiste na possibilidade de garagem de composições que assim evitariam percursos de recolha para os parques mais distantes, de lançamento na exploração de composições de reforço nas horas de ponta, ou de recolha mais rápida de composições avariadas. Em 2003, na altura de assinatura do protocolo e acordo com a CML, eu pensava, na ignorancia do que a alta instancia do metro decidia com a CML, que estas vias de garagem, beneficiando do investimento original da galeria de ligação do PMOI à estação Praça de Espanha, estariam contempladas no plano de pormenor. Pelos vistos, o que ficou reservado foi a hipotética recolha e oficinas de material circulante do metro ligeiro de superfície. Havia pressões externas ao metro para transformar as linhas vermelha e azul em metro ligeiro, trazendo-as à superficie e misturando-as com o tráfego rodoviário a poente de Sete Rios, ideia que felizmente não se concretizou. Nessa altura (2003) havia também a ideia, essa sim válida, da circular externa em metro de superficie Algés-Loures-Sacavém. Que não foi para a frente por incapacidade estratégica ao nível da área metropolitana  de Lisboa.

Passados todos estes anos (2003-2018) é triste ver o imobilismo e as indecisões e a utilização gravosa para o metropolitano de um dos seus ativos.
Infelizmente, a saída deste impasse não deverá ser favorável ao metropolitano nem aos seus trabalhadores, o que naturalmente lamento.

PS em 1 de setembro de 2018 - O cálculo da renda potencial da RNE ao metro, caducando o protocolo, baseou-se num portagem ou num estacionamento diário de 10€ . Será provavelmente muito, mas se considerarmos as externalidades devidas ao consumo do diesel, não aplicar esse preço equivale a subsisdiar o transporte por combustíveis fósseis. Quanto á rentabilidade do empreendimento imobiliário, o valor do edificado autorizado na altura do protocolo foi depois reduzido por alteração do plano diretor. Ajudando assim a comprometer a rentabilidade do empreendimento.
PS em 28 de janeiro de 2019 - Sublinho que a análise aqui feita parte do princípio de que os 3 pressupostos referidos são verdade, o que, embora me pareça que o sejam, não posso garantir

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