terça-feira, 11 de setembro de 2018

Olhar para o problema da ferrovia


Os políticos  não gostam de se arriscar quando o assunto é predominantemente técnico e evitam falar desses temas.
O senhor primeiro ministro enrola-se quando fala de ferrovia num disco riscado que lhe foi fornecido pelos técnicos da IP que lhe dizem, desde 2015, que o Portugal ferrovia 2020 (vinte vinte como eles dizem) vai resolver tudo, até as carencias do interior, e a bitola ibérica chega perfeitamente.
A senhora secretária geral adjunta, Ana Catarina Mendes, é capaz de alinhavar algumas respostas concretas quando questionada sobre a degradação da educação e da saúde, como aconteceu na entrevista que deu no piquenique do PS em Almodovar em 9 de setembro de 2018. Mas já não é capaz de o fazer sobre os transportes. Disse que, ao contrário do governo anterior, o PS estava a olhar para o problema. 
Ora, em problemas de engenharia não basta olhar para um problema. É preciso recolher dados, registá-los  e transformá-los em gráficos, pôr hipóteses, alternativas, voltar a recolher dados,  testar as hipóteses, comparar os resultados, quantificar custos e benefícios, voltar a comparar. É trabalhoso, moroso, exige concentração, e naturalmente formação técnica. Pouco compatível com as práticas do marketing. E quando este trabalho é omitido, de efeitos silenciosamente negativos até ficar bem patente a degradação e a insuficiência.  Com a agravante de que não basta definir uma intenção para ter financiamento comunitário. 
É necessário apresentar estudos concretos, um anteprojeto, e ainda por cima compatível com os objetivos da UE (por exemplo, transferir 30% de carga da rodovia para a ferrovia até 2030, daqui a 12 anos).
Não basta olhar. Por mais boa vontade que queira ter para avaliar o trabalho do XXI governo no domínio dos transportes, não posso, como técnico, dar-lhe o meu aval. Nomeia militantes ou técnicos com critérios opacos, que não tiveram experiencia no negócio que vão gerir. Durante meses tentam compreender as coisas, mas são vítimas dos assessores que lhes impingirem. Eu próprio testemunhei isso. Em 2015 os técnicos do metropolitano começaram a ver que tardavam as autorizaçóes para a encomenda de rodados, que estavam atingindo o seu fim de vida (o diametro e a conicidade dos rodados têm limites de segurança). Em 2016 começaram a faltar comboios na exploração. A comissão de trabalhadores e a comissão sindical alertaram a administração, que estava de saída e nada ligou. Tornaram depois públicas as suas preocupações. Manteve-se olimpicamente indiferente a administração, à espera de nova missão noutra empresa pública. Eu mesmo escrevi ao presidente, alertando que sobreviriam graves problemas por falta de comboios. Nada. Foi preciso esperar pela nova administração, cujo presidente, cuja boa fé não ponho em causa, confessou que nada percebia de comboios e que precisava de tempo para perceber as questões (a propósito do convite para participar no contraditório numa conferencia na Sociedade de Geografia, em março de 2017, em que publicamente critiquei o plano de expansão do metro) e por isso as autorizações para encomendas dos rodados tardaram quase 6 meses. Foi um caso de convergencia entre a má gestão e as cativações financeiras.
Analogamente, vi as denuncias dos sindicatos feitas atempadamente quanto à falta de comboios e de técnicos para a sua reparação na CP e na EMEF.

Este governo não tem a tradição de abertura efetiva do debate, prefere círculos restritos que lhe dêem segurança. Prefere o sentido top-down ao inverso. Prefere impor aos técnicos das empresas públicas as suas orientações, muitas vezes ao arrepio das orientações da UE, como é o caso das redes transeuropeias de transporte e a presumivelmente falhada integração de Portugal nessas redes. 
Prefere negar o grau de degradação, negar o afastamento dos objetivos da UE, negar o isolamento que sofremos nas ligações energéticas e ferroviárias à Europa, negar as insuficiências do plano ferrovia 2020 para os objetivos da UE de 2030.

O problema dos investimentos em obras públicas é mesmo complexo, tão complexo que poucas esperanças há de que o simples restabelecimento do conselho superior de obras públicas o resolva, ou pelo menos defina o caminho para o resolver.

Só um esforço coletivo poderá traçar um calendário para a promoção desses investimentos com financiamento comunitário, envolvendo, para além das empresas do setor, universidades, associações profissionais, imprensa e jornalistas especializados, associações empresariais, entidades sindicais, partidos políticos, técnicos com experiencia do setor, no ativo ou reformados. Talvez até requeira apoio estrangeiro (desde que não nos moldes com que a IP tem colaborado no ambito dos grupos de trabalho ditos de interligação com a Europa ou do RFC4 rail freight corridor 4, com a ADIF, a RENFE, a SNCF, a DB, a Medway, a Takargo, a Azvi). Tal trabalho ultrapassa em muito as minhas capacidades enquanto isolado.
Para avaliar o grau de dificuldade, junto a ligação para o manual de análises de custos-benefícios adotado pela UE para fundamentação dos investimentos financiáveis, a análise de custos -benefícios aplicada à linha da Beira Alta pelo prof.Mario Lopes e a analise resumida que fiz no powerpoint (ver a partir da página 15) que apresentei na sessão na Ordem dos Engenheiros em 28 de fevereiro de 2018 sobre a questão da bitola UIC.
Junto também um pequeno cálculo da capacidade da linha da Beira Alta em via única  após os trabalhos de modernização anunciados pelo XXI governo, e que é insuficiente para garantir o cumprimento do objetivo de transferência de 30% de carga rodoviária para a ferrovia até 2030.

guia para ACB da UE :

ACB Mario Lopes:

ACB F.Silva:

Calculo capacidade linha B.Alta via unica:


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