quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Desde Valencia, uma voz lúcida




O municipio de Valencia tem 790 mil habitantes e a sua área metropolitana  1,54 milhões. 
São valores próximos  dos de Lisboa, o que vem a propósito para analisar o número de passageiros da ligação de alta velocidade a Madrid. 
Cerca de 2,5 milhões de viagens Valencia-Madrid em 2018, quota de mercado de 89% comparativamente com o avião (distancia em linha reta: 286 km) Ver  https://www.lasprovincias.es/comunitat/valenciamadrid-alcanza-record-20181228001414-ntvo.html
Uma estimativa não otimista para a ligação em alta velocidade Lisboa-Madrid daria 2,2 milhões de viagens, para 4,4 milhões por avião  (ver https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/25384/1/Nuno_Maranhao_Eco_TP_2014%5BCD%5D.pdf  ) .
Por outro lado estima-se para a ligação Lisboa-Porto 730 mil passageiros/ano por avião (ver https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/transportes/aviacao/detalhe/tap-aumenta-numero-de-voos-diarios-na-ponte-aerea-lisboa-porto--) e 1,5 milhões por Alfa pendular (ver http://webrails.tv/tv/?p=32734).
Dir-se-ia que, a menos que uma análise custos-beneficios desse resultados extremamente negativos (o que é improvável, porque a rentabilidade das ligações ferroviárias é assegurada pela complementaridade do serviço de mercadorias tanto no caso de Lisboa -Porto, com linha nova para passageiros deixando a atual linha do norte para mercadorias, regional e suburbano, como para Lisboa-Madrid, com serviço partilhado), se justifica a imediata construção das novas linhas de alta velocidade para o Porto e para Madrid. Novas linhas, não remendos, que não se fazem autoestradas aproveitando as estradas convencionais.
No entanto, considerando o anuncio do XXI governo dos investimentos para 2030, parece que os decisores estão contentes com o âmbito restrito da rede ferroviária nacional. 
Dir-se-ia antes que se sentem bem aprisionados nas suas ideias e na realidade tão distante dos padrões europeus, aprisionada também a economia do país.
Estão, além disso, empenhados em difundir a falsa imagem de uma Espanha sem bitola UIC. É verdade que a região de Mérida, Cáceres e Badajoz se queixa da falta de investimento na linha de alta velocidade com bitola UIC para Madrid, cuja obra avança lentamente. Não admira, os governos portugueses têm-se sucedido a desinteressar-se da obra, a contentar-se com remendos em bitola ibérica. Pior ainda na linha de Salamanca, apesar da posição bem definida da CIP emdefesa de linha nova Aveiro-Salamanca por Almeida. É preciso chegar a Medina del Campo (perto de Valladolid) para encontrar a bitola UIC. Mas não é verdade que a Espanha não tenha bitola UIC e não tenha planos para a expandir. Não é bonito querer enganar os eleitores.
Curiosamente, na mesma fonte de que retirei os dados de Valencia, reparei numa noticia local, desta vez sobre estratégia rodoviária:
O ministério de fomento aprovou o aumento do número de vias (carriles) da circular externa rodoviária de Valencia. São cerca de 288 milhões de euros (estimo eu que sejam 60 km). A porta voz de um partido politico aplaudiu, com os argumentos distantes das razões técnicas  que os politicos costumam utilizar para convencer os eleitores. Com palavras ocas como "melhorias funcionais, segurança viária e integração ambiental".
Mas pela voz de Monica Oltre, vice-presidente do Conselho da Generalitat Valenciana, a crítica fundamentada:
«Se tendrá que ver la sostenibilidad del proyecto porque más carriles son más atascos», dijo, poniendo como ejemplo un caso de obstrucción arterial. «Si lo que tienes es una obstrucción de venas, no haces más by-passes, sino que dejas de tener colesterol y haces dieta sana. Esto es lo mismo, si pones más coches, más carriles, tendrás más atascos porque las salidas del bypass al terminar serán las que son», advirtió.
También apuntó que «igual es necesario revisar la movilidad en este tiempo, en el siglo XXI, y el abuso que se hace de los coches» y apostó por la necesidad del Corredor Mediterráneo «para quitar transporte por carretera». Por ello, «cualquier obra pública de esta envergadura tenemos que analizarla con el paradigma de la transición ecológica y de lucha contra el cambio climático. Cuando a la luz de esto se haya analizado este proyecto, podremos tener más datos para pronunciarnos».
Lá como cá, existe uma entidade superior que tem sempre a melhor solução, mesmo que os argumentos técnicos sejam claros a demonstrar o erro.
Neste caso, é o paradoxo de Braess: quando aumentamos a capacidade duma ligação rodoviária saturada, provocamos um aumento de procura porque inicialmente melhora o escoamento e portanto a atratividade, mas em seguida atinge-se novo nível de saturação. É por isso que a solução é a transferencia para o modo ferroviário. No caso de Lisboa, os decisores têm tentado aplicar o paradoxo de Braess ao contrário: reduzindo a capacidade das vias em Lisboa, para diminuir a sua atratividade e assim reduzir o tráfego automóvel. Como compensação, oferta de serviços de bicicletas  e trotinetes elétricas. Sem melhoria da rede de metro, ou prometendo com a linha circular o que ela não pode dar, aumento da capacidade dos canais de acesso a Lisboa (aumentando a procura do interface do Cais do Sodré e, consequentemente, a sua saturação, deixando por servir a área ocidental da cidade).

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