Exmo Senhor Presidente
Exmos membros do corpo técnico
Assunto: Ligação de Loures à rede do metropolitano de Lisboa
Sobre este assunto tive oportunidade de vos enviar em maio de 2020
um pequeno estudo em que analisei várias hipóteses de ligação do vosso
município à rede do metropolitano de Lisboa.
Fi-lo na qualidade de antigo técnico do metropolitano, onde
desempenhei funções na coordenação das colocações em serviço das novas
extensões e na preparação dos processos de licenciamento. O objetivo daquele
contacto foi assim o de transmitir um parecer sobre as hipóteses de expansão da
rede com base em experiência efetiva, numa altura em que o processo de
construção da linha circular prosseguia, não obstante o claro mandado da AR
que, através da lei 2/2020, determinou a sua suspensão e o desenvolvimento de
um plano de mobilidade para a Área Metropolitana de Lisboa.
Este tipo de contactos encontra-se justificado pelos artigos 37º e
48º da Constituição, que garantem o direito de expressão, de participação e de
informação sobre a gestão de assuntos públicos, como é a mobilidade.
Sem que o referido plano de mobilidade para a AML tivesse sido
debatido no espírito daqueles artigos da Constituição, seguiu-se a assinatura
do protocolo das câmaras de Lisboa, Loures e Oeiras e definido o traçado de uma
rede LRT, abrangendo o vosso município.
O desenvolvimento de um plano de mobilidade é normalmente, embora
não seja obrigatório, objeto de um concurso público internacional limitado a
gabinetes de engenharia de transportes com reconhecida experiência.
Naturalmente que é possível esse desenvolvimento ser assegurado pelo
departamento de uma empresa pública de transportes, como o metropolitano, ou
ser requerido o apoio de universidades, como se pratica no Porto, mas é patente
que, dadas as relações de poder hierárquico de facto, não fica garantida a
independência das propostas técnicas, comprometendo-se assim um dos critérios
básicos da qualidade, essa mesma independência.
Tendo o vosso município procedido, de forma correta, à consulta
pública sobre as unidades de execução do planalto da caldeira, intimamente
relacionada com o tema em apreço, verifiquei que, por lapso meu, deixei passar
o prazo limite.
Não
obstante essa falta, a importância do tema leva-me a apresentar-vos as
sugestões e os pareceres seguintes.
1 – A posição estratégica do
município de Loures nas acessibilidades a Lisboa implica que qualquer plano de
mobilidade deverá considerar na sua travessia um corredor ferroviário pesado.
Recordando um estudo recente do prof.Viegas, direi que, pelo menos a longo
prazo, está indicada a ligação da linha do oeste a Lisboa através desse
corredor. Uma das hipóteses poderá ser o prolongamento da linha amarela do
metropolitano de Odivelas ao Hospital Beatriz Angelo, para futura expansão à
Malveira, prevendo-se desde já no HBA um parque de estacionamento dissuasor
para os utilizadores de transporte individual (TI) da região oeste. A utilidade
deste parque dissuasor será valorizada se entretanto, perante a inflexibilidade
do governo de prosseguir na construção da linha circular, se conseguir que
prescinda da construção de novos viadutos no Campo Grande, viabilizando a
futura ligação direta do HBA ao centro de Lisboa.
2 – Dada a orografia da zona, sugere-se
considerar um traçado em planta para o metro pesado idêntico ao do estudo
preliminar para o LRT. As mesmas áreas (Ramada, Bons Dias, Bela Vista, Área
comercial) poderão ser servidas com acessos às estações mais no sentido
horizontal do que vertical, e minimizando os gradientes da via devido à
construção em subterrâneo. Sugere-se considerar utilizar para o traçado, quando
possível, a proximidade das margens da ribeira da Póvoa, libertando troços da
estrada N8.
3 – Relativamente ao traçado
preliminar LRT entre o Infantado e a estação de metro de Odivelas, sugere-se
que ele seja projetado de modo a facilitar uma futura integração na linha
circular externa de LRT prevista no PROTAML
de 2002 (ainda não substituído), Algés-Loures-Sacavém.
4 – O argumento de que uma linha
de LRT é mais barata do que de metro subterrâneo (estimativa de 20 a 30 milhões
de euros por km contra 60 a 80 milhões por km), deve ser cotejado, numa análise
de custos benefícios (teoricamente obrigatória para cofinanciamento
comunitário) que tenha em atenção uma zona em que devido aos processos
urbanísticos predomina o transporte individual e em que as vias de comunicação
não são largas e a convivência do LRT com o TI será sempre difícil, com as
vantagens da linha de metro:
4.1 – maior velocidade comercial
por inexistência de constrangimentos de transito, e consequente poupança de
tempo para os passageiros
4.2 – maior economia de
energia atendendo a que os gradientes são menores graças ao percurso
subterrâneo (4% contra 7-8% do percurso LRT à superfície, admitindo-se uma
extensão significativa de túnel sob o IC22 no traçado previsto para o LRT HBA-est.Odivelas)
4.3 – maior fluidez de
transito à superfície e disponibilidade do espaço para ciclovias e percursos
pedonais, e maior atratividade pela rapidez e possibilidade de taxação/portagens
do transito automóvel por existência de alternativa
5 – Considerando um percurso
tipo composto por 3 troços:
5.1 - casa-estação de comboio
5.2 - percurso de comboio
5.3 - estação de
comboio-emprego,
verifica-se que não é
suficiente um bom traçado de comboio para substituir o TI. Admitindo que a
“first mile” corresponda predominantemente ao TI, a “last mile” necessita de
ser dotada de modos complementares, que por razões económicas deverão ser
automatizados e “self-service”, sem prejuízo, por razões de segurança, de monitorização
por sala de controle central guarnecida.
Nestas condições, em
conformidade e complementaridade com a nona linha de ação do ponto 4 dos Termos
de Referência da consulta pública, será conveniente prever nas estações ou
paragens o serviço das faixas adjacentes aos traçados previstos, da ordem de 2
km, por modos complementares como:
- cabinas autónomas
(autonomous shuttles) de guiamento por GNSS (global navigation satellite
system) e requisitáveis “a pedido”, em pistas tipo ciclovia com 4m de largura (veículos
de 1,6m de largura e 3,5m de comprimento) de utilização preferencial pelas
cabinas e bicicletas; tecnologia mais simples, por cabo embebido no pavimento e
ligação por indução eletromagnética ao veículo
- frotas partilháveis
“renting” de duas rodas e de automóveis elétricos em parques junto das estações
- para distancias superiores a
2 km, os modos clássicos (autocarros, miniautocarros, táxis)
Em anexo mostra-se um
exercício de aplicação na ligação entre o Hospital Beatriz Angelo, a uma cota
de 108m, e a área comercial do Infantado à cota 13m, com recurso à técnica do
funicular ou elevador inclinado de duas pistas independentes (com utilização “a
pedido” semelhante à dos elevadores num percurso de 940m seguido de uma pista dupla
para cabinas autónomas de cerca de 2000m, ou de teleférico, num percurso de
1830m seguido de uma pista dupla de cabinas de 540m
6 – Relacionamento com o corpo
técnico do Metropolitano de Lisboa – Nos Termos de Referência da consulta
pública está patente o vosso compromisso com a correta organização do
território na zona em apreço, incluindo, conforme o ponto 3, o diagnóstico das
fragilidades dos transportes (predomínio do TI) e da fixação de polos geradores
de emprego (atividades primária, secundária e terciária). Consequentemente, no
ponto 4.2.3.3 refere-se o estudo de viabilidade do Metropolitano de Lisboa mas
infere-se da sua leitura que não é clara a participação do departamento técnico
do vosso município duma forma interativa com o metro no estudo e debate de
soluções de mobilidade. Por maioria de razão, considerando o direito constitucional
de participação e informação para qualquer cidadão, será desejável melhorar o
relacionamento entre técnicos município-metro, sem prejuízo do acompanhamento
pela AML e da contínua informação aos cidadãos do avanço dos anteprojetos e
projetos.
7 – Relativamente à zona de
Sacavém e ao proposto traçado LRT Moscavide-Portela-Sacavém-Parque das Nações,
observo que, sendo mais fácil a construção do traçado, dadas as caraterísticas
das vias urbanas mais recentes, ainda assim se mantem a conflitualidade com o
transito rodoviário. Em alternativa poderia pensar-se no prolongamento da linha
vermelha do metro como ramal, uma vez que já existe uma bifurcação a poente da
estação Moscavide. Isso tem o inconveniente de reduzir a fiabilidade da ligação
à estação Aeroporto (risco de perturbação por avaria dos aparelhos de mudança
de via) embora o problema pudesse ser ultrapassado, se bem que com elevados
custos, através da desconexão das linhas
(eventual prolongamento do troço do Aeroporto para a margem sul).
8 – Uso futuro das margens e
foz do Trancão e margem do Tejo na Bobadela - Julgo ainda que deverá ter-se em
atenção que a zona da foz do Trancão, onde se fará a correspondência com a
linha da CP, está a ser pensada como hipótese para amarração da terceira travessia
do Tejo, em túnel ou em ponte, com eventual seguimento pelo vale do Trancão.
Será assunto a debater com o CSOP, a AML e, dadas as competências
constitucionalmente estabelecidas para o ordenamento do território e do
urbanismo, com a AR.
Com os melhores cumprimentos,
ao dispor para eventuais esclarecimentos
Fernando Santos e Silva
BI 1453978
Em anexo:
ANEXO
I - Exercício para ligação entre os
itinerários Estação de Odivelas - HBA e
Infantado
ANEXO
II - Ligações para antecedentes e informação
complementar sobre
“autonomous shuttles”
ANEXO I
- Exercício para ligação entre os
itinerários
Estação de
Odivelas - HBA e Infantado
ANEXO II
- Ligações para antecedentes e
informação complementar sobre
“autonomous shuttles”
Antecedentes
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/05/sugestoes-para-expansao-do.html
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/10/mais-um-protocolo-das-camaras-de-loures.html
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/02/consulta-publica-do-recape-da.html
“Autonomous shuttles” “a
pedido”:
https://roboticsandautomationnews.com/2020/10/15/top-25-autonomous-shuttle-manufacturers/37291/
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwerSSgD3CMjYs4nz1I (diapositivos 11 a 16)
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