Condolências pelos familiares e amigos das vítimas.
O acidente de 28fev2023 na Grécia, uma colisão frontal de comboios, impressiona-me muito pela semelhança com o acidente de Alcafache, na linha da Beira Alta em 1985. Em ambos o acidente teve origem numa má compreensão das comunicações telefónicas sem que o agente que deu autorização de partida tivesse percebido que o outro comboio já estava em movimento em sentido contrário, sem que existisse um procedimento de confirmação em que agentes em locais diferentes confirmassem por escrito ou em registo audio a autorização de movimento e, principalmente, sem que estivesse instalado um sistema de deteção e controle do movimento dos comboios ou um dispositivo de travagem automática por ultrapassagem de um sinal vermelho.
Na sequência do acidente de Alcafache foram desenvolvidas as medidas para a instalação do sistema CONVEL (controle de velocidade) da Ericsson, mantendo-se a exploração da linha da Beira Alta em via única, tal como se manterá após as obras de manutenção e beneficiação parcial em curso.
No caso do acidente de Larissa/Tempi verifica-se a exploração da via dupla em modo banalizado, isto é, para aumentar a capacidade da linha em situação de maior tráfego num dos sentidos, é possível circular nos dois sentidos. Assim se transpuseram para a via dupla os riscos da via única.
Com a agravante de entre Larissa e Neoi Poroi, o troço da linha Atenas-Tessalónica em que se deu o acidente, constituir um cantão ou bloco único de sinalização, isto é, o comboio que sai de Larissa tem o itinerário feito ou instruções para seguir até ao sinal de entrada de Neoi Poroi, apesar de a meio haver uma estação técnica de cruzamento de comboios.
Isso para otimizar a capacidade da linha, com o consequente aumento dos riscos por inexistencia de deteção e controle do movimento dos comboios. É provável até que não exista uma sala de comando com a exibição em tempo real da ocupação dos circuitos de via (que também é provável que neste troço não existam) que tivesse permitido ao agente da estação de Larissa verificar que tinha mandado para a via sul (à esquerda no esquema) o comboio de passageiros quando essa via já estava ocupada em sentido contrário. Pormenor importante, o agente de estação de Larissa estava colocado na estação apenas há 40 dias. Terá tido uma formação consistente?
Das gravações dos telefonemas entre o agente da estação e o maquinista retira-se que o agente pensava que o comboio de mercadorias vinha na via do norte (à direita no esquema), pelo que também se deveria esclarecer a intervenção do agente de estação de Neoi Poroi, se é que existia.
As informações disponíveis dizem que as economias têm ditado a rarefação dos quadros de pessoal e consequente sobrecarga dos efetivos. A esclarecer também numa fita de tempo se o agente da estação de Larissa teria tido oportunidade de acionar a agulha que a 2 km antes do local da colisão teria permitido o comboio de passageiros "escapar" para a via Norte.
Também se deverá esclarecer o que alguns técnicos disseram, que em face da frequencia das avarias da sinalização, maquinistas e agentes de estação "ignoram" muitas vezes o estado da sinalização (passagem intempestiva e indevida de verde a vermelho, por exemplo), confiando no cantonamento telefónico (recordo que foi o caso de uma colisão fatal no metro de Washington).
A confusão dos sentidos dos comboios pode também estar relacionada com o grande atraso do comboio de passageiros, por sua vez consequência de uma rotura e queda de catenária horas antes, a sul de Larissa.
Troço de cerca de 50 km onde se deu o acidente, integrado na linha Atenas-Tessalónica ; distancia Larissa-Atenas 216 km para sul, Larissa-Tessalónica 120 km |
- Linha do Minho – CONVEL instalado até Viana do Castelo; de Viana até Valença está prevista a entrada em serviço em junho de 2023 (a confirmar)
- Linha do Douro – instalado até Marco de Canaveses; prevista a entrada em serviço até à Régua em 2025
- Ramal de Alfarelos e linha do Oeste até Louriçal – prevista a entrada em serviço até dezembro de 2023
- Linha do Oeste –Louriçal a Cacém prevista a entrada em serviço em 2024
- Linha de Beja – sem CONVEL no troço Casa Branca-Beja
- Linha de Cascais – a instalar o ETCS com o futuro material circulante; até lá, mantem-se o dispositivo de travagem automática por ultrapassagem de sinal vermelho INDUSI
Verifica-se assim que numa rede de linhas de via única subsistem em Portugal troços sem controle de velocidade. É absolutamente imperativo que os procedimentos de exploração por cantonamento telefónico em condições normais ou de permanencia de sinal vermelho exijam a troca de informações entre um centro de comando, o maquinista e um agente de tráfego junto deste que registem e confirmem por escrito ou por gravação telefónica as ordens de movimento ou implementando o cantonamento por bastão piloto.
Sobre o sistema de controle de velocidade ETCS refere-se que a IP pretende conservar o sistema atual CONVEL que foi descontinuado, mantendo no futuro dois sistemas compatíveis com comboios equipados com o sistema ETCS: linhas com equipamento fixo ETCS e comboios ETCS, e linhas com equipamento fixo CONVEL e comboios equipados com ETCS e o módulo STM que lê as balizas do CONVEL. Este módulo está a ser desenvolvido pela Thales. Pessoalmente, dada a complexidade dos interfacves e ter-se deixado de fabricar sobresselentes CONVEL; preferiria a desmontagem total deste sistema, mas esperemos que a capacidade da Thales resolva o assunto até 2024.
Entretanto na Grécia o governo continua a incriminar mais agentes de exploração ao mesmo tempo que pede ajuda à ERA (agencia ferroviária da Comissão Europeia) apoio para a reralização do inquérito técnico (saber exatamente o que se passou, o que causou o acidente, em que circuntâncias, e que recomendações devem ser adotadas para evitar a repetiçõ do acidente, sem , na fase do inquérito, haver a preocupação de apurar ações criminalizáveis.
Neste artigo do jornal eKathimerini.com pode ver-se a negligencia oficial de há mais de 15 anos sem que se conclua a sinalização e a instalação do sistema de controle de velocidade ETCS na linha Atenas-Tessalónica, eventualmente relacionada com as exigencias economicistas do período da troika na Grécia (no artigo informa-se que o sistema ETCS já funciona no troço de cerca de 100 km entre Tessalónica e a fronteira com a Bulgária, mas não entre Tessalónica e Atenas):
https://www.ekathimerini.com/news/1206447/etcs-awaiting-signaling-system-of-rail-network/
Informação de 13msr2023:
Tem graça que eu conheço outro país europeu que, no campo ferroviário, é muito parecido com a Grécia. Começa com a letra P .
ResponderEliminarNo caso de Portugal, o eixo Braga-Lisboa-Faro e as linhas da Beira Alta e Beira Baixa, e linha de Sintra e Cintura, dispõem dum sistema CONVEL, de origem sueca, que controla o cumprimento pelos comboios das ordens dos sinais. Ou seja, caso um sinal esteja com ordem de paragem (vermelho) o CONVEL obriga, de forma automática, à paragem de todos os comboios, por adequada atuação dos travões.
ResponderEliminarAo autor deste blog comunico que gostei deste seu texto/análise, tendo em conta a informação de que atualmente se conhece. Fiquei, no entanto, com uma dúvida que gostava que me esclarecesse. Referiu que a exploração estaria a cargo da Ferrovia dello Stato (FS) italiana e que as infraestruturas estão a cargo do estado grego através da OSE. A minha questão é a seguinte: à semelhança de Portugal, confirma-se que o chefe da estação pertencia à OSE ? (em Portugal o pessoal das estações pertence à IP).
ResponderEliminarObrigado.
Caldeira Martins
Agradecido pela apreciaçãao. Tanto quanto retiro da informação disponível confirmo a analogia com aa organização em Portugal. Os maquinistas pertencem à Hellenic Train/Trenitalia e os operadores de estação responsáveis pelas agulhas e itinerários à OSE, equivalente às categorias na IP (operador de circulação, controlador de circulação, operador de comando ferroviário https://meusalario.pt/direitos-do-trabalho/base-de-acordos-colectivos/acordo-coletivo-entre-a-infraestruturas-de-portugal-sa-e-outras-e-o-sindicato-nacional-dos-trabalhadores-do-sector-ferrovi-rio-e-outros---revis-o-global-2019#CAP%C3%8DTULO_IV ) ..
EliminarCumprimentos
PS em 29mar2023 - contrariamente ao que afirmei no comentário anterior, não está claro que os agentes de estação nas estações de Larissa e de Neoi Poroi, pertençam à OSE (infraestruturas). Segundo a imprensa grega (jornal eKathimerini), a propósito da incriminação de outros agentes sobre os quais impendem as acusações de deficiente formação ou saída mais cedo do turno, eles pertenceriam ou estariam sob contrato precário à Hellenic Trains, a operadora dos comboios.
ResponderEliminarA confirmar-se, sublinho a confirmar-se, será apenas mais uma deficiência organizativa da ferrovia grega, aliás proporcionada pelo dogma da CE de que a operação tem de ser separada da infraestrutura para viabilizar a concorrência (acontece que a segurança tem prioridade sobre a concorrência).