segunda-feira, 15 de março de 2010

Educação X - Crime, disse eu, crime na escola

Não resisto, tenho de vos contar.

Minha mulher, professora de Matemática de miúdos e miúdas dos 10 aos 15 anos, reformou-se.

Só lhes disse, a eles e elas, na última aula. Um deles vociferou: Eu mato o novo professor. Mas era linguagem figurada. Apenas para dizer que gostavam dela.

Apesar de já ter 65 anos (ela até ficava mais um ou dois anos se não a obrigassem a dar aulas de substituição; não era por serem de substituição, era porque com 65 anos já custa dar um horário de 22 horas, e para mais, sem guião para seguir nas tais aulas de substituição).

Quando entendeu necessário pôr um aluno na rua, sempre chamou a senhora auxiliar para acompanhar o aluno ao exterior. Isto para evitar aquelas cenas que passaram na televisão da disputa do telemóvel.

Nunca foi agredida por pais de alunos, mas ajudou, juntamente com a polícia da “Escola segura”, a evitar que o fizessem a uma colega.

E sempre disse que as medidas da ministra Lurdes Rodrigues eram ofensivas e que eram a desconsideração dos professores.

O que só poderia dar mau resultado, como se comprovou.

O professor Carlos Fiolhais chama à situação que agora se vive a remoção pela atual ministra dos destroços da luta, sendo que o enfraquecimento dos professores foi o pior que podia ter acontecido.

Sistema de avaliação, estatuto da carreira docente, estatuto do aluno, não eram reformas, eram erros. Não respondia ao cerne da questão, que é exterior à escola e se traduz pela dificuldade das famílias, com a agravante delas muitas vezes não existirem, promoverem o acompanhamento educacional das crianças e o respetivo suporte financeiro.

Que os erros tivessem sido cometidos pela ministra já é grave.

Mas que tivessem sido validados pelo restante governo e pelo presidente da republica (deixem trabalhar a senhora ministra, foi uma frase que ficou na história; quando se cometem erros, quem os comete não deve ser deixado á solta) é extremamente grave, porque compromete as novas gerações e o futuro da nação.

De modo que a diretora da escola rapidamente selecionou um substituto para a minha mulher, que combinou com ele, na segunda feira, ás 9 horas, antes da aula das 10, um pequeno encontro para o informar da matéria dada, dos principais problemas da turma, dos tipos de teste que deram melhor resultado com os alunos.

O professor substituto chegou no dia aprazado, às 10 horas, quando a aula estava a começar. Desculpou-se que lhe tinham batido por trás, no carro, por estar a chover muito. Combinaram para o dia segunite, terça feira, em que o horário era idêntico. A minha mulher esperou até às dez e meia. O substituto não apareceu.

Na quarta feira, voltou a minha mulher à escola. Questões de regular burocracias. Ninguém lhe soube dar novas do substituto. Alguém disse: Ele parecia aterrorizado, ontem.

Ah, parece que na sexta feira andava por lá. Pobre moço, engenheiro mecânico de formação. Nunca quis dar aulas. Está ali na escola como quem vende cafés a recibo verde no Colombo.

Mas isto é um crime, disse eu para a minha mulher, é um crime na escola. E com efeitos na sociedade futura.

Quem tinha vocação para professor agora escolhe outra profissão, numa altura em que tantos professores com experiencia se reformaram. Foi no que deu a campanha descredibilizadora da ministra Lurdes Rodrigues (coitados dos opinadores dos jornais: tão convencidos com aquela de que os professores portugueses trabalhavam muito menos do que na Finlandia; encontro num recorte antigo de jornal um opinador a chamar “campanha imobilizadora” às posições dos professores contra o autoritarismo de Lurdes Rodrigues; podem estar contentes com as suas opiniões: os professores de agora trabalham mais horas na escola, e os alunos já aparecem com armas de fogo, como na Finlandia e nos países evoluídos).

Isto não é uma generalização. Isto é apenas um exemplo do que se está a passar. Quem tem capacidade para ser professor não vai para o ensino público. Quando muito irá para o privado. Mas os custos do privado estão a afastar crianças novamente para o público, porque na educação não existem os seguros que vemos na saúde. Por outro lado, o crescimento do ensino privado traduziu-se por alguma degradação (exceções honrosas à parte, claro).

Conclusão: depois da catástrofe de anos e anos de má gestão excessivamente centralizadora dos ministérios, culminando com os erros da ministra Lurdes Rodrigues, tem de se traçar um plano de recuperação e de melhoria para evitar a catástrofe de gerações sem preparação cultural e sem capacidade para a qualificação tecnológica (o que desembocará fatalmente em menores PIBs).

Podemos ser um país sem dinheiro. Mas para a educação das crianças, em igualdade de oportunidades, deveríamos canalizar os nossos esforços e o máximo das nossas capacidades.

Depois da catástrofe devíamos aplicar os métodos da “Sabedoria das multidões” para traçar o plano de recuperação. A equipa central de técnicos experientes (não esquecer que a senhora ministra Lurdes nunca deu aulas nos ciclos de ensino que tutelou), escolhida sem ligar às simpatias partidárias dos seus técnicos, em debate alargado com equipas de especialistas e com a participação dos cidadãos…e depois, aplicar o plano de recuperação, para evitar a repetição da catástrofe.

É um direito das crianças e é uma obrigação dos adultos.

Não a cumprir é crime (de acordo com o meu tribunal interior, apenas, estejam os “criminosos” descansados).

Digo eu, que é crime, crime na escola, e com efeitos, agora e no futuro.


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