quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Debatendo as linhas de alta velocidade em Portugal


Existem muitos opositores à construção de linhas de alta velocidade. Um deles é autor do blogue o economista português, tendo publicado em 5 de novembro um post contra "o TGV":
Enviei-lhe o seguinte email:

Caro dr Luis Salgado de Matos

Embora o eng.Pompeu dos Santos já tenha comentado a sua análise com informações consistentes, penso que um  tema como o da alta velocidade ferroviária justifica diversas abordagens.
Provavelmente a melhor abordagem será a de cultores das artes e da literatura. Razão por que sugiro a releitura da crónica de Miguel Esteves Cardoso sobre os bons comboios, ou de como desistir de viajar no pendolino depois de duas viagens desconfortáveis, passada que fora a época gloriosa do Glenfiddich express. Isto é, a análise de Miguel Esteves Cardoso colide frontalmente com o ranking generoso que o dr Salgado de Matos atribui à rede ferroviária nacional:
Mas não sendo sociólogo, nem jurista, nem economista, também me atrevo a dar a minha abordagem de humilde técnico, pedindo desculpa ao eng Pompeu dos Santos por alguma divergência nos pontos de vista e aos engos Luis Cabral da Silva e Mario Ribeiro por recorrer a um seu trabalho
Envio este texto por email dado ter encontrado os comentários desativados no blogue.
Interpretei o texto do dr Salgado de Matos como propondo a recusa de qualquer investimento em novas linhas ferroviárias de alta velocidade, contentando-se com o que existe. Apesar de reconhecer que falta material circulante, para além da degradação de que, por falhas de manutenção, padece a infraestrutura ferroviária. Neste domínio terá razão a dra Manuela Ferreira Leite, que diz que a falta de investimento está a matar o nosso país, que é preciso investir na preservação do que temos. Pessoalmente discordo em parte, porque qualquer empresa medianamente bem gerida tem um orçamento de exploração e um orçamento de investimento. E no orçamento de exploração, ou operação, estarão as despesas de manutenção, ou de preservação da infraestrutura que temos de manter em  funcionamento em condições de segurança e de rendimento (performance, eficiência). E se há ou não dinheiro para uma coisa ou outra, já foram referidas (prof.Alfredo Marvão Pereira) percentagens em relação ao PIB para afetar à operação e ao investimento. A menos que se queira mesmo afundar o país, uma vez que a alternativa ao transporte ferroviário é o desperdício energético dos outros modos de transporte (exceção para o transporte marítimo). Aqui vem-me à memória a extinção da civilização maia, no século X DC. Uma série de anos de seca severa, numa região em que os rios correm subterraneamente, não à superfície, e em que as classes privilegiadas detêm o monopólio da água. Quando a água esgotou, as multidões enfurecidas destruíram pelo caos o resto da estrutura social. Apesar do nível elevado da civilização maia, notável na matemática e na astronomia, a sua fragilidade no domínio dos transportes foi fatal. Não tiveram infraestruturas para irem buscar mais longe aquilo de que precisavam. Não dispunham de cavalos, nem sequer da elementar roda, nem da tecnologia do ferro. Um país sem infraestruturas de transportes definha, ou é ocupado a partir do exterior… Claro que estou a admitir que o nosso país sai grandemente prejudicado do seu desprezo pela rede ferroviária convencional e, por maioria de razão, por uma nova rede de alta velocidade ferroviária. E infelizmente não poderemos contar com o apoio dos adeptos incondicionais ou dependentes forçados do automóvel, a exemplo dos “coletes amarelos” anti-Macron.
Mas prescindindo agora da análise histórica ou política, parece-me, por mais difícil que seja de aceitar pelo dr Salgado de Matos, eventualmente por desprezar o ponto de vista da Física, que há duas razões que contradizem a sua análise:
I – o consumo específico de energia por passageiro-km (a unidade do produto de uma empresa de transporte de passageiros) de um moderno comboio de alta velocidade é, para a mesma taxa de ocupação, menor do que para um automóvel, para um autocarro (mesmo elétrico) ou para um comboio convencional.
Isso deve-se, em comparação com os veículos rodoviários, ao menor atrito da roda de ferro com o carril, relativamente ao atrito do pneu com o asfalto (menor coeficiente de atrito ou quociente entre a força necessária para deslocar uma massa de ferro sobre uma superfície de ferro, comparativamente com o maior coeficiente de atrito da mesma massa de borracha sobre uma superfície de asfalto) e, além disso, porque o pneu, deformando-se durante a rotação, vai aumentar a superfície de contacto com o pavimento e portanto aumentar a resistência ao movimento e o respetivo consumo de energia.
No caso do comboio convencional, o menor consumo específico do comboio de alta velocidade resulta das caraterísticas mais favoráveis do traçado das novas linhas a construir (tal como não se fazem auto-estradas aproveitando o traçado das estradas pré-existentes) , com curvas de maior raio e com pendentes de menor inclinação, oferecendo assim menor resistência ao movimento.
II – as novas linhas requeridas pela exploração da alta velocidade podem ser rentabilizadas de uma forma muito simples, através da sua utilização também por comboios de mercadorias, porque as linhas convencionais têm pendentes superiores a 1,2% , o que limita o comprimento dos comboios ou, em alternativa, requerem a utilização de uma segunda ou terceira locomotiva, aumentando assim os custos de operação. Esta a razão por que é dinheiro mal empregado a beneficiação da linha da Beira Alta em vez da construção de uma linha de raiz com traçado otimizado. Notar que enquanto os comboios de passageiros nas linhas de alta velocidade poderão ter como velocidades máximas entre 250 e 350 km/h, aos comboios de mercadorias não se requer mais de 100 a 120 km/h.
É possível que o dr Salgado de Matos tenha escrito o seu texto influenciado pelo estudo da Fedea de 2015, por um relatório do Tribunal de contas europeu de junho de 2018, pela atividade do agrupamento europeu de interesse económico – alta velocidade Espanha-Portugal (AEIE-AVEP), em quem aparentemente o governo delegou todos os assuntos de investimento ferroviário em novas linhas, ou pela repetida defesa da bitola ibérica pelo senhor ministro do Planeamento e Infraestruturas, pela sua tutelada Infraestruturas de Portugal e pelas operadoras ferroviárias de mercadorias, empresas não nacionais. Provavelmente aquele agrupamento europeu coincide no todo ou em parte com a associação Atlantic corridor RFC4 (rail freight corridor 4) com o objetivo da UE de ligar segundo os parâmetros da interoperabilidade os portos da costa atlântica ao porto do Havre e a Strasbourg e Mannheim, embora até agora, cingindo-se à bitola ibérica na parte nacional, pareça preocupar-se mais com a ligação de Espanha à Europa trans-pirinaica.
A ideia dos defensores da bitola ibérica é a oportunidade de explorar a rede remanescente com essa bitola após o desenvolvimento da rede de bitola UIC em Espanha e apostar no transporte, maioritariamente diesel,  para as plataformas logísticas fronteiriças de Vigo, Salamanca, Badajoz e Huelva, e para a de Vitoria (disponível para ligações a França em bitola UIC a partir de 2023), e no transporte de camiões em vagões do tipo do Eurotunnel (autopistas ferroviárias). Certamente que funcionará, mas limitando o crescimento das exportações e abrindo claramente o caminho para a operação do transporte de passageiros ficar também, como o de mercadorias, ficar para acionistas externos.
Pareceu-me também que a principal crítica do dr Salgado de Matos é a não geração de retorno para pagamento das linhas de alta velocidade por insuficiência de passageiros.
Comento:
1 – o estudo da Fedea não considerou os resultados mais recentes de EBITDA positivo nas principais linhas espanholas (reconheço exageros nalgumas linhas da rede AVE) nem externalidades positivas como a venda da alta velocidade à Arabia Saudita (já em operação) nem ao Texas (já adjudicado), nem considerou os benefícios fiscais às companhias aéreas nem em comparação o desperdício energético e emissões poluentes das viagens aéreas de menos de 800 km (referidos estes no seu texto, diga-se em abono do dr Salgado de Matos). Por exemplo, a estimativa por passageiro duma viagem aérea Lisboa-Madrid é de 70 kg de CO2, enquanto numa viagem de alta velocidade ferroviária seria de 13 kg de CO2. Citando:
registo que em 2016 o resultado positivo da alta velocidade espanhola foi de 141 milhões de euros com 35 milhões de passageiros. Como anunciou o ministro de Fomento de então, a alta velocidade pagou a manutenção da infraestrutura, ao contrário do transporte rodoviário que não cobre a manutenção das estradas. Evidentemente que nesta conta operacional não entra o serviço da dívida para a construção da infraestrutura. Será ainda interessante estudar os consumos comparados do comboio de alta velocidade com os outros modos de transporte:
2 – uma infraestrutura como uma linha de alta velocidade tem de pagar o investimento? Não é critério suficiente ter um EBITDA positivo, servir as populações e ser energeticamente eficiente e menos poluidor? Como encarar o investimento num automóvel privado? Gera retorno para cobrir o investimento? Um automóvel que custe 30.000 euros consome em 10 anos cerca de 16.000 euros de gasolina, mais 3.000 euros de manutenção mais 6.000 euros de seguros, num total de 55.000 euros nesses 10 anos. Ou cerca de 8% do rendimento dos seus proprietários (estou a supor um casal com um automóvel). Será que gerou 8% desses rendimentos, quando o transporte coletivo é mais económico e menos poluidor?
3 – O relatório de junho de 2018 do Tribunal de contas europeu (European Court of Auditors) criticava as linhas mal planeadas, não as bem planeadas, e a ausência de soluções para as regiões trans-fronteiriças, de que o troço Évora-Mérida, por não respeitar os critérios de interoperabilidade é um ato falhado. Vem a propósito referir que a solução de vagões com eixos variáveis só é rentável para menos de 900 km, logo, de âmbito ibérico do ponto de vista nacional. E quanto aos comboios automotores de passageiros com eixos variáveis, solução sedutora, reconheçamos que é uma excelente solução, mas de aplicação bem limitada no tempo e no espaço, pelo menos é a experiência espanhola.
4 – Falando em Tribunal Europeu de Contas, deve também citar-se o relatório de 2016 sobre a insuficiência da rede europeia de mercadorias e a necessidade, por razões de combate às alterações climáticas, de a desenvolver:      https://www.eca.europa.eu/pt/Pages/DocItem.aspx?did=36398
São incipientes as medidas que a IP vai executando, não só pela reduzida taxa de execução do plano ferrovia 2020, incluindo o propalado troço Évora-Mérida em bitola ibérica, como pela pequenez dos projetos para 2030. Por exemplo, a ligação de Sines ao Caia exige a construção de um troço novo entre Sines e Grândola Norte, em vez da limitada beneficiação do troço existente Sines-Ermidas, que chega a ter 2,2% de pendente. Idem para troços da Beira Alta existente, em vez de avançar para a linha nova Aveiro-Mangualde-Almeida (e não Vilar Formoso, para curvas e pendentes mais favoráveis, nem Pampilhosa, que aumenta o percurso). Esses troços novos poderiam beneficiar de fundos comunitários, mas eles só serão possíveis contra a apresentação de anteprojetos bem definidos, não servindo de desculpa para não os fazer, naturalmente, o chavão “não há dinheiro”. Cito este esboço de estudo comparativo, em que se estima um custo de operação duma linha ferroviária nova de mercadorias, partilhada com comboios de alta velocidade, em 1,2 cent./tonelada-km, por comparação com uma linha convencional, estimado em 1,67 cent./tonelada-km: https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwehzNhuEExKreHeAex
5 – Para opor à política do governo, o que temos a defender é o mapa da rede trans-europeia básica dos nove corredores ferroviários internacionais de acordo com todos os critérios da interoperabilidade (incluindo a bitola UIC) com o objetivo de 2030 – Trans European Network – Transport – TEN-T). E, quanto a nós, o corredor Atlântico norte e sul da TEN-T, no território nacional e nas suas ligações a Espanha e à Europa trans-pirinaica, serve melhor o interesse nacional ao permitir a maior eficiência do transporte de passageiros e de mercadorias. Junto o documento com o plano de desenvolvimento dessa rede, elaborado pelos colegas Luis Cabral da Silva e Mario Ribeiro:     https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwenzfjzLz-uqN9PNRI
A estimativa é de 12.000 milhões de euros a executar em 14 anos. É possível, mudando a política do governo e as orientações dadas à IP e ao grupo AEIE-AVEP, elaborar os estudos prévios necessários para obter cerca de 40% de comparticipação comunitária. O que significa cerca de 500 milhões de euros por ano a cargo do país (aprox.0,3 % do PIB). Do lado das despesas, contar para manutenção com 1 a 5% do investimento por ano (120 a 600 milhões) e, com base na experiência espanhola, esperando 2 milhões de passageiros por ano para as linhas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid (receita de 150 milhões de euros)  e nas orientações europeias de transferência até 30% do transporte rodoviário de mercadorias para o transporte ferroviário, por razões ambientais (White paper da CE de 2010:
 Considerando o valor do INE de mercadorias internacionais por modo rodoviário em 2015 de 22.000 milhões de ton-km e tomando 9% a 18% de transferência e um custo de venda de 10 a 15 cent./ton-km,  teremos como receita anual 200 a 600 milhões de euros). Isto é, se por milagre tivermos a infraestrutura, valerá a pena “desempacotar o material circulante”.
6 – CONCLUSÃO, por hora – Como em qualquer problema complexo como este, é fácil definir alguns pressupostos de aceitação universal, como bem utilizar o dinheiro dos contribuintes num investimento com riscos, ou em poupá-lo precisamente por ter esses riscos. No problema em apreço, dum lado temos o desperdício e a poluição atuais com o predomínio do transporte rodoviário para as mercadorias e aéreo para os passageiros, comprometendo o referido dinheiro dos contribuintes através da importação de combustíveis fósseis, simultaneamente com a degradação da rede ferroviária convencional, em prejuízo dos mesmos contribuintes. Do outro, temos um complexo e vultoso investimento que exige uma engenharia de projeto e de execução rigorosas e uma gestão de fundos comunitários igualmente rigorosa, e que só será justificável, mesmo que o seu retorno tenha um prazo de amortização até ao fim do século, se do lado empresarial nacional houver uma reação positiva e expansiva de exportações de modo a sobreporem-se ao volume de importações.
Em resumo, a cada um a sua escolha, retendo eu pela minha parte a memória da extinção da civilização maia por falta de infraestruturas de transporte para resposta adequada às ameaças externas, e a ânsia de voltar a ter um frasquinho de Glenfiddich num bom comboio.

Aceite os melhores cumprimentos

Fernando Santos e Silva


- Post original do dr Salgado de Matos
- Resposta do Eng.Pompeu Santos:
Exmo Senhor Dr Salgado Matos
Não tenho por hábito comentar os comentários de outros. Mas como fui avisado por pessoa amiga de que o meu nome tinha sido repetidamente invocado num post de sua autoria, datado de 5 de novembro de 2018, no blog “O Economista Português”, intitulado: “Grandes Investimentos: TGV, não, obrigado, já temos” venho prestar alguns esclarecimentos, aos quais, agradeço seja dado relevo equivalente ao que foi dado ao referido Post.
Desde já, registo com apreço, a consideração com que sou tratado no post, “um divulgador inteligente e bom argumentador”.
Vejamos então os tópicos do Post.
1)”Já temos TGV”
O autor parece confundir os comboios de “Alta Velocidade” com a infraestrutura onde circulam. Como é obvio, são coisas distintas. O “TGV” é uma marca de comboios de “Alta Velocidade”, produzidos pela francesa Alstom, mas existem outras marcas, tão ou mais importantes, como o Velaro da Siemens, por exemplo, para já não falar dos CR400 chineses, que são nesta altura os comboios de “Alta Velocidade” em serviço mais rápidos do mundo. Também não se percebe a alusão ao “TGV”, pois nos meus artigos não falo em “TGV”, mas em linhas ferroviárias de “Alta Velocidade” (em inglês, HSRL, “High Speed Railway Lines”).
O autor diz que “o Pendolino, o nosso Alfa Pendular, é o TGV italiano”. Não é verdade. O ETR 450 (o Pendolino), com uma velocidade máxima de 250 km/h, não é considerado um comboio de “Alta Velocidade”. Existem, de facto, comboios de “Alta Velocidade” em Itália, são o ETR 500, o ETR 1000 e o AGV 575 (fabricado pela Alstom), com velocidades comerciais de 300 km/h.
Refere a seguir que “temos o material circulante e renovámos a linha há menos de 30 anos”. Pois renovámos, mas. Gastou-se uma fortuna e a infraestrutura permite apenas velocidades máximas de 220 km/h e em pequenos troços; a maior parte não permite velocidades superiores a 160 km/h. De que vale ter comboios de “Alta Velocidade” se a infraestrutura não permitir essa “Alta Velocidade”?
2) “É excesso de falta de memória prometer Lisboa-Porto de comboio em 90 minutos”
Como diria o outro, é apenas “uma questão de fazer contas”. Claro que na infraestrutura atual isso não é possível, por isso no eixo Lisboa-Porto precisamos de uma linha nova, a qual, nos troços terminais (até para obviar o impacte ambiental), poderá (e deverá) usar o atual canal da linha do Norte. É por isso que é referido um tempo de 90 minutos e não os 75 minutos do plano da antiga RAVE. Convém esclarecer que numa linha de “Alta Velocidade” Lisboa-Porto deverão circular comboios diretos, que farão a viagem nos tais 90 minutos e comboios com paragens nas estações intermédias (Aveiro, Coimbra e Leiria), que, obviamente demorarão mais tempo, cerca de 5 minutos a mais por cada paragem.
3) “O TGV é um produto do passado protecionista”
O autor deve andar distraído. Hoje em dia, qualquer país que se pretende moderno possui, está a construir, ou está a planear construir, redes ferroviárias de “Alta Velocidade”. A China, por exemplo, construiu nos últimos 20 anos uma rede ferroviária de “Alta Velocidade” com mais de 25 mil km, a mais extensa do mundo. Os comboios de “Alta Velocidade”, além de ecológicos, são o meio de transporte mais rápido e rentável para ligar grandes e médias cidades distantes entre si 300 a 800 km. Só a partir daí o avião é mais rápido, mas levanta problemas sérios de poluição.
4) “Sem TGV  a nossa ferrovia tem cotação internacional”
Pelos vistos, existem rankings para todos os gostos. Segundo a consultora Boston Consulting (que faz anualmente a classificação das redes ferroviárias europeias em 25 países), a rede ferroviária Portuguesa ocupa um modesto 23º lugar.
5) “Mesmo com o TGV em saldo, os seus custos excedem os benefícios”
Não se percebe o que é isso do “TGV em saldo”. Se se refere à rede de bitola UIC, racionalizada, que preconizo para Portugal, isso nada tem a ver com saldos, mas apenas em usar bem o dinheiro dos contribuintes e defender o interesse público.
Essa rede será para o transporte de mercadorias (em toda a rede) e para o transporte de passageiros nos eixos Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid. O objetivo é ligar em ferrovia de bitola UIC Portugal às redes ferroviárias da Europa central, para que o país deixe de ser a “Faixa da Gaza” da Europa. Apesar de dizerem o contrário, os espanhóis não estão interessados em que Portugal se ligue à Europa em bitola UIC. Infelizmente, também há em Portugal quem pense o mesmo.
A rede será constituída por linhas novas e troços de linhas existentes, convertidos para Bi-bitola. Repito, estamos a falar da infraestrutura, isto é, das linhas; não do material circulante. Além disso, as mercadorias não precisam de “Alta Velocidade”; apenas chegar a horas certas.
Essa rede corresponde à implementação em Portugal do chamado “corredor Atlântico” da TEN-T da EU, um “π” deitado, que vai do Porto a Sines e com entradas em Vilar Formoso e Caia . Terá cerca de 920 km de extensão, dos quais 590 km serão linhas novas (de bitola UIC ou Bi-bitola) e 330 km serão linhas existentes, convertidas para Bi-bitola.
28/11/2018 santos.silva45@hotmail.com – Correio
https://outlook.live.com/owa/?path=/mail/inbox/rp 4/4
A rentabilidade das redes ferroviárias é uma questão controversa, pois, globalmente, são deficitárias em todo o mundo. Se fosse apenas uma questão de negócio, então as linhas ferroviárias existentes eram todas fechadas. Mas, existem benefícios, facilmente compreensíveis (as externalidades) e por isso, não existe hoje em dia político responsável que não as defenda. Agora, os custos deverão ser minimizados; será diferente gastar 5 mil milhões, que é o custo da rede que preconizo, ou 15 mil milhões, que era o custo da rede de “TGV” de Sócrates.
O custo de 5 mil milhões de euros da rede proposta foi calculado considerando os custos de mercado, por exemplo, aqui ao lado em Espanha. Numa conferência que proferi na Sociedade de Geografia de Lisboa em 28 de março de 2015 foi apresentado o cálculo detalhado desses custos.
Se for conseguida uma comparticipação da EU da ordem de um terço, o encargo para o orçamento de Estado será de cerca de 280 milhões de euros (0,15% do PIB) por ano, durante 12 anos, até 2030, que é perfeitamente compatível com as capacidades financeiras do país. Em breve será publicado um livro onde toda essa informação ficará à disposição dos interessados.
Uma última nota. Em Portugal há muita gente que gosta de falar; do que sabe, mas muitas vezes do que não sabe. Uma vez que a questão da infraestrutura ferroviária é uma matéria eminentemente da área da Engenharia, deveria ser deixada aos Engenheiros.
Com os melhores cumprimentos
Silvino Pompeu Santos, Engenheiro Civil, Membro Conselheiro da Ordem dos Engenheiros







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