quarta-feira, 16 de junho de 2021

O trio que o Papa juntou para as jornadas da juventude

 Na sequencia do laudatório artigo do Expresso sobre o aproveitamento dos terrenos de Beirolas e da foz do Trancão para as jornadas da juventude de 2023, https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2537/html/primeiro-caderno/politica/o-trio-que-o-papa-juntou-um-bispo-e-dois-ateus-de-esquerda 

enviei o seguinte comentário ao diretor do jornal:


Exmo Senhor Diretor 


Referindo-me ao artigo “O trio que o Papa juntou”, gostaria de transmitir, como ex técnico de infraestruturas,  um profundo desacordo com a decisão de realizar a jornada da juventude de 2023 e a forma como foi tomada. 

Por mais válidos que sejam os argumentos da fruição de um espaço com vista para o Tejo (uma vez que, dado carater laico da República, não são válidos argumentos que privilegiam uma religião ou justifiquem para ela uma dotação financeira extraordinária), estamos perante uma desconsideração pelo valor económico da atividade da plataforma logística da Bobadela, que tem desempenhado um papel relevante na economia nacional através da movimentação de 300.000 contentores por ano, servindo o porto de Lisboa e o transporte rodo-ferroviário de mercadorias. Registo a forma depreciativa como foi referida no artigo a plataforma logística, como um depósito de contentores. 

Não somos um país rico que deva e possa desconsiderar este argumento. Acresce que tendo já sido ordenada a libertação do terminal sul, concessionado à Medway (parque sul, 85.000 movimentos por ano), observo que não foi estudada uma alternativa comparativamente vantajosa, o que vem confirmar a dificuldade dos decisores políticos em concretizar um planeamento estratégico (primeiro fecha-se um terminal e depois nomeia-se um grupo de estudo). 

Outro exemplo que ilustra a falta de planeamento estratégico diz respeito à atual indefinição sobre o futuro traçado da linha de alta velocidade Lisboa-Porto (se se aproxima de Lisboa pela margem esquerda ou norte) , sobre a localização do novo aeroporto para o horizonte 2050, sobre o traçado da nova travessia ferroviária do Tejo para alta velocidade, suburbanos e mercadorias. Justamente a zona da foz do Trancão é uma das que configura hipóteses válidas para a passagem da nova linha Lisboa-Porto e para a amarração do túnel ou ponte de travessia do Tejo. 

Compreende-se o interesse da direção da Câmara de Loures em proporcionar vistas de rio e espaço de lazer incluindo a ciclovia marginal, mas observo que no projeto inicialmente divulgado para as jornadas não há ocupação do espaço atualmente ocupado pelo terminal de contentores, mas apenas dos terrenos da GALP (embora a resolução do conselho de ministros 45/2021 diga que o parque sul do terminal é necessário pra preparar o evento). Verifica-se assim que para a Câmara de Loures a desmobilização do terminal é um aproveitamento das jornadas.  

No tema de zonas de lazer, ainda três observações: 

1 – será sempre possível estudar soluções de redução da área de ocupação por contentores da plataforma logística, sem com isso prejudicar a economia e, ao mesmo tempo, criar ou ampliar algumas zonas de vistas de rio livres 

2 -  se se pretende aproveitar os terrenos do terminal de contentores para lazer, ter em atenção que se trata de uma faixa estreita, por vezes inferior a 200m, embora com quase 3 km de comprimento, entalada entre a linha férrea do norte e o IC12 (A30). Isto é, a sua utilização para lazer só poderá fazer-se com rigorosas medidas de isolamento com vedações normalmente intransponíveis (o que por si só constitui contraindicação de segurança) e com passadiços sobre a via férrea e via rápida (idem, sendo certo que as regras da segurança impõem equipamento dissuasor de lançamento de objetos e dimensionamento em função do número de pessoas no recinto (previsão dos canais de evacuação de 6m mínimo por cada milhar de pessoas – regra especialmente indicada quando o trio do vosso artigo diz esperar um milhão de pessoas, e cujo incumprimento periodicamente provoca desastres, desde o caso do estádio de Hillsborough, do festival de Duisburg, do túnel de Meca e do recente desastre numa festa religiosa em Israel). Acresce que do lado do rio do IC12 é terreno de aluvião; seja ou não consolidado, nunca poderá ser  considerado caminho de fuga em caso de pânico. Se efetivamente é importante construir uma zona de lazer, o dimensionamento do plano superior  à via férrea e à via rápida terá de ser o correto, o que permitiria, se financeiramente viável, o aproveitamento parcial ou total do mouchão da Póvoa. 

3 – paradoxalmente, a Câmara de Loures tem à sua disposição uma área de cerca de 4 hectares de várzea e mata junto do antigo bairro da Petrogal, ameaçada pelo poder imobiliário, como um vosso artigo bem descreveu, no meio de mais um imbróglio de PDMs. Parafraseando Jean Pierre Chevenement em 1975, noutro contexto, o partido não pode falhar. 

Em resumo, o que vos proponho é darem lugar no vosso jornal à opinião de quem discorda da localização das jornadas nos terrenos da foz do Trancão basicamente pelas razões expostas, que resumo: 

- prejuízo económico para a atividade logística 

- riscos de segurança para um evento deste tipo dadas as caraterísticas do local 

- possível comprometimento de soluções para as novas infraestruturas ferroviárias 

 

Com os melhores cumprimentos 

 

Fernando Santos e Silva 

 

 

Nota: artigos em revista da especialidade: 

Arquivo de Bobadela - Transportes & Negócios (transportesenegocios.pt) 

 

Mais informação: 


https://leitor.expresso.pt/semanario/semanario2532/html/primeiro-caderno/sociedade/as-moradias-com-vista-para-o-papa-que-ninguem-abencoa 

https://www.publico.pt/2021/05/04/local/noticia/vila-franca-xira-rejeita-mudanca-terminal-contentores-castanheira-1961125 

https://www.publico.pt/2019/02/09/local/noticia/cancro-urbanistico-resolver-boleia-jmj-2022-1861320 

https://dre.pt/web/guest/home/-/dre/162244838/details/maximized 

 

Sem comentários:

Enviar um comentário