sexta-feira, 15 de outubro de 2021

Abaixo as guildas medievais

 

Antecedentes:
Num editorial do "Público"
https://www.publico.pt/2021/10/06/politica/editorial/lei-ordens-bem-toxico-1980128


Numa carta ao diretor:

“Todas as profissões são uma conspiração contra os leigos”, uma das frases famosas de George Bernard Shaw que contém mais do que um grão de verdade. E as ordens (https://www.publico.pt/2021/10/05/politica/noticia/ps-avanca-lei-acabar-entravesrestricoes-criados-ordens-profissionais-1979909 )      são um instrumento dessa conspiração. Finalmente os políticos começam a acordar perante os dinossauros que são as ordens profissionais, que existem na realidade para proteger os profissionais que têm um “canudo” contra os amadores. A retórica das ordens que dizem pretender proteger os interesses dos clientes (dos doentes no caso dos médicos) é apenas retórica. A meu ver, o governo devia propor partir as ordens em três instituições independentes, uma que defende os interesses dos profissionais, outra que garante os padrões profissionais e outra que defende os interesses dos clientes (esta última constituída por maioria de leigos). Evitar-se-iam assim os actuais flagrantes conflitos de interesse.                 José Ponte, Londres



Comentário meu:

Eu, mestre artesão duma guilda medieval me confesso, antes que me acusem de algo ainda pior, de impedir a criação de novas oficinas pelos aprendizes. 

Confesso, faço parte da conspiração contra todo e qualquer leigo, como lembrou o leitor José Ponte, citando Bernard Shaw e a sua peça "O dilema do médico" (curiosamente, o tema da peça é a questão deontológica de ter de escolher quem pode salvar-se quando os recursos médicos são escassos, e evidencia as desigualdades de acesso aos tratamentos e o interesse comercial da prática da medicina privada, mais uma vez o debate da convivência entre a atividade pública e a privada).  
Parafraseando Carl Sagan, devíamos evitar a criação de uma sociedade de leigos ignorantes que têm ao dispor uma imensidão de recursos sem saber como funcionam, mas confesso que as guildas têm instrumentos cujo poder tem de ser limitado, dizem o amável leitor e as senhoras deputadas do partido no governo, como fidalgas escandalizadas com as críticas da populaça, e se o dizem é porque é verdade, embora eu pense que não são os instrumentos que são responsáveis, são as pessoas que usam os instrumentos.
Mais dizem que não, nunca o governo quererá controlar as guildas, e se o dizem é porque é verdade, mas eu cansei-me de ver os comissários políticos do partido no governo a tomar sem humildade decisões contrárias ao que os mestres artesãos da minha guilda lhes diziam,  especialmente nas disciplinas da engenharia de energia e de transportes.
Confesso, antes que me acusem e à minha guilda de coisas piores, é sempre bom melhorar um texto legal, que na especialidade se derrubem as restrições ao exercício da profissão liberal, que se aceite a multidisciplinaridade, mas que se respeite o exercício da profissão nas empresas públicas, onde o cliente é o interesse público e onde não predomine o interesse comercial, como diz o tratado da União. 

PS em 16 de outubro de 2021 - 1 - Dos 226 deputados da AR 47 (21%) são advogados, a maior parte em atividade remunerada, o que leva a supor termos o galinheiro a ser regulado pelo raposo, a menos que peçam escusa na votação, salvo melhor opinião. Interessante também observar que no Conselho de Estado não há nenhum representante da profissão da minha guilda. Será natural, a aversão das elites portuguesas à física e à matemática.

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