Em 23 de fevereiro de 2022 o Expresso publicou o artigo seguinte, em que Hospitais chamam a atenção para o crescimento dos tratamentos em hospitais de sinistrados em acidentes com trotinetas elétricas:
Embora não seja exclusivo de Portugal, a nossa lassidão reflete-se nos números da sinistralidade rodoviária em geral, e em particular das trotinetas.
Recordo que em 2018 o senhor secretário de Estado chamou a PSP e determinou-lhe que não multasse quem , de trotineta ou de bicicleta elétrica, andasse sem capacete de segurança. A PSP andava a aplicar multas porque o artigo 82 . 5 do código da estrada dizia:
"Os condutores e passageiros de velocípedes com motor e os condutores de trotinetas com motor e de dispositivos de circulação com motor elétrico, autoequilibrados e automotores ou de outros meios de circulação análogos devem proteger a cabeça usando capacete devidamente ajustado e apertado."
Naturalmente, a PSP deixou de multar os prevaricadores. Houve aqui uma convergência, por um lado os comercializadores e os grupos de apoio de trotinetas e de bicicletas elétricas acharam que o uso obrigatório de capacete iria reduzir a procura, por outro o senhor secretário de Estado achava que não deviam contrariar-se as tendências do mercado e para isso invocou o artigo 112 . 3 do mesmo código da estrada que dizia, e diz: "Para efeitos do presente
Código, os velocípedes com motor, as trotinetas com motor, bem como os
dispositivos de circulação com motor elétrico, autoequilibrados e automotores
ou outros meios de circulação análogos com motor são equiparados a velocípedes."
Passados uns tempos, o código da estrada foi alterado e o número 5 do artigo 82 foi eliminado, penso que com a oposição da ANSR, porque para qualquer analista de riscos, e a experiencia dos hospitais que tratam os utilizadores de trotinetas confirmou-o experimentalmente, tal eliminação constitui uma cumplicidade num ato propiciador do aumento de sinistrados. Nada que a referida lassidão não explique.
Teria bastado acrescentar ao artigo 112.3 "exceto quando explicitamente determinado em contrário", mas preferiram seguir a opinião dos comercializadores e dos grupos de apoio.
Como analista de riscos, considero indispensável manter um registo atualizado de acidentes e consequências, cruzando os dados com os hospitais. Não o fazer é colaborar com os responsáveis pelos níveis elevados de sinistralidade que nos caraterizam.
Considerem-se os números da sinistralidade rodoviária na Europa em 2021 numa notícia da DG MOVE de 28 de março de 2022, https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_22_2012 número de mortos na estrada por milhão de habitantes em 2021, indicando-se em percentagem a variação relativamente a 2019:
média da EU-27 44 -13%
Espanha 32 -14%
Portugal 50 -24%
Roménia 93 - 4%
Suécia 18 -13%
Estes números mostram que é necessário em Portugal mudar de atitude e iniciar ações concretas de prevenção rodoviária, desde uma campanha de publicidade para sensibilização para o comportamento de defesa, a uma estatística rigorosa e atualizada, a uma fiscalização também rigorosa e, claro, corrigir o código da estrada.
Na mesma notícia temos para a EU-27 a distribuição em percentagem das vítimas mortais em áreas urbanas por tipo de veículo:
peões 37%
ciclistas 14%
motos 18%
autos 31%
Isto é, mais de metade das vítimas são vulneráveis, peões e ciclistas, impondo mais uma mudança de comportamento para melhoria das condições de segurança na estrada, nomeadamente com o controle de velocidade e desenvolvimento do transporte coletivo e estatística atualizada.
Consultado o site da ANSR em 8 de maio de 2022, verifica-se que a distribuição de vítimas mortais por tipo de veículo apenas se refere ao conjunto do continente de janeiro a novembro de 2021, sem que se possa saber os números pela AML, coisa que deveria ser corrigida:
peões 48
autos ligeiros 166
autos pesados 6
motos 95
velocípedes 21
outros 21
total 357
Isto é, é necessário melhrar as estatísticas e de forma atualizada.
Não havendo estatísticas fiáveis, experimentemos uma hipótese para a AML tentando uma base para comparação por tipo de veículo por milhão (ou milhar de milhão) em viaturas km :
Admitindo 400.000 automóveis a entrar e a circular em Lisboa por dia e uma viagem média de 30km, temos por dia cerca de 12 milhões de viaturas-km para os automóveis.
Admitindo 100.000 bicicletas e trotinetas em movimento por dia com uma média de 10km por viatura, temos 1 milhão de viaturas-km por dia para bicicletas/trotinetas.
Deverá portanto considerar-se, se a hipótese está correta, quando houver estatísticas fiáveis, que a gravidade de uma vítima mortal em acidente de bicicleta/trotineta equivale a 12 vítimas mortais em acidentes de automóvel.
Aguardemos estatísticas fiáveis.
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