Sentado calmamente em casa, em frente do computador, assisti ao webinar promovido pela ADFERSIT. Tomei as minhas notas e enviei os comentários aos oradores. Terão sido adversativas, as minhas impressões, mas as adversativas fazem parte da natureza dual e dialéticas das coisas, por mais que o nosso cérebro queira privilegiar as posições bem definidas e condenar quem esteja do mesmo lado.
Fiquei um bocadinho influenciado pela manifestação de desilusão e frustração de um dos oradores, e por isso também manifesto algum desânimo pela impossibilidade no webinar de colocar perguntas aos oradores ou simplesmente fazer comentários e, principalmente, pelo estado das coisas a que se referem os três temas e que me permito sintetizar como consequência de uma gritante incapacidade de planeamento ao nível político e ao nível técnico de engenharia.
Não sou teórico de Física nem Matemática e tento aplicar o que me ensinaram na alma mater, que na engenharia temos de respeitar religiosamente as leis da Física, mesmo a teórica, e de uma quantidade de disciplinas para além da Fisica e da Matemática, mas nos devemos concentrar no como fazer e no fazer mesmo, como um colarinho azul chegar à colocação em serviço da obra, perseguindo sempre o ideal de utilizar racionalmente os materiais e a energia e de transformá-los para fins úteis.
Considerei importante esta introdução porque não me sinto preparado para grandes discussões teóricas (não só da Física e da Matemática mas da tal quantidade de outras disciplinas), mas sinto que devo participar em debates para o lado prático. E assim vou tentar comentar vários aspetos do webinar.
1 - a importancia de considerar os 3 temas em conjunto (a visão holística, como se diz agora o que antigamente se dizia visão integrada) - neste ponto devemos aplaudir o moderador e os oradores. Destaco a necessidade de, com ou sem dinheiro porque ele não chega para tudo (e contudo, os planos de financiamento de aeroportos pagam-se também com as taxas aeroportuárias ex post e licenças de construção, a TTT com portagens e licenças de construção e a ferrovia com a colaboração de Bruxelas) se executarem os planos de mobilidade especificados pela referida Bruxelas e a coordenar com a atualização de PNPOTs e PROTAMLs (interessantissima a ideia, concentremo-nos em desenvolver cidades médias, com ou sem caciques locais, porque são elas que estimulam a ocupação do interior rural nas suas periferias).
E eu diria que se executem já.
Estando já em curso a aplicação da teoria de controle de qualidade da comissão independente e da comissão de acompanhamento para o novo aeroporto, será mais uma dificuldade para a elaboração desses planos de mobilidade, a coordenação com as referidas comissões, mas nada que não possa resolver-se através do especialista da comissão para o desenvolvimento regional (utilizo o verbo poder, não querer).
Como venho do antigamente, concurso público internacional é o que me parece a melhor solução, desde que no caderno de encargos esteja uma cláusula impeditiva de vir um senhor ministro anular o concurso por desconfiança de privilégio de país concorrente (sem cair em bairrismos, é perfeitamente admissível levantar objeções desde que não absolutas a países extra UE, mas relativamente a Espanha é apenas um exemplo de incapacidade de coordenação, ver adiante, pf, mas será provavelmente a minha admiração por David Ricardo a protestar)
2 - o peso relativo da AML e da AMP e Centro como fator decisório para o dimensionamento dos investimentos e localização de infraestruturas - se não ouvi com distorção, foi acarinhada no webinar a ideia de que a AML pouco contribui para o PIB e consequentemente tanto o NAL como a AV deviam privilegiar quem mais exporta bens. Este é um tema que me interessa muito, primeiro porque nasci a 500 metros do alto forno da fábrica de cimento da Maceira/Leiria, portanto bem ao centro, e depois porque tenho particular carinho pelo teorema de Fermat-Weber (os elementos de maior poder de atração de um sistema isolado vão atraindo cada vez mais, precisamente porque têm maior poder de atração e consequentemente aumentando ainda mais o seu poder de atração). Nesta perspetiva, cada região não deve receber para investimento uma fatia proporcional à sua contribuição para o PIB, mas afetada de um coeficiente que tenda para uma redução das desigualdades. Passemos a números, que fui buscar ao INE e resumi em
Limitei-me às exportações de bens deixando de fora os serviços que me parecem estar ainda mais sujeitos a incertezas internacionais.
Em resumo, dados de 2021 (naquela ligação pode ver-se que em 2022, comparativamente com 2019 as exportações estão, malgré tout, a "aguentar-se") dizem que o Norte exportou 23 mil milhões de euros, o centro 13 mil milhões, e a AML 19 mil milhões. Feitas as contas. Norte e Centro exportaram 60 % do que o Continente exportou e a AML mais o Sul 40%.
Não creio que se possa considerar irrelevante a performance da AML, nem a do Alentejo. O que não poderá dizer-se do Algarve, Açores e Madeira (o tratado de funcionamento da UE, TFUE, prevê para estes casos de periferias anémicas, medidas de robustecimento.
Eu nada tenho contra o envio de dinheiro de Bruxelas para o Suriname ou para a ilha da Reunião mas protesto veementemente pela falta de apoio aos Açores e à Madeira, falta de apoio esse cuja responsabilização não poderá evidentemente assacar-se apenas à UE, veja-se o caso da ferrovia (ver adiante, pf).
Mas há de facto um escândalo, a AML importa mais do dobro do que exporta! isto é, temos de ter muitos navios de cruzeiros em Santa Apolónia e aviões na Portela a poluir o estuário do Tejo para atenuar isto com a balança dos serviços. Puxar muito o NAL para o norte é capaz de não ser boa ideia. Quanto à contribuição para o PIB, não encontrei no INE números atualizados, pelo que cito os números relativos a 2019 e provisórios 2020, AML e Sul 46% e Norte e Centro 49% do país (Norte 30%, Centro 19%, AML 36%, Sul 11%, Ilhas 4%):
Como foi dito no webinar, as regiões devem colaborar, para o que seria interessante não haver nomeações partidárias para as CCDR , o governador do banco de Inglaterra não é inglês e foi escolhido por concurso público internacional (nenhum ministro inglês apareceu a dizer que havia uma ameaça de outro país).
3 - Ferrovia - O moderador ainda tentou puxar pelas ligações à Europa segundo os parâmetros normalizados da interoperabilidade, mas não me pareceu que os oradores o acompanhassem. Talvez porque ainda temos o efeito da análise parcelar. Talvez possamos concordar que a AV (Alta Velocidade) para Madrid terá de levar agarrada a localização do NAL (um dia ... como disse há 5 anos o sr 1ºministro, com a sua diplomática forma de dizer não quero ouvir falar disso) mas não tenho a certeza se podemos concluir isso do webinar, ou se a TTT deverá fazer-se com ou sem NAL (ou se castigaremos Lisboa privando-a da TTT).
A ferrovia de alta velocidade, como há limitações financeiras, não pode ser só para passageiros. Nesse aspeto o governo também invoca a importância das mercadorias, esquecendo-se que, et pourtant, não devia fazer linhas de via única como está a fazer Évora-Caia por razões de saturação da linha (os viadutos só têm tabuleiros numa via, e os pilares para sustentação da 2a via só têm a base, falta-lhes o fuste e o capitel, diria Vitruvius; eu acredito que ninguém no governo nunca tenha tido de pagar exorbitâncias por um empreiteiro voltar ao local da obra depois de ter desmobilizado o estaleiro, mas nenhum assessor ou aconselhador teve essa experiência?).
E serão mesmo necessários, como foi repetido no webinar, 10 milhões de habitantes para justificar uma ligação AV Lisboa-Madrid? se 17 aviões ida e volta por dia não justifica ...(2x150passag.x17=5400 passag./dia nos 2 sentidos), eu diria que sim, justifica, não havendo aviões elétricos para esse serviço por razões da Física) Se juntarmos as mercadorias teremos a justificação por maioria de razão, vejamos os números, de que me servi para uma pregação no congresso do centro rodoferroviário de Portugal no LNEC, em julho deste ano, comparação para 2030 dos custos energéticos em milhões de euros no serviço de passageiros business as usual por avião e com metade do tráfego por avião e metade por Alta Velocidade, BAU 597 mercadorias e 71 passageiros, 50%/50% avião/AV e mercadorias 473 mercadorias e 55 passageiros: https://onedrive.live.com/edit.aspx?resid=1EBC954ED8AE7F5F!8120&ithint=file%2cxlsx&authkey=!AI-GlzvQ4FCfsmU ligação nas referências do artigo principal: TEN_T revSS1jun atualizacao 30set2022.pdf
4 -Traçados da ferrovia - a senhora ministra da coesão proclama desde há 2 anos (cimeira luso-espanhola da Guarda) que a prioridade da coesão é a ligação a Vigo. Pareceu-me que este webinar e o congresso da ADFERSIT que se avizinha reforçam esta ideia, e quem sou eu para levantar a mão e dizer, como o miúdo do rei vai nu, que a senhora de Bruxelas nos enviou o recado em 14 de dezembro de 2021 e em 27 de julho de 2022 que as redes TEN_T (corredor Aveiro Salamanca para escoar os 60% de exportações de norte e centro, corredor Sines-Poceirão-Caia para exportar os outros 40%) são para cumprir e esclareceu nas suas propostas de revisão dos regulamentos 913 (mercadorias, geridas até agora no nosso meio por um AEIE/RCF4 conservador, isto é, imobilista por se contentar com um teto baixinho que a exclusividade da bitola ibérica impóe), 1315 (redes TEN_T) e 1153 (ex 1316 transferência de cargas da rodovia para a ferrovia) que :
"..., several Member States have a railway network with a different nominal track gauge than the European standard nominal track gauge of 1 435 mm. The countries concerned are Ireland (1 600 mm gauge), Finland (1 524 mm gauge), Estonia, Latvia and Lithuania (1 520 mm gauge) and Portugal and Spain (1 668 mm gauge). Such differences in railway track gauge considerably restrict rail interoperability across the European Union as has been demonstrated by the current crisis in Ukraine and its problems in exporting grains by rail due to its different track gauge. It is therefore proposed, for all Member States with a land rail connection with other Member States, to include a requirement to develop all new TEN-T railway lines with a European standard nominal track gauge of 1 435 mm and also to develop a migration plan towards this European standard nominal track gauge for all existing lines of the European Transport Corridors".
Para reforço, vem o Parlamento Europeu em 10out2022 apresentar um "draft report" com emendas à proposta de revisão reforçando-a, dizendo que o objetivo deve ser o reforço do normativo e dos requerimentos com limitação das isenções, conclusão atempada da rede TEN-T com submissão anual de relatórios pela CE, e coerência entre os planos nacionais de transportes e as prioridades da UE.
Transcrevo do "draft report": "Projects of national plans which are not aligned with the Union transport objectives should not be considered as a priority for receiving Union funds" ...‘isolated network’ means the rail network of a Member State which is situated on an island.".
A este "requirement" cujo desenvolvimento até inclui a antecipação da ligação em AV interoperável a Vigo para 2040 em vez de 2050, respondeu o governo português sucinta e assertivamente, que discordamos e não cumprimos (a natureza dos regulamentos europeus é mandatória).
Serei eu acusado de antipatriota se propuser um processo de infração? ou ainda há esperança de que no congresso de novembro, após denodada ação da ADFERSIT (nomes como Arménio Matias, Cidade Moura, Mario Lopes, Acurcio dos Santos, Joaquim Polido lamentam a exclusividade da bitola ibérica, certo?) o governo anuncie uma mudança de estratégia? ou talvez não seja aplicável a fábula do rei vai nu, talvez seja melhor evocar as aventuras do D.Quixote.
Que fazer? talvez pagar o projeto ELOS e tentar aproveitá-lo para construir Poceirão (Pinhal Novo? Grandola Norte?)-Évora Norte com os parâmetros da interoperabilidade, tentar consertar os viadutos de via única, tentar fazer o projeto Aveiro-Almeida, sentarem-se à mesa com a ADIF AV ...
Porque insiste o governo na exclusividade da bitola ibérica? porque os assessores e os técnicos que gosta de ouvir lhe dizem que custa mudar? mas não queremos mudar, queremos duas redes durante a fase transitória de várias décadas, porque cargas de água temos de pagar no século XXI uma decisão errada do século XIX que se eterniza? porque é mais prático poupar a linha nova Aveiro-Salamanca e puxar os comboios de Aveiro para a nova concordância da Pampilhosa ? mas Pampilhosa não está no corredor atlântico das TEN_T ... porque o Agrupamento europeu de interesse económico utiliza o regulamento 913 antes da revisão para reivindicar a modernização das linhas para mercadorias, em bitola ibérica ... ? não querem ouvir o argumento das exportações, que por comboio, para a Europa além Pirinéus, são residuais, pese embora o entusiasmo da Medway (declarações do dr Carlos Vasconcelos: até 2 comboios diários consigo fazer os transbordos, mais não, tenho de fazer o transbordo em Vitoria).
Excelente marketing o da nova linha Lisboa-Porto servir de rápido escoamento às ligações regionais, mas já Paul Mees, um australiano já falecido que tentou ingloriamente corrigir disparates dos iluminados de Camberra, já dizia que os estudos de viabilidade e procura são simulações encantadoras (que encantam ou hipnotizam num ecran de computador os decisores, ou lhes servem de marketing politico) e que por vezes os transbordos são a alma do negócio.
Excelente marketing o do governo português, bem português (há aquela história do Bocage aparecer envolvido numa peça de tecido, à espera que de Paris lhe dissessem qual era a última moda), a fé na rapidez de mudança de bitola com as travessas polivalentes (um dia ... como disse muito sebastiânico o senhor primeiro ministro), a fé nos eixos variáveis para mercadorias, a fé nos transbordos rápidos de contentores e caixas móveis ... como dizia o senhor ex ministro Pedro Marques, temos de usar a bitola ibérica como defesa contra a concorrência...
5 - NAL e TTT - Tenho de pedir desculpa por me ter perdido nas argumentações acima. Acabei por não comentar devidamente as questões do NAL e da TTT. Como não sou especialista de estruturas (se o fosse discutiria se deveriamos fazer uma ponte ou um tunel na TTT), de modo que tenho de me cingir aos traçados, cuja execução, apesar de não estar prevista no PROTAML de 2002, é em si indissociável da natural evolução duma área metropolitana necessariamente também com uma rede suburbana abrangente. Foi o que tentei fazer nas duas ligações seguintes, numa com comentários ao contrato de concessão, que duvido que devamos mexer porque o prazo da concessão é de 50 anos e como se costuma dizer não se alteram as regras do jogo a meio do jogo, devemos é ver se os jogadores estão a cumprir as regras, no que as reservas são muitas, na outra um catálogo de localizações:
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