quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Dúvidas sobre o Plano Geral de Drenagem de Lisboa

 Depois de ler o editorial do diretor do jornal sobre as inundações   https://www.publico.pt/2022/12/10/azul/editorial/capital-prova-agua-2030960

resolvi enviar-lhe a seguinte mensagem com as dúvidas que tenho, por falta de informação, sobre o Plano Geral de Drenagem de Lisboa


Caro Diretor
Não resisti, desta vez , perante este seu editorial e a importância do tema, a voltar ao seu contacto.
Há uns tempos, antes da maldita guerra e dos efeitos colaterais da 4ª vacina no idoso que sou, pensei debater consigo os critérios editoriais versus os critérios de utilidade das realizações técnicas para as comunidades. Sem, claro, pretender dar lições numa disciplina, o jornalismo, que não é a minha, mas apenas manifestar e deixar ao critério do jornalista a manifestação do que pode pensar um velho técnico sobre assuntos de interesse público. Manifestação essa que é, juntamente com a participação direta ou indireta do cidadão na resolução desses assuntos públicos, direito explicitamente consignado na Constituição, embora não esteja explicado como são regulados esses direitos. Já me aconteceu pedir diretamente ao orgão representante da Comissão Europeia em Portugal informações sobre que processos de candidatura a fundos comunitários CEF estariam a decorrer em 2023 e ter recebido a amável resposta de que o assunto era reservado. 
Também tenho lido em todas as reportagens sobre o assunto que o PFN está em consulta pública, mas vou aos sites "participa.pt" ou ao "consulta lex" , mas feita a pesquisa ela "nada me diz"  (será que o meu caro Manuel Carvalho poderia pedir aos seus colaboradores para investigar para onde posso mandar o meu contributo nessa consulta pública? isto partindo do princípio que o nosso governo quer mesmo que seja uma consulta pública).
Não sou especialista de hidráulica, apenas um ferroviário reformado contrariado pelas decisões sobre a expansão do metro (já era contra quando estava ao ativo, em 2010, mas as administrações sempre acharam que sabiam mais de engenharia de transportes do que eu) e sobre o PFN (aquela questão das ligações ferroviárias à Europa, não é só o problema da regulação internacional da eletricidade, do gás, da água .. .). 
Mas por deformação profissional, como se costuma dizer, reagi à sua pergunta, "para quando a capital à prova de água" e fui dar uma vista de olhos pelo Plano Geral de Drenagem (PDG). E fiquei um pouco confuso, com aliás já estava, mas encontrei uma pequena referência extremamente positiva, veja:
Um excelente artigo duma sua colaboradora sobre os arranjos no Alto da Ajuda, incluindo uma bacia de retenção, já em 2017, 3 anos depois das inundações de 2014 , 5 anos antes das atuais e 1 ano e 3 meses depois da última versão do Plano Geral de Drenagem que me é dado ter.  Pensei, aleluia, o Público dedica-se a questões técnicas de interesse público, os seus critérios jornalísticos não o impedem de abordar temas insipidamente técnicos. 
E contudo, se é de aplaudir a realização do Parque urbano do rio seco (vale a pena lá ir, passei por lá para ver como compatibilizar com o traçado do LIOS e conclui que o prolongamento correto do metro seria em subterrâneo, não como metro ligeiro de superfície, mas já se sabe que as minhas opiniões não são do agrado dos decisores), já a bacia de retenção do Alto da Ajuda parece pequena para o que uma precipitação de 100 litros por m2 pede, se pensarmos que a bacia hidrográfica que a alimenta pode ter mais de 30 ha.
Mas voltando à reação à sua pergunta, diz o PGD que não bastam os dois tuneis anunciados, 5km de Campolide a Santa Apolónia e 1 km de Chelas ao Beato, e com isso tenho aborrecido o meu colega especialista de hidráulica que defende o PDG quando eu digo que se estiver maré cheia em dia de lua nova  e nos equinócios, vale que pela teoria das probabilidades só coincide com uma chuvada de 20 em 20 anos,  temos que a água do túnel de Santa Apolónia não escoa para o rio, precisava de ter um reservatório de grande capacidade com comporta e uma central de bombagem, coisa para países ricos.
Faz parte do PDG um conjunto de reservatório de capacidade razoável. E parece ter-se querido evitar uma obra asiática, corrigir o caneiro de Alcântara com bacias de retenção, reservatórios e by-passes a descoberto, embora o PDG preveja desvio de caudal de Benfica, através de novo coletor, para o citado tunel de 5 km. E não fazendo a pergunta para quando a capital à prova de água pergunto: está incluida esta ligação nas obras contratadas?
Pergunto também, na bacia de retenção do parque oeste da Alta de Lisboa já há controle de caudal que impeça as inundações na Alameda das Linhas de Torres? é que é muito bonito invocar as maravilhas das bacias naturais, como se diz agora um adorno das cidades-esponja, mas os terrenos de Lisboa têm capacidade de absorção de que percentagem do caudal  de precipitação, 30%? isto é, para uma precipitação de 100 litros/m2/hora, para uma capacidade da bacia de retenção de 25.000 m3 e uma sub-bacia hidrográfica de 30 ha  em pouco mais de uma hora a bacia de retenção já está cheia e a deixar passar o caudal. Não será necessário construir um reservatório enterrado de maior capacidade? 
E no vale da Ameixoeira, junto da estrada do desvio já funciona a bacia de retenção? não consegui obter valores de capacidade, mas tem a opinião pública conhecimento que em pleno leito de cheias se constroem prédios de habitação? e que as águas, juntamente com outras encostas norte de Lisboa, drenam para o vale de Loures?
Vamos à Praça de Espanha, agora Parque urbano Gonçalo Ribeiro Teles. O cruzamento da Av.Berna com a Antonio Augusto de Aguiar é o ponto baixo com a cota 65 m, recebendo caudais de superfície de S.Sebastião, da Av.Calouste Gulbenkian e da Av.dos Combatentes; são poucas e pequenas as grelhas no pavimento; o ponto a sul do arco de S.Bento que era o sumidouro destruido durante as obras com furação do teto da galeria do metro e que agora é o início do declive criado para o escoamento para a vala entre o teatro da Comuna e as traseiras dos prédios da Av.Columbano Bordalo Pinheiro tem a mesma cota, 65 m, existindo pequenos alteamentos no passeio que o isolam do ponto baixo do cruzamento. Nestas condições só pode haver inundação, para mais com tanta folha caída em tão pequenas e poucas grelhas. 
A pequena bacia de retenção criada mais a norte no parque de pouco servirá dada a sua dimensão. Mas o PDG previa um reservatório com 35.000 m3 enterrado na parte nordeste do parque e com a cota da soleira francamente mais baixa, cota 57 m. Dizem-me no Skyscraper/Praça de Espanha que foi construido mas não tem as ligações feitas aos descarregadores de superfície nem aos coletores da Av.Columbano Bordalo Pinheiro. Confirma-se que o reservatório foi construido ? (quando passei por lá durante as obras não vi, mas pode ter sido falha minha) se sim, é visitável, permitindo fazer as ligações em segurança? 
Devo esclarecer porque é tão complicado evitar inundações na Praça de Espanha. Antes dos anos 50, havia a vala do Rego, que descia junto da linha férrea até à zona da Praça de Espanha e depois descia  pelo declive entre o teatro da Comuna e as traseiras da Columbano, até perto da estação da CP de Campolide, ou Quinta do Zé Pinto onde vai iniciar o tunel salvador do PDG, com a cota à superfície 56m (9m abaixo da cota da Praça de Espanha) e com a cota da soleira 40 m. 
Mas fez-se o metro, ainda nos anos 50, com a sua galeria cortando perpendicularmente o arroio da vala, como uma barragem. Ao mesmo tempo foi preciso subir a cota da dita av.Columbano para passar o túnel do metro para o PMOI e os elétricos poderem passar por cima. 
Lembro-me de ouvir um colega senior já falecido lamentar não ter podido baixar a cota da galeria do metro, mas se o fizesse o declive de S.Sebastião para a praça de Espanha (Palhavã , como se chamava) aumentaria. Ora, a cota do teto da galeria do metro é 64 m, portanto com um pequeno declive relativamente ao ponto baixo de 65 o que condiciona o escoamento.

Temos aqui um exemplo de que não basta, tal como o PDG diz, fazer os tuneis de 5 e 1 km, é necessário executar reservatórios de boa capacidade (por exemplo, também em Benfica, aliviando o caneiro de Alcântara desviando caudal para o reservatório da Quinta do Zé Pinto) e garantir as ligações dos descarregadores de superfície e dos coletores aos túneis. Só que, como diz o PGD, a maioria da rede dos coletores, especialmente na zona ribeirinha e em Alcântara, está degradada, com coletores partidos (saída águas ou entrada e arrastamento de inertes produzindo depressões no pavimento à superfície) ou assoreados, ou de secção insuficiente, ou misturados com as águas domésticas. 

Situação especialmente grave em Alcântara (onde se antevê o crescimento do imobiliário de luxo, com vistas para o Tejo, em acréscimo à ocupação pela construção do Hospital da CUF) com uma rede de coletores degradada e insuficiente, tal como o caneiro, e onde alguém se lembrou de querer construir a ligação da linha de Cascais à linha de cintura  mesmo ao lado do caneiro. Onde vamos arranjar dinheiro para compor tudo isto? Vão fazer-se os reservatórios de Benfica e Campolide ligados ao novo túnel para aliviar Alcântara? Que partes do que é preciso fazer do PDG estão efetivamente incluidas no contrato de execução assinado? 
Para que possamos ter uma ideia da resistência da capital à prova da água.
Enfim, são as perguntas que assinalei a negrito, pelas dúvidas que me suscita toda esta situação de inundações, e que deixo ao seu critério se merecem ser colocadas a especialistas.
Junto algumas fotografias.
Apresento os melhores cumprimentos e votos de saúde



ponto baixo av.Berna/av.Antonio Augusto Aguiar - cota 65 m; sarjetas entupidas; o ponto baixo do parque também a 65 m, está à direita           foto retirada do Skyscraper/Praça de Espanha 7dez2022

ponto baixo do parque a 65 m onde se verificou a furação do teto da galeria do metro,  vendo-se o pequeno declive na direção de Campolide por 
motivo do teto da galeria do metro a 64 m;                                                                 foto de 19set2022
acidente mortal na ribeira da Póvoa devido a despiste de automóvel em 11dez2022; foto Google; nota-se ao longe um muro de gabiões construido não para proteger a circulação  à beira da ribeira mas para consolidar a sua margem; prédios à esquerda na Póvoa de Santo Adrião, à direita freguesia de Olival Basto;  Odivelas fica para a esquerda e a A8 para a direita, sentido sul-norte

Alcântara - recanto murado ao fundo das ruas do Alvito e da Cascalheira, a uma cota inferior à da av.Ceuta com grelhas de drenagem que debitam para uma rede de coletores degrada e insuficiente. Uma hipótese seria as obras da estação de metro previstas para o acesso da ponte e que motivam a sua inutilização, incluirem também a demolição e reconstrução destes prédios afetados recorrentemente pelas inundações.






















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