Esta é uma humilde homenagem deste blogue à elevada categoria intelectual de Mega Ferreira e à qualidade humana de Linda de Suza.
Apreciei o artigo de António Rodrigues no Público de 29dez2022 sobre os dois: https://www.publico.pt/2022/12/28/culturaipsilon/cronica/valises-cartao-portas-olimpo-olympia-2033019
Em 1970, enquanto eu, privilegiado, circulava pela Europa em viagem de curso ou em estágio de 2 meses na Holanda, Linda de Suza emigrava para França, onde, depois de ter sido empregada doméstica, conseguiu por mérito próprio uma posição interessante no mundo da canção. Infelizmente foi primeiro vítima do sistema de desigualdade de condições sociais que continua a condicionar-nos a todos, por exemplo, quando os filhos dos que têm melhores rendimentos têm acesso ao sistema educativo que os filhos dos outros não têm, tendo como consequência o aumento do desnível entre uns e outros. Emigração significa por isso a reprovação de um país e das suas desigualdades.
Depois também vítima de um sistema que permite a fraude por colaboradores. Isto é, pode haver liberdade, mas esquece-se a igualdade e a fraternidade. Na mesma edição de 29 de dezembro, na secção Espaço público, lá vem um artigo espoletado por outras inconformidades do triunfo da liberdade mas com a venda tirada à Justiça, "As duas castas", uma a de quem gere, a outra a de quem trabalha e opera. Desigualdades. https://www.publico.pt/2022/12/28/opiniao/opiniao/duas-castas-2033042
Mega Ferreira, escritor, é um exemplo do pensamento livre a que correspondeu uma grande capacidade de trabalho. Fraco leitor que sou, apenas estou a ler o seu livro "Roteiro afetivo de palavras perdidas" que fui a correr comprar depois de ver a sua última entrevista na televisão. Tive pena de não o conhecer pessoalmente, mesmo não partilhando muitas das suas ideias, mas os escritores mediáticos são assim, quase impossível trocar impressões com ele, nem têm tempo para isso. E ele talvez não se importasse. No seu livro até comenta o que leu de um desconhecido autor de blogue sobre a palavra esquecida "calquinhar". Por discordar, gostaria de ter trocado impressões sobre outra das suas palavras esquecidas, "utopia". Tenho outra perspetiva, partiríamos de Thomas More, discutiríamos as revoluções que como dizia outro autor, sempre acabam mal, mas que nos deixam o tríptico da liberdade, igualdade e fraternidade, ou que nos deixam a "utopia" de dias que mudam o mundo (não, Estaline não, como pode reduzir a ideia à obsessão egocêntrica de um doente?). É um lugar comum, ele devia ter podido escrever mais. Os deuses não gostam verdadeiramente do género humano, quer tenham ou não contribuído para o seu aparecimento. Levam-nos demasiado cedo. E quase apetece dizer, como na ilusão mitológica, um dia nos veremos lá num dos destinos da Divina Comédia, Dante em conversa com Beatriz, a quem apresentou Mega Ferreira, que talvez então possa de vez em quando discutir a "utopia" comigo.
Um comentário do arquiteto Manuel Salgado, de cuja política discordo radicalmente, e neste caso sem esperança nenhuma de valer a pena trocar impressões com ele, leva-me a comentar mais alguma coisa. Disse Manuel Salgado a propósito de Mega Ferreira: mais do que Expo98, era preciso preparar aquele bocado da cidade para o futuro.
Sem contestar o papel e o mérito de Mega Ferreira e Vasco Graça Moura na realização e direção da Expo 98 (poema de Vasco Graça Moura a propósito da Expo98: https://fcsseratostenes.blogspot.com/2014/05/poema-de-vasco-graca-moura-as-musas-sao.html) direi que não foi bem preparado para o futuro aquele bocado.
Primeiro, teria sido importante construir uma linha de metro sempre que possível em viaduto ao longo da margem norte do rio, desde Santa Apolónia, mas não foi atendido esse requisito para o futuro na urbanização da Expo, como se pode ver agora com as dificuldades de inserção nas novas urbanizações do LIOS, para usar um termo caro a Manuel Salgado.
Depois, em vez do traçado da linha vermelha, mais valera o prolongamento da linha amarela desde o Campo Grande, servindo o aeroporto, descendo em viaduto a avenida de Berlim até à Expo e prosseguindo para Sacavém, para um interface com a linha suburbana, ao mesmo tempo que se completava a travessia da cidade prolongando do Rato a Alcântara Mar, alcançando aí a linha de Cascais. E a Odivelas se chegaria pela linha verde por Telheiras enquanto Ameixoeira e Lumiar poderiam ser servidos pela linha de metro de superfície pela avenida Santos e Castro.
Mas os decisores assim não o entenderam, como mostrou o artigo acima, das duas castas, porque os que gerem e os que operam, têm visões diferentes, e os que mandam são os que gerem. Os que mandam e os que encravam sucessivamente a construção do futuro, como diria Manuel Salgado, porque acrescentam passo a passo prolongamentos que são obstáculos à harmonia de um conjunto, como já não diria o arquiteto.
O projeto da marina foi um desastre de ignorantes das correntes e ventos do estuário, a ponte Vasco da Gama, a primeira PPP (consta que ficou pelo dobro do preço comparativamente com a administração própria, rapidamente exigiu reparações para recobertura das armaduras dos pilares) viu recusada a valência ferroviária na ponte, provavelmente por nunca terem ouvido falar em transporte metropolitano numa área metropolitana.
O mercado a funcionar livremente ajudou a transferir a vida da Baixa para a Expo, sacrificando o Tribunal da Boa Hora, a sede dos CTT, um ou outro departamento ministerial, o defunto Governo Civil e a esquadra principal da PSP, contribuindo para a desertificação do centro de Lisboa, atrás duma ideia de elegância urbanística que se sobrepôs à ideia corriqueira da funcionalidade (melhor exemplo, o pavilhão de Portugal com a sua pala orgulhosamente distinta e de curta funcionalidade).
Mas claro que isso não retira valor a Mega Ferreira, retira a quem decide sobre a urbanização e, já agora, sobre o PROTAML (plano regional de organização do território da área metropolitana de Lisboa), que nunca mais é revisto como deve ser, de acordo com as regras comunitárias.
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