segunda-feira, 19 de agosto de 2024

O estado da ferrovia, um sobressalto cívico, as bases do ordenamento do território e os traçados das novas linhas



[1] artigo de 28jul2024 de Carlos Cipriano sobre os atrasos do Ferrovia 2020:
https://www.publico.pt/2024/07/28/economia/noticia/oito-anos-ferrovia-2020-nao-chegou-meio-percurso-2098306
[2] Crónica de J.M.Tavares no Público de 6ago2024 sobre a ferrovia em Portugal:
https://www.publico.pt/2024/08/06/opiniao/opiniao/pais-passar-comboios-passassem-claro-2099933
[3] artigo de António Barreto de 10ago2024 sobre 4 falhanços nacionais, sendo o terceiro a ferrovia:
[4] entrevista do coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi  em 25mai2024 por Carlos Enes   
[5] Carta aberta ao senhor ministro das infraestruturas
[6] Pedido de audiência à 6ªcomissão, realizada sem resultados práticos
[7] vagões articulados para semirreboques
[8] Sugestão de faseamento da aproximação aos portos nacionais das plataformas logísticas com bitola europeia
[9] AV TTT ligações a aeroportos, catálogo de hipóteses


Sumário:  
A comunicação social denunciou já os atrasos e algumas das suas causas do programa Ferrovia 2020 e as ameaças ao PFN (Plano ferroviário nacional). Este artigo põe a tónica, como fator impeditivo do progresso da ferrovia, na insistência da IP, apoiada pelos sucessivos governos, em limitar-se à gestão da rede existente de bitola ibérica e CONVEL, subordinando o projeto de novas linhas à compatibilização com as caraterísticas da rede existente, em vez de assumir, como em Espanha, a gestão e orçamento separados de uma segunda rede, para a Alta Velocidade de passageiros e para mercadorias. Chama-se também a atenção para a necessidade de coordenar com Espanha e a União Europeia o pleno cumprimento do regulamento comunitário 1679 vinculativo para as redes transeuropeias interoperáveis TEN-T e de obtenção de cofinanciamentos favoráveis. Não o fazer prejudicará a médio prazo as exportações portuguesas e o programa de descarbonização por inviabilização da transferência para a ferrovia da carga rodoviária para a Europa além Pirineus, e dos passageiros das ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid.


O problema da ferrovia na comunicação social 
Como técnico de transportes reformado há já14 anos manifesto o meu reconhecimento por Carlos Cipriano e João Miguel Tavares trazerem à imprensa a divulgação do estado desastroso da ferrovia em Portugal, em contradição com os objetivos de descarbonização e de transferência da carga rodoviária de mais de 300km para a ferrovia. Refiro também as publicações de António Barreto sobre 4 grandes fracassos nacionais (sendo a ferrovia o terceiro fracasso ) e de Carlos Enes em entrevista ao coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi.

Possíveis causas do estado da ferrovia
O desmantelamento das infraestruturas ferroviárias e dos seus quadros de pessoal e a desorçamentação constante desde os anos 90 poderão ser as razões determinantes do desastre, mas será um truismo dizer que a principal causa será a ignorância em todas ou parte das fases de um investimento, ao nível dos decisores no governo e no incumbente das infraestruturas e ao nível das entidades fiscalizadoras (TdC, por exemplo), de como se elaboram estudos prévios, analisando custos e benefícios de hipóteses de traçados, como se especifica num caderno de encargos, como se compensam as graves limitações da contratação pública (não atribuindo o maior coeficiente ao preço, otimizando os tempos), como se estimula a participação dos concorrentes, como se acompanha e controla o desenvolvimento do projeto e construção. É necessária uma equipa de coordenação com competência disciplinar, assessorada por uma equipa de planeamento e outra de fiscalização (que não tem o charme de accountability, mas se subentendermos que do trabalho da fiscalização resulta a possibilidade de responsabilização, temos a tradução feita), incluindo todas as disciplinas envolvidas e reunindo periodicamente com período dependente da fase de execução, e com a incumbência final de proceder ao processo de homologação em sintonia com o IMT. A IP confessou publicamente que já não dispõe de quadros que lhe permitam fazer isso. A extensão dos trabalhos necessários agrava o problema. Então eu sugiro o pedido à União Europeia de apoio técnico através da deslocação para Portugal de técnicos da Comissão e subsidiando concursos públicos internacionais para seleção de gabinetes de engenharia.

O setor conservador da IP em oposição aos objetivos da regulamentação comunitária                   Há ainda um fator de agravamento. O incumbente de infraestruturas está neste momento dominado pelo setor conservador que reduz o seu horizonte à exclusividade da bitola ibérica, `a manutenção do CONVEL, à modernização ou beneficiação das linhas existentes, à construção de novas linhas previstas na regulamentação europeia mas com as caraterísticas da rede existente e intenção de partilha com ela de circulações.  Esta estratégia diverge claramente das orientações do regulamento 1679 que define as linhas de orientação para as redes interoperáveis transeuropeias TEN-T no sentido da normalização e duma rede única ferroviária. O nosso setor conservador recorre a isenções temporárias para se furtar ao planeamento da parte portuguesa esquecendo a premência, considerando a morosidade dos procedimento, dos prazos de 2030, 2040 e 2050 correspondentes respetivamente às redes "core", "extended core" e "comprehensive" do regulamento 1679.  

A posição do atual governo                                                                                                                       O atual governo resolveu seguir a estratégia do anterior, subordinada ao referido setor conservador do incumbente e desculpa-se sistematicamente com a afirmação de que Espanha não está a construir nenhuma ligação em bitola europeia até à fronteira portuguesa. Sendo verdade, oculta uma outra verdade, que foi o governo português que em 2012 suspendeu a ligação em bitola europeia Poceirão-Caia (o atual governo não aceita a sugestão de renegociar o contrato com o consórcio ELOS evitando o pagamento da indemnização) e que em 2020, na cimeira da Guarda declarou, pela voz do primeiro ministro António Costa, perante a surpresa do primeiro ministro espanhol, que "um dia Portugal teria a sua rede de Alta Velocidade". António Costa queria pensar no assunto apenas depois de 2027, no novo quadro comunitário, ignorando completamente o risco de aumento dos custos e os prejuízos pelo adiamento das melhores condições para as exportações que as ligações interoperáveis de bitola europeia à Europa além Pirineus trariam. Entretanto Espanha dispõe de 3083 km de via de bitola 1435 mm, 10829 km de via de bitola ibérica e 322 km de via de 3 carris (simultaneamente 1435 mm e ibérica)

O que se sugere como alteração da posição do governo                                                                 Porque não houve assessores que tivessem explicado o risco e os prejuízos ao primeiro ministro? Porque não coordena o ministro das infraestruturas português o planeamento do corredor atlântico na península, com o seu homólogo espanhol, com o comisionado do corredor atlântico do MITMA José António Sebastian e, evidentemente, com o coordenador do corredor atlântico da DGMOVE Carlo Secchi (é o que Espanha faz, pressiona França para a contrução da nova linha Dax-Hendaye) ? Porque insiste em acordar com a Comissão Europeia sucessivos adiamentos da introdução da bitola europeia e do ERTMS contrariando os objetivos da própria Comissão Europeia? 

Em 2016 a CIP patrocinou um estudo que concluiu que para sustentar a médio prazo o crescimento das exportações de bens era essencial construir a nova linha dupla Aveiro-Salamanca (180km no troço português, estimando-se  preços de então 6.000 milhões de euros dado o acidentado do traçado). Não foi esse o entendimento no Ferrovia 2020 nem no PFN, optando-se por uma cara remodelação da via única existente de 200km com desvio pela Pampilhosa, esperando-se que o custo total, incluindo roubos e desvios devidos a alterações de rodovias, venha a ser divulgado.

O exemplo citado no artigo do túnel de Sapataria será semelhante ao que se passou na beneficiação do túnel do Rossio há já alguns anos, mas com desfecho diferente. Quem  fez o caderno de encargos para a linha do Oeste certamente sabia que em  Espanha já se procedia à progressiva alteração dos gabaris dos túneis dos corredores de mercadorias para compatibilização do transporte de semirreboques por comboio (altura livre para o semirreboque 4 m, mais 33 cm entre o topo dos carris e a base dos pneus). Por isso o reforço da abóbada a seguir ao corte com injeção e projeção de betão e pregagens até estabilizar poderia ter sido uma solução prevista. No caso do túnel do Rossio nos anos 90 o empreiteiro, muito conhecido, pediu mais dinheiro e a REFER executou o contrato, contratou outro empreiteiro e ganhou no recurso que o empreiteiro ganancioso moveu (exemplo a seguir mas pouco seguido).

O PFN e suas incongruências                                                                                                                      O PFN é o resultado dum estudo aprofundado feito por técnicos competentes, mas padece da subordinação imposta:

i) à bitola ibérica e ao sistema de controle de velocidade CONVEL e respetivo módulo de interface STM, ambos tolerados pela regulamentação europeia apenas em casos justificados

ii) à partilha de serviços na nova linha de alta velocidade e nas linhas existentes convencionais de bitola ibérica por material circulante sem eixos variáveis, partilha essa evitável com transbordos bem projetados (por exemplo com tratamento automático de bagagens)

iii) à interdição da utilização da nova linha por mercadorias contrariando um dos objetivos de rentabilização de investimentos da União Europeia

iv) ao conceito de ligações diametrais nas redes urbanas promovendo a destruição de algumas ligações radiais existentes imitando as novas linhas diametrais em Londres e Paris esquecendo que nas áreas metropolitanas nacionais não existe a densidade de linhas daquelas cidades (exemplo de imitação fora de contexto semelhante ao que aconteceu com a linha circular do metro de Lisboa que emulava uma linha circular do metro de Londres que em 2009 foi transformada em linha em laço).

É importante, para confirmar o exposto, citar o próprio PFN no relativo ao tráfego de mercadorias: "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas".


O sobressalto cívico do manifesto  "Portugal, uma ilha ferroviária?"                                       Quando Carlos Cipriano se interroga "porque não há um sobressalto cívico e político perante o fracasso do Ferrovia 2020?" e encontra no seu artigo respostas, sem dúvida esclarecedoras, permito-me recordar que sobressalto cívico já  houve, ainda antes do desastre do programa ser evidente. No seguimento do referido estudo da CIP e de sucessivas posições da ADFERSIT um grupo de académicos, empresários e técnicos publicou o manifesto "Portugal, uma ilha ferroviária?" em que se denunciava o isolamento ferroviário do país pela  inexistência de planeamento para a construção da parte portuguesa do  corredor atlântico norte e sul segundo os padrões de interoperabilidade das redes transeuropeias TEN-T (antigo regulamento 1315 e atual 1679) e as consequências gravosas em termos de limitação das exportações (dados posteriores à emissão do manifesto: em 2023 exportámos por modos terrestres para além dos Pireneus 5,55 milhões de toneladas, à volta de 150.000 camiões por ano ou, se fossem comboios, 4.000 por ano, só para além dos Pireneus, no valor de 26275 milhões de euros, enquanto para Espanha exportámos 10,84 milhões de toneladas mas apenas no valor de 16908 milhões de euros). O manifesto chamava também a atenção para a redução das emissões através da substituição das viagens aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid pela Alta Velocidade. 

Também o manifesto não provocou um sobressalto                                                                           Não houve sobressalto na sequência do manifesto, apesar de sessões realizadas na Ordem dos Engenheiros em 2018 e 2023, de uma comunicação ao 10ºcongresso do CRP no LNEC  em 2022 , de uma audição na Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas em 2022, do destaque dado no congresso da ADFERSIT de 2023 à importância da bitola europeia nas linhas novas e da participação crítica na consulta pública sobre o PFN. Não houve sobressalto técnico, da parte das ordens de engenheiros e de economistas; não houve sobressalto cívico da parte da sociedade civil, provavelmente esquecida das aborrecidas aulas  de Física do secundário em que se explicava por que o transporte ferroviário é energeticamente mais eficiente do que o rodoviário (facto que deveria ser suficiente para terminar a moda dos metrobus); não houve sobressalto político, provavelmente por esquecimento por parte dos deputados da comissão referida do artigo 165.1.z da Constituição que determina que são competência legislativa exclusiva da Assembleia da República as bases do ordenamento do território, e não do governo, como abusivamente tem praticado, e muito menos da IP, sem que o TdC ou a PGR , a exemplo do que faz o ECA (Tribunal de Contas da UE) denunciem a inconformidade jurídica e os graves prejuízos económicos no futuro próximo.  

A campanha desinformativa                                                                                                                         Em vez disso, assistimos desde 2017 a uma campanha desinformativa, ao melhor estilo das técnicas de Scopenhauer.de vitória sem razão num debate, distorcendo o que se propôs, indo até à designação 
pejorativa de obsessão e de fetiche, ou repetindo na comunicação social o "alinhamento" do governo com a Comissão Europeia.

i) Que os do manifesto queriam substituir a bitola ibérica de toda a rede existente     (não, de acordo com o regulamento 1679, apenas se pretende a construção em bitola europeia e ERTMS das linhas novas dos corredores internacionais para passageiros e para mercadorias), com prioridade à rede "core" do regulamento 1679 com prazo de 2030.

ii) Que Espanha não tem planos para trazer a bitola europeia à fronteira com Portugal     (foram os governos portugueses que desistiram do Poceirão-Caia enquanto Espanha se concentra no corredor mediterrânico).

iii) Que o sistema de eixos variáveis quer para passageiros quer para mercadorias dispensaria a bitola europeia na entrada em França       (esquecendo que o objetivo principal é a resolução pontual de ligações entre as duas redes, uma vez que este sistema tem o problema do risco de avarias longe da manutenção, para além de inevitáveis demoras e dificuldades de sincronização de comboios).  

O setor conservador não valoriza o apoio expresso da Comissão Europeia à construção do Rail Baltica, a nova linha para tráfego misto de 870km entre Estónia, Letónia e Lituânia e a Polónia, e de nova ligação entre a Ucrânia (Lviv) e  Hungria e Eslovaquia, em ambos os casos em bitola europeia substituindo a bitola russa (1520mm).

Sendo verdade que o novo regulamento 1679 permite no seu artigo 17.5 obter isenções temporárias do cumprimento do requisito da bitola europeia na rede "core" de 2030, o governo, a IP e os seus consultores não deverão ocultar as condições para essas isenções, que na prática funcionam como adiamentos da instalação da bitola europeia (sabe-se como a cultura tradicional trata as soluções provisórias que se tornam definitivas, anulando quaisquer vantagem económica inicial) e deverão comunicar à Comissão :

i) uma análise de custos benefícios negativa; anota-se que ela só o será se artificiosamente se reduzir o período de operação da eventual nova linha com as inerentes vantagens de economia energética por redução da pendentes e da transferência da carga internacional de mercadorias para a ferrovia

ii)  o parecer do Estado membro vizinho e a forma de coordenação do corredor internacional comum, sendo conhecidas as posições dos últimos governos espanhois no sentido da promoção dos corredores internacionais mediterrânico e atlântico

iii) a avaliação do impacto da isenção na interoperabilidade e na continuidade da rede integrante do corredor internacional  

Operadores ferroviários privados de mercadorias em Portugal                                                         Os operadores privados em Portugal de transporte ferroviário de mercadorias adaptam-se aos condicionamentos e resolvem o problema, beneficiando da sua natureza multinacional, com frotas de bitola diferente, para a Europa e para  a península, contando dispor de ligação em bitola europeia França(Hendaye)-Vitoria em 2025 e França(Perpignan)-Valencia em 2026 (já existe pelo túnel El Pertus ligação Perpignan-Barcelona para mercadorias e passageiros). Precisamente pelo seu carater multinacional não sentem a premência de quebrar a limitação às exportações de bens que eles próprios reconhecem à diferença de bitolas (declarações do presidente da MEDWAY em entrevista à Railway Gazette: "evidentemente que ter a bitola única europeia seria o ideal")

Os operadores rodoviários não sentem também a premência do problema, provavelmente crendo que os camiões elétricos sejam solução para a descarbonização e esquecendo o problema do congestionamento, dos acidentes e de que um comboio substitui 40 camiões.  

A solução das autopistas ferroviárias (transporte de semirreboques por comboio)                    Como solução intermédia, que não requer a construção imediata de linhas em bitola europeia e permite o início da transferência para a ferrovia (progressiva ao longo do tempo da construção das novas linhas interoperáveis do corredor internacional)  da carga rodoviária de longa distancia, sugere-se a coordenação com Espanha da implementação das já referidas autoestradas ferroviárias (transporte de semirreboques por comboio). Dado o volume do investimento, será necessária a cooperação estatal e também da própria Comissão. Existe já um plano para uma linha entre o porto de Valencia e o terminal do Entroncamento numa colaboração entre  a Transitalia e  Medway com material circulante Tetravagonka. Curiosamente, num video promocional deste fabricante, é descrito o sistema R2L para semirreboques suscetíveis e não suscetíveis de elevação por guindaste (craneable e not craneable) , estes últimos com vagões articulados de 6 eixos e 34 metros de comprimento dotados de berços ("pocket") suscetíveis de elevação por guindaste. O fabricante terminava o video com duas  imagens, uma de vagões de bitola ibérica "para Espanha e Portugal" e outra  de vagões de bitola europeia "para a  Europa". Provavelmente por tais imagens não corresponderem às normas europeias estas imagens foram retiradas do video. Aguardando-se para 2025 e 2026 a disponibilização das plataformas logísticas de Vitoria no corredor atlântico e de Valencia no corredor mediterrânico ligadas em bitola europeia a França, o sistema R2L facilitará a transferência de semirreboques de comboios em bitola ibérica ou de camiões para comboios em bitola europeia de longa distancia. Será então de recomendar de acordo com o novo regulamento 1679 de integração das mercadorias nos corredores internacionais de AV, um plano de sucessiva aproximação dos portos portugueses deste tipo de plataformas logísticas. 

A gestão de duas redes como solução:
Sem desvalorizar a opinião do bastonário da Ordem dos Economistas sobre a necessidade de um planeamento integrador e eficaz (evidenciada pela simultaneidade na urgência de tomada de decisões sobre os traçados da linha de AV Porto-Lisboa, sobre a TTT, sobre a mobilidade da AML e sobre o serviço ferroviário do novo aeroporto) julgo que o cerne da questão consiste na insistência do setor conservador da IP na gestão única de rede existente de bitola ibérica quando, a exemplo de Espanha, deveria assumir-se a gestão e orçamentos separados de duas redes, uma de bitola ibérica e eventualmente CONVEL e STM, e outra de bitola europeia, ERTMS, Alta Velocidade para passageiros e mercadorias para 120km/h e pendentes de 1,2% máximo (razão para  privilegiar linhas novas, com a consequente economia energética, em detrimento da "modernização" de linhas existentes). 

Competência para as decisões sobre traçados                                                                                    Como já referido, do ponto de vista constitucional não é o governo nem a IP nem consultores se concurso público que têm competência para definir as bases de ordenamento do território que determinem os traçados das novas linhas de AV (incluindo  a opção entre a margem direita ou a margem esquerda do Tejo para o percurso Carregado-Lisboa), das novas linhas da rede suburbana da AML, das novas linhas de ligação ao novo aeroporto e respetivo terminal rodoferroviário (conforme a regulamentação europeia), da  localização precisa da ponte ou túnel da TTT (do ponto de vista técnico, com a particularidade de se tratar de uma zona sísmica, só após uma campanha de sondagens se poderá determinar se a melhor solução será ponte, túnel ou mista). Infelizmente os sucessivos governos optaram pelo abuso de poder e recusam uma solução análoga à CTI para o novo aeroporto. Manifestaram falta de humildade ao não quererem ouvir os pareceres da sociedade civil contrários aos planos do Ferrovia 2020, PNI2030  e PFN, ao não envolverem o CSOP, ao recusar o lançamento de um concurso público internacional com o apoio técnico e financeiro da Comissão Europeia para a definição dos traçados. Os traçados que têm sido anunciados pelo atual governo, para além de não terem sido validados no âmbito dos PROT, são de operação gravosa pelos percursos adicionais que pressupõem (exemplos: recurso à quadruplicação de linhas suburbanas/intercidades em Taveiro-Coimbra;  desvio para Campanhã quando o objetivo é o aeroporto; insuficiência de sondagens geológicas e análises de custos benefícios para decisão pela margem direita ou esquerda do Tejo da ligação Porto-Lisboa: pela margem direita do Tejo 290km; pela margem esquerda e ponte Chelas-Barreiro 340km; pela margem esquerda e ponte Beato-Montijo 330km). 

Conclusão

Recusar  a solução de gestão separada das duas redes, de bitola ibérica/CONVEL/STM e de bitola europeia/ERTMS implica eternizar a bitola ibérica, reduzir a maioria da operação à península ibérica insistindo nas isenções temporárias e nas perdas de financiamento comunitário, e adiar a transferência para a ferrovia de carga rodoviária com destino à Europa além Pirineus   e dos passageiros das ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid. Numa frase sintética, divergir da Europa e de Espanha. O que evidentemente não posso subscrever como técnico e como cidadão.







Caro(a)s deputado(a)s da 6ª Comissão

Transcrevo abaixo a carta aberta que enderecei, como colega, ao senhor ministro das Infraestruturas .  Tentei dar o maior destaque ao tema das exportações por meios terrestres para a Europa além Pireneus (5,55 milhões de toneladas em 2023) que por força da política climática deveria ser transferida para a ferrovia construída com os parâmetros da interoperabilidade (incluindo bitola 1435 mm e ERTMS) e, pelas mesmas razões, à substituição das viagens aéreas Lisboa-Madrid. Julgo ter mostrado que a invocação de desinteresse do governo espanhol nas ligações à Europa não tem fundamento e que o recurso a isenções ao novo regulamento é apenas um adiamento com consequências económicas gravosas no futuro. 

Remeto também, em anexo, o contributo que enviei durante a consulta pública sobre o PFN, criticando o que considero erros técnicos e inconformidades técnicas com o normativo comunitário vinculativo, nomeadamente ao desprezar as vantagens da interoperabilidade plena com a rede única ferroviária europeia, como aliás reconhece explicitamente. Sugiro por isso a aprovação com a ressalva de revisão do PFN com recurso a concurso público internacional para seleção de gabinete da especialidade ou a procedimento semelhante ao adotado para o novo aeroporto, de modo a compatibilizá-lo com os regulamentos europeus.

Dado o volume e o tempo de execução dos investimentos necessários e dos investimentos conexos, como a ordenação das prioridades das linhas de Alta Velocidade, o serviço ferroviário do novo aeroporto e a terceira travessia do Tejo, o debate e as decisões sobre estes temas parecem-me urgentes e de grande interesse público numa tentativa de evitar cometer erros e incorformidades que se anunciam, o que deixo à vossa consideração.

Com os melhores cumprimentos


 

 

 

 

Carta aberta ao senhor ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz

 

Caro ministro e colega

Devo antes de mais pedir desculpa pelo tom menos grave desta carta aberta que no  entanto pretende abordar temas de relevância para a saúde económica do nosso país e para o bem estar dos seus habitantes.

É que não é frequente termos um engenheiro eletrotécnico como ministro dos transportes o que me sensibilizou, como seu colega mais antigo, e que por isso espera ser perdoado pelo atrevimento da carta. Até porque como técnico fiquei encantado quando, muito antes da investidura deste governo, dinamizou em Cascais os autocarros de célula de combustível e hidrogénio. É verdade que o rendimento da fonte primária à roda dos autocarros de hidrogénio é inferior ao dos autocarros de bateria, porque a eletrólise é um processo de baixo rendimento, mas mais vale depender de fontes renováveis nossas do que de fabricantes de baterias.

Segui com apreço os seus primeiros movimentos como ministro, evidenciando uma atividade quase juvenil e de aparente encantamento e interesse em conhecer os assuntos à medida que se sucediam as suas intervenções.

Cheguei a preocupar-me quando li nas notícias  que tinha afirmado que os movimentos no aeroporto Humberto Delgado podiam chegar a 45 por hora graças ao novo sistema de gestão do espaço aéreo, mas logo se esclareceu que esse número era para os movimentos na área de Lisboa.

Ou quando disse convictamente que se construía a linha de alta velocidade para Madrid em bitola ibérica sem problema porque chegando a Toledo haveria lá um intercambiador e daí para Madrid seguia-se pela bitola europeia já instalada. Imagino os colegas da IP a industriarem-no nas últimas novidades dos eixos variáveis em Espanha explicando-lhe que de Lisboa a Madrid se poderá fazer o mesmo que de Madrid a Santiago de Compostela, em bitola europeia de Madrid a Ourense , um intercambiador aí e de Ourense a Santiago e Vigo em bitola ibérica.

Imagino também os colegas da IP a repetirem-lhe que a bitola é um não assunto, como dizia o ex ministro Nuno Santos, ou uma ficção, ou outras classificações pejorativas. Como técnicos, centremo-nos antes nos argumentos técnicos, evitando adjetivos.

Interesso-me muito pelo tema do novo aeroporto e já é significativo o volume do que tenho escrito sobre ele, mas não sou especialista do tema e por isso não devo argumentar, limitando-me a coleccionar uma série de argumentos, participando como cidadão no processo de consulta pública. Não digo  o mesmo no tema da ferrovia. Por isso digam-me onde é o novo aeroporto e eu analiso hipóteses para o servir. Não há financiamento comunitário para aeroportos mas o normativo manda que sejam servidos por  redes intermodais (prever terminal rodoferroviário no NAL), que a área metropolitana onde se integre obedeça a um plano de mobilidade urbana sustentável, que a rede de alta velocidade sirva os aeroportos principais e para isso há financiamento comunitário (regulação europeia oblige  - ver      https://fcsseratostenes.blogspot.com/2024/06/aprovacao-do-novo-regulamento-das-redes.html).

Então, se o NAL vai ser no CTFA, tem o caro ministro de decidir, ou de fazer decidir, entre a proposta precipitada da CTI (porque aumenta 50 km ao percurso Porto-Lisboa se usar a TTT Chelas-Barreiro, e 40 km se por Beato-Montijo) e o antigo traçado da RAVE pela margem direita do Tejo. Tenha em consideração que a ligação Porto-Lisboa, assim como Porto-Vigo, integram a rede “core” do novo regulamento, com o objetivo 2030 Lisboa e 2040 Vigo, não é uma linha para a rede suburbana da AML. Não devíamos misturar tráfegos distintos, veja o que acontece ao Alfa do Algarve quando chega ao Fogueteiro, e não será a quadruplicação Areeiro-Braço de Prata e Alverca-Azambuja, aliás credora da construção de um túnel de 5 km Alhandra-Vila Franca de Xira, que assegurará a operação correta da alta velocidade. 

Imagino outra vez os colegas da IP a soprarem-lhe que é caríssimo vir pela margem direita, seria uma solução com um túnel de 20 km e 12 km de viadutos, coisa para mais de 2.000 milhões de euros só de construção civil, quando num viaduto de 30 km pela tranquila margem esquerda do Carregado ao NAL seria à volta de metade (podemos, mas não devemos construir uma linha de alta velocidade numa zona de reserva natural em aterro à superfície, criando uma barreira intransponível, por isso escrevi viaduto).

Perdoará o colega eu sugerir uma atenção especial ao controle de custos de viadutos e de túneis, preocupação que me ficou das obras do metro, apesar de ser um eletrotécnico que não foi além   da cadeira de Resistência de Materiais e Estabilidade (era, nesse tempo os eletrotécnicos tinham de estudar os momentos de inércia), mas era importante, perdoe-se-me a ingenuidade, com tanto que falta construir em Portugal, não ficarmos dependentes apenas das propostas dos concorrentes e otimizarmos os custos de construção com a colaboração da academia e dos técnicos com experiência no tema.

Também  não devemos olhar só para os custos de construção. Se o percurso pela margem esquerda tem mais 40 ou 50 km devemos contabilizar os custos adicionais de operação, multiplicar o número de passageiros-km anuais Porto-Lisboa pelo consumo específico por passageiro-km e pelo acréscimo de tempo para termos os custos adicionais de energia e tempo.

Ainda falta analisar devidamente por onde deve passar a TTT, contar que ela deverá servir o tráfego de mercadorias, dos passageiros dos suburbanos das duas margens (compatibilizado com a quarta travessia por Trafaria-Algés), e claro, o shuttle do NAL e a ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid. Falta também avaliar onde deverá ficar a estação de AV de Lisboa (não quererá considerar a hipótese de ficar no AHD, para o caso dele não sair tão cedo, ou não sair completamente?). 

Numa altura em que volta a falar-se na reforma administrativa e na redução das regiões do Continente (não, não as aumentemos com NUTsII de mão estendida, sinecuras e caciques; sim a CCDRs por concurso público aberto a cidadãos da EU) , será que temos capacidade para gerir os instrumentos de gestão territorial, ou para resolver o problema dos grandes investimentos, por onde deve andar a alta velocidade ou a TTT, não será melhor pedir assistência técnica a Bruxelas, como já dizia o ex presidente Juncker?  Ou contentamo-nos com uma nova CTI? É que é urgente.

E estamos caídos na polémica linha de AV Porto-Lisboa. Imagino pressurosos assessores da IP  explicar que não se preocupe muito com o novo regulamento aprovado em 13 de junho pelo Conselho Europeu porque o artigo 17 (texto do regulamento aprovado:    https://data.consilium.europa.eu/doc/document/PE-56-2024-INIT/en/pdf ) diz que se podem pedir isenções temporárias. Confesso que fiquei marcado quando, logo no primeiro ano do curso, na cadeira de Desenho, me apresentaram a Normalização, e mais tarde, durante vários anos, estive numa comissão de normalização ferroviária de aplicações eletrotécnicas. Por isso insisto que normas são para cumprir e isenções só muito, muito excecionalmente.

Deixe-me pôr as coisas neste pé: temos, nós e Espanha conjuntamente, cerca de 2.000 km de vias duplas novas a construir (ou mudar de bitola) para serviço misto de passageiros e mercadorias para se integrarem na rede única ferroviária interoperável, incluindo o objeto dos artigos 17 e 18 do novo regulamento das redes TEN-T, isto é, bitola 1435 mm e ERTMS em 31 de dezembro de 2030 nos corredores da rede “core” (risco de atrasos à conta do CONVEL, apesar do esforço meritório em torno do STM).

Pedir adiamentos será uma boa solução? Poupar agora, continuar com as linhas de pendentes elevadas e consumos adicionais de energia, privilegiando o transporte rodoviário e aéreo, apesar das declarações enfáticas de defesa do planeta , para mais tarde gastar mais, desaparafusando e aparafusando ali, como dizia o novo presidente do Conselho Europeu, ele que só queria ouvir falar de alta velocidade no quadro de financiamento a começar em 2027? Só porque queremos aproveitar os comboios velhinhos de bitola ibérica para poderem circular na nova linha Porto-Lisboa? Quando as regras da concorrência dizem que o operador é que compra os comboios? Quando as celebradas isenções são sempre temporárias?

Vai continuar a acreditar nos defensores a tout prix da bitola ibérica?

É verdade que podem pedir-se isenções, dispensa de fazer as linhas novas em bitola 1435 mm, mas vai ter de falar com os espanhóis, vai ter de mandar fazer uma análise de custos benefícios e uma avaliação do impacto na interoperabilidade com o país vizinho. Tentámos antecipar-nos e fazer essa análise, de acordo com os critérios da EU para apresentação no 10ºcongresso do CRP (centro rodoferroviário português) no LNEC, em julho de 2022. Falhou-nos um prometido apoio de académicos economistas. De modo que tivemos, nós com a limitada literacia económica própria de engenheiros, de fazer uma e apresentámo-la no congresso. Estimámos os custos durante o período das obras e as mais valias ao longo dos anos em operação até ao equilíbrio do investimento. Resultados obtidos para um investimento de 12000 milhões de euros de linhas TEN-T “core” em Portugal, com cofinanciamento comunitário de 40%, crescimento 3% ao ano e transferência até 2030 de 30% da carga rodo para a ferrovia: valor atual líquido VAL (NPV) 486 milhões de euros ; taxa interna de rentabilidade TIR (ERR) 2,23% ; relação benefícios/custos 1,11

(https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f)       

 

As mais valias são devidas à substituição pela ferrovia de alta velocidade das viagens aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e à maior eficiência nas linhas novas com a consequente transferência da carga rodoviária para a ferrovia. Permito-me recordar que em 2023 exportámos por modos terrestres para além dos Pireneus 5,55 milhões de toneladas, à volta de 150.000 camiões por ano ou, se fossem comboios, 4.000 por ano, só para além dos Pireneus, no valor de 26275 milhões de euros, enquanto para Espanha exportámos 10,84 milhões de toneladas mas apenas no valor de 16908 milhões de euros            ( https://fcsseratostenes.blogspot.com/2024/02/os-numeros-de-2023-das-exportacoes-e.html  )   .

Portanto, não  é só no interesse de Espanha e das suas exportações que a curto prazo a bitola 1435 mm chegue de Barcelona a  Valencia no corredor mediterrânico e de Hendaye a Vitoria, no país basco, no corredor atlântico. Deixe-me recordar que em Espanha existem 3083 km de via de bitola 1435 mm, 10829 km de via de bitola ibérica e 322 km de via de 3 carris (simultaneamente 1435 mm e ibérica).

Por isso, não leve a mal que, quando for falar com o seu homólogo espanhol, não faça como o novo presidente do Conselho Europeu na cimeira da Guarda de outubro de 2020 quando disse, perante um Pedro Sanchez embasbacado, quiçá receando a invocação de San Jamás, “Seguramente que Portugal um dia não ficará isolado da rede de alta velocidade”. Acelere o Lisboa-Madrid em alta velocidade como o coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi anda a pregar há anos, com todas as caraterísticas da interoperabilidade. Tente recuperar o projeto Poceirão-Caia em má hora recusado e de que ainda não se pagou a indemnização que o tribunal decretou (mas não em via única, por favor). Fale com o coordenador Carlo Secchi e com o comisionado del corredor atlântico do MITMA José Antonio Sebastian. Veja com o ministro Oscar Puente como ele quer com Portugal e França cumprir o objetivo 2030 no corredor atlântico             (https://www.zamora24horas.com/castilla-y-leon/puente-traslada-europa-importancia-portugal-francia-se-impliquen-en-desarrollo-conexiones-transfronterizas_15115234_102.html) e no  corredor mediterrânico   (  https://www.elestrechodigital.com/2024/05/29/el-gobierno-reafirma-su-compromiso-con-los-plazos-del-corredor-mediterraneo/   )      , em passageiros e em mercadorias. Faça como os bálticos com o seu corredor de 870 km diferente da bitola russa pré existente nos três estados e sem partilha entre a  rede de bitola 1435 mm e a rede de bitola russa 1520 mm          (   https://www.railbaltica.org/      ) .          Pergunte aos nossos operadores, Medway e Captrain, se não seria melhor para eles se lhes pusesse à disposição corredores de bitola 1435 mm até à fronteira francesa. Não vá com pretextos de poupar a curto prazo invocando isenções quando o regulamento é claro, linhas novas em corredores internacionais, é com bitola 1435 mm e ERTMS; e isenções, só temporárias e desde que não tenham impacto na interoperabilidade (diz o regulamento, e eu acrescentaria que neste caso  interoperabilidade são as exportações para além dos Pireneus e cumprimento integral do normativo facilita a obtenção de financiamento comunitário).  Lance as autopistas ferroviárias    ( https://www.youtube.com/watch?v=1-MQczdqb4c     ;         https://cdn.mitma.gob.es/portal-web-drupal/mercancias30/doc_final/2022_05_documento_final_mercancias_30_44_autopistasferro.pdf   )       e um plano faseado de progressiva aproximação da bitola 1435 mm dos portos portugueses …

Tanto para fazer e tanto tempo que estamos a perder …

Não leve a mal este desabafo dum seu colega mais velho, algo desiludido com o estado da ferrovia








email com comentário em 2022:

 

A recente cimeira de Viana do Castelo em 4nov2022 não tratou de várias questões importantes.  

1 - Todos os dias saem do país cerca de 30.000 toneladas de mercadorias. São perto de 3.000 camiões, seguindo 2.000 para Espanha e 1.000 para França. 

É um problema grave ambiental que não se resolverá com camiões elétricos porque 40  camiões equivalem em capacidade de transporte a 1 comboio. O transporte rodoviário gera congestionamentos nas estradas e consome mais energia por unidade de carga. 

A solução prevista nos regulamentos da Comissão Europeia (CE) prevê a transferência de carga rodoviária para a ferrovia, mas para isso é necessário desenvolver os projetos para execução do corredor atlântico da rede única ferroviária transeuropeia TEN_T para comboios de mercadorias e de passageiros.  

Para concretizar essa transferência o meio mais eficaz é o transporte de semirreboques em comboio (autoestradas ferroviárias), mas isso exige desde já a preparação das infraestruturas e do material circulante necessários. 

2 - O governo tem preferido limitar-se à renovação das linhas existentes de bitola ibérica e sistema de segurança de circulação CONVEL. Igualmente pretende integrar o corredor atlântico com   linhas com estas caraterísticas, não seguindo o exemplo de Espanha, que tem duas redes distintas, uma de bitola ibérica, e outra de bitola standard. 

Isto contraria os regulamentos europeus, numa altura em que a CE pretende rever os regulamentos clarificando a exigência, nas novas linhas, da bitola standard e do sistema de segurança ERTMS. São exemplo de novas linhas da rede TEN_T a ligação Sines-Lisboa-Porto-Leixões e a ligação Évora-Caia, ambas parte do objetivo 2030 no planeamento dos regulamentos. A ligação Porto-Braga-Vigo tem por objetivo nesses regulamentos 2040. 

O governo justifica a sua política com o recurso a travessas polivalentes (mas sem indicação de qualquer data para a mudança para a bitola europeia, o que constituirá um investimento adicional) e intenção de material circulante de eixos variáveis (o que para o longo curso tem contraindicações do ponto de vista da manutenção, além de só existir um fabricante de material circulante). 

O incumprimento dos regulamentos pode ter como consequência a perda de cofinanciamento que poderá atingir 70% 

 

3 – A manter-se a política ferroviária do governo, não será possível transferir para comboios de Alta Velocidade passageiros da ligação aérea Lisboa-Madrid (17 voos diários) nem substituir o tráfego rodoviário de mercadorias pela ferrovia para Espanha e para o resto da Europa, e estimulando o crescimento das exportações  (valor das exportações por rodovia em 2021 para Espanha 14.576 milhões de euros, para o resto da União Europeia (UE) 21.789 milhões  de euros; pela ferrovia, respetivamente, 71 e 478 milhões de euros). Os valores irrelevantes do transporte ferroviário, contrariando os objetivos ambientais da EU, justificam por si só a mudança da política no sentido dos regulamentos europeus. 

Para uma nova política, será imprescindível coordenar com Espanha e França o planeamento, projeto e execução da rede TEN_T. A França tem atrasado a construção do novo troço Bordeus-Hendaye,  também do corredor atlântico. A Espanha tem dado prioridade à rede de passageiros; nas mercadorias tem dado prioridade ao “Y” basco com a plataforma de Vitoria como entreposto de transição da bitola ibérica para a standard, e ao corredor mediterrânico, desprezando a linha Madrid-Lisboa que servirá também a  Extremadura e deverá ser para tráfego misto. 

4 – o governo português tem omitido  o pormenor jurídico de que é a Assembleia da República, nos termos da Constituição, que detém a competência legislativa exclusiva em matérias de ordenamento do território (art.165.1z), pelo que é perfeitamente compatível com as competências da CEOPPH a apreciação da problemática da politica ferroviária e proposta de ação tendente ao alinhamento com os regulamentos europeus.  

Aproximando-se um período de consulta do Plano Nacional Ferroviário (PFN) integrado no PNI2030, vimos solicitar à CEOPPH  uma audiência para exposição das nossas razões e preocupações pelo que de prejudicial para a economia nacional representa a continuação da politica ferroviária do governo. Como sugestão de prosseguimento propomos uma solução de duas equipas  semelhante à da localização do novo aeroporto, até porque os regulamentos europeus determinam que as linhas de alta velocidade sirvam os aeroportos principais, ou, em alternativa, um concurso público internacional. 

 



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