quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Paradoxos e o novo aeroporto

 

Na avenida de Roma, junto do entroncamento com a avenida do Brasil e do hospital psiquiátrico; vento de sudoeste: 



Na rotunda Norte do Prior Velho, perto da extremidade norte da pista 20; vento de sudoeste:





Do dicionário: paradoxo - contradição, raciocínio aparentemente bem fundamentado mas escondendo contradições.

Fui ver as definições no dicionário depois de ler a notícia da aprovação na assembleia municipal de Lisboa da moção para interdição dos voos noturnos, para redução do número de movimentos por hora, para não execução de obras para aumento da capacidade e para a desativação do AHD  com o novo aeroporto assim que possível e em menos de 10 anos:   https://informacao.lisboa.pt/noticias/detalhe/camara-defende-fim-dos-voos-noturnos-na-portela  


Recordei também o princípio NYMBY (não no meu quintal) e a contradição (paradoxo) entre a vontade local e o poder central. Como levantar a contradição?  Há uns anos, 3 câmaras municipais vetaram um novo aeroporto na base aérea do Montijo (2 votando contra e 1 abstendo-se, esta do mesmo partido do então governo) . A câmara do Montijo queria o aeroporto na sua base aérea, não houve unanimidade. Mas agora houve, todas as câmaras querem tirar o aeroporto de Lisboa.

Vamos ao paradoxo, à contradição escondida na moção que pede menos voos por hora, isto é, menos poluição sonora e não às obras. É que a obra que devia já estar executada em 2021 de acordo com as obrigações específicas de desenvolvimento do contrato de concessão (e as obrigações e os contratos são para se cumprir, mesmo que não se goste deles e que não se ganhe tanto dinheiro se forem cumpridos escrupulosamente) é o prolongamento do taxiway norte/nascente até ao fim da pista 2. É verdade que ele permitiria aumentar o número de voos por hora, mas também é verdade que ele permitiria com vento norte, a aterragem mais distante do início da pista e da avenida do Brasil, logo com menos ruído para os moradores, e, com vento sudoeste, a descolagem também num ponto mais distante, com o mesmo benefício. Em resumo, faça-se a obra e regulem-se (limitem-se) os voos diurnos e terminem os noturnos. Como curiosidade, considere-se que em termos médios o ruído dos automóveis  na segunda circular, ainda que a maioria fosse elétrica, supera o dos aviões porque é contínuo.

Parece-me assim contraditório pedir uma providencia cautelar para suspender o início das obras se nestas se inclui o prolongamento do taxiway norte/nascente por não haver estudo de impacto ambiental. Então que ao menos se acelere este EIA.      https://expresso.pt/sociedade/2024-10-09-camara-de-lisboa-vai-avancar-com-queixa-na-pgr--por-incumprimento-do-regime-juridico-de-aia-nas-obras-do-aeroporto-de--lisboa-17099f10

Humildemente propus a limitação dos voos no parecer que enviei na consulta pública sobre o NAL  (ver em https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe1EIlSL54O6LwZ2Q1?e=7rwe7O  ) :

Transcrevo a parte relativa ao aeroporto Humberto Delgado:   

Concordando-se com a crítica ao seu funcionamento, julgo que seria importante fixar uma data limite para o seu fecho ou, pelo menos, para a redução dos seus movimentos a, por exemplo, 2 por hora , mesmo no período diurno. Essa seria também a data limite para uma solução alternativa. A fixação dessa data deveria ser decidida em função duma análise da evolução da procura a realizar anualmente (como aliás previsto no contrato de concessão) e amplamente divulgada para a opinião pública. Se por um lado a pressão turística é grande, por outro esperam-se medidas de contenção do tráfego aéreo, especialmente dos voos curtos, pelo que apesar das incertezas parecerá exagerada a previsão forte do ICAO. Partindo de 32 milhões de passageiros em 2023 e admitindo um crescimento de 1% durante os 3 anos seguintes em que decorreriam as obras das obrigações específicas de desenvolvimento, seguindo-se um crescimento moderado de acordo com a estimativa do Eurocontrole, teríamos 36 milhões de passageiros em 2030, 42 em 2035 e 48 em 2040. Nesta simulação, deveríamos ter uma pista no NAL de reforço do AHD entre 2030 e 2035, pelo que a decisão deveria ser tomada de modo a  viabilizar o início da construção até 2027. 

Propõe-se ainda num prazo de 6 meses o fim das isenções que permitem voos noturnos sugerindo-se o recurso ao aeroporto de Beja planeando atempadamente esses voos com o transporte ferroviário Beja-Lisboa. 

A situação agrava-se ainda mais se pensarmos que os decisores e os influenciadores dos decisores ignoram a regulamentação comunitária 2024/1679 das redes TEN-T transeuropeias interoperáveis  que determinam a elaboração de um SUMP (sustainable urban mobility plan) com o plano de mobilidade da AML . Isto é, definindo a ponte ou tunel para o NAL que não é só para o NAL, é para a AV, o shuttle do NAL, mercadorias (o regulamento manda pôr um terminal rodoferroviário no NAL),  intercidades e interregionais, suburbano ou metro da AML...  Dirão os pessimistas que não há capacidade de organização, planeamento e decisão, nem dinheiro. Se assim for, cada vez estaremos mais longe do ponto em que deveriamos ter seguido outro rumo. Isto é, já teremos passado o ponto de não retorno, com ou sem NAL, com ou sem AV, com ou sem plano de mobilidade da AML.
























terça-feira, 8 de outubro de 2024

Será apenas ilusão de que a Humanidade afinal avança?

 Recebi esta notícia por meio diferente da comunicação social portuguesa. Afinal, não é só o navio com material de duplo uso que atrai as atenções de quem se preocupa com os direitos das minorias. Os interesses da população do Saará Ocidental foram considerados pelo TJUE, para desgosto de interesses comerciais e industriais. Será utopia tentar conciliá-los a todos?

https://www.elestrechodigital.com/2024/10/05/el-tjue-anula-los-acuerdos-pesqueros-entre-la-ue-y-marruecos/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=boletin_diario_de_el_estrecho_digital&utm_term=2024-10-08#google_vignette

domingo, 22 de setembro de 2024

Uma noite no trânsito de Lisboa

 Já se pôs o sol de fim de verão quando saio de carro com a família. As ruas do meu bairro não são muito movimentadas mas são raros os que cumprem a limitação de 30 km/h. Nesta zona são ruas de sentido único e vou ter de virar à esquerda no próximo entroncamento. Da rua para onde pretendo ir vejo sair um adolescente de bicicleta em contramão. Suspiro aliviado por ainda estar longe, mas quando faço a curva sai-me também em contramão uma criança de trotineta, sem capacete, dizendo alegremente qualquer coisa para o adolescente da bicicleta.

Comento para os meus passageiros que ainda há um mês, na Azambuja, um rapaz e uma rapariga, de trotineta, em contramão e sem capacete, colidiram com um automóvel. A rapariga veio a falecer no hospital. Não há partilha de trotinetas na Azambuja, tinha sido oferta dos pais. 

Atravesso a praça do Areeiro. Estão dois carros parados na rotunda com os condutores a debaterem a colisão. Desço a Almirante Reis e na travessia da Alameda um novo par de carros parados com os condutores a discutir. 

Não vale a pena continuar a descrição da viagem. Será necessária uma nova cultura de segurança rodoviária, melhoria do Código da Estrada, fiscalização civilizada e um planeamento rigoroso de campanhas de sensibilização através de todos os meios de comunicação, de caráter obrigatório, das televisões às redes de telemóveis.

Mas, tal como o secretário de Estado da Administração Interna que em dezembro de 2018 chamou o comando da PSP para a proibir de multar os utilizadores de trotineta sem capacete de segurança e alterou o código da estrada para equiparar as trotinetas motorizadas a velocípedes, a nossa AR não liga e os decisores também não, apesar dos apelos idealistas da UE para reduzir a sinistralidade rodoviária. Segundo a ANSR, morreram nas estradas portuguesas em 2023 cerca de 1 pessoa por dia em acidentes com automóveis , veículos pesados, motos e motorizadas, e 1 pessoa por quinzena em bicicleta ou trotineta. É intolerável.

A UE continua a apregoar a taxa zero de mortos na estrada para 2050. Mas não estão a tomar-se as medidas certas. A primeira medida seria dar à ANSR o poder e os meios para as tomar, desde as campanhas de sensibilização, à fiscalização e à correção do Código da Estrada. Infelizmente, os decisores, de Portugal e da UE  não estão realmente interessados. São cúmplices por omissão.

https://www.revistasustentavel.pt/mobilidade/seguranca-rodoviaria-2030/

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

3 artigos e uma carta aberta a propósito da entrada em vigor do regulamento 1679 das redes TEN-T

 

 

1 - Comentário ao artigo  DN de 22ago2024    País tem dois anos para provar que bitola europeia não compensa

 

 Trata-se de um artigo bem documentado[1] mas faço as seguintes observações, não coincidentes com as certezas das declarações oficiais sobre o alinhamento da estratégia ferroviária nacional com a regulamentação europeia.

 

O texto do regulamento 1679 no art.17 sobre a  bitola standard ou europeia

A primeira citação do novo regulamento 1679 das redes transeuropeias TEN-T[2]  no artigo do DN referindo a data de 19jul2026 pertence  ao art.17.3 que se aplica, “ às linhas ferroviárias existentes situadas nos corredores europeus de transporte, tendo em vista a eventual migração destas para a bitola nominal da norma europeia de 1435 mm”. Mas ninguém pretende, nem o governo nem a IP nem os seus críticos, mudar a bitola de ibérica para europeia, nas linhas existentes nos corredores internacionais. Pretende sim, o regulamento, nos termos do nº17.1 e do considerando 45, que as novas linhas sejam construídas em bitola europeia. Logo, não se pretendendo fazer a “migração” nas linhas existentes, apenas será necessário fazer uma análise de custos benefícios, uma avaliação do impacto na interoperabilidade e um calendário para migração para bitola europeia, nos termos do artigo 17.3 , no caso da linha Évora-Caia (integrado no corredor Lisboa-Madrid), cuja construção foi iniciada antes de 18jul2024 com travessas polivalentes, via única e plataforma para via dupla exceto nos viadutos, com tabuleiros apenas para via única (o que virá a encarecer para além da mudança de carris e da instalação de novos aparelhos de mudança de via na altura da mudança da bitola).

O caso da Finlândia

Este é um caso semelhante ao da Finlândia em que o relatório de 2022 dos consultores do governo concluiu por não haver vantagem na mudança de bitola na totalidade da rede  existente de bitola russa (1524mm) nem apenas nas linhas existentes nos corredores internacionais (por graves perturbações nas obras de mudança).

No entanto o relatório sublinhou as vantagens para o tráfego internacional de mercadorias e para a aquisição de material circulante normalizado com a construção de uma linha nova de bitola europeia paralela à existente de 814km de Helsinquia para Tornio, na fronteira com a Suécia, ao norte, e única ligação transfronteiriça existente à rede europeia de corredores internacionais (a experiência portuguesa com as “modernizações” das linhas do Norte e da Beira Alta assim o demonstra, que as possíveis economias numa remodelação duma linha de traçados antigos em vez de optar pela construção de uma com caraterísticas normalizadas são, a longo prazo, ilusórias ).

A ligação para mercadorias Helsinquia-Hamburgo por Tornio e pelo túnel em construção de Fehmarn será de cerca de 2600km e pelo túnel de 80km em projeto Helsinquia-Talin e pela linha em construção de 870km Rail Baltica será de cerca de 1700km. Se se cita o exemplo da Finlandia como justificativo da visão conservadora da bitola ibérica (e do sistema de controle de velocidade não normalizado CONVEL do governo português), deverá citar-se por contraste a nova linha em bitola europeia Rail Baltica que atravessa a Estónia, Letónia e Lituânia cuja rede existente é em bitola russa.    

O relatório finlandês refere também que a construção de uma nova rede de bitola europeia com cerca de 900km é digna de uma análise mais aprofundada (“worthy of further analysis”).

Insuficiência de uma análise de custos benefícios limitada no espaço, no tempo e nas variáveis

Isso revela o perigo de uma ACB limitada a um troço do mapa das redes TEN-T em Portugal , por exemplo  limitada ao troço Évora-Caia, distorcer as vantagens para a competitividade das nossas exportações (como avisa o considerando 45) que seriam evidenciadas alargando o âmbito da ACB a todo o mapa do regulamento 1679, alargando o espaço temporal da sua construção e amortização e incluindo variáveis como a redução de externalidades (emissões, sinistralidade, congestionamento rodoviário) e a contribuição para o crescimento do PIB.     

Na ausência de apresentação pelas instancias oficiais de análises de custos benefícios justificativas da construção ou da isenção das novas linhas segundo os padrões da plena interoperabilidade, o grupo do manifesto “Portugal, uma ilha ferroviária?” apresentou em julho de 2022 no 10ºcongresso do CRP, no LNEC, embora com as limitações  de não especialistas em ACBs, uma análise de custos benefícios abrangente com resultados positivos [3].

A falsa acusação de querer a migração da rede existente para a bitola europeia

A confusão  entre “migração da rede existente para a bitola europeia” e o que realmente se pretende,  construção das novas linhas integrantes das redes transeuropeias interoperáveis TEN-T, tem inquinado a discussão sobre  a estratégia a seguir, servindo o imobilismo por falta de recursos da IP e os interesses imediatos dos transportadores rodoviários, responsáveis pela quase totalidade do tráfego internacional de mercadorias além Pirineus (média de 400 camiões por dia no sentido das exportações equivalendo a 10 comboios) e dos transportadores ferroviários perfeitamente adaptados às redes portuguesa e espanhola de bitola ibérica, beneficiando de larga margem de crescimento dada a pequena quota modal ferroviária em Portugal e Espanha, e dispondo ainda, dado o seu carater multinacional, de frotas de bitola europeia em operação na Europa além Pirineus.

A importância do tráfego de mercadorias

O artigo do DN refere apenas o tráfego de passageiros, mas o principal interesse nas novas linhas em bitola europeia radica nas ligações internacionais para mercadorias, quando há anos que o valor das exportações por modos terrestres para além dos Pirineus, maioritariamente por rodovia, ultrapassa o valor das exportações para Espanha.

Contrariamente  a Espanha, poucos operadores rodoviários em Portugal planeiam o transporte intermodal (autoestradas ferroviárias ou transporte de semirreboques por comboio), solução a curto prazo independente da bitola usada. Está planeada ainda em 2024 uma ligação deste tipo entre o porto de Valencia e a plataforma logística do Entroncamento.

O exemplo de Espanha com a gestão separada de duas redes de bitola diferente

O exemplo finlandês, num país de grande importância do tráfego marítimo,  é também semelhante à oposição sistemática dos sucessivos governos portugueses e da IP à gestão separada de duas redes, uma com as caraterísticas existentes e outra com as caraterísticas da regulamentação das redes TEN-T, como praticado em Espanha (ADIF convencional e ADIF Alta Velocidade).

O PFN e a sua justificação da bitola ibérica

De referir ainda a argumentação da possibilidade de serviços híbridos na nova linha Porto-Lisboa, pretensamente justificativa da bitola ibérica, quando os Alfa não partilharam nem partilham a linha do Norte com as linhas da Beira (a inversa, a partilha da linha de AV pelos comboios convencionais tem a dificuldade destes necessitarem de um STM para compatibilização com o ERTMS), quando a coordenação da gestão separada das duas linhas Porto-Lisboa, a nova em bitola europeia e sistema ERTMS e a existente em bitola ibérica, permitiria a utilização da nova linha para mercadorias (em conformidade com o regulamento 1679) libertando canais temporais para o serviço de passageiros com as cidades do interior na atual linha do Norte.

Sobre a importância das ligações internacionais em bitola europeia é o próprio texto do PFN que o afirma: "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas".

Infelizmente para a economia nacional, são apenas palavras.

Ainda o texto do art.17 do regulamento 1679

A redação do art 17.2 será confusa quando refere uma ACB justificativa da não construção de uma nova linha em bitola europeia, derrogando assim a obrigação do art 17.1, porque o art 17.2 refere explicitamente que essa derrogação se aplica quando não está planeada nenhuma nova linha transfronteiriça. Ora as ligações a Espanha já estão calendarizadas (planned) precisamente no regulamento 1679 (Lisboa-Madrid 2030, Porto-Vigo e Aveiro-Salamanca 2040, e Faro-Huelva 2050) e o governo tem divulgado a intenção de dar prioridade a Porto-Vigo, pelo que a obrigação de  elaboração de um plano justificando a não construção de novas linhas em bitola europeia  e o impacto na interoperabilidade parece confusa.

O art 17.4 refere explicitamente a obrigatoriedade de inclusão no plano de trabalhos do coordenador do corredor atlântico do planeamento das linhas de bitola ibérica dos corredores internacionais para mercadorias  nos casos dos artigos

i)                 17.2  - novas linhas ainda não planeadas em 18jul2024 para ligação transfronteiriça; plano em 2 anos identificando-as com uma ACB se negativa para manter a bitola ibérica e uma avaliação do impacto na interoperabilidade    e

ii)                17.3 - linhas existentes ou em construção de bitola ibérica integrando corredores internacionais; avaliação em 2 anos coordenada com Espanha identificando-as para possível migração para bitola europeia com uma ACB sobre a viabilidade dessa migração e com uma avaliação do impacto na interoperabilidade, mais 1 ano para um planeamento dessa migração.

Para além da confusão da redação dos dois artigos, ela parece colidir com a prioridade expressa no art 13.a  de integração do transporte de mercadorias nos corredores internacionais com interoperabilidade plena.

No art 17.5 o regulamento prevê o pedido de isenção temporária de construir em bitola europeia linhas novas sem definir o período da isenção mas com base em ACB negativa e com o parecer do Estado membro vizinho. É provável que o governo e a IP invoquem custos da ligação Carregado-Lisboa e Taveiro-Coimbra em bitola europeia (prevêem estes percursos pela quadruplicação da linha suburbana de bitola ibérica sem preocupações com eventuais perturbações nas circulações específicas das áreas metropolitanas de Lisboa e de Coimbra) para aumentar o peso dos custos e omitir, para reduzir os benefícios, a integração das linhas de mercadorias e respetiva contabilização de valor acrescentado e estímulo do PIB na ligação dos portos nacionais à Europa além Pirineus.

Conclusão

Observa-se que o pedido de isenção temporária, tal como reservar para o futuro a mudança dos carris nas travessas polivalentes, será sempre um adiamento que virá agravar os atrasos anteriormente acumulados, nomeadamente através dos constantes aumentos de custos de construção e de equipamentos.  Insiste-se na conveniência de cumprir os prazos do regulamento 1679 em coordenação com Espanha e o coordenador do corredor atlântico, com uma estratégia de separação da gestão e orçamentos das redes existente em bitola ibérica e de nova rede em bitola europeia e ERTMS.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2 - O estado da ferrovia, um sobressalto cívico, as bases do ordenamento do território e os traçados das novas linhas




Sumário:  

A comunicação social denunciou já os atrasos e algumas das suas causas do programa Ferrovia 2020 e as ameaças ao PFN (Plano ferroviário nacional). Este artigo põe a tónica, como fator impeditivo do progresso da ferrovia, na insistência da IP, apoiada pelos sucessivos governos, em limitar-se à gestão da rede existente de bitola ibérica e CONVEL, subordinando o projeto de novas linhas à compatibilização com as caraterísticas da rede existente, em vez de assumir, como em Espanha, a gestão e orçamento separados de uma segunda rede, para a Alta Velocidade de passageiros e para mercadorias. Chama-se também a atenção para a necessidade de coordenar com Espanha e a União Europeia o pleno cumprimento do regulamento comunitário 1679 vinculativo para as redes transeuropeias interoperáveis TEN-T e de obtenção de cofinanciamentos favoráveis. Não o fazer prejudicará a médio prazo as exportações portuguesas e o programa de descarbonização por inviabilização da transferência para a ferrovia da carga rodoviária para a Europa além Pirineus, e dos passageiros das ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid.

 

O problema da ferrovia na comunicação social               
Como técnico de transportes reformado há já 14 anos manifesto o meu reconhecimento por Carlos Cipriano[4] e João Miguel Tavares[5] trazerem à imprensa a divulgação do estado desastroso da ferrovia em Portugal, em contradição com os objetivos de descarbonização e de transferência da carga rodoviária de mais de 300km para a ferrovia. Refiro também as publicações de António Barreto[6] sobre 4 grandes fracassos nacionais (sendo a ferrovia o terceiro fracasso ) e de Carlos Enes em entrevista ao coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi[7].

Possíveis causas do estado da ferrovia 
O desmantelamento das infraestruturas ferroviárias e dos seus quadros de pessoal e a desorçamentação constante desde os anos 90 poderão ser as razões determinantes do desastre, mas será um truísmo dizer que a principal causa será a ignorância em todas ou parte das fases de um investimento, ao nível dos decisores no governo e no incumbente das infraestruturas e ao nível das entidades fiscalizadoras (TdC, por exemplo), de como se elaboram estudos prévios, analisando custos e benefícios de hipóteses de traçados, como se especifica num caderno de encargos, como se compensam as graves limitações da contratação pública (não atribuindo o maior coeficiente ao preço, otimizando os tempos), como se estimula a participação dos concorrentes, como se acompanha e controla o desenvolvimento do projeto e construção. É necessária uma equipa de coordenação com competência disciplinar, assessorada por uma equipa de planeamento e outra de fiscalização (que não tem o charme de accountability, mas se subentendermos que do trabalho da fiscalização resulta a possibilidade de responsabilização, temos a tradução feita), incluindo todas as disciplinas envolvidas e reunindo periodicamente com período dependente da fase de execução, e com a incumbência final de proceder ao processo de homologação em sintonia com o IMT. A IP confessou publicamente que já não dispõe de quadros que lhe permitam fazer isso. A extensão dos trabalhos necessários agrava o problema. Então eu sugiro o pedido à União Europeia de apoio técnico através da deslocação para Portugal de técnicos da Comissão e subsidiando concursos públicos internacionais para seleção de gabinetes de engenharia.

O setor conservador da IP em oposição aos objetivos da regulamentação comunitária            Há ainda um fator de agravamento. O incumbente de infraestruturas está neste momento dominado pelo setor conservador que reduz o seu horizonte à exclusividade da bitola ibérica, `a manutenção do CONVEL, à modernização ou beneficiação das linhas existentes, à construção de novas linhas previstas na regulamentação europeia mas com as caraterísticas da rede existente e intenção de partilha com ela de circulações.  Esta estratégia diverge claramente das orientações do regulamento 1679 que define as linhas de orientação para as redes interoperáveis transeuropeias TEN-T no sentido da normalização e duma rede única ferroviária. O nosso setor conservador recorre a isenções temporárias para se furtar ao planeamento da parte portuguesa esquecendo a premência, considerando a morosidade dos procedimento, dos prazos de 2030, 2040 e 2050 correspondentes respetivamente às redes "core", "extended core" e "comprehensive" do regulamento 1679.  

A posição do atual governo       

 O atual governo resolveu seguir a estratégia do anterior, subordinada ao referido setor conservador do incumbente e desculpa-se sistematicamente com a afirmação de que Espanha não está a construir nenhuma ligação em bitola europeia até à fronteira portuguesa. Sendo verdade, oculta uma outra verdade, que foi o governo português que em 2012 suspendeu a ligação em bitola europeia Poceirão-Caia (o atual governo não aceita a sugestão de renegociar o contrato com o consórcio ELOS evitando o pagamento da indemnização) e que em 2020, na cimeira da Guarda declarou, pela voz do primeiro ministro António Costa, perante a surpresa do primeiro ministro espanhol, que "um dia Portugal teria a sua rede de Alta Velocidade". António Costa queria pensar no assunto apenas depois de 2027, no novo quadro comunitário, ignorando completamente o risco de aumento dos custos e os prejuízos pelo adiamento das melhores condições para as exportações que as ligações interoperáveis de bitola europeia à Europa além Pirineus trariam. Entretanto Espanha dispõe de 3083 km de via de bitola 1435 mm, 10829 km de via de bitola ibérica e 322 km de via de 3 carris (simultaneamente 1435 mm e ibérica).

 

O que se sugere como alteração da posição do governo                                                                     Porque não houve  assessores ou consultores que tivessem explicado o risco e os prejuízos ao primeiro ministro? Porque não coordena o ministro das infraestruturas português o planeamento do corredor atlântico na península, com o seu homólogo espanhol, com o comisionado do corredor atlântico do MITMA José António Sebastian e, evidentemente, com o coordenador do corredor atlântico da DGMOVE Carlo Secchi (é o que Espanha faz, pressiona França para a construção da nova linha Dax-Hendaye para aumentar o número de canais horários)? Porque insiste em acordar com a Comissão Europeia sucessivos adiamentos da introdução da bitola europeia e do ERTMS contrariando os objetivos da própria Comissão Europeia? [8]

Em 2016 a CIP patrocinou um estudo que concluiu que para sustentar a médio prazo o crescimento das exportações de bens era essencial construir a nova linha dupla Aveiro-Salamanca (180km no troço português, estimando-se  preços de então 6.000 milhões de euros dado o acidentado do traçado). Não foi esse o entendimento no Ferrovia 2020 nem no PFN, optando-se por uma cara remodelação da via única existente de 200km com desvio pela Pampilhosa, esperando-se que o custo total, incluindo roubos e desvios devidos a alterações de rodovias, venha a ser divulgado.

O exemplo citado no artigo do túnel de Sapataria será semelhante ao que se passou na beneficiação do túnel do Rossio há já alguns anos, mas com desfecho diferente. Quem  fez o caderno de encargos para a linha do Oeste certamente sabia que em  Espanha já se procedia à progressiva alteração dos gabaris dos túneis dos corredores de mercadorias para compatibilização do transporte de semirreboques por comboio (altura livre para o semirreboque 4 m, mais 33 cm entre o topo dos carris e a base dos pneus). Por isso o reforço da abóbada a seguir ao corte com injeção e projeção de betão e pregagens até estabilizar poderia ter sido uma solução prevista. No caso do túnel do Rossio nos anos 90 o empreiteiro, muito conhecido, pediu mais dinheiro e a REFER executou o contrato, contratou outro empreiteiro e ganhou no recurso que o empreiteiro ganancioso moveu (exemplo a seguir mas pouco seguido).

O PFN e suas incongruências                                                                                                                      

 O PFN é o resultado dum estudo aprofundado feito por técnicos competentes, mas padece da subordinação imposta:

i) à bitola ibérica e ao sistema de controle de velocidade CONVEL e respetivo módulo de interface STM, ambos tolerados pela regulamentação europeia apenas em casos justificados

ii) à partilha de serviços na nova linha de alta velocidade e nas linhas existentes convencionais de bitola ibérica por material circulante sem eixos variáveis, partilha essa evitável com transbordos bem projetados (por exemplo com tratamento automático de bagagens)

iii) à interdição da utilização da nova linha por mercadorias contrariando um dos objetivos de rentabilização de investimentos da União Europeia

iv) ao conceito de ligações diametrais nas redes urbanas promovendo a destruição de algumas ligações radiais existentes imitando as novas linhas diametrais em Londres e Paris esquecendo que nas áreas metropolitanas nacionais não existe a densidade de linhas daquelas cidades (exemplo de imitação fora de contexto semelhante ao que aconteceu com a linha circular do metro de Lisboa que emulava uma linha circular do metro de Londres que em 2009 foi transformada em linha em laço).

É importante, para confirmar o exposto, citar o próprio PFN no relativo ao tráfego de mercadorias: "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas".


O sobressalto cívico do manifesto  "Portugal, uma ilha ferroviária?" e as exportações portuguesas de bens                            

 Quando Carlos Cipriano se interroga "porque não há um sobressalto cívico e político perante o fracasso do Ferrovia 2020?" e encontra no seu artigo respostas, sem dúvida esclarecedoras, permito-me recordar que sobressalto cívico já  houve, ainda antes do desastre do programa ser evidente. No seguimento do referido estudo da CIP e de sucessivas posições da ADFERSIT um grupo de académicos, empresários e técnicos publicou o manifesto "Portugal, uma ilha ferroviária?" em que se denunciava o isolamento ferroviário do país pela  inexistência de planeamento para a construção da parte portuguesa do  corredor atlântico norte e sul segundo os padrões de interoperabilidade das redes transeuropeias TEN-T (antigo regulamento 1315 e atual 1679) e as consequências gravosas em termos de limitação das exportações (dados posteriores à emissão do manifesto: em 2023 exportámos por modos terrestres para além dos Pireneus 5,55 milhões de toneladas, à volta de 150.000 camiões por ano ou, se fossem comboios, 4.000 por ano, só para além dos Pireneus, no valor de 26275 milhões de euros, enquanto para Espanha exportámos 10,84 milhões de toneladas mas apenas no valor de 16908 milhões de euros). O manifesto chamava também a atenção para a redução das emissões através da substituição das viagens aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid pela Alta Velocidade. 

 

Também o manifesto não provocou um sobressalto                                                                           

Não houve sobressalto na sequência do manifesto, apesar de sessões realizadas na Ordem dos Engenheiros em 2018 e 2023, de uma comunicação ao 10ºcongresso do CRP no LNEC  em 2022 , de uma audição na Comissão Parlamentar de Economia e Obras Públicas em 2023[9], do destaque dado no congresso da ADFERSIT de 2023 à importância da bitola europeia nas linhas novas e da participação crítica na consulta pública sobre o PFN. Não houve sobressalto técnico, da parte das ordens de engenheiros e de economistas; não houve sobressalto cívico da parte da sociedade civil, provavelmente esquecida das aborrecidas aulas  de Física do secundário em que se explicava por que o transporte ferroviário é energeticamente mais eficiente do que o rodoviário (facto que deveria ser suficiente para terminar a moda dos metrobus); não houve sobressalto político, provavelmente por esquecimento por parte dos deputados da comissão referida do artigo 165.1.z da Constituição que determina que são competência legislativa exclusiva da Assembleia da República as bases do ordenamento do território, e não do governo, como abusivamente tem praticado, e muito menos da IP, sem que o TdC ou a PGR , a exemplo do que faz o ECA (Tribunal de Contas da UE) denunciem a inconformidade jurídica e os graves prejuízos económicos no futuro próximo.  

 

A campanha desinformativa                                                                                                                             

Em vez disso, assistimos desde 2017 a uma campanha desinformativa, ao melhor estilo das técnicas de Scopenhauer.de vitória sem razão num debate, distorcendo o que se propôs, indo até à designação pejorativa de obsessão e de fetiche, ou repetindo na comunicação social o "alinhamento" do governo com a Comissão Europeia.

i) Que os do manifesto queriam substituir a bitola ibérica de toda a rede existente     (não, de acordo com o regulamento 1679, apenas se pretende a construção em bitola europeia e ERTMS das linhas novas dos corredores internacionais para passageiros e para mercadorias), com prioridade à rede "core" do regulamento 1679 com prazo de 2030.

ii) Que Espanha não tem planos para trazer a bitola europeia à fronteira com Portugal     (foram os governos portugueses que desistiram do Poceirão-Caia enquanto Espanha se concentra no corredor mediterrânico).

iii) Que o sistema de eixos variáveis quer para passageiros quer para mercadorias dispensaria a bitola europeia na entrada em França       (esquecendo que o objetivo principal é a resolução pontual de ligações entre as duas redes, uma vez que este sistema tem o problema do risco de avarias longe da manutenção, para além de inevitáveis demoras e dificuldades de sincronização de comboios).  

O setor conservador não valoriza o apoio expresso da Comissão Europeia à construção do Rail Baltica, a nova linha para tráfego misto de 870km entre Estónia, Letónia e Lituânia e a Polónia, e de nova ligação entre a Ucrânia (Lviv) e  Hungria e Eslovaquia, em ambos os casos em bitola europeia substituindo a bitola russa (1520mm).

As isenções

Sendo verdade que o novo regulamento 1679 permite no seu artigo 17.5 obter isenções temporárias do cumprimento do requisito da bitola europeia na rede "core" de 2030, o governo, a IP e os seus consultores não deverão ocultar as condições para essas isenções, que na prática funcionam como adiamentos da instalação da bitola europeia (sabe-se como a cultura tradicional trata as soluções provisórias que se tornam definitivas, anulando quaisquer vantagem económica inicial) e deverão comunicar à Comissão :

i) uma análise de custos benefícios negativa; anota-se que ela só o será se artificiosamente se reduzir o período de operação da eventual nova linha com as inerentes vantagens de economia energética por redução da pendentes e da transferência da carga internacional de mercadorias para a ferrovia

ii)  o parecer do Estado membro vizinho e a forma de coordenação do corredor internacional comum, sendo conhecidas as posições dos últimos governos espanhois no sentido da promoção dos corredores internacionais mediterrânico e atlântico

iii) a avaliação do impacto da isenção na interoperabilidade e na continuidade da rede integrante do corredor internacional  

Operadores ferroviários privados de mercadorias em Portugal                                                                             Os operadores privados em Portugal de transporte ferroviário de mercadorias adaptam-se aos condicionamentos e resolvem o problema, beneficiando da sua natureza multinacional, com frotas de bitola diferente, para a Europa e para  a península, contando dispor de ligação em bitola europeia França(Hendaye)-Vitoria em 2025 e França(Perpignan)-Valencia em 2026 (já existe pelo túnel El Pertus ligação Perpignan-Barcelona para mercadorias e passageiros). Precisamente pelo seu carater multinacional não sentem a premência de quebrar a limitação às exportações de bens que eles próprios reconhecem à diferença de bitolas (declarações do presidente da MEDWAY em entrevista à Railway Gazette: "evidentemente que ter a bitola única europeia seria o ideal")

Os operadores rodoviários não sentem também a premência do problema, provavelmente crendo que os camiões elétricos sejam solução para a descarbonização e esquecendo o problema do congestionamento, dos acidentes e de que um comboio substitui 40 camiões.  

A solução das autopistas ferroviárias (transporte de semirreboques por comboio)[10]                                                                                       Como solução intermédia, que não requer a construção imediata de linhas em bitola europeia e permite o início da transferência para a ferrovia (progressiva ao longo do tempo da construção das novas linhas interoperáveis do corredor internacional)  da carga rodoviária de longa distancia, sugere-se a coordenação com Espanha da implementação das já referidas autoestradas ferroviárias (transporte de semirreboques por comboio). Dado o volume do investimento, será necessária a cooperação estatal e também da própria Comissão. Existe já um plano para uma linha entre o porto de Valencia e o terminal do Entroncamento numa colaboração entre  a Transitalia e  Medway com material circulante Tetravagonka. Curiosamente, num video promocional deste fabricante, é descrito o sistema R2L para semirreboques suscetíveis e não suscetíveis de elevação por guindaste (craneable e not craneable) , estes últimos com vagões articulados de 6 eixos e 34 metros de comprimento dotados de berços ("pocket") suscetíveis de elevação por guindaste. O fabricante terminava o video com duas  imagens, uma de vagões de bitola ibérica "para Espanha e Portugal" e outra  de vagões de bitola europeia "para a  Europa". Provavelmente por tais imagens poderem sugerir que a Europa terminava nos Pirineus, estas imagens foram retiradas do video.

Aguardando-se para 2025 e 2026 a disponibilização das plataformas logísticas de Vitoria no corredor atlântico e de Valencia no corredor mediterrânico ligadas em bitola europeia a França, o sistema R2L facilitará a transferência de semirreboques de comboios em bitola ibérica ou de camiões para comboios em bitola europeia de longa distancia. Será então de recomendar de acordo com o novo regulamento 1679 de integração das mercadorias nos corredores internacionais de AV, um plano de sucessiva aproximação dos portos portugueses deste tipo de plataformas logísticas[11]

A gestão de duas redes como solução  
Sem desvalorizar a opinião do bastonário da Ordem dos Economistas sobre a necessidade de um planeamento integrador e eficaz (evidenciada pela simultaneidade na urgência de tomada de decisões sobre os traçados da linha de AV Porto-Lisboa, sobre a TTT, sobre a mobilidade urbana e suburbana da AML e sobre o serviço ferroviário do novo aeroporto)[12] julgo que o cerne da questão consiste na insistência do setor conservador da IP na gestão única de rede existente de bitola ibérica quando, a exemplo de Espanha, deveria assumir-se a gestão e orçamentos separados de duas redes, uma de bitola ibérica e eventualmente CONVEL e STM, e outra de bitola europeia, ERTMS, Alta Velocidade para passageiros e mercadorias para 120km/h e pendentes de 1,2% máximo (razão para  privilegiar linhas novas, com a consequente economia energética, em detrimento da "modernização" de linhas existentes). 

 

Competência legislativa para as decisões sobre traçados                                                                  

Como já referido, do ponto de vista constitucional não é o governo nem a IP nem consultores se concurso público que têm competência para definir as bases de ordenamento do território que determinem os traçados das novas linhas de AV (incluindo  a opção entre a margem direita ou a margem esquerda do Tejo para o percurso Carregado-Lisboa), das novas linhas da rede suburbana da AML, das novas linhas de ligação ao novo aeroporto e respetivo terminal rodoferroviário (conforme a regulamentação europeia), da  localização precisa da ponte ou túnel da TTT (do ponto de vista técnico, com a particularidade de se tratar de uma zona sísmica, só após uma campanha de sondagens se poderá determinar se a melhor solução será ponte, túnel ou mista). Infelizmente os sucessivos governos optaram pelo abuso de poder e recusam uma solução análoga à CTI para o novo aeroporto. Manifestaram falta de humildade ao não quererem ouvir os pareceres da sociedade civil contrários aos planos do Ferrovia 2020, PNI2030  e PFN, ao não envolverem o CSOP, ao recusar o lançamento de um concurso público internacional com o apoio técnico e financeiro da Comissão Europeia para a definição dos traçados. Os traçados que têm sido anunciados pelo atual governo, para além de não terem sido validados no âmbito dos PROT, são de operação gravosa pelos percursos adicionais que pressupõem (exemplos: recurso à quadruplicação de linhas suburbanas/intercidades em Taveiro-Coimbra;  desvio para Campanhã quando o objetivo é o aeroporto; insuficiência de sondagens geológicas e análises de custos benefícios para decisão pela margem direita ou esquerda do Tejo da ligação Porto-Lisboa: pela margem direita do Tejo 290km; pela margem esquerda e ponte Chelas-Barreiro 340km; pela margem esquerda e ponte Beato-Montijo 330km). 

 

 

Conclusão

Recusar  a solução de gestão separada das duas redes, uma existente de bitola ibérica/CONVEL/STM e outra nova de bitola europeia/ERTMS, implica na prática eternizar a bitola ibérica, reduzir a maioria da operação à península ibérica insistindo nas isenções temporárias e nas perdas de financiamento comunitário, e adiar a transferência para a ferrovia de carga rodoviária com destino à Europa além Pirineus   e dos passageiros das ligações aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid. Numa frase sintética, divergir da Europa e de Espanha. O que evidentemente não posso subscrever como técnico e como cidadão.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3 - O Conselho da União Europeia aprovou o novo regulamento

das redes TEN_T

 

 

 

Uma notícia do Conselho Europeu em 13 de junho de 2024 – as redes transeuropeias

Discretamente, através dum press release do Conselho da União Europeia  de 13 de junho de 2024[13] , foi noticiada a aprovação do novo regulamento das redes transeuropeias de transporte TEN-T, que substitui o 2013/1315, com as linhas de orientação para o desenvolvimento dessas redes.

O objetivo das redes transeuropeias, também na vertente ferroviária, está consagrado no art.170 do TFUE, Tratado de funcionamento da União Europeia (curiosamente conhecido como Tratado de Lisboa), exprimindo o seu compromisso desta forma: “… a ação da União terá por objetivo fomentar a interconexão e a interoperabilidade das redes nacionais, bem como o acesso a essas redes. Terá em conta, em especial, a necessidade de ligar as regiões insulares, sem litoral e periféricas às regiões centrais da União.”

Do exposto pareceria que qualquer Estado membro, especialmente se longe do centro económico da Europa, teria todo o interesse em aderir convictamente às linhas de orientação da regulamentação comunitária em tudo o que facilitasse as ligações à Europa. Por exemplo, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa substituindo a maior parte das ligações aéreas Lisboa-Madrid[14] por ligações ferroviárias de Alta Velocidade e substituindo a maior parte do tráfego rodoviário de mercadorias para além dos Pireneus por tráfego ferroviário.

A importância das exportações

Dizem-nos que o principal destino das nossas exportações é Espanha e como a sua rede ferroviária de mercadorias é maioritariamente de bitola ibérica não vale a pena pensar em linhas novas para a Europa de bitola europeia. E contudo, segundo o INE não será bem assim.

Em 2023 as exportações por modos terrestres para Espanha foram 10,84 Mton no valor de 16908 M€ e para o resto da EU  5,55 Mton no valor de 26275 M€. A quota modal ferroviária para a Europa além Pireneus é irrelevante devido à diferença de bitolas, cingindo-se à contabilização dos percursos intermodais e parciais em ferrovia na península. Admitindo comboios de 1400 toneladas teríamos para a transferência de todo esse tráfego para comboios cerca de 4000 por ano ou mais de 10 comboios por dia substituindo cerca de 500 camiões por dia. 

De janeiro a abril de 2024 as exportações em valor para Espanha por todos os modos  foram, para Espanha 6686 M€, para a EU 18797 M€, e para o mundo 26539 M€ (fonte INE). Basta somar o valor das exportações para França, Paises Baixos e Alemanha para ter um valor superior ao para Espanha. A quota modal marítima para a EU tem sido inferior a 15%.

Não parece assim haver suporte para manter a bitola ibérica se quisermos transferir tráfego rodoviário para a ferrovia.

As autoestradas ferroviárias

Há porém uma solução enquanto não dispusermos da ligação a França em bitola europeia, que são as autoestradas ferroviárias ou transporte de camiões, semirreboques ou caixas móveis por comboio, em vagões plataforma articulados e com 3 bogies. O facto da chamada e atrasada modernização da linha da Beira Alta não ter previsto o alargamento ou variantes dos túneis é apenas mais um sintoma da preferência por soluções baratas que adiam os investimentos necessários e eficientes como o corredor Aveiro-Salamanca com as caraterísticas de interoperabilidade das redes TEN-T.

O corredor atlântico no mapa das redes transeuropeias TEN-T

O mapa seguinte faz parte do Anexo III.14  do regulamento. A amarelo o corredor atlântico, com os acrescentos, relativamente ao anterior regulamento 1315, dos portos do sudoeste de Espanha, Galiza e Astúrias. A calendarização reparte-se pelos troços da rede “core” (2030), “extended core” (2040) e “comprehensive” (2050).







 

Uma  política de coesão deverá reduzir a desigualdade dos níveis do PIB por região o que exigirá investimentos e aumento de ativos de infraestruturas nessas regiões. As análises de custos benefícios referidas no regulamento terão em consideração o que se perde por não investir, as taxas expetáveis de crescimento do PIB e das exportações devido ao investimento em linhas férreas de ligação ao centro da Europa (Mannheim, Strassbourg), a economia devida às caraterísticas das linhas novas, a redução de gases com efeito de estufa devido à transferência dos modos aéreo e rodoviário[15].



O que especifica o novo regulamento aprovado  pelo Conselho em 13 de junho de 2024?

No seu art.17, determina que “Member States shall ensure that any new railway line of the core network and the extended core network … provides for the European standard nominal track gauge of 1 435 mm   e no art.18:  Member States shall ensure that by 31 December 2030  ERTMS is equipped on the railway infrastructure of the core network.

Ora, não há em Portugal neste momento (contrariamente aos países bálticos que estão construindo o Rail Baltica em bitola europeia e não na bitola russa pré existente) planeamento para a construção de linhas de bitola europeia nem para a instalação de ERTMS (controle da circulação dos comboios). É verdade que o próprio regulamento prevê a possibilidade de isenções do cumprimento desta obrigação mas sempre sujeita a análises de custos benefícios e de avaliação do impacto na interoperabilidade e sempre de natureza temporária. Isto é, o recurso a essas isenções apenas funciona como adiamento de decisões que deverão ser urgentemente tomadas.

A argumentação contra a bitola europeia

Não parece correta a noticia do ECO que diz que em Espanha não há ligação entre a rede UIC e a rede convencional quando existem 272 km de via com 3 carris prevendo-se aumento no corredor mediterrâneo. https://24.sapo.pt/atualidade/artigos/alianca-iberica-pela-ferrovia-pede-servico-direto-lisboa-madrid-em-2025 

O presidente do principal operador ferroviário de mercadorias em Portugal, a Medway, apesar de não considerar oportuna a construção de novas linhas em bitola UIC, reconhece que isso seria muito mais fácil[16]

Sibilinamente, dizem-nos a IP e os sucessivos governos que o uso exclusivo da bitola ibérica é imposto por Espanha, cuja rede interna de mercadorias é maioritariamente em bitola ibérica. Sibilinamente porque o comissário espanhol para o corredor atlântico tem, apesar de limitado, um orçamento para investir no seu corredor, esperando-se a curto prazo a ligação em via de 3 carris entre a fronteira francesa e a plataforma logística de Vitoria. Também no corredor mediterrânico se espera a curto prazo a ligação em bitola UIC entre Barcelona e Valencia. Sibilinamente porque apesar das limitações da rede de mercadorias espanhola reconhecida pelo próprio ministério com uma quota modal de 9% [17], a natureza vinculativa da regulamentação comunitária impõe a um Estado membro a obrigatoriedade  de coordenar com o Estado vizinho as ligações transfronteiriças e nunca a possibilidade de constituir um obstáculo às exportações desse Estado vizinho.

Considerando a demora na construção das novas linhas para mercadorias em Portugal e Espanha com as caraterísticas de interoperabilidade com  o resto da Europa, os respetivos governos deveriam coordenar um plano com o faseamento de aproximação da bitola UIC dos portos atlânticos. Julga-se que isso só poderá ser feito com uma estrutura de gestão de infraestruturas corretamente dimensionada em termos de recursos humanos para gestão do desenvolvimento de uma nova rede, separada da gestão corrente da rede existente, sem prejuízo do recurso a concursos públicos internacionais para seleção de consultor com experiência internacional em projeto, manutenção e operação de redes de alta velocidade/mercadorias.

 



 

 

A posição dos sucessivos governos e da IP

Infelizmente, os sucessivos governos portugueses têm recusado seguir as linhas de orientação comunitárias que desde 2013 formalizaram uma série de especificações para garantir a interoperabilidade entre todas as redes nacionais, numa única rede europeia[18]. O atual governo aparentemente não sente que incorre no risco de um processo de infração por, por exemplo, dar prioridade à ligação Porto-Vigo (fixada pelo novo regulamento para 2040) em detrimento da ligação a Madrid (fixada para 2030), ou por insistir na exclusividade da bitola ibérica de 1668 mm, quando o especificado é a bitola europeia ou UIC de 1435 mm. Esta opção tem também o risco de inviabilizar o aproveitamento das taxas máximas de cofinanciamento, nomeadamente dos programas CEF , Connecting Europe Facility[19] .

Lamentavelmente, são-nos apresentadas soluções definitivas e indiscutíveis para o  Plano Ferroviário Nacional, o Plano de Investimentos 2030 e os planos para as linhas de Alta Velocidade, a terceira travessia do Tejo (TTT) e o serviço ferroviário do novo aeroporto. Não apenas por recusarem críticas, mas por ignorarem: (i) os princípios legais da gestão territorial numa altura em que a economia do país beneficiaria com o desenvolvimento da regionalização administrativa livre da partidarização e do caciquismo e baseada num número pequeno de NUTs II (ii) as orientações e as especificações da regulamentação comunitária (iii) a ponderação do recurso a concurso público internacional para seleção de um gabinete de engenharia de transportes para elaboração de um plano integrado.

A IP e o governo insistirão que já há muito funciona a tecnologia de eixos variáveis para passageiros e já está homologada para mercadorias e que portanto podemos conservar a bitola ibérica. Esquecem que são raros os fabricantes e os operadores que dispõem dessa tecnologia, o que contraria o princípio da concorrência. Esquecem que é uma tecnologia para a transição duma rede ibérica para uma rede europeia e que não é razoável enviar vagões de eixos variáveis para longe das oficinas de manutenção. Paradoxalmente, recusam-se a aceitar a solução de eixos variáveis para viabilizar  a construção por fases da ligação Porto-Lisboa em bitola europeia de raiz (instalando intercambiadores nos pontos de transição entre os troços novos em europeia e os troços existentes em ibérica, como na ligação de AV Madrid-Galiza com um intercambiador em Ourense).

 

CONCLUSÃO

Para sairmos da situação de impasse na ferrovia de passageiros e na de mercadorias, reduzir as emissões nas ligações Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e aumentar a quota modal da ferrovia interna e de exportações, é essencial espanhóis e portugueses desenvolverem, em sintonia com o regulamento TEN-T substituto do 1315, e de forma coordenada, um plano de progressiva aproximação da bitola 1435mm dos portos atlânticos segundo os traçados do corredor atlântico de utilização mista, revendo simultaneamente o PFN para assumir o que está inscrito no próprio PFN, "A criação de ligações ferroviárias em bitola padrão (1435 mm) teria inegáveis vantagens no transporte de mercadorias internacional de longa distância, contribuindo para melhorar a competitividade das exportações portuguesas", revendo numa perspetiva de gestão integrada do território e da mobilidade os grandes investimentos na ferrovia.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4 - Carta aberta ao senhor ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz

 

Caro ministro e colega

Devo antes de mais pedir desculpa pelo tom menos grave desta carta aberta que no  entanto pretende abordar temas de relevância para a saúde económica do nosso país e para o bem estar dos seus habitantes.

É que não é frequente termos um engenheiro eletrotécnico como ministro dos transportes o que me sensibilizou, como seu colega mais antigo, e que por isso espera ser perdoado pelo atrevimento da carta. Até porque como técnico fiquei encantado quando, muito antes da investidura deste governo, dinamizou em Cascais os autocarros de célula de combustível e hidrogénio. É verdade que o rendimento da fonte primária à roda dos autocarros de hidrogénio é inferior ao dos autocarros de bateria, porque a eletrólise é um processo de baixo rendimento, mas mais vale depender de fontes renováveis nossas do que de fabricantes de baterias.

Segui com apreço os seus primeiros movimentos como ministro, evidenciando uma atividade quase juvenil e de aparente encantamento e interesse em conhecer os assuntos à medida que se sucediam as suas intervenções.

Cheguei a preocupar-me quando li nas notícias  que tinha afirmado que os movimentos no aeroporto Humberto Delgado podiam chegar a 45 por hora graças ao novo sistema de gestão do espaço aéreo, mas logo se esclareceu que esse número era para os movimentos na área de Lisboa.

Ou quando disse convictamente que se construía a linha de alta velocidade para Madrid em bitola ibérica sem problema porque chegando a Toledo haveria lá um intercambiador e daí para Madrid seguia-se pela bitola europeia já instalada. Imagino os colegas da IP a industriarem-no nas últimas novidades dos eixos variáveis em Espanha explicando-lhe que de Lisboa a Madrid se poderá fazer o mesmo que de Madrid a Santiago de Compostela, em bitola europeia de Madrid a Ourense , um intercambiador aí e de Ourense a Santiago e Vigo em bitola ibérica.

Imagino também os colegas da IP a repetirem-lhe que a bitola é um não assunto, como dizia o ex ministro Nuno Santos, ou uma ficção, ou outras classificações pejorativas. Como técnicos, centremo-nos antes nos argumentos técnicos, evitando adjetivos.

Interesso-me muito pelo tema do novo aeroporto e já é significativo o volume do que tenho escrito sobre ele, mas não sou especialista do tema e por isso não devo argumentar, limitando-me a coleccionar uma série de argumentos, participando como cidadão no processo de consulta pública. Não digo  o mesmo no tema da ferrovia. Por isso digam-me onde é o novo aeroporto e eu analiso hipóteses para o servir. Não há financiamento comunitário para aeroportos mas o normativo manda que sejam servidos por  redes intermodais (prever terminal rodoferroviário no NAL), que a área metropolitana onde se integre obedeça a um plano de mobilidade urbana sustentável, que a rede de alta velocidade sirva os aeroportos principais e para isso há financiamento comunitário (regulação europeia oblige, ver                        https://fcsseratostenes.blogspot.com/2024/06/aprovacao-do-novo-regulamento-das-redes.html ).                           

Então, se o NAL vai ser no CTFA, tem o caro ministro de decidir, ou de fazer decidir, entre a proposta precipitada da CTI (porque aumenta 50 km ao percurso Porto-Lisboa se usar a TTT Chelas-Barreiro, e 40 km se por Beato-Montijo) e o antigo traçado da RAVE pela margem direita do Tejo. Tenha em consideração que a ligação Porto-Lisboa, assim como Porto-Vigo, integram a rede “core” do novo regulamento, com o objetivo 2030 Lisboa e 2040 Vigo, não é uma linha para a rede suburbana da AML. Não devíamos misturar tráfegos distintos, veja o que acontece ao Alfa do Algarve quando chega ao Fogueteiro, e não será a quadruplicação Areeiro-Braço de Prata e Alverca-Azambuja, aliás credora da construção de um túnel de 5 km Alhandra-Vila Franca de Xira, que assegurará a operação correta da alta velocidade. 

Imagino outra vez os colegas da IP a soprarem-lhe que é caríssimo vir pela margem direita, seria uma solução com um túnel de 20 km e 12 km de viadutos, coisa para mais de 2.000 milhões de euros só de construção civil, quando num viaduto de 30 km pela tranquila margem esquerda do Carregado ao NAL seria à volta de metade (podemos, mas não devemos construir uma linha de alta velocidade numa zona de reserva natural em aterro à superfície, criando uma barreira intransponível, por isso escrevi viaduto).

Perdoará o colega eu sugerir uma atenção especial ao controle de custos de viadutos e de túneis, preocupação que me ficou das obras do metro, apesar de ser um eletrotécnico que não foi além   da cadeira de Resistência de Materiais e Estabilidade (era, nesse tempo os eletrotécnicos tinham de estudar os momentos de inércia), mas era importante, perdoe-se-me a ingenuidade, com tanto que falta construir em Portugal, não ficarmos dependentes apenas das propostas dos concorrentes e otimizarmos os custos de construção com a colaboração da academia e dos técnicos com experiência no tema.

Também  não devemos olhar só para os custos de construção. Se o percurso pela margem esquerda tem mais 40 ou 50 km devemos contabilizar os custos adicionais de operação, multiplicar o número de passageiros-km anuais Porto-Lisboa pelo consumo específico por passageiro-km e pelo acréscimo de tempo para termos os custos adicionais de energia e tempo.

Ainda falta analisar devidamente por onde deve passar a TTT, contar que ela deverá servir o tráfego de mercadorias, dos passageiros dos suburbanos das duas margens (compatibilizado com a quarta travessia por Trafaria-Algés), e claro, o shuttle do NAL e a ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid. Falta também avaliar onde deverá ficar a estação de AV de Lisboa (não quererá considerar a hipótese de ficar no AHD, para o caso dele não sair tão cedo, ou não sair completamente?). 

Numa altura em que volta a falar-se na reforma administrativa e na redução das regiões do Continente (não, não as aumentemos com NUTsII de mão estendida, sinecuras e caciques; sim a CCDRs por concurso público aberto a cidadãos da EU) , será que temos capacidade para gerir os instrumentos de gestão territorial, ou para resolver o problema dos grandes investimentos, por onde deve andar a alta velocidade ou a TTT, não será melhor pedir assistência técnica a Bruxelas, como já dizia o ex presidente Juncker?  Ou contentamo-nos com uma nova CTI? É que é urgente.

E estamos caídos na polémica linha de AV Porto-Lisboa. Imagino pressurosos assessores da IP  explicar que não se preocupe muito com o novo regulamento aprovado em 13 de junho pelo Conselho Europeu porque o artigo 17 (texto do regulamento aprovado:                   https://data.consilium.europa.eu/doc/document/PE-56-2024-INIT/en/pdf   )    diz que se podem pedir isenções temporárias. Confesso que fiquei marcado quando, logo no primeiro ano do curso, na cadeira de Desenho, me apresentaram a Normalização, e mais tarde, durante vários anos, estive numa comissão de normalização ferroviária de aplicações eletrotécnicas. Por isso insisto que normas são para cumprir e isenções só muito, muito excecionalmente.

Deixe-me pôr as coisas neste pé: temos, nós e Espanha conjuntamente, cerca de 2.000 km de vias duplas novas a construir (ou mudar de bitola) para serviço misto de passageiros e mercadorias para se integrarem na rede única ferroviária interoperável, incluindo o objeto dos artigos 17 e 18 do novo regulamento das redes TEN-T, isto é, bitola 1435 mm e ERTMS em 31 de dezembro de 2030 nos corredores da rede “core” (risco de atrasos à conta do CONVEL, apesar do esforço meritório em torno do STM).

Pedir adiamentos será uma boa solução? Poupar agora, continuar com as linhas de pendentes elevadas e consumos adicionais de energia, privilegiando o transporte rodoviário e aéreo, apesar das declarações enfáticas de defesa do planeta , para mais tarde gastar mais, desaparafusando e aparafusando ali, como dizia o novo presidente do Conselho Europeu, ele que só queria ouvir falar de alta velocidade no quadro de financiamento a começar em 2027? Só porque queremos aproveitar os comboios velhinhos de bitola ibérica para poderem circular na nova linha Porto-Lisboa? Quando as regras da concorrência dizem que o operador é que compra os comboios? Quando as celebradas isenções são sempre temporárias?

Vai continuar a acreditar nos defensores a tout prix da bitola ibérica?

É verdade que podem pedir-se isenções, dispensa de fazer as linhas novas em bitola 1435 mm, mas vai ter de falar com os espanhóis, vai ter de mandar fazer uma análise de custos benefícios e uma avaliação do impacto na interoperabilidade com o país vizinho. Tentámos antecipar-nos e fazer essa análise, de acordo com os critérios da EU para apresentação no 10ºcongresso do CRP (centro rodoferroviário português) no LNEC, em julho de 2022. Falhou-nos um prometido apoio de académicos economistas. De modo que tivemos, nós com a limitada literacia económica própria de engenheiros, de fazer uma e apresentámo-la no congresso. Estimámos os custos durante o período das obras e as mais valias ao longo dos anos em operação até ao equilíbrio do investimento. Resultados obtidos para um investimento de 12000 milhões de euros de linhas TEN-T “core” em Portugal, com cofinanciamento comunitário de 40%, crescimento 3% ao ano e transferência até 2030 de 30% da carga rodo para a ferrovia: valor atual líquido VAL (NPV) 486 milhões de euros ; taxa interna de rentabilidade TIR (ERR) 2,23% ; relação benefícios/custos 1,11

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f

 

As mais valias são devidas à substituição pela ferrovia de alta velocidade das viagens aéreas Lisboa-Porto e Lisboa-Madrid e à maior eficiência nas linhas novas com a consequente transferência da carga rodoviária para a ferrovia. Permito-me recordar que em 2023 exportámos por modos terrestres para além dos Pireneus 5,55 milhões de toneladas, à volta de 150.000 camiões por ano ou, se fossem comboios, 4.000 por ano, só para além dos Pireneus, no valor de 26275 milhões de euros, enquanto para Espanha exportámos 10,84 milhões de toneladas mas apenas no valor de 16908 milhões de euros                                  https://fcsseratostenes.blogspot.com/2024/02/os-numeros-de-2023-das-exportacoes-e.html 

Portanto, não  é só no interesse de Espanha e das suas exportações que a curto prazo a bitola 1435 mm chegue de Barcelona a  Valencia no corredor mediterrânico e de Hendaye a Vitoria, no país basco, no corredor atlântico. Deixe-me recordar que em Espanha existem 3083 km de via de bitola 1435 mm, 10829 km de via de bitola ibérica e 322 km de via de 3 carris (simultaneamente 1435 mm e ibérica).

Por isso, não leve a mal que, quando for falar com o seu homólogo espanhol, não faça como o novo presidente do Conselho Europeu na cimeira da Guarda de outubro de 2020 quando disse, perante um Pedro Sanchez embasbacado, quiçá receando a invocação de San Jamás, “Seguramente que Portugal um dia não ficará isolado da rede de alta velocidade”. Acelere o Lisboa-Madrid em alta velocidade como o coordenador do corredor atlântico Carlo Secchi anda a pregar há anos, com todas as caraterísticas da interoperabilidade. Tente recuperar o projeto Poceirão-Caia em má hora recusado e de que ainda não se pagou a indemnização que o tribunal decretou (mas não em via única, por favor). Fale com o coordenador Carlo Secchi e com o comisionado del corredor atlântico do MITMA José Antonio Sebastian. Veja com o ministro Oscar Puente como ele quer com Portugal e França cumprir o objetivo 2030 no corredor atlântico             https://www.zamora24horas.com/castilla-y-leon/puente-traslada-europa-importancia-portugal-francia-se-impliquen-en-desarrollo-conexiones-transfronterizas_15115234_102.html

e no  corredor mediterrânico                       https://www.elestrechodigital.com/2024/05/29/el-gobierno-reafirma-su-compromiso-con-los-plazos-del-corredor-mediterraneo/  , em passageiros e em mercadorias.

Faça como os bálticos com o seu corredor de 870 km diferente da bitola russa pré existente nos três estados e sem partilha entre a  rede de bitola 1435 mm e a rede de bitola russa 1520 mm          (   https://www.railbaltica.org/      ) .          Pergunte aos nossos operadores, Medway e Captrain, se não seria melhor para eles se lhes pusesse à disposição corredores de bitola 1435 mm até à fronteira francesa. Não vá com pretextos de poupar a curto prazo invocando isenções quando o regulamento é claro, linhas novas em corredores internacionais, é com bitola 1435 mm e ERTMS; e isenções, só temporárias e desde que não tenham impacto na interoperabilidade (diz o regulamento, e eu acrescentaria que neste caso  interoperabilidade são as exportações para além dos Pireneus e cumprimento integral do normativo facilita a obtenção de financiamento comunitário).  Lance as autopistas ferroviárias 

https://www.youtube.com/watch?v=1-MQczdqb4c

https://cdn.mitma.gob.es/portal-web-drupal/mercancias30/doc_final/2022_05_documento_final_mercancias_30_44_autopistasferro.pdf                                     e um plano faseado de progressiva aproximação da bitola 1435 mm dos portos portugueses …

 

Tanto para fazer e tanto tempo que estamos a perder …

Não leve a mal este desabafo dum seu colega mais velho, algo desiludido com o estado da ferrovia

 

 

 



[3] Resultados obtidos para um investimento de 12000 milhões de euros de linhas TEN-T “core” em Portugal, a preços de 2022, com cofinanciamento comunitário de 40%, crescimento 3% ao ano e transferência até 2030 de 30% da carga rodo para a ferrovia: valor atual líquido VAL (NPV) 486 milhões de euros ; taxa interna de rentabilidade TIR (ERR) 2,23% ; relação benefícios/custos 1,11

(https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f)       

 

 

[4] artigo de 28jul2024 de Carlos Cipriano sobre os atrasos do Ferrovia 2020:
https://www.publico.pt/2024/07/28/economia/noticia/oito-anos-ferrovia-2020-nao-chegou-meio-percurso-2098306

[5] Crónica de J.M.Tavares no Público de 6ago2024 sobre a ferrovia em Portugal:
https://www.publico.pt/2024/08/06/opiniao/opiniao/pais-passar-comboios-passassem-claro-2099933

[6] artigo de António Barreto de 10ago2024 sobre 4 falhanços nacionais, sendo o terceiro a ferrovia:

https://www.publico.pt/2024/08/10/opiniao/opiniao/culpados-habituais-2100405

[8] Carta aberta ao senhor ministro das infraestruturas

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0n10QZ2WAD0c-81K?e=TyCaJV 

[9] Pedido de audiência à 6ªcomissão, realizada sem resultados práticos

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0n7INaLitDe_q9zG?e=6R1vQ3 

[10] vagões articulados para semirreboques

https://vk.com/video-216942219_456239246

[11] Sugestão de faseamento da aproximação aos portos nacionais das plataformas logísticas com bitola europeia

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0nxOnws6AqP_6yk7?e=LEvBiO

[12] AV TTT ligações a aeroportos, catálogo de hipóteses

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0Ajo1gxyeBYBkvNf?e=cgiwPI

 

[13] https://www.consilium.europa.eu/en/press/press-releases/2024/06/13/trans-european-transport-network-ten-t-council-gives-final-green-light-to-new-regulation-ensuring-better-and-sustainable-connectivity-in-europe/     O Conselho da União Europeia é composto pelos ministros dos Estados membros conforme a natureza dos temas, de presidência rotativa de 6 meses; é um órgão legislativo juntamente com o Parlamento Europeu vetando, corrigindo ou aprovando as iniciativas da Comissão Europeia (não confundir com o Conselho Europeu composto pelos primeiros ministros dos Estados membros e que define com a Comissão Europeia a orientação geral da política da UE)

[14] Admitindo um consumo específico de energia primária de 260 Wh/pass-km no avião, 70 Wh/pass-km no comboio AV, taxa de ocupação de 90% e 2500 passageiros/dia na ligação Lisboa-Madrid, teremos um consumo diário de 0,36 GWh e 110 tonCO2 se tráfego exclusivo por avião e 0,11 GWh e 30 tonCO2 se por comboio AV 

[15] Embora com limitações, ensaiou-se uma análise de custos benefícios favorável ao investimento no corredor atlântico na comunicação ao 10º congresso do Centro rodoferroviário Português de julho de 2022 consultável em              https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwewAPiImeJt2AleD8l?e=8een7f         

[17] Volumes de tráfego em Mton, comparativo Espanha-Portugal (2021):

                                                             rodovia      ferrovia

fonte OTLE: Espanha nacional           1541            20

             Espanha internacional             119              4,7

fonte   INE:  Portugal  nacional            120,5           6,6

             Portugal  internacional              22,9           2,7

 

[18] Alimentação 25 kVAC, 250 km/h passageiros, 100 km/h mercadorias, pendentes máximas 1,2% e tráfego misto passageiros/mercadorias, comprimento comboios 740 m, controle ERTMS, bitola europeia

[19] Regulamento 2021/1153. A preocupação com as condições de  acesso a níveis elevados de cofinanciamento levou um grupo de cidadãos a dirigir uma carta aberta à presidente do BEI a propósito do financiamento de 3000 milhões de euros para a linha de AV Porto-Soure, consultável em   https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbwe0ROQecRWWYfLt0LJ?e=70VWc0