segunda-feira, 13 de junho de 2011

A sabedoria de Santo António

comemoração em Lisboa de Santo António
O DN de dia 13 de junho, dia de Santo António, vem cheio de sabedoria.
Um jovem de 19 anos, luso-guineense da Quarteira, desata aos tiros, com uma caçadeira de canos serrados, depois de uns assaltozitos durante a madrugada e umas incompreensões num bar enquanto este encerrava a caixa com a receita da noite (às 7 da madrugada...)
Um miúdo de 9 anos, depois do perigo passar (o moço de 19 anos foi preso pela GNR com o apoio de uma unidade que se deslocou de Lisboa) fala com ar experiente para o reporter: "estou habitudo a ver isto nos filmes, por isso não tive muito medo".
O senhor ministro da administração interna dirá: não há problema porque a criminalidade, de acordo com as estatísticas, está a diminuir (o mesmo ministro que numa cimeira em Viana do Castelo discursava sobre segurança, repetindo já nessa altura que as estatísticas indicavam diminuição da criminalidade, enquanto a dois quarteirões de distancia uma ourivesaria era assaltada com um morto).
Avisadamente, o DN lista os ultimos assaltos em Albufeira, que já incluem turistas mortos, e a afirmação do presidente da associação de hoteleiros do Algarve, que existe uma relação direta (mais precisamente, uma correlação fortemente positiva) entre o crescimento da taxa de desemprego e a criminalidade.
Umas páginas à frente, a notícia de um tiroteio entre moços de comunidades de origem africana num bairro de barracas na Trafaria, na Cova do Vapor.
Trata-se de um local desprezado pelos indecisores do poder central e do poder local, paralizados por conflitos de competencias entre eles de há vários anos e por incapacidade para encontrar soluções.
Será tão dificil de compreender pelos gestores e decisores da coisa publica, que existe uma correlação forte entre a criminalidade e o desemprego, dificuldade de inclusão e insucesso escolar?
Prefere-se continuar a falar nas estatisticas (e os assaltos que não são participados?) e a enviar tropa especial às zonas da classe média que têm problemas localizados com jovens desempregados de comunidades de origem africana?
Será um problema semelhante ao dos transportes?
Os transportes são um problema da classe média e da classe baixa, porque a classe alta não vai de transportes coletivos para as suas ocupações de gestão da coisa pública ou de angariação de grossas mais valias.
O problema da criminalidade só será resolvido nas suas causas quando os jovens de 19 anos de origem africana assaltarem as casa da Quinta do Lago ou fizerem um arrastão na praia do Ancão? (brinco? aconteceu em Washington, há uns anos, a criminalidade baixou drasticamente depois de um assalto com mortos no bairro mais chique).
E as estatisticas, tambem serão como nos transportes? os passageiros queixam-se, mas os gestores mostram estatísticas com  prémios de performance e de índices de satisfação...
Mas o DN também é sábio quando publica esta fotografia de uma manifestação de ciclistas no Chile para reivindicar proteção rodoviária:

Parece que a policia chilena parou a manifestação. 
Não é sábia, a policia, porque, mais do que proteger a nudez dos olhos púdicos, interessa mais reduzir a sinistralidade rodoviária, como dá conta o DN com a campanha da A-CAM (se beber, eu guio, diz a morte de foice e tudo). Apareceram logo virgens ofendidas ligadas à área a dizer que a campanha assim não faz efeito (então porque não fizeram já campanhas que fizessem efeito? de facto, as campanhas devem ser pela positiva, mostrando o comportamento correto, mas pôr a morte a conduzir, à Bergman, atinge alguma coisa, apesar dos mediterrânicos acharem que as desgraças só acontecem aos outros, especialmente quando estão alcoolizados).
E em Madrid também não foi sábia a policia que dispersou os "indignados".
Mais sábio será o cartaz nas costas de um deles: "nuestros sueños no caben en vuestras urnas" (o que obviamente não quer dizer que não se deva votar)
E também sábia a votação na Turquia: se têm dado ouvidos aos detratores de um dos partidos (que utilizou uma das sedes para encontros extra-conjugais), os eleitores teriam dado uma maioria de dois terços para mudar a constituição ao partido democrata-islâmico que ganhou (se existem partidos democráticos cristãos a ocidente, dá ideia que poderá haver partidos democratas islâmicos a oriente...). Não sei se seria bom, não sei se algumas das eleitoras do partido democrata-islâmico poderiam mais tarde tirar fotografias com o cabelo ao vento (e possivelmente acabariam de vez os tais encontros extra-conjugais). Votos de que o partido republicano, laico, herdeiro de Kemal Ataturk, continue a crescer, para que os cabelos continuem ao vento e, já agora, como se costuma dizer em português, que a autonomia curda também possa mostrar-se ao vento. 
Era bom para a União Europeia, eu penso que seria muito bom, e também para todo o médio-oriente (não acham a proposta de mediação do primeiro ministro turco oferecendo asilo político a Kadafi com mais juízo do que a intervenção militar da NATO na Líbia, depois do seu secretário geral dizer que não haveria solução militar?).

Mas há mais sabedoria no dia de Santo António: a dos exportadores de calçado português, a da diretiva da Soares da Costa de exportar serviços para os USA (assim se transforma um bem não transacionável em transacionável, queiram os senhores economistas fazer o favor de tomar boa nota), a do articulista Manuel Vaz da Silva que cita Krugman quando diz que o principal problema de Portugal é o desemprego e propõe como solução o aumento do emprego, do investimento (mesmo que aumente a divida porque trará retorno) , das desigualdades sociais que dão nos tiroteios de jovens de 19 anos que não assustam miudos de 9 anos porque já viram nos filmes, e da diminuição das taxas de juro dos nossos queridos amigos que nos levam taxas superiores às do FMI.
E finalmente, a sabedoria pela voz de Catherine Deneuve, pela mão do cronista Ferreira Fernandes: "Esforço-me por fazer bem as minhas coisas, porto-me bem, faço o que tenho de fazer".
Recordo o sargento da policia do filme de  Ingmar Bergman, pedindo ao trapezista para fazer os seus espetáculos, que se todos fizessem o que têm a fazer, em lugar de irem atrás de falsos profetas (será que o conceito de "marketing" desligado da moral já existiria nos tempos evangélicos?), o ovo da serpente não daria no que iria dar.

Santo António sábio...

Sem comentários:

Enviar um comentário