sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A bicicleta elétrica

Alcanço, numa estrada secundária perto de Lisboa, um grupo de ciclistas. Reduzo a velocidade e mantenho-me atrás deles. O terreno é plano. Seguimos a 35 km/h. Avalio, com elevado grau de subjetividade, claro, o esforço de um deles, pedalando com regularidade e algum empenho. Irá a desenvolver uma potencia de 200 W, cerca de 2/3 do esforço máximo contínuo.
A esta velocidade, percorre-se 1 km em aproximadamente 100 segundos.
O que quer dizer que a energia necessária para percorrer em bicicleta 1 km a 35 km/h é de cerca de 200x100 W.s, ou 20.000 J .
Passando para unidades mais utilizadas em cálculos de transportes, temos que, por ser 3.600.000 J = 1 kWh ,  aquela energia é de 20.000/3.600 = 5,5 Wh/km
Faço estas contas para avaliar como as bicicletas elétricas poderiam contribuir para a eficiência energética das deslocações numa área metropolitana.
Vamos então que precisamos, considerando uma folga, de 10 Wh por km para “puxar” pela bicicleta, isto é, que necessitamos de comer um hamburger para pedalar 6 km a 35 km/h em território plano.
Suponhamos que o percurso médio diário de um cidadão, entre uma estação de metro e o local de emprego ou de habitação, é de 10 km. Precisamos de 100 Wh por dia. Ou de 500 Wh por uma semana útil de 5 dias para percursos exclusivamente elétricos (obrigando a uma bateria de capacidade dupla, isto é, 1 kWh, uma vez que as baterias de lítio não devem ser totalmente descarregadas).
Substituindo o esforço humano por uma bateria acionando um pequeno motor elétrico, teremos uma bicicleta híbrida-elétrica. O motor aciona a roda dianteira, aliviando o esforço nos pedais, e os pedais a roda traseira. A força de travagem permitirá a recuperação da energia cinética recarregando a bateria através do funcionamento do motor como gerador. O comando do motor/gerador faz-se pelos pedais, dispensando modelos complicados de controladores com repartição do esforço pelo motor e pelos pedais.
Como é sempre necessário algum esforço físico, bastará a capacidade de 500 Wh, que é um valor normal nas bicicletas elétricas comercializadas.
Vamos agora invocar o modelo da repartição das deslocações numa área metropolitana pelos modos de transporte e imaginar (estamos no campo das hipóteses, continuamos a carecer de sondagens reais) que 5% da população ativa se deslocará diariamente segundo um dos seguintes esquemas:
- de bicicleta de casa à estação ferroviária mais próxima (exige “bicicletários” nas estações)
- de bicicleta de uma estação ferroviária até ao local de emprego (exige “bicicletários” nas estações)
- de carro até um parque de estacionamento e de bicicleta do parque de estacionamento ao local de emprego (bicicleta transportável no carro ou “bicicletário” no parque de estacionamento)
   Notar que o bicicletário, termo tomado ao metropolitano de S.Paulo é uma zona coberta integrada na estação com postos de carga para as baterias das bicicletas elétricas. Estas podem ser alugadas com cartão de débito ou de propriedade privada
Tomando o valor para as deslocações em automóvel individual na área metropolitana de Lisboa em:

e admitindo que 5% dos percursos correspondentes a essas deslocações passam a ser feitas em bicicleta elétrica, temos que esses percursos serão anualmente, em milhões de passageiros.km:

4.800 Mpass.km x 0,05 = 240 Mpass.km

Ora, no mesmo “post” fez-se o cálculo para o consumo específico de energia por km em transporte individual, incluindo os custos de energia desde o poço de extração e os de manutenção, de  0,41 kWh/pass.km.
Admitindo que o valor equivalente para a bibicleta elétrica seja de 0,02 kWh/pass.km, temos que a economia energética decorrente da transferência de 5% de percursos do transporte individual para a bicicleta elétrica será de:
 
    (0,41-0,02) x 240 = 95  milhões de kWh,  aproximadamente o consumo anual do metropolitano de Lisboa

Falta ainda considerar o diferencial das emissões de CO2. No caso do transporte individual temos cerca de 200 gCO/pass.km e no caso da bicicleta elétrica, considerando 300gCO2/kWh, teremos menos de 10gCO2/pass.km.
A poupança devida à transferencia de 5% do transporte individual para a bicicleta elétrica na emissão de CO2 será portanto:
    
      (200-10) x 240 = 45.600 toneladas de CO2


Individualmente, podemos estimar o consumo em 0,8 €/100 km, sendo 0,2 € para a energia e 0,6 € para a a bateria (duração 1000 ciclo ou 50.000 km, custo 300 €).

Estas considerações, aparentemente ligeiras, ao imaginar a transferência de 5% de percursos do transporte individual para a bicicleta elétrica, centram assim as hipóteses de investimento em modos complementares dos modos pesados em:

- parques de bicicletas elétricas, rearranjo das vias para proteção dos ciclistas, incluindo limitação da velocidade dos automóveis a 30 km/h nas zonas utilizadas por peões e ciclistas (implica o esforço de classificação de todas as vias de uma cidade em um de três tipos: via rápida sem acesso de peões ou ciclista 80 km/h fora das zonas de cruzamento; 50 km/h vias de uso intenso automóvel e acesso de peões e bicicletas apenas para travessias ou em passeios, sendo para as bicicletas nos passeios apenas pela mão; 30 km/h vias com acesso das bicicletas);
- sistemas automáticos “on-demand” em cabinas de 10 passageiros mono-carril em pequenos viadutos pre´-fabricados (assunto descrito já neste blogue em  http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=vectus   ).

Dadas as vantagens de economia de emissões de CO2, será legitimo financiar estes investimentos com taxas decorrentes das multas de estacionamento, das portagens de acesso automóvel às cidades, de uma parte do imposto sobre os combustiveis vendidos nos postos de abastecimento da região metropolitana e de uma taxa de carbono sobre todos os modos de transporte que emitam CO2 na área  metropolitana (incluindo o modo aéreo) e sobre a parte da energia elétrica fornecida à região com origem em combustíveis fósseis.

Mas, tal como os “posts” mais antigos deste blogue mostram, não haverá grande interesse em poupar na energia dos transportes, pela grande mudança de mentalidade e pela capacidade de organização que isso exigiria.
Melhor continuar na apagada e vil tristeza de que Camões falava, apesar de nunca ter estado num engarrafamento a queimar o precioso petróleo das proximidades de Ormuz.

Mais informação:




2 comentários:

  1. Já ouço os tambores cada vez mais perto....

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    1. E os tambores que ouve, serão do tempo de Camões, ou do nosso tempo? Parece-me escatológica, a preocupação com os tambores. Vai ver que as coisas se comporão. Pelo menos é o que se deduz da evolução do processo histórico.

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