quarta-feira, 12 de junho de 2013

O parque municipal de Montachique, o domingo e os passageiros.km

estacionamento no parque municipal de Montachique (câmara municipal de Loures) , estrada de Ribas, Fanhões,      38º 54' 2,32'' N       9º 10' 53,76'' W

Esta fotografia representa, para um técnico de transportes, o mesmo que uma análise ao sangue ou de urina para um médico.
Olha-se para o valor da glucose e pensa-se, mais de 130 mg/dl? e o colesterol mais de 220 mg/dl? temos de fazer qualquer coisa.
O ter de fazer é uma consequencia da deontologia médica, que ficar de braçs cruzados era violar o juramento de Hipócrates.
Olha-se para esta fotografia e pensa-se, deviamos fazer qualquer coisa.
Devia haver um juramento de Hipócrates para os técnicos de transportes.
Os carrinhos estão estacionados num parque municipal dos arredores de Lisboa.
Indiciam algum conforto na vida porque os seus possuidores têm dinheiro para a gasolina (ou gasóleo) para  deslocação desde o local da habitação.
À maneira de um problema de Fermi, direi que em média estão distantes de casa 10km.
Serão 200 carros que lá estão.
É domingo, os locais preparados para os churrascos estão cheios.


As pessoas alegres e contentes convivendo ao ar livre.
O parque municipal é aprazível, pese embora a evidencia de economias na manutenção dos equipamentos e da fraca operacionalidade do restaurante por falta de procura (os churrascos são self service).
Bonita a vista do cabeço de Montachique, o monte dos amantes como significa em árabe, restos de um pequeno vulcão da cintura de Lisboa, posto de observação da segunda linha das linhas defensivas de Torres do general Wellington, agora ornada com antenas de telemóveis e postos de vigilancia contra incendios.


Serão 3 pessoas por carro.
E portanto 12.000 passageiros.km, ida e volta.
Longe de  mim querer que todos fossem de autocarro a gasóleo.
Mais remota ainda a hipótese de irem de autocarro a gás natural, ou híbrido de baterias, ou simplesmente elétrico.
Ou até de automotora em via férrea, ou elétrico, tramway, no meio dos campos (como aliás é vulgar na Alemanha).
Nós portugueses não gostamos de pensar nessas coisas e ir de carro é muito mais prático.
Até porque o ISP dá muito jeito para a receita fiscal.
Mas 12.000 pass.km é capaz de ser qualquer coisa como 2,3 MWh de energia primária fóssil (ou 0,2 toneladas equivalentes de petróleo) e 0,5 toneladas de CO2 emitido, contas feitas  tambem à moda de um problema de Fermi, supondo uma taxa de ocupação de 60% (3 passageiros por automóvel).
Não virá grande mal ao mundo estarmos a gastar num domingo 0,2 tep para o justo descanso de quem trabalha. E 12.000 passageiros.km  são 4 minutos de produção do metropolitano de Lisboa.
Mas é a questão das análises médicas.
É justo comer uma entremeada e fumar durante o piquenique; mas e se o médico tinha pedido para que não se comesse tantas gorduras nem se fumasse? até onde se pode reprimir? quando há alimentos com menos gordura e menos açúcar, e outras fontes de produção de dopamina que não a nicotina?
É justo continuar a importar-se combustíveis fósseis quando existe ainda potencial eólico e hidráulico para produzir energia elétrica suscetivel de ser canalizada para a alimentação de ferrovias (comboios e metros  elétricos), para a carga de baterias de tração (autocarros elétricos) ou para a produção de hidrogénio (autocarros de pilha de combustível)?
Ora, ora, também não digo que vá tudo de autocarro (fretado, porque as carreiras estão a sofrer diminuição de procura) ou de metro (caro, instalar vias férreas), que aliás eram capazes de não evitar a deslocação de carro até à paragem de embarque.
Mas posso comparar, para os estimados leitores tirarem conclusões se dos 12.000 passageiros.km 40% fossem de carro e 60% de autocarro a gasóleo (vou tambem considerar uma taxa de ocupação, por ser domingo e viagem programada com grandes preocupações ambientais, de 60%), teriamos
                                     12.000 x 0,4 x 190 = 912.000 Wh
                                     12.000 x 0,6 x 94  =  676.800 Wh
______________________________________________
total de energia primária consumida         =    1,5888 MWh

Isto é, uma economia de 2,3 - 1,6 = 0,7 MWh    num domingo bem passado.

Para não falar em nas emissões de CO2 a menos  0,5 - 0,336= 0,164 tonCO2

Se conseguissemos pôr a circular autocarros elétricos, com origem em renováveis (que me perdoem os administradores das Endesas e das Fenosas) a economia seria maior (0,85 MWh e 0,2 tonCO2).

E se conseguissemos uma linha de tramway como se usa nos descampados dos países da Europa mais a norte do que a nossa península, teriamos uma economia de (0,95MWh e 0,22 tonCO2).

Mas como digo, longe de mim querer que as pessoas mudem assim, sem um plano calmamente progressivo de transição, num país em que os passageiros.km duma empresa de transporte coletivo diminuem quando a gasolina (e o gasóleo aumenta), coisa completamente difiernte do que se passa na California, em que os passageiros.km do BART de S.Francisco aumentam 10% quando a gasolina aumenta 10%.

Mas como disse, faço só estas contas à moda de Fermi como o médico que olha para a folhinha das análises e contabiliza o desperdício que se vai fazendo (no caso do médico o desperdício em dias de vida, no caso dos passageiros.km, em euros de despesa externa para importação de combustíveis fósseis).
Com a diferença de não haver o tal juramento de Hipócrates de que falei para os tecnicos de transportes. Os leitores mais curiosos podem ver o post de abril de 2012 sobre estes assuntos, neste blogue, com os valores específicos do consumo energético por modo de transporte,  em:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2012/04/comparacao-das-rodas-de-borracha-e-de.html







3 comentários:

  1. Caro tecnico de transportes

    Numa deslocação para assistir às marchas populares, entre Carnide e Avenida, eu a minha mulher e filha de 5 anos, gastámos cerca de 9 euros. Tivemos que comprar novos cartões (os que tinhamos, embora utilizados apenas numa viagem, já não estavam válidos e não podem ser trocados, o que me parece absurdo, para um utilizador ocasional).
    Conclui, que os mesmos 9 euros teriam permitido que me deslocasse no meu carro cerca de 100kms.

    Como vai o dito transporte de massas...

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    1. Caro comentador 1

      Obrigado pelo interessante exemplo do seu comentário. Mostra como o transporte público não é, neste momento, atrativo. Não deveria ser preciso comprar novos cartões. Infelizmente, o sistema de passes sem contacto e canais de acesso não é amigável. O sistema anterior de portas abertas, fiscalização aleatória e inquéritos periódicos para repartição de receitas era para mim preferível. Mas a pressão dos industriais para que se comprasse o sistema foi muito grande. Tecnologicamente é muito bom e permite estatísticas interessantes, mas não dispensa, como já está reconhecido, a fiscalização.
      Fará o favor de não levar a mal, mas já não concordo consigo que com 9€ faria 100km. Penso que só contabilizou o combustível. Se considerar a amortização (2250€/ano para uma utilização de 8 anos de um carro de 20.000 euros e valor residual de 2.000 euros, 15000 km/ano, e 1000€/ano de seguros, revisões, IUC, estacionamentos e portagens), temos que cada km lhe ficará por 0,30€ (30 centimos), ou seja, 9€ proporcionar-lhe-ão 30 km.
      Mesmo assim, é melhor do que a despesa para ver o desfile e não deixa de ser verdade que os ultimos aumentos dos transportes públicos foram inaceitáveis (aliás, não se sobem os preços quando há uma diminuição da procura). Algumas empresas de transportes arranjam parcerias com organizações de eventos e proporcionam descontos, há também casos de parcerias com parques de estacionamento (gerando duvidas sobre a repartição das receitas - esta deverá ser feita de forma diferente da atual, deverá ser feita com base em inquéritos e em função dos passageiros.km transportados por cada modo).

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    2. Caro comentador 2
      Sobre este assunto, poderá dizer-se que, paradoxalmente, e apesar do preço do combustível, em paridade de poder de compra ser muito elevado comparado com os países estrangeiros, é previsível que ele suba cada vez mais. De facto os custos de extração do petróleo sobem (é cada vez mais difícil atingi-lo) e alguns dos principais poços da Arábia estão a produzir cada vez menos. Não esquecer que os preços internacionais são mantidos artificialmente e que o custo do petróleo se dilui em toda a economia fazendo parecer erradamente que a sua subida pouco influi na economia. Neste aspeto, poderá dizer-se que o preço da gasolina e do gasóleo é financiado pela economia, até porque não é paga a famosa taxa do carbono, para compensar os prejuízos ambientais (alterações climáticas pelo aumento das emissões de CO2).
      Por outro lado, os governos portugueses desde há muito que consideram o seu consumo como uma galinha de ovos de ouro para equilibrar as receitas fiscais.
      O desenvolvimento dos transportes públicos diminuiria as receitas fiscais do ISP (cerca de 25% da receita fiscal).
      Porém, a importação leva à saída de divisas e ao aumento da dívida externa, o que é incomportável. Como o transporte individual, apesar dos progressos tecnológicos recentes, é menos eficiente do ponto de vista energético (mais uma vez se manifesta aqui o artificialismo dos preços) do que o transporte ferroviário ou rodoviário coletivo (desde que os veículos não andem vazios, claro), seá fatal desenvolver a atratividade do transporte coletivo.
      Isso só se consegue com os tais fundos comunitários QREN ou Horizonte 2020, os quais o atual governo não quer utilizar para o efeito, com um plano de estímulos ao aumento do emprego e com um novo modelo de financiamento do transporte público, nomeadamente através de:
      - desvio de parte das portagens de acesso às cidades para esse financiamento
      - desvio de parte das multas de estacionamento (requer maior fiscalização)
      - desvio de parte do ISP
      - taxa sobre as vendas de gasolina e gasóleo a liquidar pelas gasolineiras
      - introdução da taxa do carbono proporcional às emissões de CO2 (já em vigor em países europeus taxando os percursos em autoestradas ou estradas principais)
      - desvio de parte do IMI dos edifícios melhor servidos pelo transporte público
      - contribuição das empresas para o transporte dos seus empregados na rede de transportes públicos (o famoso “versement”) ou equivalente através do pagamento de passes

      Por último, espero que tenha sido agradável o espetáculo.
      Cumprimentos

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