domingo, 30 de junho de 2013

A segurança rodoviária vista do Metro


O título pode parecer estranho. Que tem a segurança rodoviária que ver com o metropolitano? A cultura em Portugal assenta no conceito de compartimentação que, em ultima análise, radica na especialização de áreas do cérebro.
Porém, o que distingue o cérebro da espécie humana das outras espécies, e até mesmo dos seus antecessores Cromagnons, é a facilidade de comunicação entre os hemisférios cerebrais e a capacidade de desempenho da função vicariante quando alguns centros especializados do cérebro são danificados.
Quer isto dizer que uma maior comunicação entre áreas aparentemente distintas representa sempre um estádio superior de organização (sem de qualquer maneira pretender insinuar que quem não concordar comigo seja vítima de qualquer limitação).
Donde, poderemos colocar a hipótese de que o desenvolvimento dos transportes colectivos corresponderá a um aumento da segurança rodoviária (quanto mais não seja pela redução dos fluxos de tráfego rodoviário), além de que a exportação para a rodovia dos critérios de segurança usados na ferrovia só poderá ser útil à comunidade, pese embora a consequente redução dos tempos de percurso e dos caudais de tráfego.
Tudo isto a propósito de recente viagem de regresso a Lisboa, pela A1, num domingo à tarde.
As 3 vias de transito da auto estrada (antigamente o Código da Estrada chamava-lhes faixas de rodagem) eram percorridas a velocidades médias da ordem de 140 km/h (i.é, cerca de 20m/s) por grupos ou trens de automóveis de grande densidade, que o mesmo é dizer que as 3 vias se encontravam cheias e o intervalo entre automóveis era claramente inferior a 2 segundos . Este é o  intervalo de tempo necessário para que, considerando o tempo de reacção expectável dos condutores menos rápidos a reagir, a travagem de qualquer automóvel, por motivo da desaceleração do carro que o precede, seja feita sem  ter de recorrer a uma taxa de desaceleração maior pelo facto de se ter aproximado demais durante o tempo de reacção e consequente efeito em cadeia perturbador. Como se sabe, o critério de segurança na ferrovia é um pouco mais apertado (considera a distancia de travagem até à posição do veículo da frente ou seu cantão, e não até ao ponto ocupado pela sua traseira após a sua desaceleração ).  Como sempre acontece nestas circunstancias, eram frequentes as mudanças de via por condutores insatisfeitos com a velocidade de 20m/s, o que vinha agravar as condições de segurança, comprometendo até o critério do intervalo de segurança de 2 segundos (correspondente para esta média a 40 metros percorridos sem que um condutor padrão se aperceba que o carro da frente abrandou).
Porque nos deslocamos assim em grupo violando racionalmente as leis da segurança?
Não é porque sejamos irracionais, sôfregos na condução ou mal formados.
Simplesmente porque algures nos nossos cérebros estão os mecanismos que foram  deixados nos neurónios pelos mesmíssimos genes que comandam o comportamento em grupo (cardume, rebanho, manada, bando de pássaros) dos animais que utilizam as técnicas de deslocação em grupo para resistir aos predadores.
Os periféricos visuais dos peixes e dos pássaros, quando se deslocam em grupo, estão constantemente a monitorizar a posição do indivíduo à frente, ao lado e atrás. E é a reacção do indivíduo mais próximo do predador que comanda a reacção dos outros indivíduos. É uma gestão colectiva dos riscos e da mobilidade. Não há condutores iluminados de multidões que assumam as decisões sobre os movimentos, nem grupos organizados de enquadramento do colectivo. O lugar de qualquer vítima dos predadores é imediatamente reconstituído pelo critério de monitorização mútua.
Dir-se-á que esta gestão é uma forma superior, encontrada pela evolução das espécies para reagir aos ataques  (é curioso verificar no software da lógica de segurança que controla os itinerários dos comboios  a existência desta função de monitorização mútua entre componentes dos sistemas, com alguma função vicariante em caso de avaria).
Ficará por avaliar a hipótese de resposta à questão: até que ponto será uma forma superior  a organização  dos carnívoros que tiveram de desenvolver a sua eficiência muscular, de modo que a energia que têm de dispender seja sempre inferior à obtida com predação? Dito de outra forma: estão os carnívoros condenados a caçar para não morrer, e por isso não só têm de competir em velocidade com os herbívoros , como têm de ter maior força muscular e são normalmente obrigados a caçar em grupo (os documentários do National Geographic ou do Odisseia raramente  mostram, mas já o fizeram, cenas em que o coice dum búfalo mata uma leoa, e digo leoa porque a evolução das espécies determinou que fossem as leoas a caçar em grupo, coordenadas à distancia por um leão).
É verdade que há predadores solitários. O tubarão , por exemplo, uma verdadeira obra de arte de engenharia de detecção à distancia e também de força muscular e de mobilidade ao nível da boca e dentes (rotáveis).
Mas o habitat em que os tubarões se desenvolvem não é o mesmo dos carnívoros como as hienas, que têm mesmo de se organizar em grupo, por falta de outros atributos, força muscular, por exemplo. Por isso, um grupo de hienas tem de se subdividir em sub-grupos, abordar em pontos e alturas distintas toda a estrutura da manada e, persistentemente, flagelar os flancos, infiltrar-se , manter a ligação, como se houvesse correias de transmissão, entre os sub-grupos já no meio da manada, e os que estão fora. A manada continua a correr e vai sacrificando os mais velhos e os mais fracos.  Porém a força do número, pelo menos enquanto a evolução das espécies não inventar bactérias e vírus que massacrem de forma mais eficaz os herbívoros, permitirá que as manadas continuem o seu curso.
Não quero com isto dizer que os condutores das auto-estradas são uma manada, sujeita aos ataques dos predadores tipo hiena  que fazem condução perigosa e provocam acidentes com prejuízo para toda a comunidade.
Quero apenas chamar a atenção para a necessidade de manter o objectivo de chegar em segurança e garantir o respeito pelas normas de segurança de qualquer meio ou sistema de transporte.

E isso não tem mesmo que ver com o Metro?

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