domingo, 31 de julho de 2022

Mensagem enviada ao presidente da Câmara de Beja a propósito do aeroporto de Beja

 Caro Presidente


Escrevo-lhe na qualidade de técnico de transportes, embora na situação de reformado, tendo ficado muito bem impressionado ao ler o texto da moção da Assembleia Municipal do seu município sobre o recurso ao aeroporto de Beja para apoio ao AHD, e ainda porque um colega mais antigo do que eu me pediu para insistir junto de V.Exa (e que apesar da idade mantem tanto o entusiasmo e as ilusões juvenis que até crê que fabricantes de transporte mais rápido como o maglev de sustentação magnética ou o hyperloop em cápsulas entubadas poderiam usar a ligação aeroporto de Beja-Lisboa como realização experimental  e demonstração universal) . Igualmente as referências que encontro na imprensa local e na internet relativamente à sua intervenção comprovam que tem uma visão correta e sem ilusões das potencialidades do aeroporto.

Existem de facto potencialidades de concretização dependente da capacidade de planeamento integrado do governo central e das autarquias e associações empresariais e civis da região (insuficiências dessa capacidade de planeamento  que infelizmente no nosso país se sobrepõem com agravantes às dificuldades de financiamento), desde o estacionamento de aeronaves, à utilização por jatos privados, à recuperação de peças, à instalação de oficinas, da TAP ou das OGMA, à promoção do turismo e da exportação de bens perecíveis, ao desenvolvimento da base aérea.

Sobre as dificuldades de financiamento, convirá esclarecer que os fundos comunitários não financiam aeroportos, mas, pelo contrário, financiam as ligações ferroviárias aos aeroportos (e um aeroporto de apoio, ao reduzir os congestionamentos no aeroporto principal, é uma mais valia ambiental), pelo que é a falta de planeamento e de decisão de elaborar os projetos que explicam o imobilismo.

Em artigo publicado em 4 de julho no Novo Sol     https://sol.sapo.pt/artigo/775308/congestionamento-aereo-da-capital-a-hipotese-beja     tive oportunidade de estimar os meios necessários e os tempos de ligação a Lisboa, com a situação atual e em 3 fases de melhoramento progressivo, e é apenas neste aspeto, mais ligado à minha passada atividade profissional que venho expor-lhe as minhas conclusões.
Em síntese, poderá dizer-se que a razão por que as companhias e a ANA não estão interessadas no aeroporto de Beja não é a distância em km a Lisboa e a Faro, é sim o estado de abandono a que a região de Beja foi votada em termos de acessibilidades tanto rodo como ferroviárias. Faltam cerca de 45 km de autoestrada para ligação de Beja à A2 e a ligação ferroviária de Beja a Casa Branca (onde entronca na ligação eletrificada Évora-Lisboa) não está eletrificada nem equipada com sistema de sinalização e controle de velocidade, além de serem gritantes as carências de material circulante. 
Por isso não é possível garantir uma ligação entre o aeroporto de Beja e Lisboa de menos de 2 h 30min em ferrovia e 2h15min em autocarro. Não há fundos comunitários para autoestradas, mas há-os para a ferrovia, pelo que não há desculpa para não preparar os projetos de renovação da linha férrea tendo como objetivo o cumprimento do regulamento da CE 1315/2013 na componente rede "comprehensive" que propõe para 2050 a ligação Lisboa-Beja -Faro-Huelva em linha de alta velocidade interoperável (250 km/h - 25 kV - ERTMS/2 - bitola UIC).

Na impossibilidade de assegurar imediatamente uma ligação rápida a Lisboa e Faro, parecerá que a reivindicação deverá ser, sem falsas expetativas ou exageros, a de estabelecer um plano faseado de progressivo aumento da capacidade de apoio do aeroporto de Beja ao AHD (por exemplo, subida de 300 para 2500 passageiros por hora, cerca de 1/3 da capacidade atual do AHD) não apenas na vertente do aeroporto e aerogare mas também das acessibilidades.
Considerando a atual capacidade estimada do aeroporto de Beja para atender 250 a 300 passageiros por hora, poderá suportar num período diário de 10 horas (para não exigir um quadro de pessoal intenso) um tráfego de cerca de 15 aviões (partidas e chegadas) e 3.000 passageiros por dia, ou cerca de 1 milhão de passageiros por ano.

Atualmente o aeroporto  AHD admite 35 a 40 movimentos por hora (30 milhões de passageiros por ano, embora não esteja a atingir estes valores de momento), pelo que num período de 10 horas teremos cerca de 350 a 400 aviões ou 70.000 a 80.000 passageiros por dia. Portanto, nas condições atuais, o aeroporto de Beja poderá atender, havendo excesso de afluência no AHD, cerca de 4% .
Não será um valor muito importante, mas não é de desprezar na ótica da região, além de que por fases sucessivas, com  correto planeamento, e  com investimentos independentes do aeroporto, será possível aumentar essa quota.
Infelizmente, mesmo os 300 passageiros por hora só poderão ser atingidos se a ANA, de colaboração com as companhias aéreas e com acompanhamento da ANAC (enquanto reguladora), e a CP providenciarem respetivamente a programação com antecedência dos voos para Beja (de modo a, numa ótica "low cost", vender-se com antecedência a viagem por avião para Beja e comboio para Lisboa com redução das taxas e das tarifas) e a aquisição do material circulante necessário para o transporte para Lisboa.

Supondo que nas 10 horas mais carregadas se pretende aterrar em Lisboa 15 aviões por hora que desembarquem 3000 passageiros por hora, admitamos que desviamos 10% do tráfego para o aeroporto de Beja, isto é, 300 passageiros por hora durante 10 horas.  

Numa imaginada fase 0 correspondente à situação atual, a viagem por comboio de Beja a Lisboa-Entrecampos demora cerca de 2h05, com transbordo em Casa Branca porque a linha desta para Beja não está eletrificada, o que obriga os passageiros a mudar para o Intercidades Évora-Lisboa. Teríamos ainda de contar com 25 minutos para a viagem de autocarro entre o aeroporto de Beja e a estação de Beja (cerca de 10 km), o que dá para a viagem aeroporto de Beja- Lisboa Entrecampos 2h30. 

Não é famoso, mas as companhias "low cost" saberiam compensar os seus passageiros com descontos atrativos e a ANA/Vinci saberia aplicar taxas também atrativas (considerar o potencial turístico do Alqueva e da zona envolvente).  

Considerando composições para 300 passageiros, com 4 carruagens, teríamos 1 composição por hora durante as 10 horas referidas. Admitindo uma ida e volta em 6 horas (para este cálculo em vez dos dois comboios e do transbordo pode considerar-se um comboio único) e um intervalo entre partidas de 1 hora necessitaríamos de 6 composições funcionando 10 horas (nº de comboios=tempo de ida e volta/intervalo entre comboios). E aqui reside o principal problema da fase zero, não sabemos, nem parece provável, que a CP possa disponibilizar esse material circulante nem as respetivas tripulações. 


Uma alternativa seria o autocarro, 45 minutos até às portagens de Grândola da A2 (37km de estrada até ao troço de autoestrada  de 11 km de ligação à A2) mais 1h30m até Lisboa, ou 2h15m. A alternativa para Faro seria 45 minutos até à A2 mais 1h40m até Faro, ou 2h25m. Para o serviço aeroporto de Beja-Lisboa teriam de ser 300/50=6 autocarros por hora ou 36 autocarros no total durante 10 horas. 

Outra hipótese seria a ligação em autocarro do aeroporto até à estação de Canal Caveira a reativar (mais 8 km até Canal Caveira relativamente à anterior, ou cerca de 55 minutos) e aqui ligação ao comboio para Faro (mais 2h20min, total aeroporto-Faro 3h15min), ou 2h05 para Lisboa Entrecampos. 


O prolongamento da autoestrada para Beja, já executada até 11 km das portagens de Grândola da A2, faltando 37 km até ao aeroporto antes de Beja (100 milhões de euros?) reduziria para 2h05m e 33 autocarros para Lisboa, ou 2h15m para Faro, mas não deveremos esquecer as respetivas emissões e o congestionamento rodoviário.   

  

Em resumo, se a CP e as operadoras rodoviárias dispuserem de material circulante e da respetiva tripulação, poderão absorver-se excessos de afluência no AHD da ordem dos 10% (para o tráfego atual) através do aeroporto de Beja. Será então essencial as entidades da região de Beja pressionarem a CP, a IP e as rodoviárias, para além da ANA e da ANAC e as "low cost", com vista à obtenção das condições de exploração do aeroporto de Beja como apoio ao AHD.

 

Se entretanto as obras do novo aeroporto ou do aeroporto complementar também se atrasarem, até porque terão de ser complementadas com as acessibilidades ferroviárias e rodoviárias, poderá pensar-se numa fase 1 de apoio pelo aeroporto de Beja: construção de um troço de 14 km de linha nova em via única entre um ponto a 1 km a norte da estação de Beja e o aeroporto de Beja e entre este e um ponto 8 km mais a norte da linha existente para Casa Branca: estimativa 60 milhões de euros, tempo de construção 1 ano, o que permitiria reduzir a ligação a Lisboa a 2h10m, assim se dispusesse do material circulante (alternativa: ramal de 6,5 km entre um ponto a 3 km a norte da estação de Beja e o aeroporto com inversão neste). 

 

Mantendo-se a falta de novo aeroporto ou complementar, a fase 2 consistiria da construção de 60 km de linha nova em via dupla eletrificada de Beja-Aeroporto-Casa Branca: estimativa 500 milhões de euros, tempo de construção 2 anos e redução para 1h40m (a ligação atual de 110 km entre Casa Branca e Entrecampos, pela linha eletrificada de Évora, faz-se em 1h10m). 

 

Mantendo-se a falta, a fase 3 consistiria na construção de 70 km de linha nova em via dupla eletrificada, com parâmetros de Alta Velocidade, de Casa Branca a Pinhal Novo: estimativa 600 milhões de euros, tempo de construção 2 anos e redução para 1h10m entre o aeroporto de Beja e Entrecampos, embora esse valor possa ser inviabilizado pela saturação da travessia pela ponte 25 de abril. 


Se quisermos pensar numa fase 4 ela incluiria a construção da terceira travessia do Tejo que é requerida pela ligação ferroviária em alta velocidade Lisboa-Évora-Badajoz-Madrid, para passageiros e mercadorias, pela rede suburbana ferroviária da área metropolitana de Lisboa, e pela ligação ao novo aeroporto de substituição do AHD, eliminando-se os constrangimentos da saturação da ponte 25 de abril e possibilitando o trajeto aeroporto de Beja-Gare do Orienta em 1h00. Admitindo o recurso a túnel por secções pré-fabricadas imediatamente a norte da ponte Vasco da Gama (cerca de 20 km de túnel duplo a 150 milhões de euros por km mais 20 km de ligação à linha de Alta Velocidade Lisboa-Madrid a 15 milhões por km teríamos 3.300 milhões de euros a repartir  pela linha Lisboa-Madrid de passageiros e mercadorias, pela rede suburbana da AML e pelo novo aeroporto).

 

Tudo isto são estimativas que serão contrariadas pelas dificuldades financeiras, apesar das verbas comunitárias do PRR e dos planos de apoio à descarbonização, e das dificuldades de planeamento e da falta de hábitos de análise dos problemas, de trabalho em equipa e de convergência de esforços.  



Em conclusão, apoia-se a recente proposta de dois ex-autarcas da região    https://www.publico.pt/2022/07/29/opiniao/opiniao/aeroporto-beja-juntemse-porra-2014225    propondo a convergência de esforços de entidades publicas, privadas e da sociedade civil da região no sentido do desenvolvimento da utilização do aeroporto de Beja, pressionando a ANA, a ANAC, as "low cost", com o necessário guarnecimento de pessoal e eventual ampliação da aerogare, a CP, a IP, as operadoras rodoviárias, incluindo imediatamente o projeto seguido de execução faseada das acessibilidades rodoviárias e ferroviárias, estas integradas no planeamento do regulamento  CE 1315/2013 como peça central na reivindicação que se considera suprarregional.

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