quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Sobre o prolongamento da linha vermelha de S.Sebastião a Alcântara, em agostode 2022

 

Em 26 de maio de 2022 o metropolitano e a APA promoveram uma sessão dita de esclarecimento sobre o prolongamento de S.Sebastião a Alcântara, terminando o período de consulta pública em 2 de junho. Seguiram-se depois em junho e julho sessões nas juntas de freguesia envolvidas para informações aos moradores. Provavelmente já se escoaram os 100 dias do prazo para o deferimento tácito do EIA, após receção deste pela APA, aguardando-se a DIA  e o RECAPE.

Esta prática, de decidir sem debate público e colocação dos cidadãos perante factos consumados, com a desculpa de que se perdem fundos comunitários se não for aprovada a proposta, contradiz claramente o artigo 65.5 da constituição, quando garante aos cidadãos a possibilidade de participar nos processos de decisão relativos ao ordenamento do território. Por outro lado, os fundos do PRR podem ser desviados para outros investimentos, desde que os prazos possam ser cumpridos. Infelizmente, não estão elaborados os projetos e as análises de custos benefícios que poderiam ser subsidiados com esses fundos, como , por exemplo, as ligações ferroviárias interoperáveis com a Europa do regulamento 1315/2013.

No parecer com que participei na consulta pública             (https://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/05/parecer-na-consulta-publica-ate.html  ),  listei o que considero erros técnicos do ponto de vista da engenharia de manutenção e de operação de redes de metro, nomeadamente:

i)                 quanto ao traçado sinuoso, com  curvas de raio de 250m indutoras de desgaste do material circulante e da via, e de consumo adicional de energia ( ver https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewBr594Cr-aMNJCks )

ii)                por não ter sido estudada a ligação à estação Alcântara Mar da linha de Cascais, com eventualmente menores impactos no edificado,

iii)              por não estarem orçamentadas as alterações urbanísticas consequência da escolha de inserir a estação de metro de Alcântara no acesso à ponte,

iv)              nem as ligações hectométricas entre esta e a estação de Alcântara Mar da linha de Cascais,

v)                por não ser recomendável ligar a linha de Cascais a uma já saturada linha de cintura, mesmo depois de quadruplicado o troço Areeiro-Braço de Prata.

Apesar destas discordâncias, manifestei a esperança de que alterando o metro os procedimentos e dinamizando um processo aberto à colaboração cívica de correção dos  erros e deficiências do projeto, seria possível, nomeadamente na correção dos demasiadamente pequenos raios de curvas, melhorá-lo em tempo útil de modo a aproveitar os fundos do PRR.

Infelizmente, nada no comportamento do metro e da sua tutela parece querer mudar os factos consumados, esperando-se assim a aprovação pela APA do estudo de impacto ambiental (observo que as razões técnicas do ponto de vista da engenharia de manutenção e operação são consideradas pela APA como irrelevantes o que limita a qualidade da avaliação).

Das notícias que entretanto têm circulado, incluindo por movimentos de cidadãos, há duas críticas principais que estes apresentam:

i)                 as perturbações causadas ao jardim da Parada em Campo de Ourique;

ii)                as perturbações  causadas ao baluarte do Livramento e construções nele inseridas ou vizinhas.  

Jardim da Parada

Sobre o primeiro ponto, como antigo técnico do metropolitano, tenho confiança que as medidas descritas no estudo de impacto ambiental e a incluir no caderno de encargos não afetariam significativamente o jardim da Parada se a fiscalização fosse rigorosa. Porém, como tantos lisboetas, devo ao jardim da Parada momentos de grande prazer. Por isso, também eu dispenso os esforços de minimização da perturbação do jardim e proponho a construção da estação noutro local. Se alguma coisa vale a experiência que tive nas obras do metro, não é aceitável a desculpa que não se pode fazer a estação nos terrenos do quartel por causa do aqueduto da Ferreira Borges. Este está à cota aproximada de 80 e o teto da estação cerca de 70 podendo ser rebaixado, como foi estudado há uns anos para uma possível estação de Campolide junto do depósito de água, viabilizando até a visita aos vestígios arqueológicos.

Quando ainda estava ao serviço, o traçado estudado no metro previa uma estação em Campolide, junto ao fim da Rua Artilharia Um, prosseguindo depois, de modo a não ter uma curva apertada, pelo lado poente  do centro comercial das Amoreiras e reservatório da EPAL. Não se encontra no EIA referência a esta alternativa, tirando uma breve nota na página 294 do Relatório Síntese do EIA dizendo que o projeto da estação Campolide foi abandonado mas que incluía a possibilidade de dar destaque á estrutura enterrada do ramal do aqueduto de modo a ficar patente ao público. Isto é, é o próprio EIA que reconhece (páginas 534, 611 e 670) que a presença do aqueduto é compatível com a proximidade ou atravessamento pelo metro com a profundidade correta ganhando ainda a acessibilidade pelo público ao usufruto da sua observação, como aliás já se tem praticado em Portugal e é corrente nos trabalhos arqueológicos por esse mundo fora. Na página 606 do Relatório Síntese, encontra-se a informação de que junto do quartel de Campo de Ourique (km1400) o traçado se encontra a cerca de 26 m de profundidade relativamente ao ramal do aqueduto.

 

O presidente da junta de Campo de Ourique, relativamente à alternativa pelo quartel de Campolide que reduziria a sinuosidade do traçado, aceitou acriticamente a informação do metro de que  “dificuldades de engenharia tornariam em alguns locais  a obra impossível” e que “não seria possível concluir os trabalhos em tempo útil”, pela urgências do PRR. É uma desculpa recorrente. Os fundos comunitários podem ser, desde que atempadamente, redirecionados para outros investimentos; reconhecer a sua impossibilidade seria reconhecer a incapacidade de planear e programar o conjunto dos investimentos e seria justificar um erro com a comodidade de dispor de um financiamento. Quanto à questão da compatibilidade do aqueduto na Ferreira Borges com o traçado do metro, se é verdade que o metro transmitiu ao presidente da junta de freguesia que a obra seria “impossível”, tratar-se-á de uma falta grave de quem prestou essa informação.

Em resumo, não parece haver razões técnicas que obriguem a que o local da estação, ou o poço de ataque e o de ventilação sejam no Jardim da Parada (aliás o método construtivo TBM não selecionado facilitaria a construção do túnel). Nos termos do artigo 65.5 da constituição, caberá aos cidadãos moradores definir o local da estação de Campo de Ourique e ao metro e seus consultores viabilizá-lo.

 

Baluarte do Livramento

 

A alternativa viaduto sobre o vale de Alcântara  a norte da estação de Alcântara Terra é superior à proposta do metro e menos intrusiva, tal como a ligação a Alcântara Mar.

Reitero a crítica do EIA não demonstrar por que foram rejeitadas as alternativas a norte de Alcântara Terra e a de ligação a Alcântara Mar em viaduto.

Mantem-se a necessidade de analisar corretamente todo o ordenamento do nó de Alcântara, libertando-o da submissão obrigatória ao imobiliário e às suas rendas, o que só por si, justificaria o abandono do prazo de execução no âmbito do PRR, mas isso é uma decisão política em que os decisores reconheceriam a sua incompetência no planeamento. 

Relativamente ao baluarte (recordo o que aconteceu ao baluarte de Santa Apolónia, vítima de um bloco de 12 andares e perdida completamente a guarita) se o caderno de encargos incluir os cuidados a ter na obra, na desmontagem das pedras e na remontagem, com  monitorização contínua, se o empreiteiro e a fiscalização cumprirem o caderno de encargos, eventuais danos serão contidos, mesmo que num caso ou noutro não seja possível repor exatamente as pedras constituintes.

O que escrevi sobre a  colina da Estrela, aplica-se mutatis mutandis ao baluarte e aos edificios adjacentes. Se o EIA for cumprido nos contratos, o baluarte será reposto mas alguns edificios serão inutilizados ou destruídos (segundo informação na sessão de esclarecimento de 26 de maio, a reposição dos atuais edifícios no recinto do baluarte dependerá de autorização da CML). Utilizando outro traçado também teremos edifícios destruídos, porque por razões energéticas a linha de metro deve atravessar o vale de Alcântara em viaduto evitando os desníveis e ainda os custos da construção sob o caneiro de Alcântara, mas a afetação do edificado será em menor grau.

Reconheço que há impacto visual nas alternativas propostas, mas esse é consequência  do desprezo a que durante anos foi votada a organização do território em Alcântara, de que o exemplo mais gritante é a construção do hospital da CUF, no terreno vendido pela CML em circunstancias ainda não completamente esclarecidas por 20 milhões de euros num local vocacionado para interface de transportes. Igualmente o apetite imobiliário a poente da rua de Cascais dificulta o estabelecimento de redes de transporte de construção económica, acrescendo a necessidade de transportar os contentores do terminal e de repor a ligação mecânica hectométrica entre as estações de Alcântara Terra e Alcântara Mar e ainda à futura estação do Alvito da IP. É por isso desejável a atualização do PUA (e do plano de pormenor das Amoreiras).

 

Alternativas à localização da estação Alcântara do metro

 

Sobre as questões técnicas que referi na minha participação na consulta, interessará  que, para além dos impactos em vários edifícios em Alcântara (o traçado para Alcântara Mar teria menos impactos por passar sob a Praça da Armada) o projeto da estação Alcântara Terra do metro, a não ser esta recuada para junto da estação atual da IP, obrigará à supressão de vias de acesso à ponte. Igualmente interessará referir que o projeto do metro implica profundas remodelações na estrutura viária do bairro do Alvito que não estão previstas e portanto não orçamentadas na empreitada.

Logo nas primeiras páginas o EIA diz que descartaram os traçados para Alcântara Mar e o traçado a norte da estação Alcântara Terra (viaduto por cima mais ou menos da quinta do Cabrinha, o que terá menos impacto no edificado), mas como habitualmente não o justificam.

Por outro lado  existe otimismo no impacto da projetada estação de metro que se insere na rampa de acesso à ponte. Com 21m de largura da estação, o impacto no edificado e nas rodovias é mais grave do que o que é dado a entender (porque implica uma profunda reformulação do esquema viário do bairro da rua do Alvito que não está orçamentado), para além do aspeto estético (como opinião pessoal e subjetiva,  não aprecio uma estética de barracão armazém de estação de caminho de ferro do século XIX).  Do ponto de vista técnico, a ideia do LIOS não é satisfatória porque se trata de uma linha de elétrico (tramway) com a velocidade comercial necessariamente mais baixa do que o prolongamento da linha vermelha para Algés-Jamor. É o valor do tempo dos passageiros poupado que justifica os custos da solução metro.

 

Nas seguintes figuras compara-se a proposta oficial do traçado em Alcântara do metropolitano com duas hipóteses. Anoto que nas figuras 2 (estação de Alcântara do metro a norte da estação de Alcântara Terra) e 3.2 (ligação subterrânea de mercadorias a nascente do caneiro de Alcântara) foram utilizadas sugestões do eng.Pompeu Santos (ver parecer na consulta pública  https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewBvhT0hQP0ZmKAso  ).

As hipóteses propostas nas figuras 2, 3.1 e 3.2, têm menores impactos no edificado e nas rodovias e seria desejável  que fossem estudadas. Além de que não são conhecidas análises de custos benefícios (não foram divulgadas se foram feitas) que levem a aceitar com rigor a proposta oficial do metropolitano como tecnicamente superior:

1 – proposta oficial do metropolitano



2 – estação de Alcântara do metro em viaduto sobre o lado norte da estação Alcântara Terra da CP

 

 

3 - estação de Alcântara do metro em viaduto sobre a estação Alcântara Mar da linha de Cascais

3.1 – ligação do terminal de contentores a Alcântara Terra em viaduto



3.2 - ligação do terminal de contentores a Alcântara Terra em túnel a nascente do caneiro de Alcântara


Finalmente, sendo quase certo que a linha circular vai mesmo concluir-se, deixa-se registada uma hipótese a encarar no futuro para correção do seu traçado que resolveria melhor o problema da ligação à zona ocidental da cidade, mantendo a ligação Cais do Sodré-Estrela, mas fazendo o término nesta estação. A linha circular seria cortada a poente da Estrela e prolongada a linha amarela do Rato para Alcântara Terra e Algés/Jamor (solução idêntica quando se desfez a ligação Restauradores-Rossio em 1998 abrindo a linha em “U” e  criando a linha verde para Cais do Sodré e a linha azul para Terreiro do Paço):



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