Em 26 de maio de 2022 o metropolitano
e a APA promoveram uma sessão dita de esclarecimento sobre o prolongamento de
S.Sebastião a Alcântara, terminando o período de consulta pública em 2 de
junho. Seguiram-se depois em junho e julho sessões nas juntas de freguesia
envolvidas para informações aos moradores. Provavelmente já se escoaram os 100 dias do prazo para o deferimento tácito do EIA, após receção deste pela APA, aguardando-se a DIA e o RECAPE.
Esta prática, de decidir sem
debate público e colocação dos cidadãos perante factos consumados, com a
desculpa de que se perdem fundos comunitários se não for aprovada a proposta,
contradiz claramente o artigo 65.5 da constituição, quando garante aos cidadãos
a possibilidade de participar nos processos de decisão relativos ao ordenamento
do território. Por outro lado, os fundos do PRR podem ser desviados para outros
investimentos, desde que os prazos possam ser cumpridos. Infelizmente, não
estão elaborados os projetos e as análises de custos benefícios que poderiam
ser subsidiados com esses fundos, como , por exemplo, as ligações ferroviárias
interoperáveis com a Europa do regulamento 1315/2013.
No parecer com que participei na
consulta pública (https://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/05/parecer-na-consulta-publica-ate.html ), listei o que considero erros técnicos do ponto
de vista da engenharia de manutenção e de operação de redes de metro,
nomeadamente:
i)
quanto ao traçado sinuoso, com curvas de raio de 250m indutoras de desgaste
do material circulante e da via, e de consumo adicional de energia ( ver https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewBr594Cr-aMNJCks
)
ii)
por não ter sido estudada a ligação à estação
Alcântara Mar da linha de Cascais, com eventualmente menores impactos no
edificado,
iii)
por não estarem orçamentadas as alterações
urbanísticas consequência da escolha de inserir a estação de metro de Alcântara
no acesso à ponte,
iv)
nem as ligações hectométricas entre esta e a
estação de Alcântara Mar da linha de Cascais,
v)
por não ser recomendável ligar a linha de
Cascais a uma já saturada linha de cintura, mesmo depois de quadruplicado o
troço Areeiro-Braço de Prata.
Apesar destas discordâncias,
manifestei a esperança de que alterando o metro os procedimentos e dinamizando
um processo aberto à colaboração cívica de correção dos erros e deficiências do projeto, seria
possível, nomeadamente na correção dos demasiadamente pequenos raios de curvas,
melhorá-lo em tempo útil de modo a aproveitar os fundos do PRR.
Infelizmente, nada no
comportamento do metro e da sua tutela parece querer mudar os factos consumados,
esperando-se assim a aprovação pela APA do estudo de impacto ambiental (observo
que as razões técnicas do ponto de vista da engenharia de manutenção e operação
são consideradas pela APA como irrelevantes o que limita a qualidade da
avaliação).
Das notícias que entretanto têm circulado,
incluindo por movimentos de cidadãos, há duas críticas principais que estes
apresentam:
i)
as perturbações causadas ao jardim da Parada em
Campo de Ourique;
ii)
as perturbações
causadas ao baluarte do Livramento e construções nele inseridas ou
vizinhas.
Jardim da Parada
Sobre o primeiro ponto, como antigo técnico do metropolitano,
tenho confiança que as medidas descritas no estudo de impacto ambiental e a
incluir no caderno de encargos não afetariam significativamente o jardim da
Parada se a fiscalização fosse rigorosa. Porém, como tantos lisboetas, devo ao
jardim da Parada momentos de grande prazer. Por isso, também eu dispenso os
esforços de minimização da perturbação do jardim e proponho a construção da
estação noutro local. Se alguma coisa vale a experiência que tive nas obras do
metro, não é aceitável a desculpa que não se pode fazer a estação nos terrenos
do quartel por causa do aqueduto da Ferreira Borges. Este está à cota
aproximada de 80 e o teto da estação cerca de 70 podendo ser rebaixado, como
foi estudado há uns anos para uma possível estação de Campolide junto do
depósito de água, viabilizando até a visita aos vestígios arqueológicos.
Quando ainda estava ao serviço, o traçado estudado no metro previa uma
estação em Campolide, junto ao fim da Rua Artilharia Um, prosseguindo depois,
de modo a não ter uma curva apertada, pelo lado poente do centro comercial das Amoreiras e
reservatório da EPAL. Não se encontra no EIA referência a esta alternativa,
tirando uma breve nota na página 294 do Relatório Síntese do EIA dizendo que o
projeto da estação Campolide foi abandonado mas que incluía a possibilidade de
dar destaque á estrutura enterrada do ramal do aqueduto de modo a ficar patente
ao público. Isto é, é o próprio EIA que reconhece (páginas 534, 611 e 670) que
a presença do aqueduto é compatível com a proximidade ou atravessamento pelo
metro com a profundidade correta ganhando ainda a acessibilidade pelo público
ao usufruto da sua observação, como aliás já se tem praticado em Portugal e é
corrente nos trabalhos arqueológicos por esse mundo fora. Na página 606 do
Relatório Síntese, encontra-se a informação de que junto do quartel de Campo de
Ourique (km1400) o traçado se encontra a cerca de 26 m de profundidade
relativamente ao ramal do aqueduto.
O presidente da junta de Campo de Ourique, relativamente à alternativa
pelo quartel de Campolide que reduziria a sinuosidade do traçado, aceitou
acriticamente a informação do metro de que “dificuldades de engenharia tornariam em
alguns locais a obra impossível” e que
“não seria possível concluir os trabalhos em tempo útil”, pela urgências do
PRR. É uma desculpa recorrente. Os fundos comunitários podem ser, desde que
atempadamente, redirecionados para outros investimentos; reconhecer a sua
impossibilidade seria reconhecer a incapacidade de planear e programar o
conjunto dos investimentos e seria justificar um erro com a comodidade de
dispor de um financiamento. Quanto à questão da compatibilidade do aqueduto na
Ferreira Borges com o traçado do metro, se é verdade que o metro transmitiu ao presidente
da junta de freguesia que a obra seria “impossível”, tratar-se-á de uma falta
grave de quem prestou essa informação.
Em resumo, não parece haver razões técnicas que obriguem a que o local
da estação, ou o poço de ataque e o de ventilação sejam no Jardim da Parada
(aliás o método construtivo TBM não selecionado facilitaria a construção do
túnel). Nos termos do artigo 65.5 da constituição, caberá aos cidadãos
moradores definir o local da estação de Campo de Ourique e ao metro e seus
consultores viabilizá-lo.
Baluarte do Livramento
A alternativa
viaduto sobre o vale de Alcântara a norte da estação de Alcântara Terra é
superior à proposta do metro e menos intrusiva, tal como a ligação a Alcântara
Mar.
Reitero a
crítica do EIA não demonstrar por que foram rejeitadas as alternativas a norte
de Alcântara Terra e a de ligação a Alcântara Mar em viaduto.
Mantem-se a
necessidade de analisar corretamente todo o ordenamento do nó de Alcântara,
libertando-o da submissão obrigatória ao imobiliário e às suas rendas, o que só
por si, justificaria o abandono do prazo de execução no âmbito do PRR, mas isso
é uma decisão política em que os decisores reconheceriam a sua incompetência no
planeamento.
Relativamente
ao baluarte (recordo o que aconteceu ao baluarte de Santa Apolónia, vítima de
um bloco de 12 andares e perdida completamente a guarita) se o caderno de
encargos incluir os cuidados a ter na obra, na desmontagem das pedras e na
remontagem, com monitorização contínua, se o empreiteiro e a fiscalização
cumprirem o caderno de encargos, eventuais danos serão contidos, mesmo que num
caso ou noutro não seja possível repor exatamente as pedras constituintes.
O que escrevi
sobre a colina da Estrela, aplica-se mutatis
mutandis ao baluarte e aos edificios adjacentes. Se o EIA for cumprido nos
contratos, o baluarte será reposto mas alguns edificios serão inutilizados ou destruídos
(segundo informação na sessão de esclarecimento de 26 de maio, a reposição dos
atuais edifícios no recinto do baluarte dependerá de autorização da CML). Utilizando
outro traçado também teremos edifícios destruídos, porque por razões
energéticas a linha de metro deve atravessar o vale de Alcântara em viaduto
evitando os desníveis e ainda os custos da construção sob o caneiro de
Alcântara, mas a afetação do edificado será em menor grau.
Reconheço que
há impacto visual nas alternativas propostas, mas esse é consequência do desprezo a que durante anos foi votada a
organização do território em Alcântara, de que o exemplo mais gritante é a
construção do hospital da CUF, no terreno vendido pela CML em circunstancias ainda
não completamente esclarecidas por 20 milhões de euros num local vocacionado
para interface de transportes. Igualmente o apetite imobiliário a poente da rua
de Cascais dificulta o estabelecimento de redes de transporte de construção
económica, acrescendo a necessidade de transportar os contentores do terminal e
de repor a ligação mecânica hectométrica entre as estações de Alcântara Terra e
Alcântara Mar e ainda à futura estação do Alvito da IP. É por isso desejável a
atualização do PUA (e do plano de pormenor das Amoreiras).
Alternativas à localização da estação Alcântara do metro
Sobre as questões técnicas que referi na minha participação na consulta,
interessará que, para além dos impactos
em vários edifícios em Alcântara (o traçado para Alcântara Mar teria menos
impactos por passar sob a Praça da Armada) o projeto da estação Alcântara Terra
do metro, a não ser esta recuada para junto da estação atual da IP, obrigará à
supressão de vias de acesso à ponte. Igualmente interessará referir que o
projeto do metro implica profundas remodelações na estrutura viária do bairro
do Alvito que não estão previstas e portanto não orçamentadas na empreitada.
Logo nas
primeiras páginas o EIA diz que descartaram os traçados para Alcântara Mar e o
traçado a norte da estação Alcântara Terra (viaduto por cima mais ou menos da
quinta do Cabrinha, o que terá menos impacto no edificado), mas como
habitualmente não o justificam.
Por outro
lado existe otimismo no impacto da projetada estação de metro que se
insere na rampa de acesso à ponte. Com 21m de largura da estação, o impacto no
edificado e nas rodovias é mais grave do que o que é dado a entender (porque
implica uma profunda reformulação do esquema viário do bairro da rua do Alvito
que não está orçamentado), para além do aspeto estético (como opinião pessoal e
subjetiva, não aprecio uma estética de
barracão armazém de estação de caminho de ferro do século XIX). Do ponto
de vista técnico, a ideia do LIOS não é satisfatória porque se trata de uma
linha de elétrico (tramway) com a velocidade comercial necessariamente mais
baixa do que o prolongamento da linha vermelha para Algés-Jamor. É o valor do
tempo dos passageiros poupado que justifica os custos da solução metro.
Nas seguintes figuras compara-se a
proposta oficial do traçado em Alcântara do metropolitano com duas hipóteses. Anoto
que nas figuras 2 (estação de Alcântara do metro a norte da estação de
Alcântara Terra) e 3.2 (ligação subterrânea de mercadorias a nascente do
caneiro de Alcântara) foram utilizadas sugestões do eng.Pompeu Santos (ver parecer na consulta pública https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwewBvhT0hQP0ZmKAso ).
As hipóteses propostas nas
figuras 2, 3.1 e 3.2, têm menores impactos no edificado e nas rodovias e seria
desejável que fossem estudadas. Além de
que não são conhecidas análises de custos benefícios (não foram divulgadas se
foram feitas) que levem a aceitar com rigor a proposta oficial do metropolitano
como tecnicamente superior:
1 – proposta oficial do
metropolitano
2 – estação de Alcântara do
metro em viaduto sobre o lado norte da estação Alcântara Terra da CP
3 - estação de Alcântara do
metro em viaduto sobre a estação Alcântara Mar da linha de Cascais
3.1 – ligação do terminal de
contentores a Alcântara Terra em viaduto
3.2 - ligação do terminal de
contentores a Alcântara Terra em túnel a nascente do caneiro de Alcântara
Finalmente, sendo quase certo que
a linha circular vai mesmo concluir-se, deixa-se registada uma hipótese a encarar
no futuro para correção do seu traçado que resolveria melhor o problema da
ligação à zona ocidental da cidade, mantendo a ligação Cais do Sodré-Estrela,
mas fazendo o término nesta estação. A linha circular seria cortada a poente da
Estrela e prolongada a linha amarela do Rato para Alcântara Terra e Algés/Jamor
(solução idêntica quando se desfez a ligação Restauradores-Rossio em 1998 abrindo
a linha em “U” e criando a linha verde para
Cais do Sodré e a linha azul para Terreiro do Paço):
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