Cara Cristiana Faria Moreira
Felicito-a pelo seu correto artigo sobre o metro e o Jardim da Parada
de dia 24 de junho.
Escrevo-lhe na qualidade de antigo técnico do metro, onde desempenhei,
desde 2003 a 2009, as funções de ligação entre os colegas de traçados e de
construção civil e os das especialidades de operação e manutenção do metro, e
ainda de preparação dos processos de homologação para colocação em serviço dos
novos troços.
Ainda antes da reforma, em 2010, tive oportunidade de criticar o projeto
da linha circular, o que voltei a fazer, sem sucesso, no período de consulta
pública. Para além de razões técnicas ligadas à operação e manutenção do metro
que a contraindicavam, verificou-se em todo o processo da linha circular o
absoluto desprezo do governo pela opinião de quem se opunha ao projeto, o que
culminou com a desobediência ao artigo 282º da lei 2/2020 (sublinho lei, não
recomendação) que mandava o metro suspender em 2020 a construção da linha
circular.
Serve esta introdução para referir que infelizmente o metro e o governo
mantiveram no caso do prolongamento da linha vermelha a Alcântara o seu método
de ocultar aos cidadãos o desenvolvimento dos seus projetos.
No meu caso, solicitei ao presidente do metro, num congresso em
novembro de 2021, informações sobre o traçado desse prolongamento, e se o metro
estava a coordenar com a AMT e a CCDRLVT a sua integração num plano geral de
mobilidade da área metropolitana de Lisboa. A resposta que obtive foi a de que
o estudo de impacto ambiental estava a ser concluído e que o traçado seria
divulgado na consulta pública.
O que sabemos por experiencia própria é que dificilmente são alterados
os traçados que constam do EIA, por mais pertinentes que sejam as razões
técnicas.
Estamos perante um evidente atropelo do artigo 65º.5 da Constituição da
República Portuguesa a que os poderes de fiscalização pouco têm ligado.
Em anexo a este email poderá ler o parecer que enviei no âmbito da
consulta pública no site “participa.pt”.
A principal crítica que fiz ao projeto do prolongamento da linha
vermelha, para além da falta de participação pública no desenvolvimento do
projeto, foi a de, contrariamente ao plano de expansão desde 1974 do metro (já
contrariado, tal como o PROTAML, pelo plano de 2009 que consagrou a linha circular),
a estação terminal encontrar-se em Alcântara Terra e não em Alcântara Mar, onde,
também em viaduto, se asseguraria mais expeditamente a correspondência com os
passageiros da linha de Cascais prescindindo-se da ligação física da linha de
Cascais a uma já de si saturada linha de cintura.
Critiquei também a ausência de esclarecimentos sobre os motivos de
eliminação de alternativas ao traçado apresentado, considerando que não é
satisfatório dizer que “estudos” assim o recomendaram, sem os apresentar.
Outra das críticas foi relativa aos zigzags da linha projetada. Os colegas que a
projetaram, dada a sua especialização em construção civil, poderão não ter
sensibilidade para as preocupações da manutenção com o desgaste para os rodados
e os carris decorrente das curvas e contracurvas (curvas de 250m como as
propostas só excecionalmente são aceitáveis em metropolitanos) , nem com custos
adicionais de energia devido aos respetivos atritos, mas eles existem
fisicamente.
Quando ainda estava ao serviço, o traçado estudado no metro previa uma
estação em Campolide, junto ao fim da Rua Artilharia Um, prosseguindo depois,
de modo a não ter uma curva apertada, pelo lado poente do centro comercial das Amoreiras e
reservatório da EPAL. Não se encontra no EIA referência a esta alternativa,
tirando uma breve nota na página 294 do Relatório Síntese do EIA dizendo que o
projeto da estação Campolide foi abandonado mas que incluía a possibilidade de
dar destaque á estrutura enterrada do ramal do aqueduto de modo a ficar patente
ao público. Isto é, é o próprio EIA que reconhece (páginas 534, 611 e 670) que
a presença do aqueduto é compatível com a proximidade ou atravessamento pelo
metro com a profundidade correta ganhando ainda a acessibilidade pelo público
ao usufruto da sua observação, como aliás já se tem praticado em Portugal e é
corrente nos trabalhos arqueológicos por esse mundo fora. Na página 606 do
Relatório Síntese, encontra-se a informação de que junto do quartel de Campo de
Ourique (km1400 o traçado se encontra a cerca de 26 m de profundidade
relativamente ao ramal do aqueduto).
Como relatou no seu artigo, o presidente da junta de Campo de Ourique,
relativamente à alternativa pelo quartel de Campolide que reduziria a
sinuosidade do traçado, aceitou acriticamente a informação do metro de que “dificuldades de engenharia tornariam em
alguns locais a obra impossível” e que
“não seria possível concluir os trabalhos em tempo útil”, pela urgências do
PRR. É uma desculpa recorrente. Os fundos comunitários podem ser, desde que
atempadamente, redirecionados para outros investimentos; reconhecer a sua
impossibilidade seria reconhecer a incapacidade de planear e programar o
conjunto dos investimentos e seria justificar um erro com a comodidade de
dispor de um financiamento.
Em anexo envio também um desenho retirado do Relatório Síntese do EIA sobrepondo o traçado da linha
ao traçado do aqueduto das águas livres e seus ramais, alguns dos quais já demolidos,
como foi o caso dos ramais das Necessidades para os chafarizes das Janelas
Verdes e de Alcântara (ver http://www.monumentos.gov.pt/site/DATA_SYS/MEDIA/Noticia_Aqueduto_6Abril2011.pdf ) verificando-se ser uma dificuldade normal a
resolver, o atravessamento do aqueduto pelo metro. Por outras palavras, nada
parece obrigar a que a estação de Campo de Ourique esteja na vertical do Jardim
da Parada.
Interessará talvez referir que, para além dos impactos em vários
edifícios em Alcântara (eventualmente o traçado para Alcântara Mar teria menos
impactos por passar sob a Praça da Armada) o projeto da estação Alcântara Terra
do metro, a não ser esta recuada para junto da estação atual da IP, obrigará à
supressão de vias de acesso à ponte. Igualmente interessará referir que o
projeto do metro implica profundas remodelações na estrutura viária do bairro
do Alvito que não estão previstas na empreitada.
Duma forma geral, denuncio que, para além do secretismo com que se
desenvolvem os projetos é muito grave a ocultação de informação feita aos
moradores mesmo depois de aberta a consulta pública, não tendo as juntas de
freguesia dinamizado sessões públicas imediatamente na abertura da
consulta. A única sessão de esclarecimento (“esclarecimento”,
não participação) foi realizada uma semana antes do fecho da consulta, tendo o
representante da APA informado que se se passasse mais tempo a informar os
moradores, a ultrapassagem do prazo legal implicaria o deferimento tácito do
EIA, o que é um eufemismo para dizer que não são aceites alterações,
configurando assim o desrespeito pelo art 65º.5 da CRP.
Aguarda-se portanto o RECAPE (relatório de conformidade ambiental do
projeto de execução), que incluirá um resumo dos pareceres enviados no âmbito
da consulta mas que muito poucos deles terão merecido aplicação e a
adjudicação.
Infelizmente não se espera que o método secretista seja abandonado,
como técnico não tenho confiança que o governo, através da respetiva tutela, o
altere.
Poderá utilizar a presente informação como bem entender.
Com os melhores cumprimentos
Fernando Santos e Silva
Ex técnico do metropolitano de Lisboa na direção de engenharia e desenvolvimento
de infraestruturas
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2022/05/parecer-na-consulta-publica-ate.html
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