sábado, 15 de julho de 2023

O problema da ligação ferroviária à Europa além Pirineus em julho 2023




Julho de 2023. O problema da ligação ferroviária à Europa além Pirineus
  •  A recente resposta da comissária europeia de Transportes a uma pergunta de deputados portugueses
  • a próxima aprovação da revisão e revogação do regulamento 1315 sobre as redes TEN-T
  • a colocação em consulta pública do 1º troço da nova linha Porto-Lisboa
  • a exibição de uma série de reportagens televisivas sobre a problemática das ligações ferroviárias à Europa culminando com a divulgação do comentário do senhor primeiro ministro no troço Évora-Badajoz de que seria fácil e rápido mudar a posição dos carris, isto é, a bitola, quando do lado espanhol isso for feito
                    motivaram a publicação de uma carta aberta ao senhor primeiro ministro chamando a atenção para que terá havido um erro na transmissão da informação de que a mudança de bitola seria simples e rápida (em termos de planeamento de obra, uma equipa de 17 homens poderá fazê-lo ao ritmo de 1km por dia) e que a  urgência em preparar desde já a concretização da ligação para passageiros em alta velocidade em bitola europeia a Madrid e a ligação de mercadorias também em bitola europeia para acesso sem interrupções à rede única ferroviária europeia como estabelece a revisão do regulamento 1315 radica essencialmente no cumprimento das diretivas ambientais e na criação de condições de competitividade a prazo inferior a 10 anos para as exportações nacionais e para  atração de investimento. 


Declarações do coordenador do corredor atlântico e hipótese de recuperação do projeto Poceirão-Caia

Recentemente o coordenador do corredor atlântico, Carlo Secchi, declarou num webinar que não é suportável o desperdício energético na ligação aérea Lisboa-Madrid e que pediria aos governos português e espanhol que assegurassem a ligação em alta velocidade interoperável. Esta aliás, do lado português poderia rapidamente implementar-se, com financiamento comunitário, recuperando o projeto de 2011 Poceirão-Caia em bitola europeia.


O problema do financiamento 

Considera-se ainda essencial, apesar do governo ter negociado algumas exceções/isenções e adiamentos na revisão do regulamento 1315, que o projeto das novas linhas de alta velocidade e tráfego misto esteja conforme com os requisitos da interoperabilidade plena de modo a beneficiar dos fundos comunitários, nomeadamente o CEF, que tem uma fase de receção de candidaturas em setembro de 2023.

Não será essa a estratégia oficial que já anunciou a intenção de lançar 3 lotes de concursos de PPP para Porto-Oiã, Oiã-Soure e Soure-Carregado, incluindo em cada concurso o projeto, construção, manutenção e financiamento de cada lote. Aparentemente pretenderá ultrapassar as dúvidas geradas na conformidade dos financiamentos comunitários com as exceções para construção de raíz da linha Porto-Lisboa em bitola ibérica.


As respostas da comissária Adina Valean às perguntas dos eurodeputados portugueses sobre as condições de financiamento


Numa primeira resposta em 6abr2023, a uma pergunta formulada em 16jan2023, a senhora comissária declarou que a linha Porto-Lisboa poderia arrancar em bitola ibérica desde que em 2030, nos termos da regulamentação estivesse em bitola UIC. Nestas condições, o financiamento comunitário seria viável.
Numa segunda resposta, em 12jun2023,  a uma pergunta formulada em 27mar2023, embora referida a daata de 2030 para operação em bitola UIC, já contraditoriamente é admitida a manutenção da bitola ibérica na linha Porto-Lisboa sem data definida correspondente a uma isenção temporária mas de extensão a definir discricionariamente pela Comissão.

Na segunda  resposta,  em 12jun2023, a uma pergunta de 6mar2023, a comissária começa por dizer que a nova linha Porto-Lisboa é isolada (segundo a definição do regulamento revisto, linha isolada é a que tem bitola diferente da standard), o que suscita um problema de lógica, uma vez que a pergunta era como se poderia justificar o financiamento comunitário se a bitola proposta pelo governo português fosse diferente da standard. Igualmente será um problema de lógica a construção de uma linha nova que aparece nos mapas do regulamento revisto como integrando a rede TEN-T única e plenamente interoperável ainda estar sujeita a dúvidas

De seguida diz que as novas linhas da rede “core” (objetivo 2030) cuja construção não tenha ainda começado à data de entrada em vigor do regulamento revisto (2024?) deverão ser em bitola 1435mm (standard) conforme o art.16.a.1 .

Das duas premissas anteriores, eventualmente denunciando um problema de lógica, retira a comissária a conclusão que a construção de raíz da linha Porto-Lisboa pode ser em bitola ibérica de 1668mm “e posteriormente migrar a linha para bitola europeia o mais tardar em dezembro de 2030” graças à tecnologia das travessas polivalentes, que permitirão uma progressiva migração com efeitos limitados e sem interrupção do tráfego ferroviário.

Estranha-se que os assessores da comissária não a tenham informada da impossibilidade prática (não teórica) do que escreveu. Isso mesmo foi objeto de correspondência com a comissária em 2020, informando que a mudança de bitola (a “desaparafusar daqui e aparafusar ali” do senhor primeiro ministro) ocupa uma equipa de 17 homens durante um turno com um rendimento de 1km. Num percurso em via única, como Évora-Caia, é impossível evitar a interrupção do tráfego, sem material circulante de eixos variáveis e deslocação progressiva de intercambiador, durante  vários meses. Num percurso em via dupla, como Porto-Carregado, a redução da disponibilidade a uma via única enquanto se trabalha na outra traduzir-se-á por perturbações de operação gravíssimas e com alguns riscos de segurança. Acresce que, de acordo com a estratégia oficial, não se prevê a ligação Carregado-Lisboa com caraterísticas de alta velocidade antes de 2030.

Não obstante as premissas anteriores, a conclusão da comissária é a de que  “o financiamento pela EU desta linha, através do CEF, é juridicamente possível”.

Finalmente, com provavelmente mais um conflito lógico, a comissária informa que o governo português poderá pedir uma exceção/isenção temporária da obrigatoriedade da bitola 1435mm baseado numa análise de custos benefícios negativa.

Para além do comentário genérico de que perante uma diretiva de que um governo discorde, como é o caso da bitola 1435mm, este procure um subterfúgio (do dicionário: estratagema; etimologicamente: fugir às escondidas) de modo a fugir ao seu cumprimento, observa-se:

1 – no relatório do Parlamento relativo à revisão do regulamento, a condição linha nova cuja construção não tenha sido iniciada à data de entrada e vigor do regulamento revisto (2024?) como imposição da bitola 1435mm, foi substituída por linha nova cuja autorização não tenha ainda sido dada pelo Estado membro. No caso da linha Porto-Carregado, ela já foi autorizada, pelo que estaremos perante mais um subterfúgio para validar o início da sua construção em bitola ibérica, restando a obrigação de realizar uma avaliação dois anos após a entrada em vigor do regulamento revisto (2026?) sobre a viabilidade de migração para 1435mm e, um ano depois (2027?) um plano de migração que poderá conter uma recusa mediante uma análise de custos benefícios negativa e uma avaliação do impacto sobre a interoperabilidade e a interrupção do serviço que darão origem a uma exceção/isenção de natureza temporária, como afirmado pela comissária

2 – considerando que é inquestionável o impacto sobre a interoperabilidade (o próprio PFN o reconhece) e que migrar a bitola tem consequências para a continuidade do serviço (por isso a linha deve ser construída de raiz em 1435mm pelo que se considera um subterfúgio introduzir esta condição), resta ter confiança no bom senso da Comissão no ato de dimensionar o período da isenção temporária e considerar o que se pode esperar duma análise de custos benefícios, cujo resultado depende dos pressupostos sobre os quais não há domínio claro. No 10ºcongresso do CRP em jul2022 foi apresentada uma ACB que comparou a evolução do tráfego de mercadorias e de passageiros segundo os critérios oficiais, com a sua evolução em conformidade com os planos das redes “core”/objetivo 2030, concluindo-se que era positiva contabilizando os custos das emissões evitadas correspondentes à transferência do tráfego rodoviário de mercadorias e aéreo de passageiros para a ferrovia. O que não impede que, alterando os pressupostos, o resultado possa ser negativo. A exemplo do que acontece na EU, em que o Tribunal de Contas (ECA-European Court of Auditors) tem sistematicamente criticado a Comissão Europeia por inoperância na concretização da rede única ferroviária europeia, também aqui se apela para os órgãos fiscalizadores da atuação do poder executivo, em estrita observância das disposições da Constituição da República.



Contradições entre a orientação do governo português e a estratégia comunitária da rede única ferroviária

A existência das exceções à obrigatoriedade regulamentar de construir as novas linhas em bitola europeia merece alguma atenção, precisamente por a observância dos regulamentos ser exigida pelo financiamento. Observa-se que parecem existir algumas contradições entre as referidas exceções e outras disposições da proposta de revisão do regulamento 1315 (relatório de 14abr2023 do Parlamento Europeu), e mesmo contradições entre a política ferroviária do governo nacional e da IP relativamente à estratégia comunitária, a saber:
  • considerando 38.d -   O novo contexto geopolítico demonstrou igualmente a importância das ligações de transporte sem interrupções dentro do território da União e com os países terceiros vizinhos. Uma bitola ferroviária diferente da bitola nominal da norma europeia de 1 435 mm dificulta gravemente a interoperabilidade das redes ferroviárias em toda a União e afeta mesmo a competitividade dessas redes ferroviárias isoladas. Por conseguinte, as novas linhas ferroviárias devem ser exclusivamente construídas com a bitola nominal da norma europeia de 1 435 mm. Além disso, os Estados‑Membros com uma rede que utiliza uma bitola diferente devem avaliar a migração das linhas existentes dos corredores europeus de transporte.
  • art.12 - prioridades das redes "core", "extended core" e "comprehensive": 
  • art.12.1.d -  a interoperabilidade e as ligações transfronteiriças conforme o regulamento 1153 (que substituiu o 1316) 
  • art.12.1.i.a -  a garantia de suficiente capacidade nos corredores ferroviários para passageiros e mercadorias com quotas razoáveis, no seguimento da integração dos corredores de mercadorias (RFC) nos corredores de transporte europeus (TEN-T)
  • art.13 -  prioridades dos corredores internacionais:    
  • art.13.a -  o desenvolvimento de uma rede ferroviária de mercadorias através da União de alto rendimento e sem interrupções; 
  • art.13.b  -  o desenvolvimento de uma rede ferroviária de passageiros interoperável e de alto rendimento, incluindo em alta velocidade a ligação entre nós urbanos através da União
  • art.18.1 -  a demora adicional na passagem transfronteiriça de um comboio de mercadorias não deverá ultrapassar 15 minutos  (não confere com a proposta de revisão do art.12.a.1.a do regulamento 913)
  • art.18.2.a - colocação em serviço até dez2027 de um sistema digital de gestão da capacidade permitindo a reserva por operadores de passageiros e de mercadorias  de canais  para várias passagens transfronteiriças 
  • art.19 - prioridades adicionais para o desenvolvimento da infraestrutura ferroviária:  
  • art.19.a - migração para a bitola nominal standard europeia 1435mm onde relevante
  • art.19.b -  onde relevante, substituir as passagens de nível por passagens superiores ou túneis
  • art.19.d - dependendo de análises de custos benefícios, desenvolver a infraestrutura para comprimento de comboios até 1500m e 25 toneladas por eixo quando da modernização de linhas para tráfego de mercadorias
  • art.19.e - desenvolvimento e aplicação de tecnologias inovadoras para a ferrovia, nomeadamente operação automática, gestão de tráfego avançada e conectividade digital para passageiros e mercadorias, com base no ERTMS (o considerando 44 determina que os sistemas de classe B do lado da via deverão ser removidos até 2040), DAC (digital automatic coupling) e conectividade 5G
  • art.19.g.a - desenvolvimento da tecnologia FRMCS (future railway mobile communications system) para permitir um ERTMS baseado na localização por satélite
  • art.19.g.c - duplicação das vias simples nos troços congestionados
  • art.19.i - normalização de vagões para a circulação de comboios de transporte de semirreboques até 4m de altura (P400)
  • art.40.1.b.i - garantia pelos Estados membros de, até 31dez2027, no desenvolvimento da rede TEN-T nos centros urbanos, adoção de um SUMP (sustainable urban mobility plan) publicamente acessível, incluindo medidas de integração de todos os modos de transporte, para avaliação da viabilidade e acessibilidade por utilizadores com limitações de mobilidade e económicas, para promoção de mobilidade e logística urbanas de baixas emissões, para redução da poluição e ruído e considerando os fluxos de longa distancia transeuropeus
A referência a estes artigos da proposta de revisão do regulamento 1315, enumerando uma série de desenvolvimentos tecnológicos de elevada complexidade, destina-se a mostrar a inconformidade de 
uma política nacional que esteja separada da estratégia comunitária, agravando as dificuldades de ligação de Portugal à Europa além Pirineus, numa altura (jul2023) em que a própria RENFE inaugura ligações de passageiros Madrid-Marselha e Barcelona-Lyon,  e prosseguem as obras do corredor mediterrânico de mercadorias para bitola 1435mm. 

Não é apenas o problema da bitola a dificultar a interoperabilidade nas ligações à Europa, há também, com prazos bem definidos,  o do ERTMS e o das tecnologias inovadoras nos vagões (DAC-digital automatic coupling, sensorização e conectividade das condições de segurança), os quais, com a necessidade de cofinanciamento compatível com os regulamentos, justificam a íntima colaboração com a CE (e naturalmente com Espanha) e não uma procura sistemática de pedidos de exceção/isenção. 



Divergência do PFN relativamente à orientação comunitária

O PFN , apesar de reconhecer no capítulo da bitola as vantagens da bitola 1435mm nas ligações à Europa além Pirineus, insiste na exclusividade e continuidade da bitola ibérica. Equivalerá isso a aceitar um teto modesto para a transferência para a ferrovia da carga rodoviária além Pirineus que poderá estimar-se, com base na experiência dos operadores, como correspondendo a um tráfego máximo diário de 2 comboios ou 800.000 toneladas anuais (tráfego além Pirinéus por rodovia em 2022: 6 milhões de toneladas). Eventualmente será satisfatório para os operadores o mercado do transporte de mercadorias na rede de bitola ibérica da península, servindo a conceção centralizadora do transporte para Madrid, garantida por um período de amortização pelo menos até 2050 (rede “comprehensive”) e pela revisão do regulamento, o qual explicita a integração dos corredores de mercadorias nos corredores internacionais, conforme os mapas do anexo I da proposta do Conselho de 6dez2022 conservado na proposta do Parlamento de 14abr2023 e o art.12.1.i.a.



O PFN  rejeita também a disposição regulamentar de partilha da nova linha Porto-Lisboa com as mercadorias e justifica (?) a bitola ibérica com a partilha da linha principal com o tráfego regional de passageiros (sendo que o exemplo espanhol de comboios de passageiros de eixos variáveis é ignorado, assim como as medidas mitigadoras do incómodo dos transbordos, a saber percursos curtos e cómodos nos transbordos e despacho das bagagens independente do acompanhamento dos passageiros).

É verdade que a tecnologia de eixos variáveis já homologada também para vagões (ainda não para as locomotivas de elevada potência, não confundir com eixos intermutáveis) permite uma transição rápida transfronteiriça (a menos da mudança de locomotiva), mas é uma limitação contra a concorrência por exigir material circulante específico, mais caro e com dificuldades na manutenção em longas distâncias. Trata-se duma boa solução transitória para menores distâncias.

No caso da ligação para passageiros Lisboa-Madrid, ter em atenção que segundo informação da ADIF alguns troços do percurso Madrid-Badajoz serão construídos de raíz em bitola 1435mm e a operação será executada por material circulante de eixos variáveis (Avant S 121) o que viabilizaria o serviço de Madrid-Évora a prazo de poucos anos com a instalação de intercambiador.


Porém, não deverá perder-se a recomendação de Carlo Secchi e sim insistir-se na bitola standard com eventual recuperação do projeto Poceirão-Caia em coordenação com Espanha, idealmente com a duplicação da ligação com uma segunda via de raíz em bitola 1435mm e a construção dos segundos tabuleiros nos viadutos. 

A solução de rede dual

O momento atual da ferrovia nacional, apesar das sucessivas declarações de sucessos, apresenta graves atrasos na execução do plano Ferrovia 2020, existe a expetativa de mais atrasos no plano para 2030, são grandes os prejuízos nos atrasos da linha da Beira Alta e são patentes as limitações da operação da rede existente, desde os atrasos da operação, especialmente nas vias únicas, às inconformidades e incomodidades que afastam os clientes (excesso de passagens de nível, acesso fácil à via férrea, desprotegida, deficiência de I.S. nas estações e no material circulante, carência de material circulante e de profissionais, incumprimento da lei de acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida. 

Todos estes fatores absorvem totalmente a atenção dos técnicos, sem possibilidade de se concentrarem na problemática do planeamento das linhas da rede TEN-T em território nacional. Tal como em Espanha, em que o gestor de infraestruturas se dividiu em ADIF convencional e ADIF Alta Velocidade, a IP deveria desdobrar-se em rede convencional e rede TEN-T de gestão separada, sem prejuízo de um contacto são entre as duas estruturas.

Compreendem-se as dificuldades de gestão das redes duais, mas o exemplo espanhol, com cerca de 11.000km de linhas convencionais de bitola 1668mm e 3.000km de linhas de bitola 1435mm e a necessidade de planeamento da operacionalização das ligações de mercadorias além Pirineus  e da ligação de alta velocidade Lisboa-Madrid recomendam a gestão separada rede existente versus rede de alta velocidade/mercadorias.

Por exemplo, na beneficiação da linha da Beira Alta em curso teremos uma linha de 200km entre Aveiro e a fronteira e uma estimativa, com base nas pendentes pré-existentes do percurso, de 38 Wh/ton-km do consumo específico do transporte de mercadorias. Comparando com o previsto no regulamento 1315 para o corredor internacional atlântico norte, teríamos 180km entre Aveiro e a fronteira e um consumo específico de 26 Wh/ton-km, com pendentes limitadas a 1,2%. Ressaltam assim as vantagens para a gestão económica dos operadores de mercadorias da nova infraestrutura.

Igualmente quando se completar a ligação do corredor atlântico norte em bitola 1435mm será vantajoso para a gestão económica dos operadores a dispensa das plataformas logísticas em Irun ou Vitoria para transbordo dos contentores ou mudança de eixos ou bogies, sendo apenas necessária uma plataforma em Portugal.



O art.16.a  -  Bitola nominal standard europeia para a ferrovia, o principal normativo do regulamento revisto

O art,16.a é dedicado à bitola nominal standard para a ferrovia, mostrando as implicações com os consequentes adiamentos  que acarretam os pedidos de exceção à obrigatoriedade da bitola 1435mm. 
i) No seu número 1, o art.16.a determina que os Estados membros garantam que qualquer linha nova da rede TEN-T terá a bitola 1435mm. Entende-se por linha nova quando ainda não tenha sido autorizada pelo respetivo Estado membro  à data da entrada em vigor do regulamento revisto. Dado que, na versão anterior da proposta de revisão, linha nova era aquela cujas obras ainda não tivessem começado à data da entrada em vigor da revisão do regulamento, será legítimo inferir que algum governo, cujo país tenha uma bitola diferente, terá sugerido essa alteração, de modo a adiar a introdução da bitola 1435mm. 
Este adiamento parece aplicável à linha Porto-Lisboa, que terá sido autorizada ao abrigo do regulamento 2021/1187 (seria interessante confirmar esta hipótese) e cuja conclusão dos troços Porto-Carregado está prevista para 2030 (data inicialmente fixada para a rede "core" de que Lisboa-Porto faz parte)
Compreende-se a posição dos governos chamados "frugais" sueco e finlandês recusando investimentos em novas linhas de bitola 1435mm da rede TEN-T. No caso da Suécia, já dispõe de ligações nessa bitola entre as principais cidades e de uma ponte com a valência ferroviária para a Dinamarca. No caso da Finlândia, de bitola 1524mm, o tráfego de mercadorias principal é marítimo, existindo uma linha de 840km para o norte onde se faz o transbordo para a bitola 1435mm da Suécia. Realizada uma análise de viabilidade por um consultor, foi desconsiderada a mudança de bitola das linhas existentes, mas a considerar a construção de novas linhas, entre as principais cidades, incluindo a da fronteira norte com a Suécia. Trata-se de um caso diferente do português, por faltar a ligação terrestre, através de um túnel de 80km Helsinki-Tallin. De referir pela positiva o caso do Rail Baltica , 814km de bitola 1435mm em construção, que ligará Tallin à fronteira polaca. Evocando o argumento de que só pensaremos em mudar as travessas polivalentes para a bitola 1435mm quando Espanha chegar com ela à nossa fronteira, como classificaríamos uma hipotética obstaculização do governo da Lituânia à construção da bitola 1435mm desde a sua fronteira com a Polónia à fronteira com a Letónia, impedindo a ligação da Estónia e da Letónia à rede única standard?

ii) no número 2, o art.16.a determina para os Estados membros, com linhas ou partes delas coincidentes com os corredores internacionais e com bitola diferente da standard 1435mm, a elaboração de uma avaliação da viabilidade da migração da bitola para 1435mm, em coordenação com Estados membros vizinhos afetados por essa migração. Essa avaliação deverá ser realizada pelo menos até dois anos após a entrada em vigor do regulamento revisto (admitindo a entrada em vigor em 2024, a avaliação deverá estar concluida até 2026)

iii) no número 3, o art.16.a  determina que, conforme o número 2, o Estado membro elabore um plano de migração pelo menos até um ano após a conclusão da avaliação. Nesse plano poderá apresentar a justificação de não migração de linhas para  a bitola 1435mm mediante a inclusão de uma análise socio económica de custos benefícios negativa e de uma avaliação desfavorável do impacto na interoperabilidade e continuidade da rede ferroviária. No caso de troços transfronteiriços, o pedido de exceção deverá ser coordenado com o Estado membro vizinho, no nosso caso, a Espanha.


iv) número 4 do art.16.a - determina que as prioridades para o planeamento das infraestruturas e investimentos relacionados com o plano de migração deverão ser incluidas no próximo plano de trabalhos ("work plan") do coordenador europeu do corredor de transportes europeu de que as linhas de mercadorias com bitola diferente da standard façam parte (conforme o art.53, esse plano deverá ser apresentado até 2 anos após a entrada em vigor do regulamento revisto (2026?) e avaliar a efetivação do seu cumprimento e as necessidades de investimento)

v)  número 5 do art.16.a -  a exceção/isenção de migração da bitola é concedida pela Comissão a título temporário perante resultados negativos da análise socio-económica de custos benefícios, sendo o período de tempo em que a exceção é garantida definido pela Comissão. O pedido de exceção deverá incluir, havendo troços transfronteiriços, a opinião do Estado membro vizinho. A avaliação pela Comissão terá em consideração o impacto significativo na interoperabilidade e continuidade da rede ferroviária e a opinião do Estado membro vizinho. A Comissão dará 30 dias para o Estado membro responder a cada pedido de esclarecimento e tomará a decisão até 6 meses. 



Conclusão

 Considerando o teor dos artigos revistos e das respostas da comissária, forçoso é reconhecer que existe alguma complexidade e conflitualidade entre tantas e pormenorizadas disposições, podendo comprometer-se o objetivo bem definido da rede única europeia ferroviária com total interoperabilidade e satisfação do art.170 do TFUE, nomeadamente na assumida consideração da necessidade de ligação das regiões periféricas às regiões centrais da União. 

E é esse objetivo que deve prevalecer sobre a obstaculização por parte de Estados membros nesse percurso (Espanha por concentrar o esforço no corredor mediterrânico, França por adiar a duplicação das linhas de ligação a Espanha, eventualmente Alemanha por motivo análogo), ou sobre a ausência de planeamento compatível com os prazos da regulamentação europeia para as redes "core", "extended core" e "comprehensive", implicando uma coordenação rigorosa entre os governos português, espanhol e francês e a Comissão Europeia com a intensificação da colaboração  com o coordenador europeu para a efetivação do corredor atlântico norte e sul.






texto da proposta de 6dez2022 do Conselho em:
https://data.consilium.europa.eu/doc/document/ST-15664-2022-INIT/en/pdf

Relatório do Parlamento Europeu de 14abr2023 sobre a proposta de revisão
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/A-9-2023-0147_PT.html#_section6







1 comentário:

  1. Caro colega Eng. Fernando Santos
    Parabéns ! Você é um trabalhador incansável e de enorme mérito. A minha apreciação entretanto, vai focar-se apenas e em exclusivo, no seu capítulo "O problema do financiamento", onde no seu 2º parágrafo está escrito, para a ligação Porto - Lisboa em A.V. : - ".... a estratégia oficial que já anunciou a intenção de lançar 3 lotes de concursos de "PPP" para Porto-Oiã, Oiã-Soure e Soure-Carregado, incluindo em cada concurso o projeto, construção, manutenção e financiamento de cada lote".
    Conforme palavras do vice-presidente da IP, Eng. Carlos Fernandes, registadas no vídeo da reportagem do Jornal da Noite da TVI , do dia 12 JULHO 2023, ao minuto 21.06, a primeira "PPP" será lançada no início de 2024, prevendo-se concluir a obra de ligação até 2030, pelo valor de 5.000 Milhões €.
    Parece concluir-se daqui que este governo terá preferido, para construir esta ligação Porto - Lisboa de A.V. em "bitola ibérica", o risco de lançar sobre os contribuintes portugueses o pagamento de 5.000 Milhões € pela sua construção, se não concorrer à construção dessa mesma ligação, também em A.V. mas em "bitola europeia", com um possível cofinanciamento a 70 % pelo programa CEF- 2 ( 2021-2027), na chamada de SET 2023.
    CONCLUSÃO- Se tal for verdade e se tal vier a acontecer, então estamos todos a assistir a uma decisão de "Lesa-Pátria".

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