Confesso que me inscrevi no jantar-debate sem grandes esperanças de recolher algum proveito.Esperava que os senhores presidentes contribuísem com os seus autoelogios e certezas da opção pela melhor solução, para um ritual de autoglorificação coletiva, presidida pelo senhor secretário de Estado da mobilidade urbana (voluntariosamente integrada há uns anos no ministério do Ambiente, confundindo assim as suas competêcias de fiscalizador com as competências de executivo de planeamento, execução e gestão de infraestruturas) e oficiada, ou moderada, por um anterior secretário de Estado, também da mobilidade urbana.
E realmente foi isso, o jantar-debate, mas não apenas isso, valeu a pena, e não só pela excelente cozinha do chefe Nogueira.
Infelizmente, infiltrou-se entre os principais agentes político, pelo menos entre aqueles que lidam com a mobilidade, urbana , interurbana ou internacional, como virus inoculados com suporte de tecnologia elevada, a convicção de que a maioria dos votos, que os eleitores lhes terão concedido, digno dos imperiais missi dominici, um cheque em branco, endossado por invisível mão divina ao partido ou partidos no poder, para que possam fazer o que lhes aprouver (um mandato imperativo, como lhe chamava Edmund Burke em 1774, deputado pela então segunda mais importante cidade inglesa, Bristol, que perdeu as eleições de 1780 ao não conseguir convencer os cidadãos a serem menos facciosos).
A crença no mandato imperativo subsiste nos eleitos mesmo quando quem decide não tenha os conhecimentos mínimos do negócio que esteja a regular, satisfazendo-se e defendendo empenhadamente a opinião de um conhecido ou amigo, não se sabe se profundo conhecedor do negócio, à boa maneira do que a minha professora da instrução primária já me tinha ensinado o que os lusitanos faziam, sentando-se à porta das suas cabanas e perguntando a quem passava o que teriam feito quando teriam sofrido a mesma contrariedade. Isto é, para além de se não ouvir assembleias de cidadãos, ignora-se completamente uma das fases de um método científico, a revisão por pares de uma hipótese ou teoria a testar. O que leva à minha principal objeção, que recorda também Burke, quando dizia que a maior glória de um representante eleito é a união e a comunicação com os eleitores, e que a mim me levou a colocar a pergunta aos oradores do jantar-debate, que meios estão a pensar para concretizar a participação da sociedade civil nas soluções de mobilidade? Ou mais perto de nós, ao artigo 48 da Constituição da República Portuguesa :
1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.
2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.
Voltando a Burke, substituindo o mandato imperativo e o mandato representativo pela defesa do interesse dos cidadãos ficamos com a dúvida, como ter a certeza do que é o interesse público? Como informar os representantes da essência da coisa quando o representante o ignora? Talvez pedir ao Tribunal Constitucional para ser mais assertivo na imposição do cumprimento do artigo 48 ...
Mas recordemos as intervenções, puramente formais do senhor secretário de Estado da mobilidade (de acordo, e expliquemos isso aos senhores vereadores de todas as câmaras, a mobilidade é indissociável do urbanismo, em todos os graus) ou a recensão teórica do senhor ex-secretário de Estado da mobilidade.(faz efeito o trilema evitar-transferir - melhorar: evitar, reduzindo as deslocações, transferir, para modos mais eficientes, melhorar, o seu rendimento. Já não concordei tanto com o convite às alterações incrementais, que, embora menos onerosas a curto prazo, podem comprometer a visão integrada de qualquer região e conjunto de regiões)..
Tal como esperava, os senhores presidentes de Braga e Coimbra elogiaram os seus projetos de BRT. Não pôde comparecer o presidente do metro do Porto que faria o mesmo para o BRT da Boavista. O BRT é uma moda que ganhou muitos adeptos na sequência da degradação e fecho da linha da Lousã/Serpins. Intelectuais de Coimbra divulgaram os sucessos do BRT na América do Sul e em França, especialmente, sem atenderem às especificidades locais e, especialmente, sem atenderem a dois pontos fundamentais: 1 - em igualdade de desenvolvimento tecnológico e de ocupação dos veículos, é expectável um menor consumo específico de energia, por passageiro-km de cerca de 14% do modo ferroviário (tram-train) relativamente ao modo BRT , devido ao menor coeficiente de resistencia ao rolamento da roda de ferro contra o carril em comparação com o contacto pneu-asfalto ou cimento; 2 - não está esclarecido o funcionamento do sistema de guiamento ao longo da totalidade do percurso Coimbra-Serpins, o que poderá aumentar o esforço do condutor e reduzir a segurança (os traços interrompidos no pavimento destinar-se-ão à precisão da paragem, duvidando-se de que seja uma solução fiável se estendida a todo o percurso (não esquecer o desmantelamento dos BRT de Nancy e de Caen)..
Mas como estes dois argumentos não parecem influenciar as escolhas dos decisores, teremos em Braga uma rede de autocarros elétricos a que chamarão BRT ao longo das artérias da cidade, e em Coimbra a destruição da ligação ferroviária do centro da cidade à estação de Coimbra B. Sintomática a sentença do senhor presidente para esta ligação, "a ferrovia foi passado".
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