terça-feira, 4 de julho de 2023

26 de junho de 2023, jantar-debate na Ordem dos Engenheiros em Lisboa: pensar a mobilidade urbana, com os presidentes de câmara de Braga, Coimbra e Lisboa - algumas notas sem importância

 https://www.ordemengenheiros.pt/pt/atualidade/noticias/autarcas-debatem-mobilidade-urbana-na-ordem-dos-engenheiros/


Confesso que me inscrevi no jantar-debate sem grandes esperanças de recolher algum proveito.Esperava que os senhores presidentes contribuísem com os seus autoelogios e certezas da opção pela melhor solução, para um ritual de autoglorificação coletiva, presidida pelo senhor secretário de Estado da mobilidade urbana (voluntariosamente integrada há uns anos no ministério do Ambiente, confundindo assim as suas competêcias de fiscalizador com as competências de executivo de planeamento, execução e gestão de infraestruturas) e oficiada, ou moderada, por um anterior secretário de Estado, também da mobilidade urbana.

E realmente foi isso, o jantar-debate, mas não apenas isso, valeu a pena, e não só pela excelente cozinha do chefe Nogueira.

Infelizmente, infiltrou-se entre os principais agentes político, pelo menos entre aqueles que lidam com a mobilidade, urbana , interurbana ou internacional, como virus inoculados com suporte de tecnologia elevada, a convicção de que a maioria dos votos, que os eleitores lhes terão concedido, digno dos imperiais missi dominici, um cheque em branco, endossado por invisível mão divina ao partido ou partidos no poder, para que possam fazer o que lhes aprouver (um mandato imperativo, como lhe chamava Edmund Burke em 1774, deputado pela então segunda mais importante cidade inglesa, Bristol, que perdeu as eleições de 1780 ao não conseguir convencer os cidadãos a serem menos facciosos). 

A crença no mandato imperativo subsiste nos eleitos mesmo quando quem decide não tenha os conhecimentos mínimos do negócio que esteja a regular, satisfazendo-se e defendendo empenhadamente a opinião de um conhecido ou amigo, não se sabe se profundo  conhecedor do negócio, à boa maneira do que  a minha professora da instrução primária já me tinha ensinado o que os lusitanos faziam, sentando-se à porta das suas cabanas e perguntando a quem passava o que teriam feito quando teriam sofrido a mesma contrariedade. Isto é, para além de se não ouvir assembleias de cidadãos, ignora-se completamente uma das fases de um método científico, a revisão por pares de uma hipótese ou teoria a testar. O que leva à minha principal objeção, que recorda também Burke, quando dizia que a maior glória de um representante eleito é a união e a comunicação com os eleitores, e que a mim me levou a colocar a pergunta aos oradores do jantar-debate, que meios estão a pensar para concretizar a participação da sociedade civil nas soluções de mobilidade? Ou mais perto de nós, ao artigo 48 da Constituição da República Portuguesa :    

1. Todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e na direcção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de representantes livremente eleitos.

2. Todos os cidadãos têm o direito de ser esclarecidos objectivamente sobre actos do Estado e demais entidades públicas e de ser informados pelo Governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos.


Voltando a Burke, substituindo o mandato imperativo e o mandato representativo pela defesa do interesse dos cidadãos ficamos com a dúvida, como ter a certeza do que é o interesse público? Como informar os representantes da essência da coisa quando o representante o ignora? Talvez pedir ao Tribunal Constitucional para ser mais assertivo na imposição do cumprimento do artigo 48 ...


Mas recordemos as intervenções, puramente formais do senhor secretário de Estado da mobilidade (de acordo, e expliquemos isso aos senhores vereadores de todas as câmaras, a mobilidade é indissociável do urbanismo, em todos os graus) ou a recensão teórica do senhor ex-secretário de Estado da mobilidade.(faz efeito o trilema evitar-transferir - melhorar: evitar, reduzindo as deslocações, transferir, para modos mais eficientes, melhorar, o seu rendimento. Já não concordei tanto com o convite às alterações incrementais, que, embora menos onerosas a curto prazo, podem comprometer a visão integrada de qualquer região e conjunto de regiões)..


Tal como esperava, os senhores presidentes de Braga e Coimbra elogiaram os seus projetos de BRT. Não pôde comparecer o presidente do metro do Porto que faria o mesmo para o BRT da Boavista. O BRT é uma moda que ganhou muitos adeptos na sequência da degradação e fecho da linha da Lousã/Serpins. Intelectuais de Coimbra divulgaram os sucessos do BRT na América do Sul e em França, especialmente, sem atenderem às especificidades locais e, especialmente, sem atenderem a dois pontos fundamentais: 1 - em igualdade de desenvolvimento tecnológico e de ocupação dos veículos, é expectável um menor consumo específico de energia, por passageiro-km de cerca de 14% do modo ferroviário (tram-train) relativamente ao modo BRT , devido ao menor coeficiente de resistencia ao rolamento da roda de ferro contra o carril em comparação com o contacto pneu-asfalto ou cimento; 2 - não está esclarecido o funcionamento do sistema de guiamento ao longo da totalidade do percurso Coimbra-Serpins,  o que poderá aumentar o esforço do condutor e reduzir a segurança (os traços interrompidos no pavimento destinar-se-ão à precisão da paragem, duvidando-se de que seja uma solução fiável se estendida a todo o percurso (não esquecer o desmantelamento dos BRT de Nancy e de Caen).. 

Mas como estes dois argumentos não parecem influenciar as escolhas dos decisores, teremos em Braga uma rede de autocarros elétricos a que chamarão BRT ao longo das artérias da cidade, e em Coimbra a destruição da ligação ferroviária do centro da cidade à estação de Coimbra B. Sintomática a sentença do senhor presidente para esta ligação, "a ferrovia foi passado".


Sobre projetos de mobilidade em Lisboa, o senhor presidente de câmara insistiu bastante na gratuitidade em progressão dos transportes públicos (o que me parece imprudente quando se estima um orçamento de 1.200 milhões de euros para a sua plenitude) , nos parques dissuasores para retenção de carros à entrada da cidade, na expansão das bicicletas Gira e na faixa bus na A5 (implicitamente reconhecendo que o atual investimento na linha de Cascais deixa muito a desejar). Não se mostrou entusiasmado com as portagens eletrónicas por considerar os cidadãos de pequena capacidade económica. Reivindicou um novo aeroporto para a região de Lisboa e não me pareceu criticar a linha circular do metropolitano de Lisboa nem convidar a sua administração a optar pela exploração em laço ou espiral (embora tenha referido que, quando em Londres, chegava a estar à espera na sua linha circular 30 minutos, o que seria consequência da natureza circular e da partilha da linha por várias linhas confluentes, como alguns políticos se lembraram de desejar para Lisboa).
Eu diria que não será a melhor estratégia para reduzir a excessiva quota de transporte individual. Seriam necessárias medidas concretas de repovoamento da cidade com renovação e emparcelamento do edificado e reequipamento da cidade com atividade secundária e até primária e encarar a ampliação do conceito de ciclovia para o conceito de vias para veículos autónomos (2 a 6 passageiros) a pedido e implicando radical transformação das artérias dos bairros de menor densidade enquanto nas zonas de maior densidade é requerido o aumento das linhas de metro (subterrâneo ou em viaduto em sítio segregado para uma boa velocidade comercial). Esta sugestão baseia-se na natureza da maioria das deslocações em TI: uma deslocação é composta por vários troços em série, em que troços intermédios não são utilizados com recurso ao TC mas troços adjacentes requerem nas atuais condições o recurso ao TI. 
Infelizmente, não me pareceram sintonizados com esta análise os senhores presidentes de câmara.

Como fstor francamente positivo registo a abertura do debate aos participantes (inicialmente com um controle apertado de tempo de intervenção mas que foi alargado). É sempre bom ouvir os interessados, mesmo que possam parecer ingénuas as suas análises, até porque há muito que se sabe que o "brainstorming", sem a inibição do receio de que alguém "ache mal", tem vantagens, assim haja humildade da parte de quem modera ou decide.

Registo a intervenção de um colega criticando veementemente o prolongamento da linha vermelha para Alcântara Terra e injetando uma estação em pleno acesso à ponte 25 de abril , com um muito discutível interface com o ansiado LIOS de duvidosa velocidade comercial  e sem definição clarra de interface com a estação IP de Alvito e as de Alcântara Terra e Alcântara Mar (com a qual aliás se previa a correspondência do metro no seu plano de expansão em vigor em 2003). Também referiu o colega a necessidade de projeto de vias para veículos a pedido.

Registo também a intervenção de outro colega referindo a recusa do governo e do metro em atender as crítica à linha circular que originaram uma condenação na assembleia municipal e uma lei da AR mandando suspender a sua construção.

Pela minha parte, coloquei aos oradores o novo regulamento das redes TEN-T no relativo aos centros urbanos, impondo até dezembro de 2027 a elaboração dos SUMP (sustainable urban mobility plan) e que medidas pensavam desenvolver para empenhar a sociedade civil na participação na referida eleboração, juntamente com  as CCDR, autarquias, academia, operadores, gestores de infraestruturas, técnicos, interessados e em consonância com os PROT (plano regional de organização do território) e planos diretores municipais. (Não fiz esta observação que deixo aqui: como é possível definir um traçado para uma linha de alta velocidade, ou a localização de um aeroporto numa região metropolitana sem ter estes instrumentos, que os jurídicos classificam como de gestão integrada do território, e eu acrescentaria e participada?)
Curioso a forma displicente como de Braga e de Coimbra foi respondido que esses planos estavam em fase final de elaboração (o que provavelmente não quererá dizer que todos os instrumentos referidos estão atualizados) e o silencio sobre o assunto da parte de Lisboa.







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