segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Rodoviarium XII - O metro sul do Tejo

Técnicos de transportes deviam ser solidários na permuta de experiencias e na convergencia de esforços para melhoria dos sistemas ou modos em que trabalham.
Melhorias em transportes exigem análise de todas as falhas.
Não se pratica em Portugal com facilidade o debate aberto das questões.
Falham a análise e a disseminação dos relatórios dos acidentes rodoviários.
Falha a promoção das medidas de prevenção dos acidentes rodoviários.
Falha o esclarecimento das causas e circunstancias dos acidentes ou dos incidentes com implicações na segurança nos modos ferroviários.
Falham os meios necessários para que instituições oficiais produzam os relatórios técnicos exaustivos e os disseminem.
Quando falo em disseminação falo num direito regulado pelas directivas europeias de acesso a informações de interesse publico.
Infelizmente, o projecto do metro sul do Tejo não atendeu aos riscos da mistura do modo ferroviário com os modos rodoviários.
Assistiu-se no início da exploração (Novembro de 2008) à arrogância com que se aconselhou idosos e jovens a sensibilizarem-se à presença dos comboios no meio das ruas e das zonas pedonais.
Chama-se a isso impor soluções tecnicamente incorrectas.
Em Julho de 2009 ocorreu um atropelamento com uma morte e um ferido grave.
A seguradora da concessionária recusou-se a pagar os tratamentos.
Por considerar injusto e desumano, dirigi um email ao colega do metro sul do Tejo, com quem tinha trabalhado na obra da linha vermelha para a Expo98, ele na construção civil e eu na sinalização ferroviária.
A sinalização ferroviária é, numa obra de uma nova linha, uma actividade dependente e a jusante da construção civil. Por isso é essencial o rigoroso cumprimento pela construção civil de todas as barras do cronograma de obra, para que os trabalhos de instalação e de ensaio da sinalização ferroviária possam desenvolver-se em segurança, sem atrasos e sem comprometer a futura exploração devidos a deficiências de instalação ou ensaios.
Eis o email que enviei em Julho de 2009.


«Carissimo Colega

Em primeiro lugar, votos de que esteja bem de saúde e que profissionalmente se sinta bem.
Venho ao seu contacto por um motivo triste
Pelas notícias que me chegaram, o Metro Sul do Tejo não entregou ao seguro uma participação do acidente em que morreu um cidadão e ficou gravemente ferida uma cidadã em 2009-07-08, na Av.25 de Abril em Corroios, junto das paragens do “metro ligeiro de superfície” e dos autocarros para Vale de Milhaços.
Independentemente de quaisquer considerações legais, ou do jogo do empurra Camara Municipal-IMTT-Governo-Estradas de Portugal, parece-me inadmissível que a senhora não seja tratada pelo seguro.
Porque um transporte de superfície tem estes riscos, como falámos na altura do seu projecto.
Por razões de rapidez de exploração e de segurança para terceiros, as linhas de metro devem estar enterradas ou em viaduto, porque as distancias de travagem do material circulante ferroviário são muito elevadas.
Como falámos na altura, fazer linhas de metro , mesmo ligeiro, á superfície, é um erro em zonas urbanas, agravado se não for possível separar as vias férreas do tráfego pedonal.
Porque há crianças, há velhos, que têm o direito de usufruir do espaço que é público.
Por isso a cidadã tem direito a ser ressarcida pelo seguro da Empresa.
Não é assim admissível que se venha agora dizer que havia passadeiras para peões que não foram repostas. Na realidade, uma passadeira obriga a abrandamento para permitir a travagem se um peão iniciou a travessia. É o que diz o Código. Lógico que não repuseram porque isso obrigaria o metro ligeiro a descer a sua velocidade a valores incomportáveis com os horários. O que demonstra o que eu disse atrás, o que qualquer juiz aceitará em tribunal, a menos que queira que eu renegue as leis da matemática e da física.
Não é admissível que se venha agora dizer que se confundem as zonas pedonais com os “relvados” dos carris (deuses, o projecto não contemplou um destaque, com desnível e tratamento diferenciado da zona de circulação? Esclareça-me, por favor, mas deixe-me recordar-lhe que sempre fui duro de opiniões, e que raramente aceitava as suas “explicações” pelos atrasos que as empreitadas de construção civil sucessivamente provocavam na “minha” sinalização ferroviária).
Nem que se venha dizer que se exije formação aos peões e idosos. Formação?
Nem que se tenham feito paragens para autocarros paralelas às paragens do “metro” e perigosamente próximas (é verdade que há 60 cm livres, quando nas passagens livres para profissionais, no Metro de Lisboa, se regulamentou 65 cm?). Todos sabemos que o caminho para a porta de um autocarro é sempre, mas sempre um caminho de elevado risco porque a atenção da pessoa privilegia o autocarro e baixa a guarda relativamente aos outros perigos, como parece ter sido o caso.
Este acidente é a triste demonstração de que o modo ferroviário não deve ser partilhado com outros modos, nomeadamente o pedestre (vejo com preocupação o poder político inclinar-se para a solução “metros ligeiros de superfície”).
Por isso a cidadã tem direito ao seguro do MST. E urgentemente, por razões humanitárias, porque o caríssimo colega não me vai dizer que a direcção do MST é composta por pessoas sem essas características.
Lembra-se do acidente do Terreiro do Paço com o atropelamento de 3 raparigas cabo-verdianas? O seguro da condutora comportou-se bem, inclusivamente, após um período de incertezas inicial, proporcionou apoio psicológico à senhora companheira das vítimas, que não foi atropelada mas que ficou em estado de choque. Pode crer que se o seguro não tem avançado, recairia para o metro de Lisboa o odioso do mau estado e da precariedade em que aquela zona se encontrava.
Precariedade é a palavra que eu encontro para as condições de segurança no percurso do metro ligeiro. Mesmo que passem muitos anos antes que alguém volte a morrer.
Porque, como os técnicos do MST sabem, o que define o risco é a combinação da frequência de ocorrência do acidente e a gravidade das suas consequências.
Uma morte e um ferido grave significa uma ocorrência crítica; se ela é provável, i.é, se pode ocorrer uma vez por ano, o nível atribuído a este risco é “intolerável”. É o que vem na norma EN NP 50 126. Que deve ser cumprida se vivemos num país desenvolvido.

Carissimo Colega

Desejo imenso que a sua resposta já traga os passos dados no sentido da correcção desta situação. Mas peço-lhe mais uma vez que recorde como sou difícil de convencer.

As melhores saudações de quem trabalha em transporte de pessoas »

Infelizmente não foi dado seguimento à correcção mitigadora pedida.
A investigação entregue ao GISAF não mereceu a disseminação desejável, se foi concluida.
E, em Janeiro de 2010, ocorreu novo atropelamento mortal. Desta vez porque o peão se encontrava no espaço restrito entre a via férrea e a faixa rodoviária adjacente e de sentido contrário (na zona de Almada as vias férreas ocupam o centro da artéria, com uma faixa rodoviária de cada lado; no Laranjeiro e em Corroios, na EN 10, as faixas rodoviárias em ambos os sentidos estão de um dos lados das duas vias férreas).
Temos assim que em 15 meses de exploração houve dois atropelamentos mortais, isto é, 1 morte em 8 meses.
Segundo a norma NP EN 50126, esta frequência, para um acidente como este classifica-se como “provável” e as suas consequências como “críticas”.
Entre operadores de transportes, a matriz de frequência/gravidade deduzida desta norma dá para a combinação provável/crítica a classificação de risco “intolerável”.
A autoridade exploradora do sistema de transporte pode definir outra escala de aceitabilidade do risco. Porém, correrá por sua vez o risco de ser acusada de desrespeito pela segurança dos passageiros e dos utilizadores da via pública.
Estes são riscos devidos à partilha da via pública.
Só que a experiencia já demonstrou que o sistema como está é, como diz a norma, “intolerável”.
Dou um exemplo: na zona de Almada, existem passadeiras de peões nas faixas rodoviárias mas não na via férrea. Quer isto dizer que é possível um automóvel parar para ceder a passagem a peões que correm o risco de ser atropelados por um comboio que se aproxime encoberto pelo automóvel parado, no mesmo sentido deste, e sem semáforos (só existem nos cruzamentos com o modo rodoviário). Admira não haver mais acidentes.
Não são admissíveis:
- a inexistência de passadeiras para peões (o que obriga a baixar a velocidade de circulação dos comboios, o que por sua vez pode ser minimizado com semáforos - a 30 km/h o comboio precisa de 50 m livres à sua frente para garantir a travagem de modo a não colidir com um objecto; a essa velocidade, percorre os 50 m em 6 segundos)
- a inexistência de semáforos para os comboios para passagem de peões e de mecanismos de controle de velocidade relacionados com janelas de tempo para a travessia por peões
- a inexistencia de passagem pedonais aéreas com rampas para pessoas com mobilidade reduzida
- a proximidade da via férrea e das faixas rodoviárias
- a proximidade das paragens de autocarros e de comboios
- a dificuldade de identificação dos sentidos de circulação e de percepção dos riscos para a circulação pedonal e dos automóveis ligeiros
- a inexistência de barreiras ou, pelo menos, de marcos separadores dos diferentes modos de transporte
- a inexistência de setas pintadas no chão apontando para donde pode vir o perigo.
- o desprezo pela urgência em resolver esta questão
- a burocracia de “despachar” para as comissões de inquérito o prosseguimento dos processos
- o não pagamento pela seguradora da concessionária dos tratamentos e das indemnizações
- a inexistencia de planos para eliminação de cruzamentos com os modos rodoviário e pedonal conflituantes (são recorrentes as colisões com automóveis) através de desnivelamento por rebaixamento da via férrea ou elevação em viaduto
- a burocracia de alimentar a paralisação mútua, a descoordenação, o jogo do empurra entre Ministério dos Transportes, Câmara de Almada, Câmara do Seixal, Instituto de Estradas, IMTT, GISAF,rodoviária TST,etc, etc, etc.
Este é um assunto que devia ser resolvido por técnicos de transportes, aplicando técnicas centradas no objectivo de transporte de pessoas em condições de segurança, conforto e rapidez e fazendo convergir as diferentes especialidades para esse objectivo, com prioridade sobre quaisquer condicionalismos jurídicos, financeiros ou simplesmente burocráticos.
Para isso estudámos.
Para que não se mantenham situações “intoleráveis”.

Actualização: em 2010-01-08, mais um atropelamento em Corroios, de uma senhora funcionária de um infantário, que tinha estacionado a carrinha e se encontrava a entregar as crianças aos pais; uma das crianças escapou e a senhora foi atrás dela; espero que compreendam o estado emocional com que o terá feito; foi atropelada pelo comboio e , depois, por um carro que passava (a separação entre os contornos dos veiculos nas vias adjacentes, uma férrea e outra rodoviária, pode ser da ordem de 60 cm). A senhora sobreviveu e está no hospital.
Entretanto, mantem-se a espera por conclusões de relatórios e o jogo do empurra entre as entidades envolvidas.
Mantem-se também a classificação de "intolerável", por si só justificativa de suspensão imediata da exploração (ou da circulação rodoviária, claro).
A não suspender-se a exploração nem a circulação rodoviária impõe-se a imediata instalação de barreiras separadoras entre a rodovia e as vias férreas e a criação de passadeiras para peões com limitação de velocidade dos comboios na sua travessia a 10 km/h e aquisição de balizas automáticas para os travar em caso de ultrapassagem desse valor e semaforização das passadeiras. Embora o código da estrada obrigue a uma distancia máxima de 100 m entre passadeiras para peões, enquanto não se instalarem as medidas mitigadoras definitivas talvez as pessoas aceitassem uma distancia de 200 m entre passadeiras (assunto a definir com as juntas de freguesia e as câmaras, parece evidente).
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