segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Teoria do erro

O texto seguinte faz parte de um livro de memórias a sair em breve e é pretensioso.
Não se baseia no tratamento de dados sistemáticos.
Apenas na observação de alguns factos da experiência vivida num metropolitano.



O cérebro humano é uma máquina maravilhosa de capacidade de processamento e de armazenamento de dados.
 Infelizmente não tem a potência de processamento nem a persistência de memória de que ele próprio se convence, ou de que convence o seu dono.
O cérebro falha.
Dois ou três segundos em que a atenção do maquinista falha, em 1000 horas de condução.
Felizmente a probabilidade de sobreposição de uma circunstância indutora de um acidente (ou o produto das duas probabilidades) é reduzida.
Ou falha a memória de uma informação indispensável à correção de um raciocínio.
Ou ainda a grande traição do cérebro, a capacidade que ele tem de enganar o dono.
De construir uma verdade que só existe dentro dele, que resulta de uma lógica implacável mas que assenta em dados que podem não ser reais, ou que foram ignorados pelas misteriosas sinapses e neurónios.
Felizmente que os métodos de visualização da atividade cerebral vão sendo dominados, mas não sabemos ainda como levar os cidadãos e as cidadãs a não se contentarem com a primeira análise que fazem ou que aceitam como boa vinda de terceiros ou deles próprios.
A deterem-se numa segunda análise mais profunda e a submetê-la a testes de coerência e de conformidade, ou de consistência e de confiabilidade, como dirão os anglo- saxónicos.

Esta introdução serve para recordar a reação correta e imediata do maquinista perante o violento solavanco.
Depois que o sentiu, manteve o comboio parado na estação Praça de Espanha até o piquete de assistência comparecer.
Tinha sido arrancada uma porção de cerca de 30 cm de comprimento da cabeça do carril.
O nível das variáveis de velocidade e energia cinética e as ligações dos engates entre carruagens evitaram o descarrilamento.
Mas a circulação teve de ser interrompida até um troço de 18 metros de carril ser substituído.
Fiquei lívido quando me contaram.
O comboio podia ter descarrilado.
Podia ter chocado com um comboio em sentido contrário, na outra via.
Lembrei-me de, antes, ter comentado para o colega mais jovem que acompanhava os trabalhos de renovação da sinalização ferroviária da zona:
– Eu sou um péssimo soldador, quando soldo qualquer coisa deixo sempre bolinhas de solda, como o soldador do instalador deixou nestes carris, para soldar os cabos de continuidade da corrente de retorno e dos circuitos de via da sinalização.
E não disse mais nada.
Devia ter mandado dar uma descompostura no colega da empresa instaladora e suspender o trabalho. Mas não, o meu cérebro enganou-me por omissão.
Não estabeleceu a relação de causa e efeito entre uma soldadura mal feita, submetendo uma porção localizada de carril a uma temperatura superior à desejável, criando assim uma zona de fragilidade e sensibilidade à fadiga mecânica.
Rapidamente com Rosa Ortigão, o colega da manutenção, organizámos um plano de substituição dos carris soldados em idênticas condições e a substituição das soldaduras por furação da alma do carril e fixação dos cabos com casquilhos de aperto.
Fotografei os estragos e apresentei os resultados na reunião seguinte do comité da especialidade da UITP.
Eis portanto a teoria do erro.
O universo da ignorância é insondável pelo nosso pobre cérebro.
Que deve recolher o máximo da informação e utilizar o princípio da precaução.
Por isso o secretismo após um acidente é criminoso. 
E a colocação no pelourinho e a atribuição de culpas é desmoralizante.
São as causas e as circunstâncias que devem ser identificadas e divulgadas para evitar repetições.
Não são prioritárias, as punições. Interessa, acima de tudo, conhecer as causas e as medidas corretivas e providenciar para que o acidente não se repita.
Um pequeno grão de areia, como dizia Pascal, pode ter consequências de extensão enorme.
Um pequeno erro pode ser trágico.
Mais uma razão para o trabalho em equipa, beneficiando da diversidade de perspetivas.
Que pena os políticos, os economistas e os financeiros não partilharem desta teoria do erro, de que o cérebro engana e pode omitir o essencial.
Insistindo, pelo contrário, na imposição das suas teorias do erro aplicadas, que podem lançar um país inteiro fora dos carris.


1 comentário:

  1. Errar humanus est..!!!
    O problema é ... ver... analisar ... e corrigir...!!
    antes que ...produza efeitos ..e consequências ..!!!
    AD

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