terça-feira, 9 de maio de 2017

Aeroporto do Montijo II

Depois da sessão realizada pela Ordem dos Engenheiros em 24 de março de 2017 sobre o aeroporto do Montijo, tive oportunidade de assistir a uma apresentação em 5 de abril na Sociedade de Geografia pelo presidente da Ana, Dr Ponce de Leão, que aliás participara na sessão da Ordem dos engenheiros. Assisti também ao programa prós e contras de 10 de abril dedicado ao aeroporto do Montijo.

Embora alguns especialistas me tenham a seu tempo ensinado, provavelmente com grau elevado de insucesso, alguns rudimentos da ciencia ou tecnica dos transportes,  principalmente a construção de matrizes origem-destino, o cálculo de custos e de benefícios de percursos, a análise da problemárica das energias e o relacionamento das redes de transportes com a estrutura de organização de um território, a verdade é que é grande a minha ignorancia das questões aeronáuticas.

Por isso me interessei pelo tema  do novo aeroporto ou aeroporto complementar da Portela. É sempre interessante mergulhar nos meandros dum conhecimento específico, embora não tenha a veleidade de ultrapassar a camada superficial. Mas tenho a convicção de que devem ser amplamente debatidas estas questões.
Neste caso, talvez imprudentemente (porque primeiro fazem-se os estudos, depois testa-se a validade dos estudos e procede-se em conformidade) porque o XXI governo já declarou a irreversibilidade da decisão de instalação na base aérea nº6 de um aeroporto complementar ao da Portela.
Imprudentemente, talvez, também porque se vão sabendo coisas aos poucos, o que prova que o debate foi mantido em sigilo parcial, e porque, feito o ponto da situação no programa da RTP1 de 10 de abril, faltam os seguintes elementos para tornar definitiva a decisão (isto é, a decisão já é neste momento irreversível, mas ainda não é definitiva; faz-me lembrar o general austríaco na I Grande Guerra, telegrafando para o seu colega a resposta com o estado da sua frente: a situação já é catastrófica, mas ainda não é grave; ou quiçá literalmente, porque as irreversibilidades são em Portugal um grave problema, o "Irreversível" de Monica Belluci:
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=belluci ) :
1 - conclusão das negociações com a ANA sobre a comparticipação desta nos custos das acessibilidades rodoviárias e fluviais
2  - conclusão das informações pelas companhias aéreas interessadas sobre as especificações da pista no Montijo, ou dito de outra forma, o número de movimentos por hora no Montijo, e consequentemente a resposta à procura, dependerá sempre de que companhias low cost para lá quiserem ir, sendo que um dos fatores de decisão é a capacidade de estacionamento (para poderem esperar que as reservas encham o avião)
3 - aquisição dum sistema de regulação de tráfego aéreo que permita 48 movimentos por hora na Portela (este tema não foi tratado neste prós e contras, envolve uma verba de cerca de 23 milhões de euros e é o principal estrangulamentoo da Portela para aumentar os seus movimentos)
4 - conclusão do relatório da Força Aérea com os custos da deslocação ou da coexistencia, remotamente possível, com os 24 movimentos por hora civis que se pretendem
5 - conclusão do estudo comparativo de impacto ambiental  (final de 2017?), o qual pode ter legalmente força de veto.

Isto é, temos uma decisão irreversível agora e teremos outra decisão irreversivel em finais de 2017.

Outra razão por que me interessei por esta questão é a formação de convicções num assunto público. Curiosamente, o painel de opinião dos espetadores dava no início do prós e contras 59% de aprovação da localização do aeroporto complementar no Montijo. No fim do programa a taxa de aprovação era de 48%. Poderá pôr-se a hipótese de que militantes do partido comunista acorreram a manifestar apoio à posição oficial do seu partido, ou da associação de municípios da região de Setúbal. Mas também podemos pensar que os espetadores foram sensíveis aos argumentos dos pilotos, tão críticos relativamente ao Montijo, o que será positivo, se nos lembrarmos que "quem decide onde ficam os aeroportos não é quem pilota os aviões que nele aterram". Ou mesmo aos argumentos do presidente da câmara do Barreiro, cujo hospital e habitantes (especialmente Lavradio e Baixa da Banheira) serão molestados pelo ruído dos aviões na aproximação ou na descolagem. Se a pista a aproveitar fosse a leste-oeste, a câmara do Montijo manteria o parecer favorável ao aeroporto?).


Grave, muito grave, para mim, é insistir-se em números do relatório Roland Berger que são manifestamente exagerados enquanto custos da solução faseada e final no campo de tiro de Alcochete
e que assim retiram valor a essa solução. É muito grave o senhor ministro, depois de formalmente pedido pelo ex-bastonário da ordem dos engenheiros, e de informado que os números estavam mais de 5 vezes exagerados, ter mantido a estimativa de 2000 milhões de euros, limitando-se  citar acriticamente o estudo, tal como se fazia antes do método cientifico citando o  magister dixit. O pedido do ex bastonário ao senhor ministro foi muito claro: "denuncie o estudo".

Também será grave propagar-se a ideia de que o aeroporto do Montijo rapidamente atingirá a saturação depois de contribuir com 24 movimentos por hora para se atingir os 72 movimentos por hora. Quando é o próprio drPonce Leão que depois da sessão na Sociedade de Geografia, informalmente, confessou que não espera nos tempos mais próximos mais do que 8 movimentos por hora no Montijo. Ou 1200 passageiros por hora nos dois sentidos, ou 600 passageiros por hora nas chegadas, coisa que um barco da Transtejo escoará facilmente.

Quanto à pergunta, esta da coordenadora do programa, que também ficou sem resposta "o que propõem não havendo dinheiro?" num tema em que não há comparticipação comunitária (os aviões agravam substancialmente as emissões de gases com efeito de estufa), parecerá que o que há a fazer é um plano faseado de abandono do aeroporto da Portela, sem aeroportos complementares, para se ir progressiva e lentamente executando de modo aos custos anuais serem suportáveis, e à transferencia do aeroporto da Portela se verificar a prazo de 10 anos. Pelo menos os projetos já se podiam ir fazendo. Já se sabe que as companhias "low cost" não querem uma solução assim, nem a maioria das entidades  e das pessoas habituadas ao local de trabalho na Portela, mas os compromissos internacionais, expressos pelas diretivas comunitárias, são claros, não deve haver aeroportos no meio das cidades, nem em Lisboa (é intolerável pelos riscos o atual movimento de 140 camiões diariamente para fornecimento de combustível aos aviões) nem no Montijo.




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