terça-feira, 24 de março de 2020

Nota da Presidencia da Republica de 23 de março sobre a linha circular e minha interpretação em 25 de março

Pouco depois da noticia sobre a reunião do Presidente da República com o Ministro das Finanças em 23 de março de 2020, recebi um email dum colega, do IST e do serviço militar nos longinquos anos de 1971 a 1974 comunicando-me que afinal a linha circular do metro não estava suspensa.
Apesar dos tempos não serem propícios ao debate, respondi assim:





Carissimo

Estavas bem informado, em cima do acontecimento.
Só hoje de manhã li no Publico o resumo da nota da Presidencia da Republica confirmando que "a AR não suspendeu  qualquer decisão administrativa, limitando-se a formular  recomendação política". E que não mandava para o Tribunal Constitucional porque nenhuma das dúvidas em termos de constitucionalidade se afigura justificar o pedido de constitucionalidade"  (Nota minha: a "dúvida" era uma ideia do governo para inviabilizar a suspensão alegando que linhas de metro é competencia do governo, náo da AR).
Confesso que não estava à espera da parte de um constitucionalista ver esta argumentação. 
Como não sou jurista, tenho de me encolher na minha ignorancia e insignificancia juridica. 
Mas como cidadão que ainda tem ao seu dispor o exercicio de alguns direitos que não foram suspensos, como o art.37º.1 da CRP (direito de expressão, de informar e ser informado) e o 48º (direito de tomar parte na direção dos assuntos publicos e a ser esclarecido objetivamente sobre a sua gestão) vou citando outros artigos:
 - art.161º g)   compete à AR aprovar o Orçamento do Estado
- art.162º a) compete à AR no exercicio de funções de fiscalização, apreciar os atos do governo

Ora, o que esteve em causa não era se competia ao metro ou à AR decidir para onde vão as linhas de metro (reação do senhor ministro do Ambiente, embora anteriores declarações públicas tenham sido no sentido de serem as áreas metropolitanas a fazê-lo). 
O que esteve em causa foi a aprovação de um orçamento que o foi, entre outras alterações aprovadas pela AR, sem a verba para a execução da linha circular, mas determinando as ações que se podem ler no texto das propostas aprovadas que reproduzo no fim desta mensagem.
Verificou-se pois que o governo enviou o orçamento para o Presidente sem ter feito a alteração.
Por mim, acho grave, um incumprimento do texto constitucional (compete à AR aprovar o orçamento), que me leva a admitir que o Tribunal de Contas possa vir a chumbar os contratos para a obra (ou a separação dos poderes é uma poesia).
O que estava em causa era a aprovação de um dos componentes do orçamento, o que é uma competencia da AR. Não era uma recomendação, como  os senhores assessores do Presidente lhe terão dito. A recomendação da suspensão da linha circular foi aprovada pela AR pela Resolução 167/2019 de 19 de julho de 2019. Então sim, era uma recomendação não vinculativa, aprovada com os votos de 11 deputados do PS.
Mas o ministro do Ambiente e a CML mantiveram a sua obstinação (dum ponto de vista técnico, embora a justificação da existencia de um metropolitano seja a eficiencia energética e portanto ambiental, a tutela de um sistema como o transporte metropolitano deveria estar num ministério com valencias técnicas de engenharia civil, mecânica, eletrotécnica, de telecomunicações  e de informática; por outro lado, a CML não é a AML).
E não cumpriram o art.48ª da CRP, não mostraram, apesar de publicamente pedidos, os "estudos" que repetidamente disseram que sustentavam a opção linha circular, nem corrigiram as inconformidades do EIA que foram oportunamente divulgadas e incorporadas no processo de consulta publica.
Admito que o Presidente não tenha querido hostilizar o governo, mas deixa-me na dúvida se os seus assessores lhe terão dado nota das petições que sucessivamente foram recebidas e dado provimento na AR de moradores de Loures, Odivelas, Lumiar, Telheiras e Estrela que se sentiram justamente prejudicados nos seus interesses e cujo protesto se encontra depositado no gabinete de interesses difusos da Procuradoria Geral da Republica. 
Isto é, terão predominado razões políticas sobre o exercício dos direitos dos artigos 37º e 48º? Afastando ainda mais o objetivo do art.2º da CRP, "o aprofundamento da democracia participativa"?

Porém, o momento que atravessamos aconselha a não perder tempo com debates.
Mas quem trabalhou em infraestruturas sabe como é longo o tempo entre uma decisão e a entrada em serviço da infraestrutura, passando pelo estudo prévio, o anteprojeto, a avaliação ambiental, a consulta pública, o concurso, a obra, os ensaios, a homologação. 
Devia haver humildade e não obstinação. Por isso sempre propus alternativas e concessões, sempre com uma parede erguida em frente.
Faz-me lembrar o tempo do nosso serviço militar, em que tinhamos de cumprir as ordens de um regime colonial, que vivia isolado da comunidade internacional e que não queria ouvir o que diziamos entre nós e aos nossos colegas da Academia Militar que depois integraram o MFA.
Olha, viviamos tambem uma quarentena, à espera do dia inteiro e límpido da Sofia, que este ano parece será triste, mas sempre, sempre com a esperança de sermos melhores, se não esta geração,  a que vier a seguir. E que ao menos dêem um pouco mais de atenção às propostas dos engenheiros ...

Carissimo

Desculpa os desabafos desta mensagem longa, deve ser das contrariedades.

Grande abraço, e votos que tenhas saúde, tu e os teus








Texto das propostas, não recomendações, aprovadas pela AR em 4/5fev2020


Proposta do PCP que suspende obra da linha circular também é aprovada

Depois do PAN, também o PCP conseguiu fazer aprovar a suspensão do processo de construção da ​Linha Circular entre o Cais Sodré e o Campo Grande e determinar a "prioridade à expansão da rede de Metropolitano até Loures, bem como para Alcântara e zona ocidental de Lisboa". Só o PS votou contra e a Iniciativa Liberal absteve-se. Todos os outros partidos votaram ao lado dos comunistas.



Aprovada suspensão das obras da linha circular do Metro de Lisboa
A proposta do PAN para a suspensão da construção da Linha Circular do Metropolitano de Lisboa foi aprovada contra a vontade do PS: PSD, Bloco, PCP, PAN e Chega votaram a favor; o CDS e a IL abstiveram-se e os socialistas votaram contra.
O texto do PAN estipula a suspensão da construção e durante este ano o Governo:
- realiza vários estudos técnicos e de viabilidade económica para avaliação comparativa entre a extensão até Alcântara e a Linha Circular e para a sua expansão prioritária para o concelho de Loures;
- uma avaliação global custo-benefício, abrangendo as várias soluções alternativas para a extensão da rede para a zona ocidental de Lisboa;
- estudo global de mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente quanto a redes de transportes públicos, ligação de modos de transporte, intermodalidade e interfaces;
- procede à urgente contratação dos trabalhadores necessários à manutenção e ao normal funcionamento do Metropolitano de Lisboa, tendo em conta as diversas áreas onde se verifica carência de pessoal;
- procede à reposição dos materiais necessários à manutenção e reparação do material circulante e dos equipamentos, no Metropolitano de Lisboa;
- procede à realização urgente de obras nas estações que necessitam de intervenção, principalmente devido às infiltrações, no Metropolitano de Lisboa;
- garante as devidas condições de acesso aos utentes com mobilidade reduzida ou condicionada no Metropolitano de Lisboa.


PS em 25 de março de 2020

Eu não devia meter-me em discussões jurídicas, mas tenho uma tendencia, não sei se natural se contraída ao longo da vida, para me entreter com problemas lógicos. Sabem, aquela questão de eu ser um mentiroso nato, só digo mentiras, até esta afirmação é uma mentira. Bom, mas se só digo mentiras entaõ a afirmação "só digo mentiras" é mentira, logo não digo só mentiras, também digo verdades. A solução estuda-se em lógica matemática, mas é mais dificil tratá-la nos assuntos correntes. E este assunto que o senhor Presidente , conforme a sua nota, "não suspendeu qualquer decisão administrativa" , fez-me lembrar a dificuldade da lógica (o problema está em que o cérebro humano é um produto da natureza, não é a natureza que é o produto do cérebro humano).
Eu sei que o senhor Presidente também gosta de problemas lógicos, se quiserem posso explicar como sei, mas até podia ser que um assessor atento ao que se escreve pela internet fora apanhasse esta análise e a expusesse ao senhor Presidente.
Mas vamos por partes.
Em julho de 2019 houve de facto uma recomendação da AR ao governo para suspender a linha circular. Mas isso foi em julho de 2019.
Depois, em 4 e 5 de fevereiro de 2020 (com uma meia noite entre a proposta do PAN e a do PCP, foram aprovadas as propostas de alteração do Orçamento de Estado 600 e 1189 reproduzidas acima.
Horror dos horrores, inconstitucionalidade, gritaram os parlamentares e os ministros da linha circular. E logo a zelosa comunicação social secundou, irresponsáveis, incompreensíveis, inexplicáveis, e até, coisa que eu pensava que diretores de jornais respeitados já não escrevessem, uma estupidez de quem queria suspender a linha circular.
Temos então que uma dúvida de inconstitucionalidade, por parte do governo,  corresponde à defesa da linha circular. Poderia assim estabelecer-se outra correspondencia, que quem não tem dúvidas de inconstitucionalidade é favorável à suspensão da linha circular. Mas pode não ser fiável, esta conclusão, embora seja aplicável a muitos, pelo menos à maioria da AR. Então, como à AR compete aprovar o OE e não teve dúvidas de inconstitucionalidade e isso corresponde à suspensão da linha circular.
Temos de ver o que diz o OE promulgado pelo senhor Presidente.
Se o que está no site do Parlamento está correto (ver

este é um extrato do decreto da AR  3/XIV Orçamento de Estado para 2020, de 6 de fevereiro de 2020 que foi enviado para promulgação em 3 de março de 2020 (cabe aqui mencionar que as propostas de alteração são introduzidas no texto do orçamento pelos serviços de apoio à AR e este enviado pela Comissão do Orçamento e Finanças ao governo para alterar os mapas, não o articulado):

pág.187
Artigo 282.º Investimentos e expansão da rede do metropolitano de Lisboa
1 – O Governo promove, durante o ano de 2020, as medidas necessárias junto da empresa Metropolitano de Lisboa, EPE para suspender o processo de construção da Linha Circular entre o Cais Sodré e o Campo Grande, devendo ser dada prioridade à expansão da rede de metropolitano até Loures, bem como para Alcântara e a zona ocidental de Lisboa. 
2 – Durante o ano de 2020, o Governo: 
a) Realiza, através da Metropolitano de Lisboa, EPE: 
i) Um estudo técnico e de viabilidade económica, que permita uma avaliação comparativa entre a extensão até Alcântara e a Linha Circular; 
ii) Os estudos técnicos e económicos necessários com vista à sua expansão prioritária para o concelho de Loures; 
iii) Uma avaliação global custo-benefício, abrangendo as várias soluções alternativas para a extensão da rede para a zona ocidental de Lisboa; 
b) Elabora um estudo global de mobilidade na Área Metropolitana de Lisboa, nomeadamente quanto às redes de transportes públicos, à ligação dos modos de transporte, à intermodalidade e interfaces; c) Com vista ao normal funcionamento do metropolitano de Lisboa, procede: 
i) À contratação urgente dos trabalhadores necessários, tendo em conta as diversas áreas onde se verifica carência de pessoal;  
ii) À reposição dos materiais necessários à manutenção e reparação do material circulante e dos equipamentos; 
iii) À realização urgente de obras nas estações que necessitam de intervenção, principalmente devido às infiltrações.

Artigo 283.º Promoção da acessibilidade no metropolitano de Lisboa
Tendo em vista o cumprimento da legislação sobre acessibilidades e para que sejam progressivamente eliminadas as barreiras existentes, o Governo promove a concretização de obras nas estações do metropolitano de Lisboa já existentes, por forma a torná-las totalmente acessíveis a cidadãos com mobilidade reduzida, nomeadamente através da instalação de elevadores e/ou plataformas elevatórias para cadeira de rodas e da adaptação dos corrimãos para leitura em braille do número de degraus.

Isto é, se entre a saída do documento da AR e a entrada na Presidencia da República ninguém alterou o texto do OE, então o que o senhor Presidente promulgou foi que  "art.282º -1 - O Governo promove, durante o ano de 2020, as medidas necessárias junto da empresa Metropolitano de Lisboa, EPE para suspender o processo de construção da Linha Circular".

Em rigor literal, o processo da circular pode ser suspenso apenas em 31 de dezembro de 2020 (talvez melhor redação teria sido "para manter suspensa"), mas de acordo com o ponto 2, o governo terá de conseguir que o metropolitano consiga (a redundancia reforça a dificuldade) realizar até aos mesmos 31 de dezembro a série de estudos indicada (comparativo Alcantara-circular, estudo para Loures, comparativo expansões para ocidente, estudo mobilidade na AML) e ainda, contratação de pessoal e tarefas de manutenção. 
Acresce o art.283º com a incumbencia do governo promover obras nas estações para acessibilidade para pessoas com mobilidade reduzida (coisa em que há muito o metro incumpre).

As verbas previstas, que não foram mexidas, pelo menos comparando com a proposta do governo de 14 de dezembro de 2019 (Proj lei 5/XIV/1ªGov) são (pontos 64 e 67 do ANEXO I):
10,5 milhões de euros para material circulante e CBTC, adjudicação a decorrer
24,2282 milhões de euros para o projeto de expansão da rede  (não mencionada a linha circular)

Ora, dadas as circunstancias, dificilmente se poderá cumprir este prazo, e dificilmente chegarão as verbas para o que é preciso fazer, consideremos ainda o art.283º.
Seria desejável que fossem contratados por concurso público gabinetes internacionais de engenharia (Juncker a seu tempo garantiu que poderia haver apoio técnico) que ajudassem o metro a realizar os estudos listados sem correr o risco de acusação de orientação prévia para favorecer a opção linha circular, como ficou patente no processo desde o mapa de expansão de 2009 até ao EIA.

Temos portanto que a nota da Presidencia, quando diz que "nenhuma das dúvidas levantadas, em termos de constitucionalidade, se afigura justificar o pedido de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional . Nem  ... a da eventual violação do princípio da separação e interdependência dos poderes do Estado ... no caso de alegada deliberação parlamentar suspendendo ... a concretização de linha circular do metro de Lisboa. Em rigor, a Assembleia da República não suspendeu qualquer decisão administrativa, limitando-se a formular recomendação política, dirigida ao Governo e à Administração Pública em geral, sobre a aludida matéria."

Aparentemente, para mentes pouco sofisticadas como a minha, temos aqui uma contradição, e era esse problema lógico que seria interessante discutir com o senhor Presidente, embora concorde com a deputada do PAN, Inês Real, que não é o momento apropriado para discutir com o governo se o senhor Presidente aprovou ou não o prosseguimento da linha circular, mas por outro lado é urgente desenvolver os estudos listados no art.282º .  

A menos que, para levantar a contradição, se interprete "recomendação política" com o sentido que os latinos lhe davam, indicar uma direção (como um agente de autoridade), advertência, aviso (como os cartazes que impõem comportamentos na via pública), ordenar, comandar  (do latim commendare com o prefixo de reforço re) - com a devida vénia a Houaiss.

Talvez se possa concluir que os estudos listados são mesmo para fazer,  com ou sem intervenção de gabinetes estrangeiros, que sejam escrutináveis  e que de forma participativa sejam aceites sugestões.
Pela minha parte, e estou certo pela parte de todos os reformados, há disponibilidade para colaboração.





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