segunda-feira, 23 de março de 2020

Suspensão da linha circular do metro - Sugestões de prosseguimento para que não se diga que só se critica




Embora o momento seja de grande preocupação, quem trabalhou em infraestruturas sabe como é longo o período entre uma decisão e a inauguração da obra, com a agravante do processo de tomada de decisões ser penoso e ferido de muita incompreensão de muitas das partes.

Por isso, enquanto os nossos profissionais de saúde combatem a epidemia com heroismo e espirito de sacrifício, não parecerá mal que mantenhamos o debate.

Aliás, algo pareceu mudar nos decisores da Comissão Europeia, ao levantar a barreira dos 3% do défice. É verdade que apelaram a que isso fosse aproveitado para fortalecer os serviços nacionais de saúde, anteriormente tão negligenciados, parece que devido aos padrões dominantes da economia.

Mas também podemos interpretar a decisão como integrada numa estratégia mais abrangente, em que já era consensual na Comissão Europeia a  política de descarbonização, de que uma das principais vertentes é a transferência do transporte individual (TI) para os transportes públicos (TP), ou coletivos, como alguns de nós preferem dizer.  Sendo que um bom objetivo para a Área Metropolitana de Lisboa, já divulgado, será a troca dos 30 por 70 (mudar a taxa de deslocações motorizadas de 30% do TP e 70% do TI, para 30% do TI e 70% do TP). E com isso conseguir ganhos para a saúde pública, nomeadamente na prevenção de doenças respiratórias através da redução do consumo  de combustíveis fósseis.

Mantem-se da parte da Comissão Europeia a disponibilidade para cofinanciamento, com as habituais exigências de rigor na elaboração dos projetos e as respetivas análises de custos benefícios comparativas com alternativas funcionalmente equivalentes.

A resolução da Assembleia da Republica não suspendeu apenas a linha circular, determinou a execução pelo metropolitano de Lisboa de estudos alternativos para os prolongamentos para Loures e para Alcântara.

Sobre o prolongamento para Loures, eventualmente com um parque dissuasor junto do Hospital Beatriz Angelo e prolongamento a prazo para Infantado e MARL, tenho assistido à continuação da mobilização da população de Odivelas, enquanto cidadãos prejudicados pelo projeto da linha circular. 
Refiro apenas a contribuição do simpático semanário Odivelas Notícias que me distinguiu com a publicação de um artigo em que eu sugeria a colaboração das salas de desenho das câmaras de Odivelas  e de Loures com o departamento de estudos de traçados do metropolitano no desenvolvimento participativo de alternativas a comparar em função das análises de custos benefícios.                

Com muita satisfação tomei conhecimento, na sessão promovida em 4mar2020 pela Ordem dos Economistas  sobre a suspensão da linha circular, por informação do senhor vereador da mobilidade da CML, eng.Miguel Gaspar, que o metropolitano já estava a estudar a linha para Alcântara.    http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/03/sessao-na-ordem-dos-economistas-em.html

Temos aqui um pequeno problema do foro deontológico, porque  a perceção dominante é a da separação entre os profissionais no ativo e os reformados das empresas. A estes associa-se vulgarmente a nostalgia do “no meu tempo é que era bom” e que o exercício por eles do direito consagrado na Constituição da República, nos artigos 37º.1 e 48º.1 (direito a ser informado e a tomar parte na direção dos assuntos públicos) constitui um obstáculo ao cumprimento das funções das empresas. Por existir essa perceção, e não querer prejudicá-los, não posso debater com os meus colegas no ativo os pormenores dos estudos de traçados, embora por os conhecer, por ter a certeza que são altamente qualificados e, perdoe-se-me a imodéstia, por saber que alguns deles têm o meu livrinho “Manual condensado de transportes metropolitanos” com a discussão dos conceitos a aplicar, eu julgo que são maioritariamente críticos do projeto da linha circular.

Além de que já critiquei publicamente muitas das decisões superiormente tomadas “no meu tempo”. 

Mais uma vez aqui se mostra que os técnicos existem para “consertar” as superiores decisões dos não técnicos. Ao longo dos anos se foram acrescentando prolongamentos da rede do metro por inspiração dos decisores, sucessivamente desintegradas dum plano de expansão coerente para a AML . 

Exemplos: as curvas e contracurvas em efeito de fita do troço Colégio Militar-Pontinha, a transferência da natureza transversal (semicircular) da linha amarela para a linha vermelha, o tratado de Tordesilhas que adjudicou à CP o serviço urbano da parte ocidental da cidade (e a oriental para o metro),  a recusa da construção  em Santa Apolónia dum término seguro e do prolongamento em viaduto na direção do Parque das Nações para não colidir com um estabelecimento de diversão noturna, a sistemática oposição ao prolongamento para Alcântara por insistência no Plano de Urbanização de Alcântara de troços subterrâneos e respeito pelas futuras decisões e obstruções dos empreendimentos imobiliários (como classificar a venda por 20 milhões de euros como prato de lentilhas do triangulo dourado com vocação pra interface de transportes?)

E sim, o célebre mapa de 2009 com a linha circular foi feito ainda “no meu tempo”, naturalmente sem audição dos técnicos de operação, de manutenção, dos que preparavam os processos de homologação e colocação em serviço dos prolongamentos. E que escreveram na altura a sua discordância, há mais de 10 anos…  Por isso não sou muito sensível ao argumento de que a linha circular vai comprometer desenvolvimentos futuros. Vai atrasá-los. Certamente que depois serão encontradas soluções corretivas. Para isso servem os engenheiros, para as encontrar.

Mas para não extremar posições e não exacerbar o debate, tentemos sugestões colaborativas centrando-nos nos estudos dos traçados para Alcântara.

Infelizmente, não se assistiu a uma mobilização dos moradores de Alcântara a defenderem o prolongamento para a sua freguesia, que cumulativamente teria a vantagem de encurtar a viagem dos passageiros da linha de Cascais para a zona da Avenida da República, comparativamente com a proposta da linha circular. Provável sintoma do declínio demográfico da cidade, numa zona outrora rica no setor secundário, hoje abominado pelos sacerdotes do urbanismo. Apenas os moradores da Estrela se organizaram no protesto contra os riscos da construção na colina da Estrela devido às suas caraterísticas hidrogeológicas. Estas exigem uma monitorização permanente da instrumentação e a prontidão também permanente dos meios de contenção dos deslizamentos, o que não é barato.

Nestas condições, o metropolitano terá praticamente o monopólio do estudo dos traçados, considerando que não parece haver nenhuma entidade disposta a contratar por concurso os serviços de um gabinete de engenharia internacional para o efeito. Aliás, se se confirma a informação do senhor vereador da mobilidade de que o mapa de 2009 foi desenvolvido pelo mesmo consultor que por contrato pela Associação Comercial do Porto produziu em 2007 a proposta aeroportuária Portela +1 Montijo, talvez essa não seja uma sugestão linear.

Talvez então que uma boa sugestão seja um acompanhamento periódico dos trabalhos do estudo da ligação a Alcântara do metropolitano pelos senhores deputados da Comissão de Economia e Inovação da AR, contando com o apoio de académicos, da imprensa técnica, da Ordem dos Engenheiros, e que entretanto vão aparecendo  sugestões com origem na sociedade civil.

O que me leva a apresentar desde já as sugestões seguintes, partindo do “Manual condensado” https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH  e de um anterior “post” no blogue para minimização dos danos da linha circular (linha em anel aberto ou laço, ligação Cais do Sodré-Estrela em LRT modernizando a linha de elétricos atual, rede de passadiços pedonais Cais do Sodré-estações de Santos do metro e da CP):

Na página 78  do manual apresentei duas hipóteses como alternativa às ligações a Alcântara e a Algés. Comparei com a solução linha circular e calculei os custos financeiros adicionais de cada extensão por passageiro-km . Dada a pequena extensão do fecho em anel Rato-Cais do Sodré, a hipótese  linha circular não é famosa. É verdade que não a considerei como atrativa para as ligações fluviais no Cais do Sodré porque a margem sul acede preferencialmente à Avenida da República pela linha da Fertagus, mas mesmo colocando-a em igualdade de circunstancias com esta linha (com correspondência na estação do Alvito com as linhas amarela e vermelha) continua mais onerosa por pass-km.

Consideremos então dois grupos de hipóteses, já apresentadas no referido manual (note-se que uma terceira hipótese apresentada no manual apenas será de considerar caso se pretenda uma travessia subaquática do metro para a margem sul na zona de Cacilhas, sendo as outras hipóteses para a travessia do Tejo na Trafaria e em Alcochete/Montijo/Barreiro) :

Hipóteses 1 - prolongamento da linha vermelha de S.Sebastião a Alcântara e da linha amarela de Rato a Algés
Hipóteses 1’ – prolongamento da linha vermelha  de S.Sebastião a Algés e da linha amarela de Rato a Alcântara

Evidentemente que os custos destas duas ligações são muito mais elevados do que a estimativa para a linha circular (cerca de 200 milhões de euros segundo o metropolitano, cerca do dobro segundo estimativas que talvez sejam mais realistas). Mas note-se que, sendo mais extensas, resultarão encargos financeiros por passageiro-km induzido mais baixos do que no caso da linha circular. Além disso, seria possível utilizar o método TBM com tuneladora perfuradora que tem a vantagem de ser mais seguro em terrenos difíceis. Para além do apoio da Comissão Europeia no âmbito dos mecanismos de coesão e do “green deal”, é sempre possível aplicar o conceito de “corredor progressivo” introduzido por S.Paulo – um plano faseado ao longo do tempo mas de carater integrado e aprovado pelas forças políticas.

É provável que a verdadeira razão para, ao longo dos anos, ter sido deixada para trás a ligação a Alcantara e à zona ocidental da cidade, seja a excessiva dependência dos projetos imobiliários desejados para a zona e a crença nas virtualidades das estações subterrâneas em terrenos de aluvião e aterro. Dado que os projetos imobiliários são sistematicamente parcelares, sem previsão e integração num plano de transportes, teme-se que, a não ser modificado o PUA (plano de urbanização de Alcantara) se chegue a uma situação de impossibilidade prática de resolver o nó de transportes de Alcantara através dos viadutos do metro para travessia do vale e para correspondência com Alcantara Terra e Alcantara Mar , e da criação de um plano superior relativamente à superfície para a travessia da linha de Cascais rodoviária e ferroviária de mercadorias do serviço do porto de Alcantara.

Compreende-se a oposição a esta ideia, incluindo os passadiços acima referidos, com base nos impactos visuais (e também na criminalidade), mas sugere-se uma análise deste tipo de soluções em cidades homólogas, tendo em especial atenção que sendo uma solução menos onerosa do que os traçados subterrâneos, convem ao país.

Considerar a não inclusão de algumas estações intermédias numa primeira fase por motivos económicos.

Pormenorizando várias hipóteses:
·       
  •           Hip. 1.1.1 –  




Linha vermelha – início no tímpano do término existente; contorna o depósito de água das Amoreiras por poente com correspondência com parque dissuasor em Campo de Ourique Norte; correspondência com ligação pedonal à linha amarela e CP em Alcantara Terra; viaduto a sul da Praça da Armada com correspondência em viaduto sobre a linha de Cascais em Alcantara Mar
Linha amarela- início no tímpano do término existente; inflexão a seguir à estação Estrela em curva servindo o museu de arte antiga; correspondência com a linha vermelha e a CP em Alcantara Terra e inicio de viaduto sobre o vale de Alcantara; correspondência com a estação Fertagus do Alvito; percurso subterrâneo até à rua de Pedrouços, viaduto com correspondência em Algés com a linha de Cascais


  •          Hip. 1.1.2 –


Como em 1.1.1 exceto a linha amarela que segue diretamente para Alcantara Terra

  •          Hip.1.1.3 –


Como em 1.1.1 exceto a linha amarela em posição intermédia relativamente a 1.1.1 e 1.1.2

  •          Hip. 1.2.1 –


Linha vermelha – contorna o centro comercial das Amoreiras a nascente; correspondência com a linha amarela em Estrela Poente; viaduto com inicio junto do Museu Nacional  de Arte Antiga e seguimento pela doca do Espanhol até correspondência com Alcantara Mar
Linha amarela -  inicio no tímpano do término existente; viaduto no talvegue entre o cemitério dos Prazeres e a rua Possidónio da Silva continuando sobre o vale de Alcantara com correspondencia com a estação Fertagus Alvito e seguimento como 1.1

  •          Hip. 1.2.2 –


Linha vermelha – como em 1.2.1
Linha amarela – início do tímpano do término existente; contorna a Tapada das Necessidades pelo sul, correspondencia com Alcantara Terra e seguimento para Algés conforme 1.1 e 1.2.1



  •          Hip.1.3.1 –


Linha vermelha – contorna o depósito da EPAL pelo Poente e segue diretamente para correspondência com Alcantara Terra em viaduto pelas Ruas João Oliveira Miguens e de Cascais até à travessia sobre a linha de Cascais e correspondência com Alcantara Mar
Linha amarela – como em 1.2.2 ; viaduto a um nível superior ao do viaduto da linha vermelha; exige a opção de aceitação de um viaduto de 12m de largura nas ruas de Cascais e de João Oliveira Miguens (largura da faixa de rodagem e da via atuais: 22m) para suportar as 2 linhas de metro e a via única para mercadorias do porto de Alcantara

  •          Hip. 1’.1.1 –


Linha vermelha – contorna por nascente o centro comercial das Amoreiras para reduzir a curvatura para a passagem em viaduto sobre Alcantara Terra; correspondência com parque dissuasor em Campo de Ourique Norte; correspondência hectométrica com a linha amarela em Campo de Ourique Sul; viaduto sobre o vale de Alcantara com inicio no talvegue entre o cemitério dos Prazeres e a rua Possidónio da Silva; correspondência com a linha amarela e a CP em Alcantara Terra e ligação hectométrica para correspondência com a estação do Alvito da CP; percurso para Algés idêntico ao da linha amarela nas hipóteses 1
Linha amarela – início no tímpano do término existente; correspondência hectométrica entre a estação Campo de Ourique Sul da linha vermelha e Estrela da linha amarela
·         
  •            Hip.1’.1.2 –


Como em 1’.1.1  mas a linha amarela aproveita o espaço do viaduto rodoviário do termo sul da Avenida Infante Santo e substitui o modo rodoviário TI pelo ferroviário TP

  •          Hip. 1’.1.3 –


Linha vermelha – como em 1’.1.1 e 1’.1.2 ; ligação hectométrica para correspondencia com a estação Estrela a linha amarela; correspondência com a linha amarela e a CP em Alcantara Terra e ligação hectométrica para correspondência com a estação do Alvito da CP
Linha amarela – inicio no tímpano do término existente; correspondência hectométrica entre a estação Campo de Ourique Sul da linha vermelha e Estrela da linha amarela; percurso em viaduto pelas ruas João Oliveira Miguens e de Cascais idêntico ao da linha vermelha em 1.3.1



 ·         Hip. 1’.1.4 –

Linha vermelha – como em 1’.1.1 , 1’.1.2 e 1’.1.3
Linha amarela   inicio no tímpano do término existente; correspondência hectométrica entre a estação Campo de Ourique Sul da linha vermelha e Estrela da linha amarela; percurso entre a estação Estrela e Alcantara Mar idêntico ao da linha vermelha nas hipóteses 1.2.1  e  1.2.2 

  •          Hip. 1’.2.1 –


Linha vermelha -   contorno do centro comercial das Amoreiras por nascente (viável o contorno por poente, introduzindo pequeno acréscimo do comprimento mas com a vantagem de menor distancia para o parque dissuasor de Campo de Ourique Norte) ; correspondencia com a estação Estrela da linha amarela; percurso em curva sob a colina a Estrela servindo o museu de Arte Antiga em subterrâneo e infletindo até à Tapada as Necessidades Sul  para em Alcantara Terra cruzar em viaduto, a nível superior, o viaduto a linha amarela;  a partir a estação Alvito da CP percurso para Algés idêntico ao as hipótese 1’.1
Linha amarela – como em 1’.1.3 




A análise das anteriores hipóteses de prolongamento das linhas amarela e vermelha do metropolitano terá de se harmonizar com as intenções anunciadas pela CML para alguns traçados de linhas de LRT e de BRT, embora sem a desejável apresentação e debate  público dos traçados,  mas já inseridas nas propostas de investimentos para o PNI 2030 .

Nesse debate poderia inserir-se a referida modernização da linha de elétrico (tram) entre Cais do Sodré, Santos, Estrela e Campo de Ourique, com pedonalização de algumas artérias, material circulante novo, nova rede de alimentação elétrica, nova via, evitando assim o investimento na linha circular.

Relativamente às propostas para BRT na A5, aparentemente no mesmo espírito que levou aos problemas existentes com o projeto do metrobus do Mondego, insiste-se nos inconvenientes da motorização e que, mesmo na versão elétrica, o consumo especifico de energia por passageiro-km, em igualdade de desenvolvimento tecnológico e para os volumes de tráfego metropolitanos, é superior ao do modo ferroviário, devido ao maior coeficiente e resistência ao rolamento do pneu sobre asfalto em comparação com o ferro-ferro.  

Nesta perspetiva, acrescento um mapa com alguns percursos complementares a desempenhar pelo LRT, de que destaco a ligação Algés-Jamor, este com um parque dissuasor , e a ligação Algés-Damaia-Loures-Sacavém, prevista no PROTAML de 2002. Pressupõe a continuidade da atual linha de elétrico (tram)  Algés-Cais do Sodré.



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