quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Carta enviada à CEIOPH a propósito da cimeira hispano-portuguesa de Trujillo em 28out2021

 

Caro Deputado Hugo Costa

Caros Deputados da CEIOPH

 

 

Tomámos conhecimento com satisfação da realização do fórum parlamentar hispano-português em 4 de outubro.

Os temas tratados vêm ao encontro das preocupações de muitos de nós e a tomada de medidas concretas e não contemporizadoras é indispensável para o crescimento económico e o bem estar dos cidadãos.

 

No domínio das interligações ferroviárias com a Europa vimos novamente (foi-nos concedida uma audiência em abril de 2021), agora no contexto da próxima cimeira de 28 de outubro, solicitar os esforços da CEIOPH  no sentido da alteração da estratégia de exclusividade da bitola ibérica e promoção do cumprimento dos objetivos da rede única europeia TEN-T conforme expresso nos regulamentos 1315 e 1316/2013 segundo os padrões totais da interoperabilidade, que envolvem, entre outros, a bitola e o ERTMS.

 

Tais objetivos obrigam a uma intensa coordenação com os nossos vizinhos espanhóis e a uma posição firme nas negociações para que Espanha não constitua um obstáculo às trocas comerciais com o resto da Europa, imperativo partilhado com as interligações energéticas de eletricidade e gás, e na gestão da água.

 

Como justificação da nossa pretensão enumeramos:

  1. A natureza vinculativa dos regulamentos da UE, isto é, são lei. Embora o ECA (Court of European Auditors, o Tribunal de Contas Europeu) sublinhe a competência dos Estados Membros em definir as datas de execução, não deixa de referir que os regulamentos são linhas de orientação vinculativas. Verificando-se contemporização por parte da CE, da DG MOVE e do próprio coordenador do corredor atlântico, o qual reconhece com displicência que em 2030 Portugal e parte significativa de Espanha não estarão ligados em bitola UIC ao resto da Europa, cabe-nos denunciar esta situação ilegal que não pode ser ultrapassada com lisura apenas alterando a letra no processo de revisão dos regulamentos.                                                                                                                                                   

 Não se contesta a maior parte das meritórias ações em curso de recuperação da rede e do material circulante existentes, mas não podemos aceitar a obstrução por omissão, quer em Portugal quer em Espanha, à introdução da bitola UIC e do ERTMS no corredor atlântico, que permitiriam aumentar as exportações.     
Compreendemos a estratégia concertada pela IP com os operadores privados de transporte de mercadorias (cuja competência não se põe em causa) e defendida pela IP nos agrupamentos europeus de interesse económico AVEP (Alta velocidade Espanha Portugal) e RFC4 (corredor atlântico anterior ao regulamento 1315) de que fazem também parte a ADIF, a SNCF e a DB.

Os constrangimentos financeiros convidam a adiar os investimentos e paliativos como travessas polivalentes ou eixos variáveis ajudam a esconder o problema, mas o objetivo 2030 é uma lei da UE que deve ser cumprida, beneficiando do financiamento comunitário e, se necessário, da aplicação da regra vinculativa da subsidiariedade quando localmente não há recursos ou capacidade para a execução.

  1. As exportações portuguesas por todos os modos para a Europa além Pirineus ultrapassam já, segundo as estatísticas do INE, o valor das exportações para Espanha (o facto de em tonelagem isso não acontecer mostra que os produtos para Espanha têm menor valor acrescentado).   

 O valor das exportações por todos os modos para a União Europeia em 2020  (em milhões de euros: 15,3 com origem na região norte, 8 na região centro, 13,3 na região sul) justifica a proposta dos dois corredores norte e sul do corredor atlântico , juntamente com o imperativo do regulamento 1316 de transferência do modo rodoviário de mais de 300 km para o modo ferroviário. Para este objetivo considera-se essencial, a exemplo de Espanha, promover o transporte de camiões ou de semirreboques em vagões de caminho de ferro.

O porto de Sines, se ligado à Europa segundo os padrões da interoperabilidade poderá também desempenhar um papel importante no crescimento da economia nacional, considerando as perspetivas de industrialização da região e que a viagem de barco até Hamburgo, Roterdão ou Antuérpia pode ultrapassar dois dias enquanto uma ligação ferroviária a Mannheim, segundo aqueles padrões, poderá ser cerca de um dia e meio.       

Recordamos o projeto Poceirão-Caia em bitola UIC cujo valor negociado foi inferior a 1500 milhões de euros e com garantia de um financiamento comunitário de 60% . A aquisição pelo Estado dos direitos do projeto de execução do consórcio ELOS para a ligação Poceirão-Caia, em vez do pagamento da indemnização por anulação do contrato, poderia ser um momento decisivo no arranque de uma nova política, conducente à viabilização numa primeira fase da ligação em alta velocidade Pinhal Novo-Madrid e de mercadorias Sines/Setúbal-Madrid em bitola UIC e ERTMS .

  1. A construção de linhas novas, em que a diferença de custos de instalar bitola ibérica ou bitola UIC é irrelevante, permite, por redução das pendentes e das curvas, ganhos energéticos e redução de emissões de gases com efeito de estufa significativos, como aliás estudos da IP confirmam, bem como uma superior competitividade tanto no transporte de passageiros como de mercadorias.                                                                                                           

Compreende-se a atribuição por Espanha de um menor grau de prioridade em garantir um percurso em bitola UIC para os comboios de passageiros ou de mercadorias de Portugal para a Europa (ou de garantir uma ligação ferroviária Lisboa-Madrid competitiva com o avião) dado que Portugal não oferece continuidade dessas linhas em bitola UIC no território português. Esta razão e a necessidade em Espanha de priorizar investimentos  gerou o interesse em investir primeiro no corredor mediterrânico e no Y basco (este integrado no atlântico). No entanto, por razões de coesão nacional nenhuma região de Espanha será marginalizada, prevendo-se posteriormente a extensão da rede de bitola UIC a todas as regiões de Espanha. É assim inaceitável a manutenção da natureza periférica da ferrovia nacional, por mais cordatas, mas contemporizadoras, que possam ser as declarações da comissária europeia dos transportes ou do coordenador do corredor atlântico em eventos como os do 2021 Year of the Rail. 

 

Ainda contra o argumento por demais utilizado de que Espanha nada faz para melhorar a sua ligação em UIC ao resto da Europa, permitimo-nos enviar duas ligações em que se pode ver o entusiasmo e a mobilização com que é tratado o desenvolvimento do corredor mediterrânico, em contraste com o atlântico:

 

https://youtu.be/-LeTLs9T7hQ 

https://elcorredormediterraneo.com/estado-de-las-obras/   

 

Recordamos ainda os pareceres críticos do ECA sobre a ineficiência da Comissão Europeia nos trabalhos de implementação da rede única europeia ferroviária nos relatórios de 2016 e de 2020 (ver neste último a página 8 com o mapa das redes TEN-T incluindo o corredor atlântico a amarelo, e a página 19 relativa à Península Ibérica):

 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR16_08/SR_RAIL_FREIGHT_PT.pdf 

https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR20_10/SR_Transport_Flagship_Infrastructures_EN.pdf 



Caso os deputados da CEIOPH queiram aprofundar ou encarregar assessores de o fazer, poderão encontrar mais informação em:

https://1drv.ms/w/s!Al9_rthOlbweviVamDcu4_uspt3j?e=BdjXbe

 

 

V.Exas perdoarão a assertividade do que afirmamos, mas a estratégia seguida pelo XXII Governo não serve o interesse público e compromete, dado o prazo longo de execução de grandes investimentos, o cumprimento dos objetivos dos regulamentos 1315 e 1316 de integração na rede única europeia e de redução das emissões de gases com efeito de estufa.  

A construção dos 2 ramos nacionais/internacionais do Corredor Atlântico (Aveiro-Salamanca e Sines/Lisboa-Badajoz) é urgente, dada a melhoria tanto da nossa competitividade externa daí resultante como da acessibilidade internacional que é um dos fatores essenciais para a atração de investimento industrial internacional e de fixação e crescimento económico.        


A Assembleia da República, com competências definidas na Constituição no ordenamento do território e na apreciação da construção da União Europeia, constitui assim, através da CEIOPH, uma esperança de mudança favorável ao crescimento económico.



Estamos ao vosso dispor para esclarecimentos adicionais

 

Lisboa 20 de outubro de 2021

 

 

Arménio Matias     engenheiro. ex presidente da CP

Eugénio Sequeira   engenheiro, ex presidente da Liga de Proteção da Natureza

Fernando Mendes  engenheiro, empresário

Fernando Santos e Silva  engenheiro, ex técnico do metropolitano de Lisboa

Henrique Neto   empresário

Luis Cabral da Silva engenheiro, ex técnico da REFER

Manuel Ferreira dos Santos  engenheiro

Mario Lopes   engenheiro, professor universitário do IST

Mario Ribeiro   engenheiro, ex técnico da TAP

Rui Rodrigues   consultor de transportes

 

 

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