quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Paráfrase de Martin Niemöller e de Bertold Brecht

 

 Primeiro, vi todos os partidos comunistas da Europa cair, mas eu não me importei porque eram apoiantes do partido totalitário da implodida URSS, apesar de cumprirem as normas das democracias pluralistas ocidentais

depois, vi os grandes economistas e os grandes políticos a explicar que a desregulação e o mercado livre eram o sonho do progresso e que o poder dos sindicatos tinha de ser contido, mas eu não me importei porque nem era sindicalizado nem felizmente tinha grandes dificuldades financeiras

a seguir, vi o  crescimento de guerras étnicas, em África, na península arábica, na Ásia, na América, até na Europa, mas eu não me importei, até porque eram longe, e embora os Estados Unidos, o seu complexo político-militar (como dizia Eisenhower) e a NATO não tenham uma história solidária com os povos de países pobres, agora apresentavam bons argumentos em defesa da democracia e dos seus valores universais

vi as desigualdades e o desemprego por esse mundo fora a acentuarem-se, mas eu não me importei, o progresso continuava, os preços mantinham-se baixos, e era assim mesmo, os mais fortes triunfavam por mérito próprio, embora miséria e fome fossem uma vergonha

vi depois os partidos de extrema direita a aumentar as suas votações, mas eu não me importei porque até o filho do empregado africano que é cuidador do meu vizinho quer ir para a universidade ameaçando a candidatura do meu filho e sempre achei que é difícil a colaboração democrática entre a esquerda e a direita, elas que compitam alternadamente

vi acontecer o crescimento da extrema direita por essa Europa fora e até na Suécia, enquanto os seus políticos batiam palmas ao ingresso na NATO, mas eu não me importei, o “slogan” dos amantes da ilha de Gotland “make gardens not war” estava ultrapassado

vi depois a eliminação, um a um de artigos da nossa Constituição que me diziam muito, mas eu não me importei, quem liga a frases escondidas a favor do potencial dos cidadãos enquanto cidadãos livres de lideres, e contra as supremacias de países, de empresas ou de algumas pessoas?

mas agora, socorro, estão a entrar-me em casa porque eu não penso como eles e eles querem que eu pense como eles, e agora importo-me porque gritei a pedir ajuda ao meu vizinho e ele já não estava lá nem o seu cuidador

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