Artigo de 7 de dezembro, bem documentado, em Lisboa para pessoas: https://lisboaparapessoas.pt/2022/12/07/linha-de-cascais-modernizacao/
O meu comentário porém não pode ser concordante com os objetivos relacionados com a linha de Cascais e definidos no PFN, por mais apelativo que o plano possa ser do ponto de vista mediático.
Por um lado, a experiência profissional que tive (sou reformado do metropolitano de Lisboa onde trabalhei na direção de desenvolvimento de infraestruturas e coordenei a integração das disciplinas específicas ferroviárias na construção das novas linhas , incluindo a preparação dos processos de homologação) impõe-me, inclusivé por imperativo deontológico, que discorde das soluções.
Por outro lado, o processo de elaboração do PFN está ferido de uma inconformidade grave, que é a de um olímpico desprezo pelo, como dizem os juristas, regime dos instrumentos de gestão territorial, por exemplo, o PROTAML (plano regional de organização do território da área metropolitana de Lisboa) ou o SUMP (sustainable urban mobility plan). Não admira assim a moção da Assembleia Municipal de Lisboa aprovada em 15dez2022 condenando a falta de transparência na escolha do traçado do prolongamento da linha vermelha do metro.
No primeiro caso, tenho de reconhecer que haverá alguma subjetividade na minha apreciação, uma vez que, possivelmente contrariamente ao senso comum, a engenharia de transportes não é uma ciência exata, é uma prática, uma técnica de conceção, execução e operação sujeita a erros.
Mas no segundo caso a inconformidade é evidente e contraria os regulamentos comunitários, que são de natureza vinculativa. Isto é, em teoria, Portugal pode ser vítima de um processo de infração pela Comissão Europeia.
A invocação de que o PFN foi sujeito a consulta pública não será relevante, precisamente porque uma das críticas dessa consulta foi a do incumprimento ou até a insuficiência dos procedimentos do referido regime dos instrumentos de gestão territorial de acordo com as diretrizes comunitárias.
Verifica-se assim, na AML, a continuidade do método seguido desde 2016 de impor soluções por decreto (literalmente, o plano de expansão do metro de 2009 foi aprovado por decreto, sem consulta pública), como a linha circular do metro, como o prolongamento do metro para Alcântara, e agora, como já dito pelo próprio metro, na escolha do traçado do prolongamento da linha amarela de Telheiras para Benfica sem divulgação pública do que anda a projetar.
Em resumo, pareceria que as propostas do PFN para a AML deveriam ser precedidas do debate público do PROTAML e do SUMP, o que não se verificou.
A ideia de ligar a linha de Cascais à linha da cintura vem também do decreto de 2009/2010 e está agora conjugada com o prolongamento da linha vermelha do metro. O objetivo final é a desativação da estação de Alcântara Terra (destinada à voragem do imobiliário em claro atentado ao património arqueológico industrial?) com a construção da ligação da linha de Cascais à da cintura e de uma estação subterrânea em Alcântara, mesmo ao lado do caneiro. Tanto a ligação à linha da cintura como a construção da estação são contraindicadas pela complexidade e custos da obra, nomeadamente devido ao estado do caneiro.
Reportando-me ao esquema do PFN concluido, fazer a ligação direta Oeiras-Alverca, através da ligação da linha de Cascais à da cintura, obriga os passageiros do serviço Alverca-Sintra atual a fazer o transbordo em Roma Areeiro, por exemplo. Isto é, substitui-se um transbordo por outro transbordo.
O conceito subjacente é o da substituição das ligações radiais por ligações diametrais. Em minha opinião trata-se de um equívoco análogo ao da substituição de linhas radiais por linhas circulares. Tanto as ligações diametrais como as linhas circulares não são para substituir ligações radiais, mas sim para as complementar. Compreende-se o entusiasmo quase juvenil com que se propõe esta solução invocando-se que em cidades como Paris e Londres ela é adotada. Precisamente porque são cidades com uma boa rede radial, o que não é o caso de Lisboa. Verificou-se o mesmo com a linha circular, decretada em 2009 no mesmo ano em que Londres transformava a sua circular em espiral (ou laço como foi proposto em Lisboa). Em termos técnicos, uma ligação diametral corresponde a duas linhas radiais em série mas em oposição, em que o fluxo de entrada no centro da cidade é superior ao de saída, complicando a regulação da linha por falta de radiais complementares quando se pretendem intervalos curtos ou em caso de avaria por falta de alternativas.
Numa área metropolitana em que a população se foi espalhando para a periferia na fase de crescimento e agora se verifica o extremo despovoamento do centro, não se justificará esta estratégia.
O argumento invocado para a ligação da linha de Cascais á de cintura é a de a integral na rede geral e beneficiar da disponibilidade de material circulante. Convém recordar que a linha de Cascais é uma linha de vocação principalmente metropolitana, não regional nem interurbana, e a experiência de muitas redes metropolitanas mostra linhas com 30 km e que mesmo em redes de metro é possível ter linhas independentes com material diferente de umas para as outras, até porque a evolução tecnológica pode justificá-lo.
Tal como transmitido ao CSOP por um dos seus assessores, a linha da cintura não suporta aumentos significativos de circulações, como aliás o próprio PFN reconhece ao prever apenas 4 comboios por hora provenientes da linha de Cascais para a linha de cintura depois da quadruplicação da linha entre Roma Areeiro e Braço de Prata. Qualquer linha tem um capacidade limitada pela distancia de segurança entre comboios, função das suas velocidades, e no caso de linhas partilhadas, pelos tempos de atuação dos aparelhos de via e da comprovação da segurança de circulação (o exagero de "diagonais" ou aparelhos de mudança de via propostos para a linha de Cascais não tem em conta esta dificuldade de operação nem o consequente aumento de necessidades de manutenção).
Análise da linha de cintura: https://fcsseratostenes.blogspot.com/search?q=cintura
O PFN prevê por um lado o aumento da capacidade da linha de cintura através da construção da TTT (terceira travessia do Tejo), mas por outro lado a sua capacidade estará limitada por uma nova linha ligando a linha do Oeste a Sete Rios e ponte 25 de abril, e pela necessidade de, através da TTT, servir o novo aeroporto, a linha de Alta velocidade Lisboa-Madrid, o tráfego de mercadorias e ligações de metro da margem ribeirinha sul à margem norte.
Se se pretende servir a AML, então será preferível garantir as deslocações no seu interior através de linhas de metropolitano, em vez de construir novas linhas suburbanas ou alterar radicalmente a configuração das linhas suburbanas existentes, como é evidenciado no mapa após conclusão do PFN. Particularmente chocante pelo custo da duplicação de um traçado pré-existente, a intenção de prolongar a linha do Oeste em paralelo com o traçado do metro de Senhor Roubado a Campo Grande, e depois a construção de um túnel de Campo Grande para Sete Rios quando o mais económico seria prolongar a linha de metro de Odivelas a Loures e aqui, ou no Hospital Beatriz Ângelo ou no Infantado fazer um interface com a linha do Oeste. Mas infelizmente quem decide não quer ouvir discordâncias.
Gostaria ainda de comentar que a mudança para 25 kV , também para manter a uniformidade com a rede da CP, tem o risco de, para uma tensão mais elevada na proximidade da atmosfera marítima, exigir mais manutenção dos isoladores e do isolamento dos equipamentos de bordo. Tem vantagens, evidentemente, dispensa as subestações dos atuais 1500 VDC, mas exige a presença de um transformador a bordo com o respetivo aumento de peso.
Recordo ainda que em 1995 o volume de passageiros era de 45 milhões por ano.
Análise da linha de Cascais na pág.108 do manual condensado de transportes metropolitanos, breve curso de transportes urbanos:
Em resumo, sem esperanças de que o governo e a IP revertam as suas decisões, dada a evidência anterior de considerarem as suas como as melhores soluções por mais argumentos técnicos que se lhes oponham, deixam-se expressas as principais críticas:
- a linha de Cascais tem uma vocação metropolitana, carecendo de dinamização das ligações transversais em LRT ou pistas de veículos autónomos, que a alimentassem ao longo das estações como Oeiras e Carcavelos e com todas estações equipadas com parques dissuasores, contraindicando-se a ligação à linha de cintura e as alterações radicais dos serviços propostos
- o PFN, para além de abstrair das ligações internacionais segundo os padrões da interoperabilidade plena, mistura o serviço metropolitano com os serviços nucleares de alta velocidade, interurbanos, regionais e mercadorias
- é especialmente gritante a ausência dos procedimentos segundo as diretrizes comunitárias de desenvolvimento dos planos regionais da AML e dos SUMP com o seu desenvolvimento acompanhado dos mecanismos de consulta pública para evitar que os cidadãos se vejam colocados perante factos consumados como tem sido a prática.
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