quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

SUGESTÕES PARA NOVAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA O SERVIÇO DE REDES DE METRO - comunicação apresentada no 10ºcongresso do CRP em julho de 2022

 

SUGESTÕES PARA NOVAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO PARA O SERVIÇO DE REDES DE METRO

                    

Sumário

Reconhece-se o papel das cidades no contexto da digitalização e de defesa do ambiente, referindo-se a perspetiva dos movimentos de participação dos cidadãos e a perspetiva dos instrumentos comunitários para a organização do território. Sublinha-se a interdependência entre a mobilidade e o urbanismo e a necessidade de um plano de mobilidade da AML e de redução do modo automóvel. Propõe-se um critério comparativo entre modos de transporte. Apresentam-se casos concretos de aplicação do conceito de modos complementares e o esboço de um plano de mobilidade da AML, incluindo parques dissuasores.

Palavras chave: mobilidade urbana; SUMP; planeamento de redes; modos complementares; “autonomous shuttle”

 

 

1.     INTRODUÇÃO

O impacto da pandemia, da rotura de cadeias de abastecimento de longo curso e da guerra na mobilidade urbana levantou uma série de interrogações, nomeadamente em relação com o teletrabalho e com a flexibilidade de horários. Estes condicionalismos juntam-se, na área metropolitana de Lisboa (AML) num contexto de ausência de plano de mobilidade, de insuficiência de infraestruturas e de procedimentos não consensuais de planeamento, dificultando a resposta às necessidades de mobilidade que a demografia e a urbanística, deficientemente estruturada em torno do modo automóvel, suscitaram.

Partindo de dois pressupostos, de que apesar de tudo as cidades são o modo correto e sustentável de abrigar as comunidades humanas, e de que o seu planeamento é inseparável do planeamento da mobilidade que exige instrumentos próprios já normalizados na União Europeia (UE), o objetivo deste artigo é o de sugerir ao leitor possíveis abordagens da problemática da mobilidade na AML, alguns critérios de seleção de modos de transporte, possíveis exemplos de aplicação de meios digitais a esses modos, e finalmente soluções de aplicação a realizações em curso na AML.

É curioso observar que as citações que se fazem a seguir do livro “Metrópoles”  de  Ben Wilson, ed. Desassossego, apesar do seu autor não ser especialista nem de mobilidade nem de urbanismo, conseguem sintetizar a problemática das cidades atuais e do seu planeamento, por exemplo, ao defender o fim da divisão entre centro da cidade e subúrbio (e da consequente “pendularidade”):

“A revolução digital  poderá erradicar muitos dos inconvenientes da vida na cidade, criando “cidades inteligentes”, futuristas, alimentadas por dados, com milhões de sensores incorporados que permitirão à Inteligência Artificial (IA) gerir fluxos de tráfego, coordenar o transporte público, erradicar o crime e reduzir a poluição. Lugares a que acorrer, e não de onde escapar. A velha divisão entre centro da cidade e subúrbio desfez-se … quando falamos de metrópole no século XXI falamos de vastas regiões interligadas onde as cidades se fundem umas nas outras. A densificação  é uma forma vital de alcançar a sustentabilidade ambiental … as áreas urbanas compactas incitam a todo o tipo de inovações e criatividade, incluindo ao nível dos bairros  … na vida do quotidiano … Precisamos de cidades adaptáveis prontas a enfrentar as recentes e sérias ameaças das alterações climáticas e das pandemias” .

Perante estas evidencias, como atingir o objetivo das “cidades inteligentes” numa área urbana/metropolitana? Dum lado, tem-se o dinamismo do mercado das ideias não integradas num plano abrangente, mas mobilizadoras de políticos decisores e de grupos de cidadãos, desde a mobilidade ciclável às aplicações do MaaS, a visão tática. Do outro, a regulação planificadora que integra a mobilidade, o urbanismo e a organização do território, a visão estratégica.

As soluções, caso a caso, devem assegurar a participação cidadã no planeamento, como um dos valores da Constituição e da UE, o modo “bottom-up” (Visão 2030 da UIC: “transforming cities and connecting communities”)[1]

O segundo pressuposto deste artigo configura o apelo ao cumprimento das diretivas comunitárias de planeamento da mobilidade urbana e do Plano Regional de Ordenamento do Território da AML (PROTAML).

Citando documentos da Comissão Europeia de 2021-12-14 com quatro propostas para o Green Deal [2],[3] :

“The Urban Mobility Framework sets out European guidance on how cities can cut emissions and improve mobility, including via Sustainable Urban Mobility Plans. The main focus will be on public transport, walking and cycling. The proposal also prioritises zero-emission solutions for urban fleets, including taxis and ride-hailing services, the last mile of urban deliveries, and the construction and modernisation of multimodal hubs, as well as new digital solutions and services. . . 

We want people and goods to move more sustainably in our cities, to make life easier for the rural and suburban commuters travelling to school or work, and to support cities in their role as essential transport hubs within the single market “      

Os SUMP (planos de ação para uma mobilidade urbana sustentável - PAMUS) são uma orientação da CE para implementação nas cidades médias e grandes até 2030:    A Sustainable Urban Mobility Plan is a strategic plan designed to satisfy the mobility needs of people and businesses in cities and their surroundings for a better quality of life. It builds on existing planning practices and takes due consideration of integration, participation, and evaluation principles”[4]

Do PROTAML (impõe-se a sua atualização  em articulação com o PNPOT –plano nacional de organização do território, a CCDRLVT, a AMT/IMT e o CSOP, em processo participativo) :      “reorganização da área metropolitana, reduzindo a expressão dos fenómenos de suburbanização, promovendo a contenção urbana e caminhando para a consolidação de estruturas territoriais multipolares; melhoria da mobilidade territorial, através do reforço das acessibilidades “

Desejavelmente a elaboração do plano de mobilidade para a AML e o estudo de traçados de novas linhas e modos de transporte deverão desenvolver-se de modo participativo e de harmonia com os documentos citados, sintetizados num Transit Act [5], sem que a não aprovação final destes constitua obstáculo ao avanço dos investimentos na mobilidade.

2.     UMA ABORDAGEM DA PROBLEMÁTICA DA MOBILIDADE URBANA NA  AML


                                    Fig.1 – correlação população-quota do TI automóvel

 

A interdependência entre a mobilidade e o urbanismo, que no caso da AML exibe uma elevada quota do transporte individual (TI) sugere uma correlação forte entre  esta e o nível da população do município de Lisboa como abordagem da problemática da mobilidade. Soluções poderão ser a integração do planeamento dos canais de mobilidade no planeamento da organização do território [6], [7] nas seguintes formas:

-     redução da quota do transporte individual automóvel através do aumento da população do município

-        reabilitação urbana com emparcelamento de números matriciais para atração da população

-        fixação de atividade primária e secundária nos diversos centros urbanos da AML

-        definição de espaço-canal quer nas zonas de alta densidade (subterrâneo,viaduto) quer nas de baixa densidade (modos complementares)

Note-se que a abordagem tradicional pressupõe os estudos de procura e de viabilidade, as matrizes origem-destino e os programas de microssimulação, que são elementos de decisão, mas não únicos:

“The emphasis on secondary sources, elasticities and mathematical equations produces a kind of fog that makes it hard to see the real world”,    nn  Paul Mees, “Transport for Suburbia”

Para a elaboração do plano de mobilidade haverá que considerar, além do espaço-canal enquanto infraestrutura física, o modo ou a combinação de modos de transporte a selecionar segundo vários critérios que, de forma não exaustiva, serão:

-  capacidade1 = capacid.veículo2 x velocidade3 x nº veículos na linha4/comprim.linha5  

 1(passageiros/hora); 2(pass./veículo); 3(km/h); 4(n=tempo percurso/intervalo); 5(km)

A capacidade requerida depende  da distribuição territorial da população e dos empregos, Sugerem-se como indicadores de decisão [8]:

                           metro                         >50 hab./ha                    >5000 pass./h

                                 LRT / bus                   >10 hab./ha                    >1000 pass./h   

- ocupação do espaço urbano – comprimento ocupado em rua de 6m de largura útil, 100 pessoas deslocando-se a 20 km/h, exceto peões (3,6 km/h), distancia  de segurança 2 segundos  [9] :

automóveis:            581 m                      peões:                            50 m

bicicletas:               219 m                      autocarros/tram:            18 m

trotinetas:               202 m                      metro:                              0 m   

- eficiência energética – em Wh/pass-km  (rampa 4%, 40 km/h, ocupação 30% , exceto bicicleta ) [6]

comboio/tram                  61                   bicicleta elétrica                    30

bus elétrico                      73                   bus comb.fóssil                    199

automóvel elétrico         118                   automóvel comb.fóssil        269

- segurança – nº fatalidades por mil milhões de pass-km [6]

modo ferroviário:    0,16

autocarros:     cerca de 3 x

                              automóvel:     cerca de 30 x       

                              duas rodas:     cerca de 300 x                       (relatório DG MOVE 2012)

     - combinação de modos  - para a resolução do problema principal de intermodalidade e de redução do TI nas deslocações casa-emprego será necessário combinar modos de transporte [6]:



                                    Fig.2 – estrutura de uma deslocação casa-emprego

No caso do metro, o planeamento e a operação do serviço de exploração deverão estar centrados no utilizador, explorando todas as potencialidades dos modos complementares e do conceito MaaS (“e-hailing”- requisição dum serviço de transporte à medida, por computador, “smartphone” ou posto terminal público) [10]

As estações de metro serão assim interfaces com os modos complementares, incluindo as infraestruturas e parques, para o acesso cómodo a frotas partilhadas de automóveis e de duas rodas (car-sharing, bike-sharing, mopeds, trotinetas, monociclos), e gestão automática dos percursos a pedido em cabinas autónomas em sítio próprio (“autonomous shuttles”)  ou por GNSS (Global navigation sattelite system), ou do serviço clássico de minibus de horário pré estabelecido (>2km)

Importante melhorar a atratividade do transporte de massas (insistindo na segurança, p.ex. reforço dos sistemas de ventilação, desinfeção do ar, rearranjo interior das carruagens).

 

A evolução tecnológica dos modos de tração e da digitalização induziram o alargamento do leque de modos complementares para  a mobilidade urbana.  O desenvolvimento das ciclovias sugere a possibilidade de extensão do seu conceito a vias de cabinas autónomas de guiamento GNSS  e de utilização a pedido (“ride-hailing”) por modo informático ou por consolas dedicadas, self-service, em percursos segregados servindo estações de metro ou de LRT em zonas de menor densidade –  as “podlanes”.

Os veículos são do tipo PRT (personal rapid transit), 1,6 m de largura e 3,5 m de comprimento; com sensores de deteção de objetos ou pessoas; ligados em rede com transmissão permanente de dados, com o estado dos componentes, para uma sala de controle; pistas de 4 m de largura de dois sentidos; carregamento das baterias automático. Penas pesadas por vandalismo. Em alternativa, tecnologia mais simples, por cabo embebido no pavimento e ligação por indução eletromagnética ao veículo.

O traçado das “podlanes” requer intervenção urbanística importante (desvio de rodovias, expropriações, demolições, reagrupamento e reabilitação do edificado) para criação de espaço canal segregado, embora partilhável por bicicletas e peões.

Outros modos complementares a considerar:

- Automatic people movers, cable cars, para tráfegos mais elevados em modo ferroviário

frotas partilháveis “renting” de duas rodas e de automóveis elétricos em parques integrados  nas estações

- para distancias superiores a 2 km, os modos clássicos (autocarros, tramway e miniautocarros de horário pré-estabelecido ou até por gestão de pedidos, táxis)

- outros modos em zonas acidentadas: teleférico, funicular (possíveis capacidades da ordem de 1000 passageiros/hora)

Deverão estender-se a todos os modos, autónomos ou não, as valências da IA para gestão da oferta respondendo à procura, especialmente em zonas de baixa densidade em conjugação com a tecnologia “e-hailing”.

O fabrico e a comercialização de veículos do tipo “autonomous shuttle” são já vulgares nalguns países [11], mostrando-se exemplos na fig.3, alguns dos quais expressivos em termos de capacidade horária .


                               Fig.3 – exemplo de modelos de “autonomous shuttles”

 


3.     SUGESTÕES EM CASOS CONCRETOS

Com base nos conceitos anteriormente expostos apresentam-se alguns exemplos de aplicação suscetíveis de dar resposta a alguns problemas de mobilidade na AML.

1.     Hospital Beatriz Ângelo-Loures-Infantado [12]

 



Fig.4 – aplicação de modos complementares ao LRT de Loures-Infantado

2.     Correspondência Alvito-Alcântara Terra-Alcântara Mar

 



Fig.5 – sugestão de funicular e tapete rolante em passadiço

 

3.     Que fazer com o SATU?

 



Fig.6 – Sugestão de nova linha LRT Oeiras-Cacém complementada com o SATU reformulado


4 . Esboço de plano de mobilidade da AML [13]



Fig.7 – esboço de plano de mobilidade da AML

 

5 .  Comparativo metro do Porto - metro de Lisboa  [14], [15]



Fig.8 – comparação das estratégias de expansão dos metros do Porto e de Lisboa

 

4.     CONCLUSÕES

        apela-se à AML para que conduza, em coordenação com o CSOP, a AMT/IMT e a CCDRLVT, um processo de implementação dos SUMP, de um “Transit Act” e a atualização do PROTAML, de forma participativa com abertura à sociedade civil

        que os novos traçados e o plano de mobilidade da AML sejam progressivamente elaborados com informação e inclusão de contributos dos cidadãos e, caso a lei o venha a viabilizar, de aprovação sujeita a referendo local ou regional

        que a eficiência energética e emissões por passageiro-km, o valor do tempo dos passageiros em função da velocidade comercial e o congestionamento,  sejam essenciais nas análises de custos benefícios na comparação de alternativas e na opção por modos de transporte e traçados

        que o projeto das novas estações de metro inclua as funcionalidades, clássicas e de teleinformática, de interface com os modos complementares, centrado no utilizador e incluindo o acesso “a pedido” aos modos complementares em sítio próprio e autónomos com supervisão  humana permanente, requerendo a inclusão no departamento de estudos das valências da IA, de forma abrangente

        que as políticas de urbanismo contemplem as infraestruturas necessárias para os modos complementares dos eixos dos modos pesados  e os processos de reabilitação habitacional compatíveis com a mobilidade urbana

 

 

5. REFERÊNCIAS

[1] UIC, Vision of Rail 2030 , Paris, 2021    

https://uic.org/IMG/pdf/uic-design-a-better-future-vision-of-rail-2030.pdf

[2] EU, EN-THE_NEW_EUROPEAN_Urban_Mobility_Framework.pdf.pdf     

The EU’s Smart and Sustainable Mobility Strategy - Energy Cities (energy-cities.eu)

Bruxelas, 2021

[3] EU, 4 Propostas da CE para o Green Deal ,        Efficient and Green Mobility (europa.eu)

[4] DG MOVE,Sustainable urban mobility plan, The SUMP Concept | Eltis

[5] Transit Act, Loi d’orientation des mobilités :                   

      Taiwan Government  , Taipei, 2014 ,         https://law.moj.gov.tw/ENG/LawClass/LawAll.aspx?pcode=K0120001

       Gouvernement français, Paris, 2021,

               https://www.ecologie.gouv.fr/loi-dorientation-des-mobilites

[6]  F.Silva, manual condensado de transportes metropolitanos, ed.Partenon, Lisboa, 2017            

               https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH

[7] Ordem dos Engenheiros, ppt, o metropolitano na área metropolitana de Lisboa, 2020   https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweuiRClT1VCq2KQROZ?e=nKVhxZ

       Ordem dos Engenheiros, ppt, Planear uma rede numa área metropolitana, Lisboa 2018                https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwejGXHKicabX49xu4n?e=ha8PuC

[8]  F.Silva, ppt diapositivos 13 a 16, justificação dos investimentos, Odivelas, 2018

                https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweqQjmbzfBwptTPMQU

[9]  F.Silva, blogue, ocupação de espaço por diferentes modos de transporte, 2019        

https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/10/comparacao-de-carateristicas-de-modos.html

[10] F.Silva, blogue, modos complementares, 2020 

http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/03/modos-complementares-em-telheiras.html

[11]  Sam Francis, revista Robotics and Automation, “Autonomous shuttles”, “a pedido”

      https://roboticsandautomationnews.com/2020/10/15/top-25-autonomous-shuttle-   manufacturers/37291/

           F.Silva, ppt diapositivos 11 a 16, Expansão do metropolitano de Lisboa, Lisboa, 2018

      https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwerSSgD3CMjYs4nz1I           

[12]   F.Silva, blogue, sugestões para Loures, 2021

    http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/05/mensagem-enviada-ao-presidente-da.html

[13]  F.Silva,blogue, esboço de plano de mobilidade na AML, 2019

          http://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/05/esboco-de-plano-de-expansao-do.html

[14]  F.Silva, blogue, expansão do metropolitano, 2018

 http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2018/01/ultima-tentativa-ultima-chamada-da.html

[15]  F.Silva, doc.interno págs18-21,  sugestões ao metropolitano, 2010                                                               

              https://1drv.ms/w/s!  Al9_rthOlbweiiOCBqfF3dfltrbk

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