SUGESTÕES PARA NOVAS LINHAS DE ORIENTAÇÃO
PARA O SERVIÇO DE REDES DE METRO
Sumário
Reconhece-se o papel das
cidades no contexto da digitalização e de defesa do ambiente, referindo-se a
perspetiva dos movimentos de participação dos cidadãos e a perspetiva dos
instrumentos comunitários para a organização do território. Sublinha-se a
interdependência entre a mobilidade e o urbanismo e a necessidade de um plano
de mobilidade da AML e de redução do modo automóvel. Propõe-se um critério
comparativo entre modos de transporte. Apresentam-se casos concretos de
aplicação do conceito de modos complementares e o esboço de um plano de
mobilidade da AML, incluindo parques dissuasores.
Palavras
chave: mobilidade
urbana; SUMP; planeamento de redes; modos complementares; “autonomous shuttle”
1. INTRODUÇÃO
O impacto da pandemia, da rotura de cadeias de abastecimento
de longo curso e da guerra na mobilidade urbana levantou uma série de
interrogações, nomeadamente em relação com o teletrabalho e com a flexibilidade
de horários. Estes condicionalismos juntam-se, na área metropolitana de Lisboa
(AML) num contexto de ausência de plano de mobilidade, de insuficiência de infraestruturas
e de procedimentos não consensuais de planeamento, dificultando a resposta às
necessidades de mobilidade que a demografia e a urbanística, deficientemente
estruturada em torno do modo automóvel, suscitaram.
Partindo de dois pressupostos, de que apesar de tudo as
cidades são o modo correto e sustentável de abrigar as comunidades humanas, e
de que o seu planeamento é inseparável do planeamento da mobilidade que exige
instrumentos próprios já normalizados na União Europeia (UE), o objetivo deste
artigo é o de sugerir ao leitor possíveis abordagens da problemática da
mobilidade na AML, alguns critérios de seleção de modos de transporte, possíveis
exemplos de aplicação de meios digitais a esses modos, e finalmente soluções de
aplicação a realizações em curso na AML.
É curioso observar que as citações que se fazem a seguir do
livro “Metrópoles” de Ben Wilson, ed. Desassossego, apesar do
seu autor não ser especialista nem de mobilidade nem de urbanismo, conseguem
sintetizar a problemática das cidades atuais e do seu planeamento, por exemplo,
ao defender o fim da divisão entre centro da cidade e subúrbio (e da
consequente “pendularidade”):
“A revolução digital poderá erradicar muitos dos inconvenientes da
vida na cidade, criando “cidades inteligentes”, futuristas, alimentadas por
dados, com milhões de sensores incorporados que permitirão à Inteligência
Artificial (IA) gerir fluxos de tráfego, coordenar o transporte público,
erradicar o crime e reduzir a poluição. Lugares a que acorrer, e não de onde
escapar. A velha divisão entre centro da cidade e subúrbio desfez-se … quando
falamos de metrópole no século XXI falamos de vastas regiões interligadas onde
as cidades se fundem umas nas outras. A densificação é uma forma vital de alcançar a
sustentabilidade ambiental … as áreas urbanas compactas incitam a todo o tipo
de inovações e criatividade, incluindo ao nível dos bairros … na vida do quotidiano … Precisamos de
cidades adaptáveis prontas a enfrentar as recentes e sérias ameaças das
alterações climáticas e das pandemias” .
Perante estas evidencias, como atingir o objetivo das
“cidades inteligentes” numa área urbana/metropolitana? Dum lado, tem-se o
dinamismo do mercado das ideias não integradas num plano abrangente, mas
mobilizadoras de políticos decisores e de grupos de cidadãos, desde a
mobilidade ciclável às aplicações do MaaS, a visão tática. Do outro, a
regulação planificadora que integra a mobilidade, o urbanismo e a organização
do território, a visão estratégica.
As soluções, caso a caso, devem assegurar a participação
cidadã no planeamento, como um dos valores da Constituição e da UE, o modo
“bottom-up” (Visão 2030 da UIC: “transforming cities and connecting
communities”)[1]
O
segundo pressuposto deste artigo configura o apelo ao cumprimento das diretivas
comunitárias de planeamento da mobilidade urbana e do Plano Regional de
Ordenamento do Território da AML (PROTAML).
Citando documentos da Comissão Europeia de 2021-12-14 com
quatro propostas para o Green Deal [2],[3] :
“The Urban
Mobility Framework sets out European guidance on how cities can cut emissions
and improve mobility, including via Sustainable Urban Mobility Plans. The main
focus will be on public transport, walking and cycling. The proposal also
prioritises zero-emission solutions for urban fleets, including taxis and
ride-hailing services, the last mile of urban deliveries, and the construction
and modernisation of multimodal hubs, as well as new digital solutions and
services. . .
We want people
and goods to move more sustainably in our cities, to make life easier for the
rural and suburban commuters travelling to school or work, and to support
cities in their role as essential transport hubs within the single market “
Os SUMP (planos
de ação para uma mobilidade urbana sustentável - PAMUS) são uma orientação da
CE para implementação nas cidades médias e grandes até 2030: “A Sustainable Urban Mobility Plan is a
strategic plan designed to satisfy the mobility needs of people and businesses
in cities and their surroundings for a better quality of life. It builds on
existing planning practices and takes due consideration of integration,
participation, and evaluation principles”[4]
Do PROTAML (impõe-se a sua atualização em articulação com o PNPOT –plano nacional de
organização do território, a CCDRLVT, a AMT/IMT e o CSOP, em processo
participativo) : “reorganização
da área metropolitana, reduzindo a expressão dos fenómenos de suburbanização,
promovendo a contenção urbana e caminhando para a consolidação de estruturas
territoriais multipolares; melhoria da mobilidade territorial, através do
reforço das acessibilidades “
Desejavelmente a elaboração do plano de mobilidade para a
AML e o estudo de traçados de novas linhas e modos de transporte deverão
desenvolver-se de modo participativo e de harmonia com os documentos citados,
sintetizados num Transit Act [5], sem que a não aprovação final destes
constitua obstáculo ao avanço dos investimentos na mobilidade.
2. UMA
ABORDAGEM DA PROBLEMÁTICA DA MOBILIDADE URBANA NA AML
Fig.1 – correlação população-quota do TI automóvel
A interdependência entre a mobilidade e o urbanismo, que no
caso da AML exibe uma elevada quota do transporte individual (TI) sugere uma
correlação forte entre esta e o nível da
população do município de Lisboa como abordagem da problemática da mobilidade.
Soluções poderão ser a integração do planeamento dos canais de mobilidade no
planeamento da organização do território [6], [7] nas seguintes formas:
- redução
da quota do transporte individual automóvel através do aumento da população do
município
-
reabilitação urbana com emparcelamento de números matriciais
para atração da população
-
fixação de atividade primária e secundária nos diversos
centros urbanos da AML
-
definição de espaço-canal quer nas zonas de alta densidade
(subterrâneo,viaduto) quer nas de baixa densidade (modos complementares)
Note-se que a abordagem tradicional pressupõe os estudos de
procura e de viabilidade, as matrizes origem-destino e os programas de microssimulação,
que são elementos de decisão, mas não únicos:
“The emphasis
on secondary sources, elasticities and mathematical equations produces a kind
of fog that makes it hard to see the real world”, nn
Paul Mees, “Transport for Suburbia”
Para a elaboração do plano de mobilidade haverá que
considerar, além do espaço-canal enquanto infraestrutura física, o modo ou a
combinação de modos de transporte a selecionar segundo vários critérios que, de
forma não exaustiva, serão:
- capacidade1 = capacid.veículo2
x velocidade3 x nº veículos na linha4/comprim.linha5
1(passageiros/hora);
2(pass./veículo); 3(km/h); 4(n=tempo
percurso/intervalo); 5(km)
A
capacidade requerida depende da
distribuição territorial da população e dos empregos, Sugerem-se como
indicadores de decisão [8]:
metro >50
hab./ha >5000
pass./h
LRT / bus >10 hab./ha >1000 pass./h
-
ocupação do espaço urbano – comprimento ocupado em rua de 6m de largura
útil, 100 pessoas deslocando-se a 20 km/h, exceto peões (3,6 km/h),
distancia de segurança 2 segundos [9] :
automóveis:
581 m
peões:
50 m
bicicletas:
219 m autocarros/tram: 18 m
trotinetas:
202 m metro: 0 m
-
eficiência energética – em Wh/pass-km
(rampa 4%, 40 km/h, ocupação 30% , exceto bicicleta ) [6]
comboio/tram
61 bicicleta
elétrica 30
bus elétrico 73 bus comb.fóssil 199
automóvel elétrico
118 automóvel
comb.fóssil 269
-
segurança – nº fatalidades por mil milhões de pass-km [6]
modo ferroviário: 0,16
autocarros: cerca
de 3 x
automóvel: cerca de 30 x
duas rodas: cerca de 300 x (relatório DG MOVE
2012)
-
combinação de modos - para a
resolução do problema principal de intermodalidade e de redução do TI nas
deslocações casa-emprego será necessário combinar modos de transporte [6]:
Fig.2 – estrutura de uma deslocação casa-emprego
No caso do metro, o planeamento e a operação do serviço de exploração
deverão estar centrados no utilizador, explorando todas as potencialidades dos
modos complementares e do conceito MaaS (“e-hailing”- requisição dum serviço de
transporte à medida, por computador, “smartphone” ou posto terminal público) [10]
As estações de metro serão assim interfaces com os modos
complementares, incluindo as infraestruturas e parques, para o acesso cómodo a
frotas partilhadas de automóveis e de duas rodas (car-sharing, bike-sharing,
mopeds, trotinetas, monociclos), e gestão automática dos percursos a pedido em
cabinas autónomas em sítio próprio (“autonomous shuttles”) ou por GNSS (Global navigation sattelite
system), ou do serviço clássico de minibus de horário pré estabelecido
(>2km)
Importante melhorar a atratividade do transporte de massas
(insistindo na segurança, p.ex. reforço dos sistemas de ventilação, desinfeção
do ar, rearranjo interior das carruagens).
A evolução tecnológica dos modos de tração e da
digitalização induziram o alargamento do leque de modos complementares
para a mobilidade urbana. O desenvolvimento das ciclovias sugere a
possibilidade de extensão do seu conceito a vias de cabinas autónomas de
guiamento GNSS e de utilização a pedido
(“ride-hailing”) por modo informático ou por consolas dedicadas, self-service,
em percursos segregados servindo estações de metro ou de LRT em zonas de menor
densidade – as “podlanes”.
Os veículos são do tipo PRT (personal rapid transit), 1,6 m
de largura e 3,5 m de comprimento; com sensores de deteção de objetos ou
pessoas; ligados em rede com transmissão permanente de dados, com o estado dos
componentes, para uma sala de controle; pistas de 4 m de largura de dois
sentidos; carregamento das baterias automático. Penas pesadas por vandalismo.
Em alternativa, tecnologia mais simples, por cabo embebido no pavimento e
ligação por indução eletromagnética ao veículo.
O traçado das “podlanes” requer intervenção urbanística
importante (desvio de rodovias, expropriações, demolições, reagrupamento e
reabilitação do edificado) para criação de espaço canal segregado, embora
partilhável por bicicletas e peões.
Outros modos complementares a considerar:
- Automatic people movers, cable cars, para tráfegos mais
elevados em modo ferroviário
frotas partilháveis “renting” de duas rodas e de automóveis
elétricos em parques integrados nas
estações
- para distancias superiores a 2 km, os modos clássicos
(autocarros, tramway e miniautocarros de horário pré-estabelecido ou até por
gestão de pedidos, táxis)
- outros modos em zonas acidentadas: teleférico, funicular
(possíveis capacidades da ordem de 1000 passageiros/hora)
Deverão estender-se a todos os modos, autónomos ou não, as
valências da IA para gestão da oferta respondendo à procura, especialmente em
zonas de baixa densidade em conjugação com a tecnologia “e-hailing”.
O
fabrico e a comercialização de veículos do tipo “autonomous shuttle” são já
vulgares nalguns países [11], mostrando-se exemplos na fig.3, alguns dos quais
expressivos em termos de capacidade horária .
Fig.3 – exemplo de modelos de “autonomous shuttles”
3. SUGESTÕES
EM CASOS CONCRETOS
Com
base nos conceitos anteriormente expostos apresentam-se alguns exemplos de
aplicação suscetíveis de dar resposta a alguns problemas de mobilidade na AML.
1. Hospital
Beatriz Ângelo-Loures-Infantado [12]
Fig.4 – aplicação de modos complementares ao LRT de
Loures-Infantado
2. Correspondência
Alvito-Alcântara Terra-Alcântara Mar
Fig.5 – sugestão de funicular e tapete rolante em passadiço
3. Que
fazer com o SATU?
Fig.6 – Sugestão de nova linha LRT Oeiras-Cacém
complementada com o SATU reformulado
4 . Esboço de plano de
mobilidade da AML [13]
Fig.7 – esboço de plano de mobilidade da AML
5 . Comparativo metro
do Porto - metro de Lisboa [14], [15]
Fig.8 – comparação das estratégias de expansão dos metros do
Porto e de Lisboa
4. CONCLUSÕES
•
apela-se à AML para que conduza, em coordenação com o CSOP,
a AMT/IMT e a CCDRLVT, um processo de implementação dos SUMP, de um “Transit
Act” e a atualização do PROTAML, de forma participativa com abertura à
sociedade civil
•
que os novos traçados e o plano de mobilidade da AML sejam
progressivamente elaborados com informação e inclusão de contributos dos
cidadãos e, caso a lei o venha a viabilizar, de aprovação sujeita a referendo
local ou regional
•
que a eficiência energética e emissões por passageiro-km, o
valor do tempo dos passageiros em função da velocidade comercial e o
congestionamento, sejam essenciais nas
análises de custos benefícios na comparação de alternativas e na opção por
modos de transporte e traçados
•
que o projeto das novas estações de metro inclua as
funcionalidades, clássicas e de teleinformática, de interface com os modos
complementares, centrado no utilizador e incluindo o acesso “a pedido” aos
modos complementares em sítio próprio e autónomos com supervisão humana permanente, requerendo a inclusão no
departamento de estudos das valências da IA, de forma abrangente
•
que as políticas de urbanismo contemplem as infraestruturas
necessárias para os modos complementares dos eixos dos modos pesados e os processos de reabilitação habitacional
compatíveis com a mobilidade urbana
5. REFERÊNCIAS
[1] UIC, Vision of Rail 2030 , Paris, 2021
https://uic.org/IMG/pdf/uic-design-a-better-future-vision-of-rail-2030.pdf
[2] EU, EN-THE_NEW_EUROPEAN_Urban_Mobility_Framework.pdf.pdf
The EU’s Smart and Sustainable Mobility Strategy -
Energy Cities (energy-cities.eu)
Bruxelas,
2021
[3]
EU, 4 Propostas da CE para o Green Deal , Efficient
and Green Mobility (europa.eu)
[4] DG MOVE,Sustainable urban mobility plan, The SUMP Concept | Eltis
[5] Transit Act, Loi d’orientation des mobilités :
Taiwan
Government , Taipei, 2014 , https://law.moj.gov.tw/ENG/LawClass/LawAll.aspx?pcode=K0120001
Gouvernement
français, Paris, 2021,
https://www.ecologie.gouv.fr/loi-dorientation-des-mobilites
[6] F.Silva, manual condensado de transportes
metropolitanos, ed.Partenon, Lisboa, 2017
https://1drv.ms/b/s!Al9_rthOlbwehWMdmBJ_Q06Wk7XH
[7]
Ordem dos Engenheiros, ppt, o metropolitano na área metropolitana de Lisboa,
2020 https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweuiRClT1VCq2KQROZ?e=nKVhxZ
Ordem dos Engenheiros, ppt, Planear
uma rede numa área metropolitana, Lisboa 2018 https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwejGXHKicabX49xu4n?e=ha8PuC
[8] F.Silva, ppt diapositivos 13 a 16, justificação
dos investimentos, Odivelas, 2018
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbweqQjmbzfBwptTPMQU
[9] F.Silva, blogue, ocupação de espaço por
diferentes modos de transporte, 2019
https://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/10/comparacao-de-carateristicas-de-modos.html
[10]
F.Silva, blogue, modos complementares, 2020
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2020/03/modos-complementares-em-telheiras.html
[11] Sam
Francis, revista Robotics and Automation, “Autonomous shuttles”, “a pedido”
https://roboticsandautomationnews.com/2020/10/15/top-25-autonomous-shuttle- manufacturers/37291/
F.Silva, ppt
diapositivos 11 a 16, Expansão do metropolitano de Lisboa, Lisboa, 2018
https://1drv.ms/p/s!Al9_rthOlbwerSSgD3CMjYs4nz1I
[12] F.Silva, blogue, sugestões para Loures,
2021
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2021/05/mensagem-enviada-ao-presidente-da.html
[13] F.Silva,blogue, esboço de plano de
mobilidade na AML, 2019
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2019/05/esboco-de-plano-de-expansao-do.html
[14] F.Silva, blogue, expansão do metropolitano,
2018
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/2018/01/ultima-tentativa-ultima-chamada-da.html
[15]
F.Silva, doc.interno págs18-21, sugestões ao metropolitano, 2010
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