O presidente não sabia jogar xadrez mas aconteceu-lhe o mesmo que aos jogadores de xadrez demasiado confiantes nas próprias convicções.
Assim que tocam a madeira percebem que a jogada é errada, mas como a regra é implacável, peça tocada, peça jogada, têm de a concluir.
Assim que acabou o discurso da demissão do governo, o presidente já estava arrependido.
Era nisso que pensava enquanto tomava o café depois do almoço, no sofá em frente da janela de sacada com vistas para o Tejo.
Na verdade, não era o café, era o segundo café, apesar do médico da presidência há muito ter recomendado descafeinados, por causa da hipertensão.
O presidente esteve ainda uns momentos com a cabeça descaída sobre o ombro esquerdo, até que alguém reparou.
No hospital, que era um dos públicos já com cortes, mas mais confiável do que um privado, por ser domingo e não haver a certeza de acesso a todos os meios de apoio, o diagnóstico foi rápido e o tratamento eficaz.
O presidente sofrera um acidente vascular que tinha bloqueado de forma irreversível a irrigação de uma pequena área bem delimitada do cérebro.
Precisamente a área onde tinha processado e armazenado toda a informação da sua formação e experiencia de economista e professor, todas as teorias económicas a que tinha submetido a sua prática.
A recuperação foi rápida e segura, mas tornou-se evidente que o presidente perdera todos os seus conhecimentos de economia, chegando a trocar a curva da procura pela curva da oferta.
No entanto, testes rigorosos confirmaram que se encontrava de posse de todas as suas faculdades intelectuais e físicas.
Não foi por isso necessário que o presidente da Assembleia o substituisse no despacho da dissolução da mesma Assembleia.
Gerou-se porem um certo mal estar porque o presidente, estando o governo em funções de gestão corrente, não manifestava pressa de assinar tal despacho de dissolução.
Todos os partidos lhe faziam chegar as suas preocupações, ansiosos por se lançarem nas campanhas eleitorais, convencidos da sua próxima vitória e dos benefícios daí decorrentes, descurando o estudo dos reais problemas do país e das soluções que esses problemas exigiam, de colaboração entre todos os partidos e com a contribuição dos cidadãos e cidadãs.
O presidente quebrou finalmente o seu silencio e anunciou um novo discurso.
Na sessão do Conselho de Estado comunicou as linhas mestras do discurso: que o bem estar e o emprego das populações e a diminuição das desigualdades entre faixas populacionais eram as prioridades, e que tinha dado muita atenção ao filme premiado com o Oscar de melhor documentário, Inside Job, que tinha recebido com a ultima edição do Expresso.
O Conselho de Estado era composto maioritariamente por personalidades simpatizantes da fé de Adam Smith, que logo ali manifestaram a sua surpresa e grande preocupação pela subita adesão do presidente
à explicação da crise dada no Inside Job que, como se sabe, começa por dizer que a crise da Islandia foi consequencia direta da privatização dos seus três principais bancos e depois acusa as universidades de disseminar o neoliberalismo e o governo do presidente Obama de abrigar quem não cumpriu as suas funções de regulador antes da crise do Lehman Bros.
Mas o presidente, que como acima se explicou, tinha apagado do seu cérebro toda a anterior teoria económica, comunicou que no seu discurso à nação ia anunciar a sua adesão às ideias do prémio Nobel Paul Krugman, que tinha proposto uma politica de investimento em industrias, serviços e infraestruturas produtivos, apesar do endividamento, para combater o desemprego e relançar a economia.
E que, para viabilizar esse programa, já não iria dissolver a Assembleia, e ia convidar sucessivas personalidades até conseguir um governo de coligação com a colaboração efetiva entre partidos e independentes de todas as cores.
Iria propor à Assembleia que legislasse de modo que as contribuições dos cidadãos para a solução da crise fossem veiculadas pelas juntas de freguesia (por isso iria vetar a proposta de redução do numero de freguesias) e pelas próprias empresas (cujas estruturas teriam de ser abertas a provas concursais para os lugares de articulação), segundo os métodos de reunião geral - divisão em grupos - recolha e sistematização das propostas, tudo dinamizado pelas comissões parlamentares dos deputados da Nação, sem esquecer a preparação dos planos de aplicação das verbas do QREN.
Levasse o tempo que isso levasse, que a Bélgica havia quase um ano que vivia com um governo de gestão.
Desta vez, o discurso do presidente galvanizou a Nação, embora uma minoria, composta pela maioria dos principais decisores, a todos os níveis, políticos e empresariais, se sentisse desapontada com ele.
PS - desagrada a este blogue pronunciar-se sobre questões políticas; fá-lo fundamentalmente para registo de procedimentos que considera incorretos dum ponto de vista de gestão da coisa pública e na perspetiva da gestão de uma entidade económica restrita. As críticas que ficam registadas não pretendem assim condenar ou apoiar ideologias, mas apenas restringir-se a métodos e procedimentos. Defender um sistema eleitoral é também um problema matemático. Afirmar que é um disparate alterar o sistema atual de Hondt para circulos uninominais não é uma atitude partidária, é um parecer matemático (que viva Jean-Charles Borda e o seu método preferencial; abaixo o método uninominal de Napoleão); afirmar que é um disparate perder tempo com a dissolução de uma Assembleia eleita há menos de 2 anos, mesmo que trocando posições aos atores, não é uma posição ideológica, é a avaliação negativa de um procedimento gestionário contrário aos métodos eficazes de cooperação descritos na Sabedoria das Multidões de James Surowiecky, aliás defensor confesso do jogo das Bolsas (os senhores economistas que andam sempre a massacrar-nos com a necessidade de aumentar a produtividade, deveriam entender que a dissolução da Assembleia é um ato nítido de baixa produtividade). Quer isto dizer que não são as instituições que não estão a funcionar regularmente, são antes os senhores políticos que, dentro dos seus partidos, não estão a funcionar corretamente em função do objetivo ultimo do bem comum e nacional, pelo que o que há que modificar é o modo e o conteudo da atuação e não a forma e o enquadramento dessa atuação.
Assinala-se finalmente a incoerencia, embora não do ponto de vista jurídico-legal, da interpretação de um senhor contitucionalista, ao afirmar que, mesmo depois de dissolvida, a Assembleia poderá validar o pedido de ajuda externa do governo de gestão, desde que convocada pelo presidente da Republica que antes a dissolvera. Salvo melhor opinião, não é aplicável aos mecanismos de gestão da coisa pública o princípio de incerteza de Heisenberg, qual seja o de uma partícula poder estar e não estar num determinado instante numa determinada posição com uma determinada velocidade porque o que lhe está associado é uma probabilidade e não uma certeza.
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segunda-feira, 28 de março de 2011
O discurso do presidente II, o Inside Job e Paul Krugman
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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Vivam os Oscares
Vivam os Oscares.
Este blogue aplaude entusiasmado, embora o som das suas palmas pouco alcance.
Este blogue dedicou vários posts a um dos filmes premiados agora pela academia de Hollywood (categoria documentário): Inside job (a verdade da crise - por que será que os portugueses são especialistas em traduções dos títulos tão más?)
De modo que aplaude o realizador Charles Ferguson quando, perante a frívola e estouvada plateia, afirma com todas as letras: "Mais de dois anos depois da crise provocada pelos especuladores financeiros (e defensores da desregulação nos governos e nas universidades) nenhum dos responsáveis foi preso (ao contrário, alguns dos responsáveis estão no governo de Obama), e isso não é bom".
Aplausos.
Por cá, bem, nós por cá todos bem; mas podiamos reparar, guardadas as devidas distancias, que os senhores professores de economia e os senhores gestores bancários que querem governar as nossas opiniões continuam a insistir que o caminho é privatizar e desregular (quando se reduzem as depesas públicas ao mínimo dos mínimos é o que se quer dizer).
Mais valia que vissem bem o filme e que analisassem os factos numa economia mais pequena, a da Islandia. E percebessem as relações de causa e efeito entre as privatizações dos bancos, a desregulação e a bancarrota da Islandia.
E que percebessem as medidas da primeira ministra Sigurdardottir para a lenta recuperação que a Islandia está a conseguir.
Senhores professores economistas, vão ao cinema, vão ao cinema, olhem que não há mais metafísica no mundo senão nos filmes (paráfrase da Tabacaria de Alvaro de Campos, de que cito:
"...Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras..".)
Enquanto não forem ao cinema não vale a pena argumentar convosco.
Deixem de ofender a inteligência das pessoas que têm o seu trabalho e não são economistas.
Este blogue aplaude entusiasmado, embora o som das suas palmas pouco alcance.
Este blogue dedicou vários posts a um dos filmes premiados agora pela academia de Hollywood (categoria documentário): Inside job (a verdade da crise - por que será que os portugueses são especialistas em traduções dos títulos tão más?)
Aplausos.
Por cá, bem, nós por cá todos bem; mas podiamos reparar, guardadas as devidas distancias, que os senhores professores de economia e os senhores gestores bancários que querem governar as nossas opiniões continuam a insistir que o caminho é privatizar e desregular (quando se reduzem as depesas públicas ao mínimo dos mínimos é o que se quer dizer).
Mais valia que vissem bem o filme e que analisassem os factos numa economia mais pequena, a da Islandia. E percebessem as relações de causa e efeito entre as privatizações dos bancos, a desregulação e a bancarrota da Islandia.
E que percebessem as medidas da primeira ministra Sigurdardottir para a lenta recuperação que a Islandia está a conseguir.
Senhores professores economistas, vão ao cinema, vão ao cinema, olhem que não há mais metafísica no mundo senão nos filmes (paráfrase da Tabacaria de Alvaro de Campos, de que cito:
"...Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras..".)
Enquanto não forem ao cinema não vale a pena argumentar convosco.
Deixem de ofender a inteligência das pessoas que têm o seu trabalho e não são economistas.
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sábado, 8 de janeiro de 2011
Inside job I - Os ladrões de bancos
Com a devida vénia ao DN e ao seu cronista Jorge Fiel e à sua crónica “Os ladrões de bancos”, registo os filmes sobre assaltos a bancos, a partir do interior, que é donde se consegue mais sucesso na tarefa de gestão danosa de um banco:
Inside Man de Spike Lee com Clive Owen, Denzel Washington e Jodie Foster, e Inside Job de Charles Ferguson.
Tambem se pode assaltar um banco a partir do exterior, com uma boa planificação das ações. como no caso da Kim Basinger e do Alec Baldwin, mas é mais fácil apanhar os artistas.
Inside Man de Spike Lee com Clive Owen, Denzel Washington e Jodie Foster, e Inside Job de Charles Ferguson.
Tambem se pode assaltar um banco a partir do exterior, com uma boa planificação das ações. como no caso da Kim Basinger e do Alec Baldwin, mas é mais fácil apanhar os artistas.
1 – o que é inside job? Consultada a wikipédia, verifico que “inside job” significa:
Referencia coloquial a um crime, usualmente roubo, apropriação fraudulenta, desfalque, cometido por pessoa com posição de confiança, com acesso aos bens imoralmente transacionados, com pequena ou nenhuma supervisão, por exemplo, um diretor ou um gerente.Este foi o título escolhido para o filme –reportagem sobre a crise financeira do Outono de 2008 que o cronista Jorge Fiel recomendou.
Passe a publicidade, está em exibição em Lisboa neste Janeiro de 2011 com o título A verdade da crise.
http://www.youtube.com/watch?v=X2DRm5ES-uA
Não foi realizado por Michael Moore, mas podem experimentar ver o filme para ver se ele, Moore, terá exagerado no seu filme Capitalism, a love story, em que tão delicadamente se refere à Goldman Sachs e à sua influencia no governo dos USA.
2 – uma das consequências da globalização, se globalização é o que é decidido ou o que acontece nos antípodas repercutir-se no meu ambiente, é eu estar autorizado a pronunciar-me sobre o que se passa nos antípodas. Por exemplo, se as inundações em Quennsland na Austrália paralisaram a extração de carvão e se em consequência o preço dos combustíveis e do aço no meu país sobe, o meu país tem o direito de perguntar por que razões as inundações são catastróficas. O desastre de New Orleans revelou ao mundo inteiro a fragilidade da estrutura económico-política da Luisiana e que entre as causas estava a deficiente manutenção dos diques. Então a pergunta agora é: quais as causas do estado de Queensland não suportar a precipitação acima dos valores normais? Está o problema a ser estudado por métodos científicos? Faz-se a pergunta porque há poucos anos houve na Austrália a catástrofe dos incêndios sem que os meios de comunicação social nos tenham transmitido a análise científica do fenómeno e das recomendações a aplicar; e porque se fez a mesma pergunta para o caso da Madeira, sendo certo que há pessoas habilitadas para fazer o estudo com conclusões, embora se receie que não as tenham deixado aplicar os métodos científicos. Isto é, a probabilidade de repetição não é desprezável. Isto a propósito do que fizeram os banqueiros do Lehman Bros e companhia no Outono de 2008. Embora tenhamos a tentação de culpar quem está mais próximo de nós, políticos e banqueiros, alguns dos quais com razão para serem responsabilizados, dificilmente a economia portuguesa poderia resistir. Então os referidos banqueiros e companhia prejudicaram-me, e se me prejudicaram, tenho o direito de saber porque os deixaram fazer aquilo (resposta de elevada probabilidade: porque prevaleceu a teoria económica neo-liberal de desregulamentação reaganiana e tatcheriana). Muita pena ver-se agora o esforço da austeridade centrar-se nas faixas sociais de menores rendimentos, para que os senhores banqueiros e companhia possam continuar os seus negócios, no bom estilo das teorias neo-liberais. Ver os anteriores “post”:
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/12/capital-offense-de-michael-hirsh.html
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/12/austeridade-como-ideia-perigosa.html
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2010/12/austeridade-como-ideia-perigosa.html
3 – acreditar nas próprias convicções é bom, mas qual é a medida do universo dessas convicções? Se eu não conhecer o Tejo, o rio da minha aldeia pode ser para mim o maior rio. Se eu conheço apenas os meus argumentos e desconhecer os argumentos dos outros, terei sempre razão. Se repetir muitas vezes aquilo a que eu chamo os meus ensinamentos, então o que acontece tem de ser interpretado de acordo com esses meus ensinamentos e, se necessário, deve ser reinventada a realidade. Isto é, se for eu a medida do universo, e se agir de acordo com as minhas regras, como posso ser acusado seja do que for? Há aqui um grande problema. Têm de ouvir-se as opiniões de todos, têm de se debater as questões e tirar a resultante. Não deve haver verdades únicas, mas tem de se pôr a ciência na equação, como diz o professor Carvalho Rodrigues. O que continua a não se ver.
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