domingo, 16 de janeiro de 2011

O momento que passa, de inundações e de campanha eleitoral

Cada um tem o seu temperamento.
Dou por mim às vezes a refletir sobre o momento que passa.
Que, parafraseando Hieráclito, nunca é o mesmo.
Mas que talvez obedeçam, esses momentos, a algumas leis dentro dos limites dos domínios focados.
Isto a propósito do momento que passa, marcado para mim pelos desastres (naturais?) na Austrália e no Brasil e, compreensivelmente, pela campanha eleitoral para as eleições para presidente da republica e pelo seu contexto económico-político-financeiro.
Também me acontece muito, especialmente agora que a idade é significativa, encontrar um texto meu, demasiadas vezes escrito há pouco tempo, de que já não me lembrava.
Então será bom que as pessoas deixem o registo, para que não se esqueça de todo o que se pensou antes.
Isso permite aos estudiosos do futuro avaliarem os comportamentos das gerações anteriores.
Além do mais, a cultura não é só tentar compreender a realidade que nos rodeia e acumular e testar hipóteses e teorias explicativas, é tambem analisar as realidades anteriores e relacioná-las com a atualidade.

Por isso é bom existir a internet, não apenas as cartas aos diretores dos jornais, para deixar as opiniões expressas.

Coloquei um ponto de interrogação à frente da palavra "naturais" a propósito das inundações na Austrália e no Brasil.
Porque se as chuvadas são um fenómeno natural (admitindo que a contribuição humana para o efeito de estufa agravou as chuvadas, ainda assim se poderá argumentar que é "natural" que a espécie humana produza gases com esse efeito para obter bens e bem-estar), a construção em leito de cheia ou de deslizamento de terras já é francamente artificial.
Embora os adamsmithistas possam achar que é "natural" o movimento concentracionário das populações em centros urbanos e que, de acordo com a religião do mercado, pode construir-se onde há oportunidade para o fazer, independentemente de estudo integrado e generalzado que o contrarie.
Na realidade, constroi-se evitando os custos de diagnóstico e projeto por equipas interdisciplinares de geotecnia, meteorologia, hidráulica, engenharia de ambiente, engenharia de estruturas, sociologia e economia.
Se a religião económica dominante diz que se pode poupar nestes custos e deixar o mercado livre funcionar, é "natural" que estas coisas aconteçam. Já não é natural que o objetivo seja o de reconstruir, sem rever o estudo geotécnico e hidráulico de toda a região (como infelizmente parece ter sido o caso da Madeira)
Desconheço os pormenores técnicos em Brisbane e no Rio de Janeiro, mas é do domínio públco o que aconteceu em New Orleans: pura e simples falta de manutenção dos diques de proteção. Houve depois uns adamsmithistas que tiveram a lata de dizer que os contribuintes não queriam gastar dinheiro com diques. As pessoas de New Orleans que fossem viver para outro sítio  (em parte tinha razão, mas o ordenamento territorial com a alocação de áreas para ocupação populacional é feito com o estudo das tais equipas inter-disciplinares, deixando de fora os políticos e os economistas demasiado convencidos, e não com sentenças destas, além de que por razões históricas, há direitos adquiridos para habitar New Orleans).
Contas por alto, o desastre sobrevem quando o nivel das águas ultrapassa em 4 - 5 metros o nível máximo normal.
Foi por isso que propus há uns anos, e não fui só eu, houve uns professores de hidráulica que o fizeram tambem, a proteção contra inundações dos acessos às estações e das bocas de ventilação do metropolitano vizinhas do Tejo.
A resposta que recebi da alta direção da empresa esclarece-me pessoalmente sobre as verdadeiras causas das consequencias destes desastres: "Todos nós temos de correr riscos. Se não os quisessemos correr nem saíamos de casa". Por outras palavras, os responsáveis não querem gastar dinheiro com estudos e medidas de prevenção. É ainda a mentalidade de remediar em vez de prevenir.
Existem orgáos próprios para a realização de estudos dos riscos de inundações. A proteção civil, a Administração da região hidráulica, etc, etc. Têm sido realizados estudos, mas duvido que estejam atualizados e que integrem todas as especialidades e entidades relacionadas. Não quer dizer que não sejam de qualidade, mas não têm sido divulgados e as entidades que surgem por iniciativa do governo ou das câmaras ribeirinhas têm como missão parcelas muito específicas do todo. Falta a integração e a coordenação. Ainda recentemente foi publicitada a criação de uma empresa para o "arco ribeirinho da margem sul". Lamento que seja preciso criar mais empresas. Uma estrutura saudável dum ministério do planeamento e obras públicas teria técnicos para um estudo integrado, com o apoio de gabinetes de engenharia mediante concurso, claro, mas não parece ser a estratégia.
Por outro lado a comunicação social não se interessa. Um desastre destes só é notícia depois de acontecer, nunca antes. E depois de acontecer interesssa focar os dramas das pessoas, não interessa investigar as causas e as medidas corretivas.

O que me leva como paralelo para o caso das eleições presidenciais e para  a crise económica.
Cito novamente o filme Inside Job - a verdade da crise.
O caso da Islandia, relatado no filme, é uma demonstração experimental, como se fosse um ensaio de laboratório, do que acontece quando a economia é desregulada. Os 3 principais bancos islandeses foram privatizados na sequencia das medidas desregulamentadoras do governo  a partir de 2000. Sobrevindo a concorrencia e a especulação financeira através de empréstimos sem correspondente capital ou valor produzido, acrescida a intervenção das seguradoras para segurar as transações financeiras das hipotecas, o país abriu falencia. Felizmente, depois de 2008, tomaram as medidas corretas, concentraram-se na produção e o PIB está a crescer. Os islandeses aprenderam as lições de economia que ensinam que os mercados só funcionam bem se não houver escassez, se a informação não for assimétrica, e se não se tratar de uma externalidade (efeito externo sobre os cidadãos independentemente da sua ação). A cantora Bjork dinamizou uma petição e o governo decretou a não privatização de uma das principais companhias de produção de energia (hidráulica e geo-térmica). Eu sei que não é por uma empresa ser privada ou pública que é bem gerida. Como dizia Vitor Alves, o que interessa é que as mentalidades sejam evoluidas. Se se escolhem como administradores (por que têm de ser escolhidos? não podiam fazer-se concursos públicos?) comissários políticos de mente pouco aberta para uma empresa pública, não nos admiremos das más decisões. No caso da Islandia há esperanças porque a mentalidade é escandinava, não é portuguesa, não é chico-esperta nem vivaça, que são as características dos talentos dos nossos grandes líderes. Neste país já devia circular informação abundante sobre o método islandês de lidar com a crise (uma das medidas foi a chamada de todas as forças políticas ao governo, especialmente daquelas que sempre defenderam ideias contrárias às desregulamentações e às privatizações). Precisávamos de mentalidades escandinavas. Como também dizia Vitor Alves, a mentalidade portuguesa tem tendencia a pedir chefes para resolver problemas, tem tendencia a pedir a vinda dos messias, dos D.Sebastião, dos salvadores da pátria, em vez de desenvolver os métodos de trabalho coletivo. Vitor Alves esperava que o 25 de Abril eliminasse a mentalidade da dependencia do chefe. Mas ainda não chegámos lá. Talvez por causa do indicador do século em que se atingiu a alfabetização de 50% da população: XV na Escandinávia, XVI na Holanda, XVII na Alemanha e Inglaterra, XVIII em França, XIX em Espanha, XX em Portugal. Sabe-se da medicina que o primeiro passo para curar uma doença é identificá-la. Podiamos partir deste facto, que a mentalidade à portuguesa tem de ser mudada. Mas não, falta a humildade, aos governantes e aos governados. Humildade, precisa-se, para ir executando as medidas contra a crise. Pondo a ciência e a cultura na equação. Sim, nestes momentos de crise é muito importante saber a diferença entre Tomás More e Tomas Mann, para não seduzir, enganando, o eleitorado, nem ser seduzido. Não é próprio da disciplina científica assistir à crise da Islandia, à crise do Lehman Bros , do Merril Linch e da AIG e ir votar depois em quem defendeu as mesmas ideias de desregulamentação e privatização. Não é próprio fazer como os jogadores da lotaria que a sustentam porque pensam, ignorando as probabilidades, que um dia lhes sairá a sorte grande, e sustentar as propostas de um candidato a quem saiu a sorte grande de ter triunfado na competição económica dos empregos, das ações, dos investimentos imobiliários, sempre com os melhores indicadores de rendibilidade. Não é próprio, por mais forte que seja o indicador do século dos 50%. Mas todos respeitaremos os resultados eleitorais. Podemos é achar, alguns, que ficámos mais longe da mentalidade escandinava.

Talvez seja uma metáfora forçada, mas o crescimento económico que devemos ao neo-liberalismo reaganiano e tatcheriano converteu-se numa enxurrada que afogou os direitos humanos consignados na sua declaração universal e agravou o indicador de Gini. Para um pequeno país como Portugal, por mais perfeito que fosse o seu governo e a estrutura da sua economia, seria sempre impossível resistir à crise internacional. Não foi só a grande despesa pública e a má utilização dos dinheiros. Importámos o principal da crise.

Porém, o mais importante agora, era que os especialistas de ordenamento do território, no Brasil, na Austrália, (no Estuário do Tejo, no Vale de Alcantara, na Madeira), estudassem as variáveis em jogo e projetassem as soluções para execução, se possível contrariando as análises dos economistas da desregulamentação e dos triunfadores dos mercados.

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