segunda-feira, 23 de maio de 2011

Política energética

Leio com surpresa o Manifesto II - energia, competitividade económica e o futuro de Portugal.
Foi publicado na imprensa e está assinado por personalidades ilustres, de economistas a engenheiros (ver
www.energiaparaportugal.com ).
Manifesta preocupação pelo valor das tarifas elétricas como fator afetando a sustentabilidade social e a competitividade das empresas.
Apela à avaliação da politica energética e das formas de financiamento do défice tarifário (o que parecerá vago, para um manifesto).

A energia é uma questão difícil.
Como dizia o professor Ilharco, no IST, no principio dos anos 60 do século passado, a energia é o principal problema da Humanidade.
Basta pensar na necessidade periódica que qualquer um experimenta para repor os níveis energéticos do processo eletro-químico do funcionamento do musculo cardíaco.
Sem a energia potencial dos alimentos, altamente dependente da energia termo-nuclear solar, o coração parava.
Podemos passar sem televisão e sem futebol.
Sem energia não.
Então porque não pede o ManifestoII  mais páginas nos jornais sobre a energia do que sobre o futebol e a televisão?

Recordo-me, 5 anos depois do professor Ilharco, o professor Domingos Moura, já na especialidade, nos ter despertado para a problemática da conversão das energias.
Ainda não tinhamos sofrido o choque  petrolifero de 1973, mas já se estudava a conversão das energias solar e eólica em eletricidade, apesar da incipiencia tecnológica de então na conversão foto-voltaica e na regulação dos aero-geradores, numa altura em que a eletrónica de potencia elevada e a miniaturização dos circuitos integrados se consolidava e o comando por micro-processadores despontava (permitindo resolver o problema de injeção na rede da energia produzida com pouca constancia).
E naturalmente, estudava-se a energia hídrica, a fio de água e com capacidade de armazenamento e bombagem reversível.
Também já era ponto assente que as novas centrais térmicas deveriam ser de gás natural e, a seu tempo, nucleares.
Carvão e fuel/petróleo só em casos particulares e de pequena potencia.
Já se punha o acento tónico na ocupação certa das diferentes formas de produção no diagrama de cargas e na capacidade de armazenamento das albufeiras através de bombagem, ou armazenamento de hidrogénio produzido por eletrólise (na altura solução com graves dificuldades técnicas) ou até do recurso a depósitos de ar comprimido.

Por isso fiquei surpreendido ao ler, no manifesto II, a crítica ao aumento da capacidade instalada de produção de energias renováveis (embora o aumento da quota das renováveis na produção de energia seja um imperativo da UE), ao mesmo tempo que repete a evidencia de que o consumo de petróleo em Portugal é principalmente no setor dos transportes (evidencia que só por si requereria a transferencia de passageiros.km do transporte rodoviário e aéreo para o setor ferroviário, apesar dos investimentos que isso implica - porem o manifesto II omite esta problemática).

A surpresa é tambem porque o manifesto II omite soluções de armazenamento da eletricidade com origem na energia eólica (dada a potencia instalada - cerca de 4.000 MW suscetiveis de debitar cerca de 2.000 horas por ano - 8.765 horas -  não há muitas vezes carga para absorver a energia produzida, pelo que ela deverá ser armazenada): albufeiras com bombagem, produção de hidrogénio por eletrólise e utilização do hidrogénio em pilhas de combustivel fixas ou no transporte rodoviário (já disponiveis as tecnologias de produção, distribuição, armazenamento e motorização).
O manifesto chama "ociosos" aos custos fixos das eólicas e diz que elas apenas trabalham 25% do tempo (para sermos mais precisos, 27,4%). O que a tecnologia teve de evoluir para conseguir esses 25%, para agora apresentarem isso como uma fraqueza.
(Tambem o rendimento das locomotivas de vapor era inferior a 10%, e a Humanidade teve direito a usufruir delas enquanto não surgiu tecnologia de maior rendimento físico, embora haja atualmente economistas a dizer que Portugal não deveria ter investido na mobilidade das suas populações no século XIX - o que pensariam essas pessoas se soubessem que os seus bisnetos teriam preferido que eles só saissem da terra de carroça ou diligencia?).

A afirmação do manifesto II de que "não há poupança bruta na produção de renováveis mas apenas substituição de umas importações por outras" carece, salvo melhor opinião, de demonstração, especialmente numa altura de tendencia de aumento do periodo de amortização dos equipamentos de bombagem e eólicos e de melhoria do rendimento das centrais termicas de gás para compensar a "volatilidade" das eólicas.
Isto porque, não havendo produção por renováveis (não me pareceu este manifesto II esclarecedor sobre o que pensam da política de novas barragens), terá o investimento de ser canalizado de forma massiva para elevadas potencias instaladas em centrais de gás e carvão (para ocupar a base e a maior parte do diagrama), ao arrepio das diretivas europeias no capítulo das emissões de gases com efeito de estufa, ou para a energia nuclear (que obviamente deve ser estudada, mas nas suas tecnologias de melhor aproveitamento do combustivel).

Tambem é surpreendente o manifesto II falar em excesso de produção instalada quando a energia em excesso pode ser exportada (desde que a pulverização de distribuidoras de eletricidade não suscite concorrencia desleal), especialmente numa altura em que a Espanha estuda a redução da produção nuclear.

Parece ainda forçar a nota o manifesto II dizer que a produção de energias renováveis não reduz a fatura petrolifera, quando é certo que os preços do gás natural acabam por seguir as subidas do preço do petróleo e quando as emissões de gases com efeito de estufa da produção por gás (e a fortiori por carvão) são muito superiores às da produção por renováveis (nas quais aliás, continuam os progressos no sentido da redução de emissões e do aumento da fiabilidade, da longevidade e do rendimento dos novos aero-geradores e células foto-voltaicas).  A redução das emissões de gases com efeito de estufa é, aliás, um imperativo da UE.

Em resumo, embora ache natural que algumas das personalidades signatárias, menos sensibilizadas para a produção de energias renováveis, aproveitem a real necessidade, de minimizar as tarifas subsidiadas e os investimentos para produção de renováveis e armazenamento, para subscrever uma proposta de redução da produção de energias renováveis, já me custa ver colegas da especialidade darem prioridade imediata às políticas de produção por gás natural e carvão  e, eventualmente, nuclear.

Enfim, assunto a seguir, mas de preferencia com explicitação dos cálculos fundamentores, como é das regras.

Ver resumo da produção de renováveis em Portugal em :
http://fcsseratostenes.blogspot.com/2011/05/energias-renovaveis-em-portugal-no.html
Para informações sobre o binómio renováveis - armazenamento de energia, ver:
Renewable Energy, Bent Sorensen, ed.Elsevier Academic Press
Para informações sobre a estratégia energética da UE para 2020 ver:
http://ec.europa.eu/energy/strategies/2010/2020_en.htm


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