sexta-feira, 27 de abril de 2012

A linha verde do metropolitano de Lisboa





Recordando - Quando o grupo de trabalho para a reformulação do plano estratégico dos transportes publicou em fins de 2011 as taxas de ocupação do metropolitano de Lisboa e dos outros modos de transporte, logo o senhor ministro da economia e o senhor secretário de estado dos transportes , de forma escandalizada a lembrar os gestos bíblicos do rasgar das vestes, acusaram as empresas de desperdício dos dinheiros dos contribuintes por pretenso excesso de oferta relativamente à procura.
Com os olhos muito brilhantes, o senhor ministro prometeu acabar com as regalias e a má gestão das empresas que tais taxas de ocupação revelavam.
Tentou este blogue divulgar uns pequenos cálculos que demonstram que os valores das taxas de ocupação do metropolitano, sem prejuizo da introdução de melhorias, são normais para o modo de transporte quando comparado com os homólogos, fundamentalmente porque são calculadas em função de uma ocupação do metro quadrado nas carruagens para a hora de ponta (isto é, para 4 passageiros de pé em cada metro quadrado a taxa de ocupação é de cerca de 25%, o que é bom, e para 6 passageiros por m2 de 19%, valor que serviu aos senhores governantes para escandalizar a população).
http://fcsseratostenes.blogspot.pt/search?q=taxa+de+ocupa%C3%A7%C3%A3o

Veio depois o grupo de trabalho para a reformulação dos transportes nas áreas metropolitanas listar as tais medidas de melhorias possíveis, entre as quais se incluía a redução de 4 para 3 carruagens nas composições que circulam na linha verde do metropolitano.

Fundamentação da medida - A redução de 4 para 3 carruagens tem por objetivo a redução do consumo de energia. Uma composição de 4 carruagens (4 motoras) tem 16 motores e uma de 3 carruagens (2 motoras e um reboque) tem 8 motores.

Dado que o rendimento de um veículo varia normalmente no sentido inverso ao número de motores, é preferível circular com composições de 3 carruagens (ou de duas vezes 3 carruagens).
No caso de composições de 4 carruagens teremos, para uma ocupação de 4 passageiros de pé por metro quadrado: 520/16 = 33 passageiros por motor.
No caso de 3 carruagens teremos 390/8 = 49 passageiros por motor.
Evidentemente que para se manter a mesma capacidade da linha na hora de ponta tem de se aumentar o numero de comboios de 3 carruagens em funcionamento, isto é, tem de se diminuir o intervalo entre comboios na mesma proporção em que se diminuiu a capacidade de um comboio (de 520 para 390), ou uma redução de 25%.
Intervalo entre comboios 3carr = Intervalo entre comboios 4carr x 390/520

(nº de comboios em funcionamento em toda a linha = tempo de volta completa de um comboio na linha/intervalo entre comboios);
Capacidade horária de uma linha numa secção por sentido = nº de comboios por hora x capacidade de um comboio)

Como o país atravessa uma fase crítica com cortes em tudo o que serve a população, fora das horas de ponta, para cumprir as instruções do governo de aumento da taxa de ocupação, não terá havido a preocupação de aumentar suficientemente o número de comboios de 3 carruagens para manter a oferta, até porque o governo considerava essa oferta excessiva.

Porém, e nestes casos até há mais do que um porém, a procura dos passageiros terá aumentado ligeiramente apesar do arrefecimento da economia, graças ao aumento dos combustíveis. Por outro lado, os comboios de 3 carruagens, dada a sua menor capacidade, são mais sensíveis a perturbações com origem em picos de afluência, por exemplo chegada de um comboio suburbano ao Cais do Sodré, sem que esteja um comboio do metropolitano no cais de partida (acumulação de passageiros, impossibilidade do primeiro comboio de metro esgotar esses passageiros, demora do comboio por dificuldade de fecho de portas, rarefação de comboios noutras zonas da linha devido às demoras).

Em consequência, os passageiros reclamaram e a comissão de trabalhadores emitiu um comunicado esclarecendo os passageiros que a redução da oferta tinha sido uma imposição do governo.

Como a imprensa noticiou a entrada em serviço dos comboios com 3 carruagens -  Em 22 de Fevereiro de 2012 o metropolitano deu inicio à exploração da linha verde com composições de 3 carruagens.
O DN titulou que diminuía o numero de carruagens por comboio enquanto se gastava “o nosso dinheiro” nas obras de ampliação dos cais da estação Areeiro.
Quem leu a notícia, ou pelo menos o título, terá ficado com a ideia de que a redução da oferta tornava inúteis as obras de ampliação da estação.

Não será exatamente assim.
A remodelação da estação do Areeiro não consiste apenas na ampliação dos cais para permitirem a utilização de comboios de 6 carruagens.
Ela é feita também para melhorar as condições de ventilação e de segurança de evacuação, de modo a satisfazer as normas internacionais de incêndio.
E também para instalação de elevadores para cumprimento dos regulamentos de acessibilidade de pessoas com mobilidade reduzida às instalações públicas.
Além disso, para uma mesma capacidade horária da linha, o numero de comboios de 6 carruagens em serviço é metade do número de comboios de 3 carruagens, o que permite economias de exploração, embora com o dobro do intervalo entre comboios.
Por outro lado, além da estação Areeiro, apenas a estação Arroios não tem cais com capacidade para 6 carruagens.
Isto é, não circular com 6 carruagens na linha verde “desperdiça” o investimento em todas as outras 12 estações da linha verde.

As instruções do governo – Foi então com alguma surpresa que li no DN de 19 de abril de 2012 que o senhor secretário de estado dos transportes, depois de algumas viagens anónimas (!!!) “constatou (perdoe-se o galicismo) que a linha verde tem uma oferta insuficiente para a procura” e deu “instruções” ao metropolitano para aumentar a oferta (circular com mais carruagens ou reduzir o intervalo entre comboios)

Surpresa porque assim, depois de vituperarem os técnicos do metropolitano por terem uma oferta superior à procura em “400%” (!?) os senhores governantes vêm agora dar “instruções” que implicam uma baixa da taxa de ocupação (por exemplo, chega um comboio suburbano a Cais Sodré que enche o primeiro metro sem as pessoas se apertarem tanto como agora, mas não enche o segundo; este e o menor aperto do primeiro vão contribuir para a diminuição da taxa de ocupação).

Ou talvez não nos devamos surpreender, se atentarmos nas palavras do senhor secretário de estado, que agora sim, começam a saber o que hão-de propor à tróica na reunião de maio de 2012.

Possíveis soluções - Dadas as vantagens económicas e de eficiência energética da circulação com composições de 6 carruagens, será desejável concluir as obras da estação Areeiro e ampliar os cais da estação Arroios, obra que chegou a estar adjudicada em 2005 mas que não foi executada por falta de acordo com o município que se assustou nas vésperas de umas eleições com as perturbações de transito, uma vez que decorriam as obras da estação de S.Sebastião, relativas ao prolongamento da linha vermelha.

1 – Reformulação do projecto de remodelação  de Arroios - Considerando a crise que se atravessa e o esperado aumento da procura por transferência de tráfego individual ou por extinção de carreiras da Carris em sobreposição, seria aceitável reformular o projecto de remodelação da estação Arroios para minimizar os custos, limitando a intervenção à ampliação dos cais para sul, mantendo o átrio existente (aliás a primeira solução estudada, em 2000), praticando aberturas nos hasteais da galeria para prolongar os cais sem necessidade de céu aberto (seria necessário manter pilares a 1,5 metros do bordo do cais, solução já adotada noutras estações, por exemplo Sete Rios e Intendente, no tempo em que se controlavam melhor os custos), desviando as escadas e instalando elevadores para pessoas com mobilidade reduzida, e evitando, nesta fase, a remodelação das instalações eléctricas e de ventilação (por razões de normativo internacional, a remodelação da ventilação deverá executar-se mais cedo ou mais tarde).

2 – Solução provisória - Enquanto não se operacionaliza a remodelação da estação Arroios, será possível aplicar uma solução transitória que a tecnologia antiga do material circulante permitia com alguma facilidade mas que tem alguns condicionamentos devido a requisitos de segurança da abertura de portas e a especificidade dos comandos por software da tecnologia actual .

Trata-se de explorar a linha com comboios de 6 carruagens que, ou não parariam em Arroios, ou parando só abririam as portas das 4 primeiras carruagens.

No primeiro caso, a linha permite, nas horas de ponta, “injectar” comboios nos cais duplos de partida de Cais Sodré e Alvalade para atenuar o tempo de espera entre comboios que servissem Arroios (com 3 carruagens).

No segundo caso, quer se implementassem ou não as alterações de abertura selectiva de portas, por razões de segurança, deveria instalar-se do lado do cais, nas posições de paragem das portas da 5ª e 6ª carruagens, painéis obturadores da saída, complementados com cais provisórios para eventual evacuação , e painéis verticais de protecção contra quedas sobre o carril de energia do lado contrário, entre vias (limitação de velocidade obrigatória na zona).

Notar que, abrindo as portas da 4ª carruagem, os passageiros desta e das 5ª e 6ª carruagem, dada a existência de “gangway” entre carruagens, poderiam aceder aos atuais cais de Arroios, desde que informados.

Conclusão – É sempre interessante ver o entusiasmo de quem chega com poderes decisórios, menosprezando o que outros fizeram, construindo teorias explicativas do insucesso dos sistemas por culpa das regalias e dos excessos dos trabalhadores (ai este maniqueísmo mazdeísta que em busca de culpados a punir atravessa toda a cultura ocidental, apesar de ter tido origem no próximo oriente do segundo milénio antes de Cristo…), mas acabando por perceber como algumas coisas funcionam.

A dúvida é se, compreendida a questão das taxas de ocupação, se as outras questões do PET (plano estratégico de transportes) também o foram.

PS em 12 de maio de 2012 - fiquei um pouco preocupado ao ler no DN que, segundo as relações publicas do ML, tem aumentado o número de pertubações por queda de pessoas à via. Este um tema terrível, considerando o efeito de imitação e o periodo de crise e desemprego que se vive.
Também não apreciei , noutro plano, claro, a resposta às reclamações sobre a redução da oferta na linha verde subindo o numero de comboios em linha de 12 para 14 (aumento de 16%) quando se reduziu o numero de carruagens por comboio de 4 para 3 (redução de 25%); como o número de comboios em linha é inversamente proporcional ao intervalo entre comboios e à velocidade comercial, e como a capacidade da linha numa secção e sentido é inversamente proporcional ao intervalo entre comboios e diretamente proporcional ao numero de carruagens por comboio, temos que a oferta só se teria mantido (para a mesma velocidade comercial) se o número de comboios em linha tivesse subido para 15.

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